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Processo n.º 539/02
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 27 de Agosto de 1996, A. e outros, todos melhor identificados nos autos, 
 deduziram impugnação do acto tributário resultante da fixação, pela Câmara 
 Municipal do Porto, de uma taxa de urbanização no valor de 14 855 468$00, pelo 
 projecto de construção com alvará de licença n.º 147/96, com fundamento em que 
 tal “taxa”, prevista no artigo 97.º do Regulamento Municipal de Obras aprovado 
 por deliberação camarária de 6 de Abril de 1986 e homologada pela Assembleia 
 Municipal em 5 de Junho de 1989 (edital n.º 11/89, com as alterações dos editais 
 n.ºs 1/92 e 14/95), constituía, de facto, um “verdadeiro imposto”, 
 consequentemente inconstitucional.
 Remetido o processo ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, no seu 3.º 
 Juízo veio a impugnação a ser liminarmente indeferida, em 11 de Abril de 1997, 
 nos termos do artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, por não ter 
 sido precedida de decisão dos órgãos executivos da autarquia e o tribunal se ter 
 considerado absolutamente incompetente.
 Inconformados, os impugnantes apresentaram recurso para a Secção de Contencioso 
 Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, encerrando deste modo as suas 
 alegações:
 
 «1 – A receita camarária cujo acto de liquidação foi impugnado, prevista no 
 Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto assume natureza 
 jurídica de Imposto e não de Taxa, sendo irrelevante o “nomen iuris” que lhe foi 
 atribuído.
 
 2 – Constituindo um imposto, o recurso contra os respectivos actos de liquidação 
 há-de ser interposto directamente para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância do 
 Porto, nos termos do n.º 1 do art.º 22.º da Lei n.º 1/87, de 6/1.
 
 3 – Mesmo a considerar-se a receita em apreço uma verdadeira Taxa, o “Princípio 
 da Separação de Poderes” e o art.º 62.º, n.º 1, a), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais admitiriam o recurso directo para o supra referido 
 Tribunal Tributário.
 
 4 – Ao absolver da instância a Câmara Municipal do Porto, o Tribunal a quo 
 violou, entre outros, os artigos 62.º, n.º 1, a), do ETAF e 22.º, n.ºs 1 e 2, da 
 Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.»
 Contra-alegou o representante da Fazenda Pública, pugnando pela manutenção da 
 decisão, após o que a juíza do 3.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância 
 do Porto decidiu reparar a decisão agravada, nos termos do artigo 744.º do 
 Código de Processo Civil, mantendo o indeferimento liminar da petição inicial 
 mas agora com fundamento em “não haver a impugnante esgotado os meios de reacção 
 perante os órgãos executivos autárquicos já referidos, faltando, assim, um 
 pressuposto de procedência que torna ilegal a impugnação deduzida.”
 
 2.De novo interpuseram recurso os impugnantes, encerrando assim as suas 
 alegações:
 
 «1 – O douto despacho em recurso que diz reparar o agravo interposto do despacho 
 que julgou absolutamente incompetente o Tribunal, quando não se trata de recurso 
 de agravo mas de recurso processado como o de agravo e que o substituiu por 
 outro despacho que indefere liminarmente a petição, ofendeu desde logo os 
 artigos 102.º da LPTA, 169.º do C. P. Tributário e 666.º e 744.º do C. P. Civil.
 
 2 – A receita camarária cujo acto de liquidação foi impugnado, prevista no 
 Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto, assume natureza 
 jurídica de Imposto e não de Taxa, sendo irrelevante o “nomen iuris” que lhe foi 
 atribuído.
 
 3 – Constituindo um imposto, o recurso contra os respectivos actos de liquidação 
 há-de ser interposto directamente para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância do 
 Porto, nos termos do n.º 1 do art.º 22.º da Lei n.º 1/87, de 6/1.
 
 4 – Mesmo a considerar-se a receita em apreço uma verdadeira Taxa, o “Princípio 
 da Separação de Poderes” e o art.º 62.º, n.º 1, a), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais admitiriam o recurso directo para o supra referido 
 Tribunal Tributário.
 
 5 – Ao indeferir liminarmente a petição, o douto despacho em recurso violou, 
 entre outros, os artigos 62.º, n.º 1, a), do ETAF e 22.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 
 
 1/87, de 6 de Janeiro.»
 Não houve outras intervenções processuais e subiram os autos ao Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 Por acórdão de 10 de Maio de 2000, esse Supremo Tribunal, pela sua Secção de 
 Contencioso Tributário, decidiu revogar “o despacho, dito de reparação de 
 agravo”, por ter deixado intocada a questão da competência do Tribunal 
 Tributário, e revogar também o primeiro despacho de indeferimento liminar, 
 determinando a sua substituição “por outro que não seja de indeferimento liminar 
 por incompetência em razão da matéria do Tribunal”.
 
 3.Tendo a juíza do 3.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto 
 por sentença de 29 de Setembro de 2000, indeferido liminarmente a petição 
 inicial, “por não haver a impugnante esgotado os meios de reacção perante os 
 
 órgãos executivos autárquicos já referidos, faltando assim, um pressuposto de 
 procedência que torna ilegal a impugnação deduzida”, de novo os impugnantes 
 interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, encerrando as suas 
 alegações deste modo:
 
 «1 – A receita camarária cujo acto de liquidação foi impugnado, prevista no 
 Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto, assume a natureza 
 jurídica de Imposto e não de Taxa, sendo irrelevante o “nomen iuris” que lhe foi 
 atribuído.
 
 2 – Constituindo um imposto, o recurso contra os respectivos actos de liquidação 
 há-de ser interposto directamente para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância do 
 Porto, nos termos do n.º 1 do art.º 22.º da Lei n.º 1/87, de 6/1.
 
 3 – De resto, o n.º do artigo 22.º da Lei n.º 1/87 não quis consagrar, para as 
 reclamações e impugnações de taxas, regime diferente do previsto no n.º 1 da 
 mesma disposição para as reclamações e impugnações de impostos, apenas se 
 explicando diferentes disposições na medida em que as taxas, sendo liquidadas 
 pelas autarquias, impõem que as reclamações e impugnações sejam deduzidas 
 perante os órgãos executivos das autarquias locais, como se dispõe naquele n.º 
 
 2, enquanto os impostos previstos no artigo 4.º e a derrama, cuja liquidação e 
 cobrança o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de Maio, previa deixaram 
 de ser feitas pelos respectivos serviços das câmaras municipais, sendo liquidado 
 e cobrados hoje por serviços da Administração Fiscal, impõem que as respectivas 
 reclamações e impugnações sejam deduzidas perante a entidade competente para a 
 liquidação.
 
 4 – O regime de reclamação e impugnação dos referidos impostos e das taxas era 
 exactamente o mesmo, como resulta do artigo 3.º daquele Decreto-Lei n.º 163/79, 
 que prescrevia que “o disposto nos artigos anteriores aplica-se às reclamações, 
 impugnações e transgressões referentes à liquidação e cobrança de taxas e 
 mais-valias” e, se a Lei n.º 1/87 tivesse pretendido inovar a este respeito e 
 quebrar uma longa tradição jurídica, tê-lo-ia dito explicitamente.
 
 5 – Nem se entende bem o que seja uma aberrante impugnação graciosa a que se é 
 conduzido pela interpretação do n.º 2 do citado artigo 22.º consagrada pela 
 douta sentença em recurso e por alguma outra Jurisprudência no mesmo sentido.
 
 6 – Contra tal interpretação e a favor do ponto de vista aqui sustentado podem 
 invocar-se também disposições legais ulteriores, como o artigo 68.º, n.º 3, do 
 Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 250/94, de 15 de Outubro, que republicou aquele com as alterações nele 
 introduzidas, e o artigo 32.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de 
 Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de 
 Dezembro, e pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto, cujos preceitos são 
 incompatíveis com qualquer prévia impugnação graciosa, de cuja decisão caberia 
 recurso para os tribunais tributários de 1.ª instância, pois o que naqueles 
 preceitos se dispõe é que da liquidação das taxas cabe recurso para os tribunais 
 nos termos e com os efeitos previstos no Código de Processo Tributário.
 
 7 – E pode invocar-se também o douto acórdão pelo qual esta mesma questão já foi 
 apreciada e decidida por este Venerando Tribunal, a propósito da impropriamente 
 chamada “taxa de aparcamento” – Recurso n.º 17331 – DOCUMENTO JUNTO ao recurso 
 do despacho que julgou absolutamente incompetente o tribunal – e no qual foi aí 
 perfilhada a tese acabada de expender.
 
 8 – Acresce que, hoje, o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, 
 correspondente ao anterior artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, da citada Lei n.º 1/87, de 6 
 de Janeiro, manda aplicar as normas do Código de Processo Tributário à 
 reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação dos impostos das 
 alíneas a) e b) do artigo 16.º bem como das taxas, encargos de mais-valias e 
 demais receitas de natureza fiscal, constituindo disposição verdadeiramente 
 interpretativa dos anteriores preceitos da Lei n.º 1/87, que nada inovou em 
 relação ao regime do Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de Maio, regime que é 
 exactamente igual ao actualmente vigente, nada justificando que se continue a 
 sustentar como sustenta o douto despacho em recurso que ao caso dos autos se 
 aplica a Lei n.º 1/87 como se esta, quando devidamente interpretada, dispusesse 
 diferentemente…
 
 9 – Mesmo a considerar-se a receita em apreço uma verdadeira Taxa, o “Princípio 
 da Separação de Poderes” e o art.º 62.º, n.º 1, a), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais admitiriam o recurso directo para o supra referido 
 Tribunal Tributário.
 
 (10) – Ao indeferir liminarmente a petição, o douto despacho em recurso violou, 
 entre outros, os artigos 62.º, n.º 1, a), do ETAF e 22.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 
 
 1/87, de 6 de Janeiro.»
 Em vista aos autos, o Ministério Público junto do Supremo Tribunal 
 Administrativo invocou o acórdão n.º 639/95, do Tribunal Constitucional (Diário 
 da República [DR], II Série, de 19 de Março de 1996) para considerar taxas as 
 receitas em causa e concluir pela “falta de um pressuposto de procedibilidade 
 impugnatória”, concluindo pelo não provimento do recurso, e, por acórdão de 16 
 de Maio de 2001, assim se decidiu, invocando-se os acórdãos do Tribunal 
 Constitucional de 21 de Junho de 2000 e de 23 de Fevereiro de 2000, publicados, 
 respectivamente, no DR, II Série, de 8 de Novembro de 2000 e de 24 de Outubro de 
 
 2000.
 
 4.Vieram então, em Junho de 2001, os impugnantes interpor recurso “para o Pleno 
 da Secção de Contencioso Tributário, nos termos do artigo 30.º, b), do E.T.A.F. 
 e do artigo 102.º da L.P.T.A.” com fundamento em oposição de tal acórdão com o 
 proferido pela mesma Secção em 11 de Maio de 1994, no processo n.º 17 311, e de 
 que já fora junta cópia aos autos.
 Em 10 de Outubro de 2001, a escrivã auxiliar lavrou informação nos autos dando 
 conta de que lhe parecia “que as alegações deram entrada fora de prazo”, pois 
 que
 
 “O requerente foi notificado da admissão de recurso em 12-7-2001, tendo o prazo 
 terminado em 26-9-2001 tendo as alegações sido apresentadas em 4-10.”
 Ouvidos os recorrentes, insistiram estes na tempestividade da apresentação das 
 alegações de recurso, defendendo que, em resultado da revogação dos artigos 
 
 763.º a 770.º do Código de Processo Civil por força do artigo 17.º do 
 Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, “o prazo não pode deixar de ser o 
 de 20 dias” previsto no artigo 106.º da L.P.T.A.
 Pronunciou-se o Ministério Público pela deserção do recurso, por falta de 
 alegação tempestiva, e assim decidiu o relator em 21 de Novembro de 2001.
 Inconformados, os impugnantes reclamaram para a conferência suscitando também a 
 inconstitucionalidade do artigo 102.º da L.P.T.A., por força do artigo 203.º da 
 Constituição, na interpretação, adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, 
 que “manda aplicar os revogados artigos 763.º a 770.º do C. P. Civil”.
 Por acórdão de 8 de Maio de 2002, a conferência da Secção de Contencioso 
 Tributário do Supremo Tribunal Administrativo indeferiu a reclamação, 
 considerando, entre o mais, que a arguição de inconstitucionalidade não estava 
 
 “minimamente densificada, por modo a possibilitar a sua análise.”
 
 5.Inconformados, os impugnantes trouxeram recurso a este Tribunal, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, “uma vez que a 
 interpretar-se, como tem sido interpretado pelo Supremo Tribunal Administrativo, 
 que o artigo 102.º da L.P.T.A. manda aplicar os revogados artigos 763.º a 770.º 
 do C. P. Civil, então o artigo 102.º da L.P.T.A. é inconstitucional por ofensa 
 do artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe aos Tribunais 
 a sujeição à lei, não podendo esta ser uma lei revogada.”
 Nas alegações que apresentaram neste Tribunal formularam as seguintes 
 conclusões:
 
 «1.ª - No douto acórdão em recurso para o Tribunal Constitucional, decidiu-se 
 que os artigos 763.º a 767.º do C. P. Civil, que foram revogados pelo artigo 
 
 17.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, continuam a ser aplicáveis 
 aos recursos para o Pleno por oposição de acórdãos, quando é certo que os ora 
 recorrentes tinham sustentado que é inconstitucional, por ofensa do artigo 203.º 
 da Constituição, na parte em que impõe aos Tribunais a sujeição à lei, a 
 interpretação, seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que o artigo 
 
 102.º da LPTA manda aplicar aqueles artigos em vez do artigo 106.º da LPTA e os 
 artigos 678.º, n.º 4, e 732.º–A e 732.º-B do C. P. Civil.
 
 2.ª - E não faz qualquer sentido sustentar, como o douto acórdão em recurso, que 
 o prazo de 5 dias do artigo 765.º, n.º 3, do C. P. Civil passou a ser de 10 
 dias, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de 
 Dezembro, que é precisamente o diploma que revogou os artigos 763.º a 770.º 
 daquele Código, tratando-se de pura ficção esta tese que não encontra na lei o 
 mínimo de apoio.
 
 3.ª - A tese do Supremo Tribunal Administrativo, quanto ao recurso por oposição 
 de acórdãos, não tem qualquer consagração no novo Código de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, cujo artigo 148.º dispõe de forma idêntica à dos 
 artigos 732.º–A e 732.º-B do C. P. Civil e cujo regime do artigo 152.º não 
 difere substancialmente do regime do artigo 678.º, n.º 4, do C. P. Civil, 
 aplicando-se a disposição geral do artigo 144.º daquele Código, quanto ao prazo 
 de 30 dias para o requerimento de recurso com a respectiva alegação.
 
 4.ª - E, na verdade, ao contrário do que se entendeu no douto acórdão em 
 recurso, de nada interessa para a solução da questão dos autos que a revogação 
 dos artigos 763.º a 770.º do Código de Processo Civil tenha ficado a dever-se à 
 inconstitucionalidade do instituto dos assentos, aos quais não eram equiparados 
 os arestos do Supremo Tribunal Administrativo, que não têm nem nunca tiveram 
 força obrigatória geral, pois esta consideração e a da excepção à regra geral da 
 natureza dinâmica da remissão da lei, se permite manter em vigor um regime para 
 que remete a norma de devolução se tal regime foi apenas alterado por causa de 
 razões específicas do sistema legal em que esse regime está inserido, não 
 permite mantê-lo em vigor se ele foi totalmente revogado.
 
 5.ª - Assim, por força dos artigos 102.º e 106.º do LPTA e dos artigos 678.º, 
 n.º 4, e 732.º-A e 732.º–B do C. P. Civil, o prazo para alegações de recurso 
 para o Tribunal Pleno é o de 20 dias e não o de 5 dias do revogado artigo 765.º, 
 n.º 2, do C. P. Civil, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 102.º do 
 LPTA, por violação do artigo 203.º da Constituição, na parte em que impõe aos 
 Tribunais a sujeição à lei, que não pode ser a lei a que o poder legislativo 
 retirou vigência.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 6.Importa começar por apurar se se pode tomar conhecimento do recurso. No 
 presente caso pode recordar-se o que se escreveu no acórdão n.º 643/99, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt
 
 «a questão de constitucionalidade normativa cuja solução conduz à aplicação das 
 disposições do Código de Processo Civil em causa (em particular o artigo 765.º) 
 ao recurso por oposição de acórdãos perante o Pleno do Supremo Tribunal 
 Administrativo não diz respeito a estas próprias disposições, mas à 
 
 “interpretação do sentido da remissão” contida no artigo 102.º da Lei de 
 Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de não ser uma 
 remissão “dinâmica”. Isto é, tal questão ancora-se, não nas próprias normas para 
 as quais se remete, mas na norma remissiva, dizendo respeito ao entendimento 
 desta remissão “dinâmica” ou “estática”. Isto porque, como também se salientou, 
 aquelas normas objecto de remissão não comportam em si qualquer interpretação no 
 sentido de, apesar de revogadas, deverem continuar a ser aplicáveis, tal como, 
 aliás, não contêm “qualquer virtualidade aplicativa, fora do processo civil, 
 independentemente daquela remissão (e, depois da sua revogação, da interpretação 
 do sentido desta remissão, como sendo ‘dinâmica’ ou ‘estática’)”.»
 No caso vertente, e ao contrário do que ocorreu no caso decidido pelo citado 
 aresto, estão aqui preenchidos os requisitos do tipo de recurso de 
 constitucionalidade interposto –  designadamente a adequada suscitação de uma 
 questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
 E está também delimitada essa questão de constitucionalidade: consiste ela em 
 aquilatar da conformidade constitucional – designadamente com o disposto no 
 artigo 203.º da Constituição - da norma do artigo 102.º da Lei de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, que definia o regime dos recursos ordinários de 
 decisões jurisdicionais nos tribunais administrativos, entendida no sentido de 
 conter uma remissão para o conteúdo de normas (artigos 763.º a 770.º, e em 
 especial o artigo 765.º, do Código de Processo Civil) que foram entretanto 
 revogadas.
 
 7.Está em causa, portanto, admitir ou não, no espaço de conformidade 
 constitucional – com o invocado princípio da obediência à lei, mas também com o 
 princípio da separação de poderes -, a interpretação (correctiva) que foi 
 adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto à supressão dos recursos 
 fundados em oposição de acórdãos, operada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 
 
 329-A/95, de 12 de Dezembro. Com a revogação das normas dos artigos 763.º a 
 
 770.º, sobre o recurso para o tribunal pleno, no Código de Processo Civil (na 
 sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre os assentos – cfr. 
 o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329‑A/95), deparavam-se, em abstracto, várias 
 opções quanto às conclusões a extrair no âmbito do direito administrativo (pois 
 o legislador não previu expressamente o sentido das normas que remetiam para os 
 artigos que revogou). Tais opções poderiam incluir o desaparecimento do recurso 
 por oposição de acórdãos no âmbito do direito administrativo (embora por razões 
 que, a mais de lhe serem estranhas, não teriam sido desejadas pelo legislador da 
 reforma do processo civil), a sua substituição pelo chamado novo julgamento 
 ampliado da revista (que implicaria, como que por arrastamento, uma reforma do 
 sistema de recursos do contencioso administrativo e tributário), ou a manutenção 
 do sistema anteriormente vigente, entendendo a remissão feita no domínio do 
 processo administrativo como mantendo-se para as mesmas normas, cuja revogação 
 não obstaria a que se mantivessem, como incorporadas no conteúdo normativo das 
 normas remissivas.
 Ora, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os méritos relativos de cada 
 uma das três soluções, mas apenas averiguar se a continuidade do regime adoptado 
 pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Junho, que aprovou a Lei de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, e que corresponde a esta última alternativa, é 
 constitucionalmente conforme, como, implicitamente, julgou o Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 Importa, aliás, notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo 
 resolveu a dúvida referida no sentido da manutenção da aplicabilidade das normas 
 dos artigos 765.º e 767.º do Código de Processo Civil, com as necessárias 
 adaptações, à regulação da tramitação do recurso por oposição de acórdãos no 
 
 âmbito do contencioso administrativo, apesar da sua revogação no âmbito do 
 processo civil (artigos 3.º e 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95), logo 
 pouco depois da revogação operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 – cfr. logo o 
 acórdão de 24 de Abril de 1996 (in BMJ, n.º 456, p. 253). E tal orientação foi 
 depois reiterada em numerosos arestos – cfr., por exemplo, o acórdão do pleno da 
 Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de 
 Outubro de 1998 (sumariado em www.dgsi.pt).
 Quando interpuseram o seu recurso, os recorrentes não podiam, pois, deixar de 
 conhecer esta orientação, no sentido da manutenção da aplicabilidade do artigo 
 
 765.º do Código de Processo Civil ao recurso por oposição de julgados nos 
 tribunais administrativos.
 
 8.Os recorrentes impugnam, porém, a interpretação em causa, por entender que ela 
 
 é contra legem, violando o artigo 203.º da Constituição, na parte em que impõe 
 aos Tribunais a sujeição à lei.
 Ora, como se refere na doutrina (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, p. 795, anotação V ao artigo 206.º, 
 actual artigo 203.º), a independência dos tribunais, consagrada a par da sua 
 subordinação à lei, não pode deixar de entender-se que “compreende a autonomia 
 na interpretação do direito”, sendo que esta envolve também a integração de 
 eventuais “lacunas ocultas”, em especial por “redução teleológica” (e, como se 
 sabe, «[e]xiste uma “lacuna oculta” quando, segundo a teleologia imanente da 
 lei, a regra legal carece de uma restrição que a lei não formula. A “integração” 
 da lacuna faz-se então pelo aditamento da restrição postulada, de harmonia com o 
 sentido da lei. Como, por este processo, a regra demasiado ampla que a lei 
 contém é reduzida ao âmbito de aplicação que lhe cabe segundo o fim ou o 
 contexto significativo da lei, falamos a este propósito de uma “redução 
 teleológica”» - Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 1978, 
 pp. 450-451).
 Ora, no presente caso, a interpretação normativa em causa foi formulada 
 justamente invocando a necessidade de uma consideração do espírito do legislador 
 ao revogar as normas dos artigos 763.º e segs. do Código de Processo Civil – a 
 necessidade de afastar o instituto dos “assentos” e sua força obrigatória geral, 
 que não se verificava quanto às decisões proferidas no âmbito do recurso por 
 oposição de acórdãos no contencioso administrativo. O Supremo Tribunal 
 Administrativo procurou cuidadosamente mostrar que a sua solução se não opõe à 
 vontade do legislador, mas, antes que, através de uma “obediência pensante’ 
 
 (Heck) e inteiramente de acordo com o espírito do legislador, actua as 
 verdadeiras intenções deste ao tomar em conta o sentido e o fim da norma” (Karl 
 Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Lisboa, 1965, p. 278). Uma tal forma 
 de interpretação de modo algum conflitua com o dever de obediência à lei, mas 
 antes traduz a sujeição ou “obediência pensante” justificada pela consideração 
 da sua finalidade.
 Não deverão as coisas ser diferentemente entendidas por, alegadamente, a 
 revogação das normas implicar uma radical remoção da sua validade jurídica. É 
 que, na verdade, está então também em causa apenas uma interpretação do alcance 
 da norma revogadora e da norma remissiva. Não se vê, sob o ponto de vista do 
 dever de sujeição à lei, fundamento para, do ponto de vista constitucional, 
 distinguir extensão teleológica e ultra-actividade de normas (ou aplicabilidade 
 de normas por força de uma certa interpretação da norma que para elas remete).
 Quer face ao princípio da separação de poderes, quer face ao princípio da 
 obediência dos tribunais à lei, não existe, pois, na interpretação normativa em 
 apreciação, qualquer ofensa. Antes está apenas em questão determinado 
 entendimento, desde logo, da norma remissiva do artigo 102.º da Lei de Processo 
 nos Tribunais Administrativos, no sentido de se não tratar de uma remissão 
 dinâmica, antes se mantendo para as normas em vigor no momento em que foi 
 formulada. Tal entendimento, há muito consolidado na jurisprudência do Supremo 
 Tribunal Administrativo quando os recorrentes interpuseram o seu recurso para o 
 pleno, foi justificado à luz da ratio da revogação de determinado regime no 
 processo civil, que se entendeu inaplicável ao contencioso administrativo, e não 
 traduz violação de qualquer disposição constitucional relativa à relação entre o 
 poder judicial e o poder legislativo.
 Com o que há que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se: 
 a)                              Não julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, entendida como mantendo 
 no seu conteúdo uma remissão para o conteúdo normativo dos artigos 765.º a 767.º 
 do Código de Processo Civil, não obstante a sua revogação pelo artigo 17.º do 
 Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro;
 b)                             Consequentemente, confirmar a decisão recorrida e 
 condenar os recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta. 
 
  
 Lisboa, 21 de Setembro de 2005
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos