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Processo nº 834/09
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da 
 decisão daquele Tribunal de 7 de Agosto de 2009.
 
 2. O Ministério Público deduziu acusação contra A. e requereu a aplicação da 
 medida de coacção “obrigação de apresentação periódica”. Por despacho de 28 de 
 Abril de 2009, o juiz de instrução indeferiu o requerido.
 O Ministério Público recorreu deste despacho para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, mas o recurso não foi admitido por despacho de 15 de Junho de 2009. O 
 Ministério Público reclamou então para o presidente daquele Tribunal.
 
 3. Em 7 de Agosto de 2009, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação, 
 por “inadmissibilidade do recurso”, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Pese embora o direito ao recurso, considerado em abstracto, faça parte do rol 
 dos direitos constitucionais de defesa no âmbito do direito criminal (art.º 
 
 32.º, n.º 1, da CRP), o legislador estabeleceu a irrecorribilidade de 
 determinadas decisões, sendo certo que apesar disso consideramos que não foram 
 descuidados os direitos do arguido e muito menos foi violado o princípio da 
 legalidade e da igualdade bem como a função constitucional do Mº Pº de defensor 
 da legalidade democrática. 
 Senão vejamos: 
 O princípio da legalidade implica não só um dever para os agentes da sua 
 aplicação, como igualmente, e é o que está ora em causa, para o legislador no 
 sentido de se abster de criar formas processuais ad hoc, extrínsecas à estrutura 
 do Código (…). 
 Terá o legislador criado normas ou formas processuais desenquadradas da 
 estrutura processual penal vigente ou em manifesto desrespeito pelos direitos 
 dos intervenientes processuais- 
 Parece-nos que não. 
 Na verdade a regra de irrecorribilidade das decisões judiciais tem, face ao 
 art.º 399º do C.P.P., natureza claramente excepcional, não sendo assim passível 
 de aplicação analógica. 
 Por outro lado «a Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas 
 normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os 
 processos das diferentes espécies. E certo que a Constituição garante a todos “o 
 acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses 
 legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos” (art.º 20º, n.º 1) e, em matéria penal, afirma que “o processo 
 criminal assegurará todas as garantias de defesa” (art.º 32º, n.º 1). Destas 
 normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de 
 que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões 
 proferidas em processo penal. (...) A garantia do duplo grau de jurisdição 
 existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais 
 respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou 
 de quaisquer outros direitos fundamentais. Sendo embora a faculdade de recorrer 
 em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa, a verdade é 
 que, como se escreveu no Acórdão 31/87 do mesmo Tribunal, “se há-de admitir que 
 essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do 
 processo (...).”»(Ac. do TC nº 265/94) 
 
 (…)
 No caso em apreço Ministério Público entende que o recurso deve ser admitido por 
 a norma que se extrai do art. 219º-1 e 3, do CPP, padecer de 
 inconstitucionalidade, suportando a sua tese em virtude deste normativo violar o 
 princípio da legalidade das medidas de coacção (art.º 191º, nº 1 do CPP) que é 
 uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do processo penal 
 
 (art.º 32º, conjugado com o art.º 165º, nº 1 al. c) da CRP), como violam o 
 princípio da igualdade (art.º 13º da CRP) e a função constitucional do Mº Pº de 
 defensor da legalidade democrática (art.º 219, nº 1 da CRP). 
 Prescreve o art. 219º-1 e 3, do CPP (na redacção dada pela Lei 48/2007, de 
 
 29/08) o seguinte: 
 
 (…)
 Com a lei nova, art. 219º-1, do CPP, o legislador restringiu a intervenção do 
 Ministério Público em sede de interposição de recurso: só o pode fazer em 
 benefício do arguido (para salvaguarda dos interesses deste). 
 Por ter sido pedido um agravamento das medidas de coacção o arguido, por certo, 
 não terá interesse em recorrer.
 Com relatamos supra foi o Ministério Público que requereu a aplicação da medida, 
 e quando o fez por certo que não agiu em benefício do arguido e, assim sendo, 
 não pode recorrer da decisão. 
 Ora o Código de Processo Penal contém um regime geral de recursos (artigos 399.º 
 e seguintes) e um regime especial para o recurso das decisões que apliquem ou 
 mantenham medidas de coacção (artigo 219.º).
 No regime geral de recursos, cabe recurso de todas as decisões cuja 
 irrecorribilidade não estiver previsto na lei (artigo 399.º do CPP).
 No regime especial de recurso das medidas de coacção, apenas cabe recurso das 
 decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção (artigo 219.º do CPP). 
 Deste modo consideramos que os invocados princípios da legalidade e igualdade 
 bem como a alegada função constitucional do Mº Pº de defensor da legalidade 
 democrática, não podem sobrepor-se à vontade expressa e inequívoca do 
 legislador».
 
  
 
 4. O Ministério Público requereu então a este Tribunal a apreciação dos nºs 1 e 
 
 3 do artigo 219º do Código de Processo Penal, enquanto não admitem a 
 interposição de recurso por parte do Ministério Público de decisão que não 
 aplique medidas de coacção, por violação do princípio constitucional da 
 legalidade do processo penal, previsto nos artigos. 32º e 165º, nº 1, alínea c), 
 do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, da função constitucional do 
 Ministério Público de defensor da legalidade democrática, estabelecida no artigo 
 
 219º, nº 1, e do princípio fundamental que tutela o acesso ao direito por parte 
 do Ministério Público, enquanto representante do Estado/Comunidade, resultante 
 do conjugadamente disposto nos artigos 2º, 20º e 219º, nº 1, todos da 
 Constituição da República.
 
 5. Notificados o recorrente e o recorrido, alegou o Ministério Público, 
 sustentando, entre o mais, o seguinte:
 
  
 
 «2. Apreciação do mérito do recurso
 
 2.1.A questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do recurso (embora 
 com formulações não totalmente coincidentes, contudo irrelevantes), já foi 
 trazida anteriormente a este Tribunal (Processo nºs 379/08, da 3ª Secção, 41/09, 
 da 2ª Secção e 228/09, da 1ª Secção).
 Nesses processos decidiu-se não tomar conhecimento dos recursos.
 Nas alegações então produzidas sustentou-se a inconstitucionalidade material das 
 normas em apreço, pelo que nos limitamos a transcrever, na parte pertinente, as 
 alegações então produzidas.
 
 “3. Da questão de constitucionalidade suscitada.
 Dispõe o nº 1 do artigo 219º do Código de Processo Penal que:
 
 “Só o arguido e o Ministério Público em benefício do arguido podem interpor 
 recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no 
 presente título”.
 Esta redacção inovadora foi introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto e 
 veio retirar ao Ministério Público legitimidade para recorrer, desde que o não 
 faça em benefício do arguido.
 O retirar ao Ministério Público a possibilidade de recorrer em prejuízo do 
 arguido, em sede de medidas coactivas aplicadas em processo penal, colide com o 
 seu estatuto constitucionalmente consagrado, violando ainda, e designadamente, 
 princípios da Lei Fundamental como são o caso dos princípios da legalidade, do 
 acesso ao direito e do Estado de direito democrático.
 O Ministério Público é concebido como uma magistratura autónoma (artigo 219º, nº 
 
 2 da Constituição), sendo o “dominus” do inquérito na primeira das fases 
 preliminares do processo penal e actuando sempre na pendência deste (seja no 
 inquérito, na instrução, no julgamento ou na fase do recurso) como um sujeito 
 isento e objectivo – cf., entre outros, os Acórdãos nºs 610/96 e 216/99 do 
 Tribunal Constitucional.
 Compete-lhe nos termos do nº 1 do citado artigo 219º da Constituição e 
 titularidade do exercício da acção penal orientada pelo princípio da legalidade 
 e da defesa de legalidade democrática.
 As medidas de coacção só podem ser aplicadas no âmbito de um concreto processo 
 penal instaurado contra um determinado arguido já constituído como tal, estando 
 sujeitas a um princípio da legalidade nos termos do artigo 191º do Código de 
 Processo Penal, que surge como uma das concretizações na legislação ordinária do 
 princípio constitucional de legalidade do processo penal, que se extrai do 
 artigo 32º conjugado com o artigo 165º, nº 1, alínea c) da Constituição.
 Ao assinalado recorte constitucional do Ministério Público actuando, para o que 
 agora nos interesse no processo penal, não pode escapar o controlo da legalidade 
 da medida de coacção concretamente aplicada, como ocorreu no caso que é objecto 
 de recurso.
 Uma das formas de exercer esse controlo não pode deixar de ser o recurso, sempre 
 que entenda que em função das exigências processuais de natureza cautelar 
 
 (artigo 191º, nº 1 do Código de Processo Penal e artigo 27º, nº 3 da 
 Constituição) que cumpra observar, não foi judicialmente aplicada a adequada e 
 correspondente medida de coacção que ao caso cabia.
 Reputamos pertinente e perfeitamente adaptável ao objecto do presente recurso 
 citar, ainda que parcialmente, o teor da declaração de voto da Srª. Conselheira 
 Fernanda Palma, vencida no Acórdão nº 530/01 do Tribunal Constitucional quando 
 referiu:
 
 “(…) Com efeito, o Ministério Público, no exercício das suas funções de titular 
 do exercício da acção penal e de defensor da legalidade democrática (artigo 219º 
 da Constituição) tem o poder e o dever de recorrer sempre que, em face dos 
 critérios legais, o considerar necessário. O recurso é essencial ao controlo das 
 decisões judiciais num estado de direito e quaisquer restrições injustificadas 
 afectam essa importantíssima função de controlo da correcta fundamentação das 
 sentenças bem como a inerente preservação da legalidade democrática; (…).
 
 “(…)finalmente, não me parece aceitável que restrições da possibilidade de 
 recorrer desta ordem (em que são as condições lógicas da fundamentação do 
 recurso que são postas em causa) não sejam toleráveis na perspectiva das 
 garantias de defesa - que aqui não estarão em causa - e já o sejam para um 
 sentido colectivo de realização da justiça que cabe ao Ministério Público 
 prosseguir.
 Também no caso em apreço e pela mesma ordem de razões o vedar a possibilidade de 
 recurso por parte do Ministério Público, contende com o seu estatuto (artigo 
 
 219º da Constituição) com o Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), com o 
 acesso ao direito por parte do Ministério Público enquanto representante do 
 Estado – comunidade (artigo 20º, nº 1 da Constituição) e com o princípio da 
 legalidade (artigos 32º e 165º, nº 1, alínea c) da Constituição).
 Numa perspectiva ainda mais critica à solução preconizada pelo artigo 219º, nº 1 
 do Código de Processo Penal, cite-se a propósito parte da anotação de Paulo 
 Pinto de Albuquerque no “Comentário do Código de Processo Penal, à luz da 
 Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. pág. 
 
 580 e 581:
 
 “A proibição do Ministério Público interpor recurso da decisão que modifique, 
 não aplique, revogue ou declare extinta medida de coação, ou interpor recurso em 
 prejuízo do arguido de decisão que aplique, mantenha ou substitua medida de 
 coacção ou de decisão que aplique medida menos gravosa do que a proposta pelo 
 Ministério Público, viola o princípio da legalidade das medidas de coacção 
 
 (artigo 191º, nº 1, do CPP), que é uma decorrência do princípio constitucional 
 da legalidade do processo penal (artigo 32º, conjugado com o artigo 165º, nº 1, 
 al. C), da CRP), como viola o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e a 
 função constitucional do Ministério Público de defensor da legalidade 
 democrática (artigo 219º, nº 1, da CRP).
 A decisão sobre medidas de coacção, seja no sentido favorável ao arguido seja no 
 sentido inverso, está subordinada ao princípio da legalidade e não da 
 discricionariedade. Os pressupostos de aplicação, revogação, alteração e 
 extinção das medidas de coacção estão contidos em lei, por força de imperativo 
 constitucional (artigo 165º, nº 1, al. C), da CRP). Por outro lado, a igualdade 
 de armas não é um benefício do arguido, mas uma característica estrutural do 
 processo penal Português, que beneficia quer o arguido quer os outros sujeitos 
 que nele intervêm. O mesmo se diga da função constitucional do MP: ela não visa 
 apenas a função do MP de defensor de legalidade quando exercida à decharge do 
 arguido, mas também aquela função quando exercida à charge do arguido.”
 Surge, pois, a irrecorribilidade estabelecida no artigo 219º, nº 1 do Código de 
 Processo Penal, como materialmente inconstitucional, pelas razões apontadas.”
 
 (…)
 
 3. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1 - As das normas dos nºs 1 e 3 do artigo 219º do CPP, enquanto vedam ao 
 Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do arguido, de 
 decisão judicial que não aplicou a medida de coacção, por si requerida, são 
 materialmente inconstitucional, por violação dos arts 2º, 13º, 20º, nº 1, 32º, e 
 
 219º, e organicamente inconstitucionais por violação do artigo 165º, nº 1, 
 alínea c), todos da Constituição. 
 
 2 – Termos em que deve ser dado provimento ao recurso».    
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O Ministério Público requer a apreciação dos nºs 1 e 3 do artigo 219º do 
 Código de Processo Penal, enquanto não admitem a interposição de recurso por 
 parte do Ministério Público de decisão que não aplique medidas de coacção.
 O artigo 219º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal (CPP) tem a seguinte 
 redacção:
 
  
 
  
 
 «1 - Só o arguido e o Ministério Público em benefício do arguido podem interpor 
 recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no 
 presente título. 
 
 2 - (…) 
 
 3 - A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas 
 previstas no presente título é irrecorrível. 
 
 4 - (…)».
 
  
 Segundo o recorrente, a norma cuja apreciação requer viola três princípios 
 constitucionais – o da legalidade do processo penal (artigos 32º e 165º, nº 1, 
 alínea c)), o da igualdade (artigo 13º) e o que tutela o acesso ao direito por 
 parte do Ministério Público, enquanto representante do Estado/Comunidade 
 
 (resultante do disposto conjugadamente nos artigos 2º, 20º e 219º, nº 1) – e a 
 função constitucional do Ministério Público de defensor da legalidade 
 democrática (artigo 219º, nº 1). Por seu turno, a decisão recorrida concluiu 
 pela não inconstitucionalidade da norma, por referência a estes mesmos 
 parâmetros e ao direito ao recurso (artigo 32º, nº 1).
 
 2. Face aos parâmetros que foram chamados para aferir da conformidade 
 constitucional da norma que cumpre apreciar, importa afirmar, desde logo, que os 
 artigos 32º, nº 1, enquanto garante o direito ao recurso, e 20º, nº 1, na medida 
 em que consagra o direito de acesso ao direito, não são sequer invocáveis.
 Reiterando jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdão nº 530/2001, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), entende-se que o artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP) inclui o recurso nas garantias de 
 defesa do arguido, pelo que é invocável, relativamente a recurso interposto pelo 
 Ministério Público, apenas quando este seja interposto no exclusivo interesse da 
 defesa (artigo 53º, nº 2, alínea d), do CPP). Já não é, pois, invocável quando 
 esteja em causa um recurso interposto pelo Ministério Público do qual possa vir 
 a resultar uma decisão menos favorável para o arguido 
 Entende-se também que: 
 
  
 
 «(…) não se pode invocar o direito fundamental que é o “direito de acesso à 
 justiça e aos tribunais” para defender a admissão de recursos interpostos pelo 
 Ministério Público no exercício da acção penal, ou, pelo menos, dos quais pode 
 vir a resultar uma decisão menos favorável ao arguido.
 Pode, desde logo, questionar-se se o direito de acesso à justiça e aos 
 tribunais, como direito fundamental dirigido contra o Estado, não deverá ser 
 considerado um direito que apenas sujeitos privados, e não o próprio Estado – 
 designadamente, entidades nas quais se encabeça o ius puniendi estatal (como é o 
 caso do Ministério Público) – , podem invocar.
 Seja, porém, como for quanto a esta questão em geral, deve entender-se que o 
 exercício da acção penal pelo Estado (através do Ministério Público) não é 
 protegido pelo direito fundamental de acesso aos tribunais, previsto no artigo 
 
 20º da Constituição. É o que, se não logo de outros argumentos – como a previsão 
 do Ministério Público dentro do título V da parte III da Constituição, dedicado 
 aos “Tribunais”, a consagração da competência para exercício da acção nesse 
 mesmo contexto, ou o próprio sentido histórico e a função primordial dos 
 direitos fundamentais como “direitos de protecção” contra o Estado, e não 
 direitos reconhecidos a este ou aos seus órgãos –, resulta da própria letra do 
 artigo 20º, n.º 1, da Constituição, no qual se assegura o “acesso ao direito e 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e interesses legalmente 
 protegidos”, e não para o exercício da acção penal.
 
 É certo que, por outro lado, que o artigo 219º comete ao Ministério Público 
 determinadas funções: “representar o Estado e defender os interesses que a lei 
 determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos 
 termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos 
 de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e 
 defender a legalidade democrática.” E não pode excluir-se que soluções 
 normativas das quais resulte uma limitação no acesso aos tribunais – 
 eventualmente apenas por preverem critérios restritivos para admissão de 
 recursos interpostos pelo Ministério Público – configurem ou impliquem uma 
 compressão inadmissível dessas funções constitucionalmente previstas, devendo, 
 portanto, tais soluções devam ser consideradas inconstitucionais por violação de 
 disposições da Lei Fundamental relativas às funções e competência do Ministério 
 Público enquanto instituição, previstas na respectiva divisão (parte III, título 
 V, capítulo IV). Não se tratará, ainda nesse caso, porém, de 
 inconstitucionalidade por lesão de um alegado direito fundamental do Ministério 
 Público».
 
  
 
 3. Segundo o recorrente a norma em apreciação viola o princípio da legalidade do 
 processo penal, contido nos artigos 32º e 165º, nº 1, alínea c), da CRP, do qual 
 decorreria o princípio da legalidade das medidas de coacção, estabelecido no 
 artigo 191º, nº 1, do CPP (cf. reclamação do despacho de não admissão do 
 recurso, fl. 136 e ss., e alegações, supra ponto 5. do Relatório). 
 Sobre isto, há que dizer, em primeiro lugar, que o princípio da legalidade das 
 medidas de coacção justifica-se por apelo ao princípio da presunção de inocência 
 até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, consagrado no artigo 32º, 
 nº 2, primeira parte, da CRP, e face à reserva de lei restritiva do direito à 
 liberdade que a todos é reconhecido, decorrente dos artigos 27º, nº 1, e 18º, 
 nºs 2 e 3, da CRP (sobre o reflexo deste princípio no estatuto processual do 
 arguido enquanto objecto de medidas de coacção, Figueiredo Dias, “Sobre os 
 sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito 
 Processual Penal. O novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 27; no 
 sentido defendido, também Ana Luísa Pinto, “Aplicação de medidas de coacção e 
 correspondente forma de reacção. Restrições ao exercício das funções do 
 Ministério Público”, O Direito, Ano 140.º (2008) IV, p. 860 e ss. 
 Diferentemente, Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz 
 da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, Universidade Católica, 2009, comentário ao artigo 219º, ponto 3., autor 
 citado na reclamação do despacho de não admissão do recurso e nas alegações). 
 O princípio segundo o qual a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total 
 ou parcialmente (em função de exigências processuais de natureza cautelar) pelas 
 medidas de coacção previstas na lei (artigo 191º, nº 1, do CPP), 
 constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência do arguido e 
 no direito à liberdade, exige que sejam recorríveis decisões que apliquem ou 
 mantenham medidas de coacção não previstas na lei ou decisões que as substituam 
 por outras não previstas na lei (neste sentido, cf. “Decisão Sumária do Tribunal 
 da Relação de Évora, de 24-09-2009”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 
 2009, p. 317). Não propriamente decisões que não apliquem qualquer medida de 
 coacção. Caso em que o Ministério Público interporia o recurso sem ser no 
 exclusivo interesse da defesa, à margem da garantia de defesa do arguido 
 estabelecida na primeira parte do nº 2 do artigo 32º da CRP e do direito 
 fundamental que lhe é reconhecido no artigo 27º da CRP e dos quais decorre o 
 princípio da legalidade (tipicidade) das medidas de coacção.
 Por outro lado, a norma em apreciação em nada contende com a reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República em matéria de processo 
 criminal (artigo 165º, nº 1, alínea c), da CRP), uma vez que a redacção vigente 
 do artigo 219º do CPP foi introduzida por lei deste órgão de soberania – Lei nº 
 
 48/2007, de 29 de Agosto. É de rejeitar, pois, o vício de inconstitucionalidade 
 orgânica que o Ministério Público imputa à norma que é objecto do presente 
 recurso.
 
 4. O recorrente indica também o princípio da igualdade no requerimento de 
 interposição de recurso. Contudo, nas alegações refere o artigo 13º apenas 
 quando as conclui ao indicar os artigos da CRP que considera violados. Nesta 
 peça processual nada é alegado no sentido de a norma questionada violar o 
 princípio da igualdade. Na apreciação do mérito do recurso, por remissão para 
 alegações anteriormente produzidas, o Ministério Público sustenta a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 219º, nºs 1 e 3, do CPP, por violação 
 do estatuto constitucional desta magistratura (artigo 219º da CRP), do acesso ao 
 direito por parte do Ministério Público enquanto representante do 
 Estado-comunidade (artigo 20º, nº 1, da CRP) e do princípio da legalidade 
 
 (artigos 32º e 165º, nº 1, alínea c), da CRP). A referência que é feita ao 
 princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) ocorre somente na transcrição de um 
 comentário de Pinto de Albuquerque ao artigo 219º do CPP, cuja perspectiva é 
 expressamente tida por mais crítica (mais crítica, dizemos nós, por abranger 
 também o princípio da igualdade). 
 Apesar de se poder concluir pelo “abandono” do princípio constitucionalmente 
 consagrado no artigo 13º, sempre se dirá o seguinte:
 O princípio da igualdade que é invocável nos presentes autos só pode ser o 
 princípio da igualdade de armas (entre acusação e defesa), que a doutrina e a 
 jurisprudência foram retirando do artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem e que, entretanto, ganhou expressão no artigo 20º, nº 4, CRP, 
 por via da densificação do princípio do processo equitativo (assim, Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 
 
 2007, anotação ao artigo 20º, ponto XI.).
 Não faz propriamente sentido invocar o princípio da igualdade de armas entre a 
 acusação e a defesa relativamente a uma conformação processual concreta – como é 
 a subjacente aos presentes autos – em que o Ministério Público (a acusação) 
 requer a aplicação de uma medida de coacção e o juiz decide sobre o requerido no 
 papel de “juiz das liberdades”. A esta conformação é estranha, logo à partida, 
 uma qualquer ideia de armas processuais iguais perante um Tribunal (assim, 
 Damião da Cunha, “Breves notas acerca do regime de impugnação de decisões sobre 
 medidas de coacção. Comentário à decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 
 
 24-09-2009”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2009, pp. 320 e 325 e s.).
 Por outro lado, o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa 
 
 “perde a nitidez, no próprio direito ordinário, por o modelo de processo penal 
 não assumir (…) uma estrutura acusatória pura, num sentido formal” (artigos 53º 
 e 409º, nº 1, do CPP), de harmonia com a incumbência constitucional no sentido 
 de o Ministério Público, magistratura que goza de autonomia, exercer a acção 
 penal orientada pelo princípio da legalidade (artigo 219º, nºs 1 e 2), 
 tornando-se assim “evidente que a reclamada «igualdade» de armas processuais (…) 
 só pode ser entendida com um mínimo aceitável de correcção quando lançada no 
 contexto mais amplo da estrutura lógico-material global da acusação e da defesa 
 e da sua dialéctica” (cf., respectivamente, Fernanda Palma, “Direito penal e 
 processual penal (o papel da jurisprudência constitucional no desenvolvimento 
 dos princípios no caso português e um primeiro confronto com a jurisprudência 
 espanhola)”, La Constittución Española en el Contexto Constitucional Europeo, 
 Madrid, 2003, p. 1742, nota 13, e Figueiredo Dias, loc. cit., p. 30). 
 Entendimento que tem sido acolhido na jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 
 (cf. Acórdãos nºs 38/89, 356/91 e 538/2007, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 5. O recorrente sustenta, ainda, que a norma questionada viola o artigo 219º, nº 
 
 1, da CRP, enquanto comete ao Ministério Público a função de defender a 
 legalidade democrática. 
 Nesta função inclui-se, indiscutivelmente, a faculdade de recorrer, já que o 
 recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num estado de direito 
 
 (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 538/2007), pelo que normas que 
 estabelecem a irrecorribilidade de determinadas decisões judiciais (ou as que 
 não dão legitimidade ao Ministério Público para delas recorrer) podem configurar 
 ou implicar uma compressão inadmissível daquela função constitucionalmente 
 prevista, caso em que devem ser consideradas inconstitucionais por violação das 
 disposições da CRP relativas às funções e competência do Ministério Público 
 enquanto instituição (cf., supra, ponto 2., Acórdão do Tribunal Constitucional 
 nº 530/2001).
 Nos presentes autos, a norma que é objecto do recurso de constitucionalidade 
 contém-se nos nºs 1 e 3 do artigo 219º do CPP, enquanto não admitem a 
 interposição de recurso por parte do Ministério Público de decisão que não 
 aplique medidas de coacção. Trata-se de decisão em matéria de medidas de 
 coacção, no sentido de não limitar parcialmente a liberdade do arguido, tomada 
 já depois de ter sido proferido despacho de acusação. Não se justifica, por 
 isso, qualquer intervenção processual penal do Ministério Público para defesa da 
 legalidade democrática ou para cumprimento de qualquer outra função que lhe 
 esteja constitucionalmente cometida. Designadamente a de exercer a acção penal 
 na fase de inquérito, investigando a notícia do crime e decidindo sobre a 
 submissão ou não do arguido a julgamento (artigos 32º, nº 5, e 219º da CRP). 
 Caso em que importaria sempre decidir se a impossibilidade de o Ministério 
 Público recorrer da decisão que não aplique medida de coacção configura ou 
 implica uma compressão inadmissível desta função.
 Em matéria de medidas de coacção, a função de defesa da legalidade democrática 
 exerce-se garantindo o arguido, presumido inocente, contra privações ilegais e 
 injustificadas da liberdade, motivadas por razões de natureza estritamente 
 processual. O Ministério Público exerce esta função garantindo a observância da 
 lei em matéria de condições e princípios relativos à sujeição do arguido a 
 medidas de coacção (artigos 58º, nº 1, alínea b), 61º, nº 3, alínea d), 191º e 
 ss. e 268º, nº 1, alínea b), do CPP), o que manifestamente não está em causa 
 quando a decisão judicial é de não aplicação da medida de coacção requerida 
 
 (assim, Ana Luísa Pinto, loc. cit., p. 867 e ss.). 
 
 6. Ainda que assim não se entenda, seria sempre de concluir no sentido de não 
 haver uma compressão inadmissível daquela função. A função de defesa da 
 legalidade democrática poderá sempre ser exercida através de requerimento em que 
 o Ministério Público renove o pedido de aplicação de medida de coação, sem 
 prejuízo de o juiz a poder impor oficiosamente (artigo 194º, nº 1, do CPP), com 
 a vantagem de aquele requerimento e esta imposição se fundarem nas exigências 
 processuais de natureza cautelar que, no momento, se verifiquem (artigos 204º e 
 
 212º, nº 1, alínea b), do CPP). Diferentemente do que sucederia em sede de 
 recurso, caso em que o juízo sobre a verificação daquelas exigências seria 
 necessariamente reportado a momento anterior (assim, Damião da Cunha, loc. cit., 
 p. 323 e s.).
 
 7. Há que concluir, por conseguinte, que os nºs 1 e 3 do artigo 219º do Código 
 de Processo Penal, enquanto não admitem a interposição de recurso por parte do 
 Ministério Público de decisão que não aplique medidas de coacção, não violam os 
 princípios constitucionais do acesso ao direito por parte do Ministério Público, 
 da legalidade do processo penal e da igualdade, bem como a função constitucional 
 do Ministério Público de defensor da legalidade democrática.
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
 Sem custas.
 Lisboa, 27 de Abril de 2010
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da declaração de
 voto junta
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Discordei da presente decisão, dos fundamentos  em que assenta  e da 
 interpretação que nela é veiculada da jurisprudência deste Tribunal. Cumpre 
 agora enunciar brevemente as razões da minha dissidência.
 
  
 
                2. Está em causa a norma extraída da aplicação conjugada dos nºs. 
 
 1 e 3 do artigo 219º do Código de Processo Penal na medida em que não admite a 
 interposição de recurso por parte do Ministério Público da decisão que não 
 aplique medidas de coacção.
 
  
 
             3. Confrontado com a alegação, por parte do requerente, da 
 desconformidade da solução normativa em análise com o direito fundamental de 
 acesso à justiça e aos tribunais, o acórdão considera ininvocável este parâmetro 
 
 “para defender a admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público (…) 
 dos quais possa a vir a resultar uma (…) decisão menos favorável ao arguido”. E 
 escuda-se, para o efeito, na circunstância de, como se refere no acórdão nº 
 
 530/01, dever entender-se que “o exercício da acção penal pelo Estado (através 
 do Ministério Público) não é protegido pelo direito fundamental de acesso aos 
 tribunais previsto no artigo 20º da Constituição”. Tal afirmação arranca da 
 ideia de que este direito fundamental se ajusta “à tutela de posições 
 subjectivadas, radicadas na esfera dos titulares de interesses particulares que, 
 no quadro do ordenamento jurídico, reclamam do Estado reconhecimento e 
 efectivação” (acórdão nº 538/2007).
 
  
 
             É por se partir da ideia de que aquele direito se dirige “contra o 
 Estado e os seus órgãos de administração da justiça” que se entende que, por 
 estar “dentro do aparelho estadual que desempenha  esta função, o Ministério 
 Público não pode ser visto como titular activo de um direito exercitável, nesta 
 dimensão, contra os órgãos do poder judicial com os quais colabora” (acórdão nº 
 
 538/2007).
 
  
 
             Simplesmente, esta versão organicista ou estrutural não esgota toda 
 a dimensão problemática que a questão encerra. O que é desde logo assimilado 
 pela jurisprudência deste Tribunal, que reconheceu no artigo 20º da Constituição 
 uma “norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático”. 
 
  
 Nestes termos, “o acesso à justiça, corporizado, em matéria de recursos, na 
 efectiva disponibilidade (…) de meios processuais indispensáveis ao adequado 
 controlo da conformidade ao direito das decisões tomadas  em juízo, é um valor 
 tutelável em si mesmo (…). Por  detrás do  direito fundamental de acesso à 
 justiça, está o mesmo princípio geral da realização do direito actuado pelos 
 
 órgãos estaduais   com competência nesta matéria. É em função da plena 
 observância deste princípio e do valor que ele encerra que o Ministério Público 
 tem o poder-dever de interpor  recurso, quando entende que uma decisão judicial 
 não assegura a sua realização” (acórdão nº 538/2007).
 
  
 
             Uma conclusão que não pode deixar de valer de forma acrescida num 
 sistema onde a protecção preventiva de determinadas posições alegadamente 
 carecidas de tutela, designadamente através da imposição de medidas  de coacção, 
 não pode deixar de ser efectuada tão só pela intervenção  do Ministério Público, 
 uma vez que a ele é limitada a possibilidade de projectar no interior do 
 processo tais posições (por exemplo, e em particular, a da vítima de condutas 
 indiciariamente constitutivas de infracções penais).
 
  
 
             Num sistema assim concebido, a concepção estrutural que vê no 
 Ministério Público uma parte do aparelho estadual, que portanto não poderia 
 exercer direitos contra este último, há-de ceder a uma visão que, atendendo à 
 circunstância de a ele estar confiada em exclusivo aquela projecção, não pode 
 deixar de, para a proteger e fazer valer, o destacar daquele.
 
  
 
             O que nos conduz directamente ao resultado oposto ao do acórdão. Os 
 padrões valorativos que inspiram o artigo 20º da Constituição, eles próprios 
 expressão de uma exigência geral de realização e preservação do princípio do 
 Estado de Direito, não podem deixar de ser convocados pura e simplesmente por 
 estar em causa uma posição processual do Ministério Público. Decisivo para a 
 convocação dos princípios a que aquele preceito dá expressão não é o estatuto  
 subjectivo daquele que os  faz valer, mas a densidade das posições que acedem ao 
 direito, no processo penal, através da intervenção do Ministério Público.
 
  
 
             4. Assente a invocabilidade, no presente caso, do artigo 20º da 
 Constituição na medida em que a ele há que reconduzir os princípios 
 estruturantes do processo num Estado de Direito, importa ainda repudiar, por 
 unilateral e redutora, a concepção do princípio da legalidade que, em matéria de 
 medidas de coacção, apenas o constrói em função de um dos sentidos possíveis da 
 decisão em causa.
 
  
 
             Num Estado de Direito democrático, a legalidade das medidas de 
 coacção, como de quaisquer outras, há-de aferir-se pelo respeito dos 
 pressupostos legais de que o ordenamento faz depender a sua mobilização em ordem 
 
 à protecção dos valores e situações jurídicas  a cuja tutela se destinam. Os 
 princípios que fundam a recorribilidade de medidas ou decisões contrárias à lei 
 ou nela não previstas não podem  excluir a recorribilidade de decisões que, em 
 objectiva violação da lei, recusem a  aplicação de medidas de coacção. Não 
 existe qualquer princípio constitucional que funde o recurso das decisões que 
 recaiam sobre a promoção de tais medidas no exclusivo interesse dos que delas 
 são destinatários.
 
  
 
             A mesma concepção unilateral e reducionista é perfilhada pelo 
 acórdão quando parece recusar a aplicação ao processo  de aplicação de medidas 
 de coacção vigente entre nós do leit-motiv do processo equitativo (explicitado 
 no art. 6º, nº 1 da CEDH) e dos corolários que a jurisprudência do TEDH dele tem 
 retirado. Que uma determinada conceptualização mecânica de igualdade dos 
 sujeitos processuais não seja prestável face ao nosso modelo processual penal, 
 como a jurisprudência deste Tribunal o tem considerado, não implica a 
 ininvocabilidade da ideia  mestra do processo equitativo de que o princípio da 
 igualdade  de armas constitui uma das expressões. E daquela parece resultar que, 
 num sistema  em que determinadas decisões são recorríveis, não  é 
 constitucionalmente admissível, face à estruturação do processo num Estado de 
 Direito, que o direito ao recurso seja regulado a  partir do resultado das 
 decisões que dele são objecto, admitindo-se a formação automática de caso 
 julgado apenas por dele beneficiar um determinado sujeito, ainda que esse 
 sujeito seja o arguido.
 
  
 
              5. Considerando agora o parâmetro da defesa da legalidade 
 democrática, que o artigo 219º, nº 1 da Constituição põe a cargo do Ministério 
 Público, não divergirmos do acórdão quando afirma que em tal função se inclui a 
 faculdade de recorrer, já que o recurso é essencial ao controlo das decisões 
 judiciais num Estado de Direito, pelo que as normas que retiram  a legitimidade  
 ao Ministério Público para recorrer devem ser tidas por inconstitucionais, por 
 violação daquele preceito constitucional, quando impliquem uma compressão 
 inadmissível daquela função (acórdãos nº 530/2001 e, sobretudo, 538/2007).
 
  
 
             Mas já discordamos fundamentalmente do acórdão quando exclui a 
 relevância da intervenção do Ministério Público, em defesa da legalidade, face a 
 decisões  que não apliquem medidas de coacção em momento posterior à prolação do 
 despacho de acusação. Não se vê em que é que este marco temporal, face  à 
 definição legal dos pressupostos da determinação das medidas de coacção,  possa 
 excluir  que o recurso das decisões daquele tipo se possa incluir na  defesa da 
 legalidade e na efectiva tutela dos interesses a que o Ministério Público está 
 legalmente adstrito, assim justificando a sua intervenção em via recursória. 
 Pela mesma razão, não vemos como a defesa da legalidade, no universo da 
 determinação das medidas de coacção, apenas possa ter lugar, como pretende o 
 acórdão, sempre e em todas as circunstâncias, a favor do arguido.  Em face do 
 que entendemos que a total privação do direito ao recurso num domínio em que 
 pode estar em causa o controlo de  legalidade de decisões que apenas pode ser 
 levado a cabo pelo Ministério Público não pode deixar de ser considerada uma 
 compressão inadmissível da função que constitucionalmente lhe é assinalada. 
 
  
 Note-se que este Tribunal decidiu já que uma tal compressão existia em situações 
 
 – acórdão nº 538/2007 – em que um direito ao  recurso não era retirado ao 
 Ministério Público, apenas a sua utilização tendo ficado sujeita a um 
 determinado ónus cuja não satisfação acarretava que pudesse ficar por controlar, 
 como imposto pela defesa da legalidade, a conformidade de certas decisões aos 
 parâmetros normativos aplicáveis. E saliente-se que, no presente caso, uma tal 
 possibilidade de controlo está de todo precludida, uma vez que a solução legal 
 não importa a imposição de um qualquer ónus mas a total privação da 
 possibilidade de recorrer.
 
  
 
             6. Por último, acrescente-se que não deixa de existir compressão 
 inadmissível da função de defesa  da legalidade democrática pelo facto de, 
 ocorrendo ou tornando-se conhecidas outras circunstâncias, o Ministério Público 
 poder renovar o pedido de aplicação de medidas de coacção. A indefesa da 
 legalidade a que numa dada configuração se é conduzido não deixa de o ser pela 
 circunstância de, num outro e diferente contexto, não ser inviabilizada ao 
 Ministério Público a promoção da medida requerida ou de qualquer outra (sendo 
 certo que, em caso de indeferimento, esta decisão continuará a não poder ser 
 sindicada por via de recurso).
 
  
 
             7. Pelo exposto, votaria a inconstitucionalidade da norma em 
 apreciação por violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 
 
 20º (nºs. 1 e 4) e 219º, nº 1 da CRP.  
 Rui Manuel Moura Ramos