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Processo n.º 799/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
        Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A., S.A., e B., S.A., interpuseram acção, com processo ordinário (processo n.º 
 
 6436/05.3TVLSB, da 1ª Secção, da 1ª Vara Cível de Lisboa), contra a C., S.A., 
 requerendo ao tribunal que “determinando qual o sentido da interpretação dos n.º 
 
 4 das Cláusulas 1ª e 4.ª do Contrato celebrado em 7 de Junho de 2002, declare:
 a) - que a 1.ª Autora é devedora pelo capital de € 9.975.957,94;
 b) -que a esse capital acrescem juros calculados à taxa anual de 3,572%, desde 8 
 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de 
 Novembro de 2005 ascendiam a € 1.344.333,85);
 c) - que a 2.ª autora é responsável solidária pelos montantes devidos pela 1.ª 
 autora;
 d) - que para a remuneração do Contrato não foi prevista qualquer mora ou outros 
 encargos para além dos fixados e das obrigações fiscais que incidem sobre os 
 mesmos (como por exemplo, o imposto de selo) e;
 e) - que não foi, nem está prevista a capitalização de juros”
 
  
 Foi proferido despacho que absolveu a Ré da instância por falta de interesse em 
 agir.
 
  
 Desta decisão recorreram as Autoras para o Tribunal da Relação de Lisboa que, 
 por acórdão proferido em 11-2-2008, julgou improcedente o recurso.
 
  
 De novo inconformadas as Autoras recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça 
 que, por acórdão de 16-9-2008, negou provimento ao recurso.
 
  
 Desta decisão recorreram então as Autoras para o Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 
 “…não se conformando com o teor do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal 
 de Justiça, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com 
 fundamento na alínea b) do n.° 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), o que faz nos termos 
 seguintes:
 Face ao sentido e alcance atribuídos ao pressuposto processual inominado do 
 interesse em agir/interesse processual no âmbito das acções de simples 
 apreciação, a Decisão ora recorrida acolhe uma interpretação inconstitucional do 
 referido pressuposto e, bem assim do artigo 2.° e da alínea a) do n.° 2 do 
 artigo 4° todos do Código de Processo Civil - normas legais estas donde o 
 referido pressuposto decorre e tem aforamento legal -, porque totalmente 
 desconforme ao estipulado nos ns.° 1, 4 e 5 do artigo 20° da Constituição da 
 República Portuguesa.
 Na decisão ora recorrida as normas em causa foram objecto de interpretação 
 inconstitucional na medida em que considera inexistir interesse em agir no 
 recurso à tutela jurisdicional quando as Recorrentes pretendem a definição de um 
 dever jurídico que integra o núcleo essencial dos direitos e obrigações a que as 
 partes - Recorrida e Recorrentes - se obrigaram contratualmente, tanto mais que 
 a configuração que a Recorrida faz do conteúdo e alcance de tal dever, e 
 necessariamente da correspectiva prestação, leva a que às ora Recorrentes seja 
 exigido o cumprimento de um programa contratual distinto daquele a que razoável 
 e previsivelmente se haviam vinculado aquando da celebração do aludido 
 contrato.
 Tal interpretação e aplicação é, também assim, constitucionalmente desconforme, 
 porquanto considera que a contestação do sentido e alcance do direito de crédito 
 de que a Recorrida se arroga titular, bem como a contestação da correspectiva 
 prestação a que as Recorrentes se vincularam (contestações essas que decorrem, 
 em concreto, das diversas interpelações admonitórias - também estas 
 sucessivamente alteradas - e suficientemente documentadas nos autos), não 
 correspondem à existência de interesse em agir in casu.
 Porém, a incerteza decorrente de tal divergência - que desde já se pode 
 quantificar em cerca de um milhão de euros - que paira entre partes, quanto ao 
 sentido e alcance dos direitos e obrigações a que as mesmas se vincularam, é, 
 pelo contrário, manifesta, séria e objectiva, consistindo a acção de simples 
 apreciação, além do mais, o único meio processual idóneo e adequado para a 
 definição de tais direitos e obrigações e, por conseguinte, para a apreciação 
 da existência/inexistência do direito de crédito invocado pela Recorrida.
 Nestes termos, a Decisão ora recorrida denega a obrigação constitucional e 
 legal de uma tutela jurisdicional adequada à definição do âmbito dos referidos 
 direitos e deveres.
 Pretende-se, por isso, sindicar a inconstitucionalidade do aludido pressuposto 
 processual em sede de acções de simples apreciação assim como do artigo 2° e da 
 alínea a) do n.° 2 do artigo 4º, todos do Código de Processo Civil, quando 
 interpretados e aplicados - nos termos em que foram - de forma a descurar, tal 
 como aconteceu in casu, o direito de acção das Recorrentes e a obrigação de 
 tutela jurisdicional decorrente dos ns.° 1. 4 e 5 do artigo 20.º  da 
 Constituição da República Portuguesa. Impunha-se, na verdade, em concreto e 
 substancialmente, a apreciação da existência/inexistência do direito de crédito 
 invocado pela Recorrida, assegurando-se, igualmente, a possibilidade de 
 cumprimento do programa contratual cm crise.
 O aludido pressuposto processual - sempre em sede de acções de simples 
 apreciação - e, bem assim, o artigo 2.° e a alínea a) do n.° 2 do artigo 4°, 
 todos do Código de Processo Civil, em qualquer das indicadas interpretações e 
 aplicações, violam as regras constitucionalmente protegidas pelos n.° 1, 4 e 5 
 do aludido artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa…”
 
  
 Convidadas a esclarecer qual a interpretação normativa sustentada pela decisão 
 recorrida cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciada, apresentaram 
 requerimento com o seguinte conteúdo:
 
 “…A interpretação normativa sustentada pela decisão recorrida cuja conformidade 
 constitucional se pretende ver apreciada é aquela segundo a qual resulta dos 
 artigos 2º e 4º do Código de Processo Civil que nas acções de simples apreciação 
 se exige, como pressuposto processual, a verificação do interesse em agir e que 
 esse pressuposto não se verifica quando uma das partes num contrato (um banco) o 
 interpreta arrogando-se um direito de crédito que exerce directamente mediante 
 débitos em conta bancária que a contraparte mantém junto de si, colocando esta 
 contraparte numa posição devedora que considera injusta e sem suporte 
 contratual, desejando vê-la esclarecida em termos de ser declarada a existência 
 ou inexistência daquele putativo direito.
 Subsidiariamente para o caso de se entender que a mencionada interpretação 
 normativa não foi obtida na decisão recorrida, dos citados artigos 2º e 4º do 
 Código de Processo Civil, mas resulta, tão-só, de construção doutrinal, ainda 
 assim deverá - em face da força expansiva do conceito de norma fiscalizável 
 pelo Tribunal Constitucional e porque a mencionada interpretação foi 
 efectivamente sustentada como ratio decidendi conhecer-se do vertente pedido de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade…”
 
  
 Foi proferida decisão sumária em 25-11-2008 de não conhecimento do recurso, com 
 a seguinte fundamentação:
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
           Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 
 
 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 Os recorrentes alegando que no acórdão recorrido se sustentou que “resulta dos 
 artigos 2º e 4º do Código de Processo Civil que nas acções de simples 
 apreciação se exige, como pressuposto processual, a verificação do interesse em 
 agir e que esse pressuposto não se verifica quando uma das partes num contrato 
 
 (um banco) o interpreta arrogando-se um direito de crédito que exerce 
 directamente mediante débitos em conta bancária que a contraparte mantém junto 
 de si, colocando esta contraparte numa posição devedora que considera injusta e 
 sem suporte contratual, desejando vê-la esclarecida em termos de ser declarada a 
 existência ou inexistência daquele putativo direito”, pretendem que se fiscalize 
 a constitucionalidade deste entendimento.
 Em primeiro lugar o raciocínio exposto reconduz-se a uma operação de subsunção 
 da necessidade de existir um interesse em agir na interposição de uma acção de 
 simples apreciação ao caso concreto, pelo que o entendimento cuja 
 constitucionalidade se pretende ver apreciada, não é um critério normativo 
 dotado de generalidade e abstracção, mas sim o próprio juízo subsuntivo de 
 aplicação do direito ao caso concreto.
 Não admitindo o nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade 
 o chamado “recurso de amparo”, não pode a questão proposta ser apreciada.
 E, mesmo que se entendesse, por hipótese de raciocínio, que tal entendimento 
 consubstanciava um critério normativo, dotado de suficiente generalidade e 
 abstracção para poder ser objecto de fiscalização constitucional, nunca se 
 poderia considerar que o mesmo havia sido sustentado pela decisão recorrida.
 Da leitura desta resulta que não se considerou que em todas as situações em que 
 uma das partes num contrato (um banco) o interpreta arrogando-se um direito de 
 crédito que exerce directamente mediante débitos em conta bancária que a 
 contraparte mantém junto de si, colocando esta contraparte numa posição 
 devedora que considera injusta e sem suporte contratual, desejando vê-la 
 esclarecida em termos de ser declarada a existência ou inexistência daquele 
 putativo direito, não há um interesse que justifique a propositura duma acção de 
 simples apreciação, uma vez que para chegar a tal conclusão se ponderaram e 
 valoraram decisivamente particularidades do caso concreto, como seja o facto dos 
 autores da acção de simples apreciação terem sido demandados em acções 
 executivas onde “poderão, na oposição que lhes é consentida, pugnar pela 
 interpretação que reputam ser a juridicamente correcta”.
 A pretensão dos recorrentes não cumpre, pois, os requisitos necessários ao 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade, pelo que deve ser proferida 
 decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78º - A, n.º 1, da LTC.”
 
  
 As recorrentes reclamaram desta decisão, invocando os seguintes argumentos:
 
 “Conforme resulta da Decisão Sumária ora proferida, a possibilidade de 
 conhecimento do presente recurso foi excluída com base em dois diferentes e 
 muito distintos fundamentos. 
 Considera o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, em primeiro lugar, que (i) não se 
 está perante uma questão de inconstitucionalidade de uma norma jurídica e que, 
 por outro lado, ainda que assim não se entendesse e mesmo a ser esse o caso, 
 
 (ii) a norma aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça não fora a questionada 
 pelas Recorrentes. 
 Sucede, no entanto, que – salvo o devido respeito, que é muito – se discorda, em 
 absoluto, de ambos os fundamentos apontados. 
 Assim, e no que respeita àquele segundo fundamento, reporta-se o mesmo à 
 circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça não ver reconhecido interesse em 
 agir às Recorrentes, na acção que as mesmas propuseram, por estarem já em curso 
 acções executivas, respeitantes ao cumprimento do contrato em apreço, em que 
 lhes seria possível defender o seu direito. 
 Seria, desta forma, uma interpretação do requisito do interesse em agir, 
 incorporando e valorizando esse facto – da pendência das execuções –, aquela que 
 o Supremo Tribunal de Justiça teria acolhido e aplicado (e não a interpretação 
 questionada pelas Recorrentes). 
 Acontece, porém, que, no Acórdão de tal Supremo Tribunal não chega a dar-se por 
 assente e a afirmar-se a pendência de tais acções executivas, pois apenas que 
 
 «parece» resultar dos autos a existência de tais acções. 
 E acontece, além disso, que é absolutamente inexacto que qualquer acção desse 
 tipo – ou de qualquer outro – já haja sido interposta pela Recorrida e se 
 encontre a decorrer. 
 Diga-se, aliás, que nem os autos (ao contrário do que infundadamente presumiu o 
 mesmo Supremo Tribunal de Justiça) permitiam – ou em qualquer caso permitem – 
 inferir o contrário.
 Assim – e porque só erradamente e certamente por manifesto lapso poderia ter o 
 Supremo Tribunal de Justiça baseado a sua decisão num tal entendimento do 
 requisito do interesse em agir – sempre se deveria entender que não podia ser 
 essa a interpretação relevantemente aplicada por tal Tribunal, para confirmar o 
 Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 
 Mas a isso acresce que tal circunstância – da pretensa ou presumida pendência 
 das acções executivas – só é invocada pelo Supremo Tribunal de Justiça como 
 argumento adjuvante ou de maioria de razão: assim inequivocamente resulta do 
 aludido argumento vir introduzido pela expressão «tanto mais que [parece 
 resultar dos autos que a aqui Ré intentou acções executivas]». 
 Este modo de apresentar o argumento é, na verdade, denotativo e bem elucidativo 
 de que tal fundamento não é, efectivamente, decisivo e de que, mesmo na sua 
 falta, o Supremo Tribunal de Justiça não teria deixado de decidir do mesmo modo: 
 recusando o interesse em agir na acção. 
 Daí – e ainda que não só do que acaba de dizer-se, mas reforçadamente em 
 conjunção com o que foi dito antes – que se tenha de concluir que a 
 interpretação normativa que foi determinante da decisão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, e que o mesmo efectivamente aplicou, foi outra e justamente aquela que 
 as Recorrentes procuraram delinear no requerimento de recurso e na resposta ao 
 convite do Ex.mo Senhor Conselheiro Relator. 
 Por outro lado, no que se refere ao primeiro dos aludidos fundamentos, segundo 
 a Decisão Sumária ora reclamada, as Recorrentes ao identificarem a interpretação 
 questionada não estariam a colocar a questão da inconstitucionalidade de uma 
 norma, mas, verdadeiramente, a questão (da inconstitucionalidade) da subsunção 
 que o Supremo Tribunal de Justiça (com as instâncias) fez do seu caso concreto à 
 norma sobre a exigência processual do «interesse em agir». 
 Não está em causa – diz-se – um «critério normativo, dotado de suficiente 
 generalidade e abstracção», mas antes aquele juízo subsuntivo. 
 Note-se, antes de mais, que na Decisão Sumária proferida não se põe em causa a 
 indicação, pelas Recorrentes, dos artigos 2º e 4º do Código de Processo Civil 
 como aqueles preceitos a que poderia ligar-se o requisito do «interesse 
 processual» nas acções de simples apreciação (aliás salvaguardando que, a não se 
 considerar correcta essa ligação, então deveria considerar-se, sem mais, a 
 norma, doutrinariamente construída, em que se funda tal requisito processual, já 
 que a lei, efectivamente, não fala dele expressis verbis). 
 Mas justamente esta circunstância não pode deixar de assumir relevância e há-de 
 levar-se em conta, quando se trata de apreciar se está invocada ou não, na 
 espécie, uma questão de inconstitucionalidade normativa. 
 Com efeito, nem sequer definindo a lei o que seja o «interesse processual», nem 
 muito menos especificando as circunstâncias exigidas para que esteja preenchido 
 em cada tipo de acção, é-se remetido, nessa matéria, para enunciados doutrinais 
 muito abertos – como o de MANUEL DE ANDRADE, de «interesse objectivo e grave» – 
 que só são susceptíveis de ganhar densidade normativa justamente na sua 
 projecção nos casos ou tipos de casos concretos, face aos quais se vão 
 descobrindo as plúrimas dimensões normativas desse ou desses enunciados. 
 Ora, a verdade é que as Recorrentes não pretendem, em caso algum, questionar a 
 conformidade constitucional da exigência, em si mesma, do «interesse 
 processual» nas acções de simples apreciação, e nem sequer que esse haja de ser 
 um interesse «objectivo e grave». 
 O que questionam é um entendimento dessa exigência (da «objectividade», mas 
 sobretudo da «gravidade» do interesse) tal que exclua a existência do mesmo 
 interesse em casos com o perfil daquele, ou com o tipo daquele que se acha sub 
 judicio. 
 Ou seja: o que questionam é uma certa dimensão possível (e que foi justamente a 
 adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça) do enunciado aberto que dá expressão 
 ao requisito do «interesse processual». 
 Utilizando o esquema metodológico da silogismo judiciário, está-se ainda, pois, 
 no domínio da sua premissa maior, no domínio da norma, portanto. 
 Mas, se é assim, então o único modo de que as Recorrentes podiam e podem 
 socorrer-se, para identificar o entendimento ou a dimensão normativa que 
 questionam, é o de descrever as características do tipo do caso a que respeita 
 tal entendimento ou dimensão, características essas que, como é óbvio, estarão, 
 também, presentes no caso de espécie. 
 E com isso – repete-se – não se está a sair para fora da apreciação da premissa 
 maior (a norma) do silogismo judiciário. 
 E – por isso – também não deixa a questão de reportar-se a um critério dotado 
 de «generalidade e abstracção», pois que ele será sempre generalizável a todos 
 os casos com o perfil ou do tipo que é descrito. 
 Naturalmente que o recorte do perfil ou do tipo de casos pode ser mais amplo ou 
 mais restrito, mas isso em nada pode mudar as coisas. 
 E, no tipo de casos em apreço, bem se compreende que esse recorte seja mais 
 preciso, dada a especificidade do tipo de contrato (contrato bancário) no quadro 
 do qual a questão se suscitou. 
 De qualquer modo, o que se questiona é a dimensão da norma relativa ao 
 
 «interesse em agir» que o Supremo Tribunal de Justiça, tendo aplicado no caso 
 concreto de espécie, entendeu aplicável a todos os casos do mesmo tipo ou com o 
 mesmo perfil. 
 De resto, este Tribunal Constitucional tem, sem discrepâncias, admitido a 
 possibilidade de questionar-se a constitucionalidade, não só de uma simples 
 interpretação, mas também de uma simples dimensão aplicativa de uma norma 
 jurídica (a norma enquanto justamente aplicável a certo tipo de casos, ou a 
 casos de certo tipo) e, com isso, não tem deixado de examinar, e com 
 frequência, normas ou dimensões normativas que se identificam e delimitam 
 justamente pelas notas identificativas e individualizadoras desses casos-tipo. 
 E não é raro, inclusivamente, que, questionada uma norma, seja o próprio 
 Tribunal a «reduzi-la» precisamente ao tipo de casos em que foi aplicada, tipo 
 esse por vezes delimitado em termos muito estreitos (nomeadamente para 
 circunscrever o alcance de uma pronúncia de inconstitucionalidade) e 
 perfeitamente equiparáveis àqueles que as Recorrentes utilizaram no presente 
 recurso. 
 Nestes termos, novamente se conclui: deverá, em face da força expansiva do 
 conceito de norma fiscalizável pelo Tribunal Constitucional e porque a 
 interpretação já apontada dos autos foi efectivamente sustentada como ratio 
 decidendi, conhecer-se do vertente pedido de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade.”
 
  
 A recorrida respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 A decisão reclamada recusou o conhecimento do recurso de constitucionalidade 
 interposto pelas reclamantes por entender que o objecto do recurso delimitado 
 por estas no respectivo requerimento de interposição corrigido não integrava uma 
 norma, mas sim um raciocínio subsuntivo, e não correspondia à ratio decidendi do 
 acórdão recorrido.
 As recorrentes reclamam, sustentando que a indicação por elas feita da 
 interpretação cuja constitucionalidade pretendem ver fiscalizada tem carácter 
 normativo e foi fundamento do acórdão recorrido.
 Foi a seguinte a questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal pelas 
 reclamantes:
 
 - é inconstitucional o entendimento de que “resulta dos artigos 2º e 4º do 
 Código de Processo Civil que nas acções de simples apreciação se exige, como 
 pressuposto processual, a verificação do interesse em agir e que esse 
 pressuposto não se verifica quando uma das partes num contrato (um banco) o 
 interpreta arrogando-se um direito de crédito que exerce directamente mediante 
 débitos em conta bancária que a contraparte mantém junto de si, colocando esta 
 contraparte numa posição devedora que considera injusta e sem suporte 
 contratual, desejando vê-la esclarecida em termos de ser declarada a existência 
 ou inexistência daquele putativo direito”.
 Apesar de nem sempre ser fácil distinguir onde na aplicação do direito ao caso 
 concreto, acaba a formulação de juízos interpretativos de disposições legais, 
 com cariz normativo, e começa o necessário juízo subsuntivo daquelas disposições 
 e respectivas interpretações normativas, tendo em consideração as 
 particularidades do caso concreto, a questão colocada pelas reclamantes situa-se 
 já neste último nível do raciocínio judiciário.
 Na verdade, a questão constitucional formulada pelas reclamantes não incide 
 sobre uma regra, vocacionada para uma aplicação genérica, relativa à 
 interpretação abstracta do que é o interesse em agir, nas acções de simples 
 apreciação. Apesar de não se referir o nome dos sujeitos da relação jurídica em 
 causa, nem os montantes do direito de crédito que integra essa relação, estamos 
 perante uma mera valoração do julgador da existência de interesse em agir 
 perante os dados concretos da situação fáctica integrante da causa de pedir 
 nesta acção.
 Quanto à segunda discordância, importa reler os termos da fundamentação do 
 acórdão recorrido, após tecer considerações, estas sim genéricas e abstractas, 
 sobre o interesse em agir nas acções de simples apreciação negativa:
 
 “…Em suma, para saber se, in casu, as AA. demonstram interesse em agir 
 importaria, partindo do princípio de que são verdadeiras e aceites pela parte 
 contrária as suas alegações, no mais que não se relaciona directamente com as 
 concretas cláusulas, saber se, somente, através da acção de simples apreciação 
 elas poderiam satisfazer a sua pretensão, ou seja, “se para evitar esse 
 prejuízo, necessita exactamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais”.
 A nossa resposta é negativa.
 Não se verifica o interesse em agir quando as AA. têm outros meios de fazer 
 vingar a sua tese, tanto mais que parece resultar dos autos que a aqui Ré 
 intentou acções executivas; se assim for as AA., enquanto executadas, poderão, 
 na oposição que lhes é consentida legalmente, pugnar pela interpretação que 
 reputam ser a juridicamente correcta.
 Neste entendimento não merece censura a decisão recorrida.
 Sustentam as recorrentes que, a manter-se o Acórdão recorrido, isso seria o 
 mesmo que sujeitar as Recorrentes à vontade da Recorrida, sem qualquer hipótese 
 de recurso ou tutela pelo Direito, considerando assim violado o art. 20°, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Salvo o devido respeito, não se vislumbra que a divergente interpretação dos 
 termos do contrato pela Ré sujeite as AA. à sua vontade, em termos de impedir a 
 discussão da divergência nos tribunais; seria uma entidade privada no contexto 
 de um litígio também privado a impedir o acesso aos Tribunais e à Justiça o que 
 constituiria um perfeito absurdo. 
 O facto do Tribunal confirmar a decisão recorrida – especialmente tendo em conta 
 a peculiar natureza da acção de simples apreciação – não as priva de aceder ao 
 judiciário para defesa dos seus interesses, pelo que não existe a temida 
 inconstitucionalidade”.
 Da leitura da fundamentação do acórdão recorrido resulta que este não entendeu 
 que não se verifica interesse em agir numa acção de simples apreciação porque 
 
 “uma das partes num contrato (um banco) o interpreta arrogando-se um direito de 
 crédito que exerce directamente mediante débitos em conta bancária que a 
 contraparte mantém junto de si, colocando esta contraparte numa posição devedora 
 que considera injusta e sem suporte contratual, desejando vê-la esclarecida em 
 termos de ser declarada a existência ou inexistência daquele putativo direito”, 
 mas sim quando a intervenção meramente declarativa do direito pelos órgãos 
 jurisdicionais é necessária para evitar o prejuízo invocado pelas demandantes, 
 o que, no caso concreto, não se verificava porque estas tinham “outros meios 
 para fazer vingar a sua tese”.
 O fundamento da decisão de não conhecimento da acção de simples apreciação 
 proposta pelas reclamantes não foi, pois, aquele que estas formularam no seu 
 requerimento corrigido de interposição de recurso, mas outro bem diferente, pelo 
 que também por falta deste requisito essencial do recurso de constitucionalidade 
 se justificava o sentido da decisão sumária.
 Nestes termos deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., S.A., e Imobiliária 
 B., S.A., da decisão sumária proferida nestes autos em 25-11-2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos