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Processo n.º 1051/04
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram 
 como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, foi proferida decisão, 
 em 3 de Novembro de 2004, que julgou supervenientemente inútil um recurso que o 
 ora recorrente interpusera de uma decisão que decretara a manutenção da sua 
 prisão preventiva. Para tanto, escudou-se aquele Tribunal na seguinte 
 fundamentação:
 
 “(...) O arguido recorre do despacho que decretou a manutenção da sua prisão 
 preventiva, datado de 6-01-2003.
 
 É esta a questão suscitada nos presentes autos de recurso.
 Posteriormente ao despacho recorrido, datado de 6-01-2003, foi a prisão 
 preventiva do arguido reexaminada e, em 21/10/2004, foi este restituído à 
 liberdade.
 Perante o reexame posterior do despacho recorrido restituindo à liberdade o 
 arguido, perde este toda a actualidade e pertinência processual, tornando-se 
 inútil a sua apreciação nesta sede de recurso.
 Nem sentido tem a sua apreciação para hipotéticos efeitos de ressarcimento 
 contra o Estado ou outros efeitos que se possam colocar como possíveis, as 
 decisões dos tribunais devem surtir efeito útil e não satisfazer meras 
 hipóteses.
 Concretamente, a presente decisão recorrida deixou de ser útil, está 
 ultrapassada, a situação processual do arguido está definida por outra decisão 
 que não aquela de que se recorre, decisão essa que cessou a prisão preventiva.
 Neste sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 1989, Proc. 
 
 39947/3 (cit. in Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.ª ed., 
 
 1998, pp.439).
 Também a questão de eventual constitucionalidade na decisão de inutilidade 
 superveniente está afastada conforme lucidamente o Tribunal Constitucional 
 decidiu no Acórdão de 18 de Fevereiro de 2004 (Proc. 889/03, da 2.ª secção), em 
 caso em tudo semelhante com o presente.
 Assim, posto que é esta a única questão suscitada nos presentes autos de 
 recurso, nos termos dos arts. 287.º, al. e), do CPCivil e 4.º, 419.º, n.º 4, al. 
 d), do CPPenal, importa declarar extinto o objecto do presente recurso por 
 inutilidade superveniente.
 Pelo exposto, acorda-se em declarar extinto o objecto do presente recurso por 
 inutilidade superveniente”.
 
  
 
 2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, através de um 
 requerimento que tem o seguinte teor:
 
 “[...], notificado do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de 
 Novembro de 2004, no qual não ocorreu a pronúncia sobre o recurso de uma decisão 
 que manteve a prisão preventiva do arguido, vem, muito respeitosamente, interpor
 RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 com fundamento na alínea b), do artigo 70°, da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional.
 
 1) Por Acórdão de 19 de Maio de 2004 (processo n° 1959/04), que correu termos na 
 
 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão de 
 indeferimento de um recurso de uma decisão de manutenção da prisão preventiva 
 com base numa interpretação inconstitucional do artigo 287, al. e) do Código de 
 Processo Civil e dos artigos 4° e 419º, n.º 4, alínea d) do Código de Processo 
 Penal.
 
 2) Da qual o Recorrente interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional.
 
 3) Suscitou então o Recorrente no Tribunal ad quem a apreciação da 
 constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 287, al. e) do Código 
 de Processo Civil e dos artigos 4° e 419, n.º 4, alínea d) do Código de Processo 
 Penal, quando interpretados no sentido de que, numa situação em que o arguido 
 cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja 
 proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que 
 decide a manutenção prisão preventiva do arguido, se torna inútil o conhecimento 
 do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que anteriormente manteve 
 essa medida de coacção, dando lugar á extinção da instância de recurso.
 
 4) O Recorrente entende que, neste caso, não tem aplicação o disposto no art° 
 
 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º 
 do Código de Processo Penal, que prevê a extinção da instância por inutilidade 
 superveniente da lide sob pena de inconstitucionalidade.
 
 5) O Recorrente suscitou a presente questão de inconstitucionalidade no âmbito 
 do processo de Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de 
 Janeiro de 2004,
 
 6) Tendo então alegado que tal interpretação normativa consubstanciava uma 
 violação do direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no 
 artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,
 
 7) Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do 
 disposto no art.º 32, nº1 da CRP e do art° 20, nº1 da CRP, que consagra o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva
 
 8) E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos nºs 4 e 5 
 do art° 20° da CRP. 
 
 9) Foi então proferida decisão liminar por este Tribunal em 25 de Junho de 2004, 
 nos termos da qual foi julgada inconstitucional, por violação do art° 32°, nº1 
 da Constituição, a norma do artigo 287°, alínea e), do Código de Processo Civil, 
 e dos artigos 4° e 419°, n.º 4, alínea d), do Código de Processo Penal, 
 interpretadas no sentido de que o julgamento do recurso da decisão que aplicou a 
 prisão preventiva, é inútil quando é proferida decisão de manutenção da prisão 
 preventiva, na pendência de tal recurso,
 
 10) Por considerar aplicável aquele caso a ratio decidendi do Acórdão 418/2003 
 do Tribunal Constitucional, uma vez que tal interpretação conduziria a 
 consequências constitucionalmente insustentáveis: a inatacabilidade absoluta de 
 eventuais decisões ilegais fundadas no primeiro despacho; a inviabilização 
 consequente do direito à reparação do lesado pelos prejuízos que as decisões 
 ilegais possam determinar,
 
 11) Tendo sido determinada, consequentemente, a revogação da decisão recorrida e 
 ordenada a reformulação da mesma em conformidade com o juízo de 
 inconstitucionalidade proferido.
 
 12) Subsequentemente, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa 
 para que este Tribunal se pronunciasse em conformidade;
 
 13) Entretanto, o arguido foi libertado em 21 de Outubro de 2004 por ordem 
 judicial emanada das Varas Mistas de Sintra, na sequência de um requerimento de 
 libertação apresentado pelo arguido.
 
 14) Em 3 de Novembro de 2004, foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa nos termos dos artigos 287°, al. e) do Código de Processo Civil e 4°, 
 
 419°, n.º 4, al. d) do Código de Processo Penal declarando extinto por 
 inutilidade superveniente da lide o recurso remetido àquele Tribunal para 
 reformulação pelo Tribunal Constitucional, com base no entendimento que ora se 
 transcreve:
 
 'Perante o reexame posterior do despacho recorrido restituído á liberdade o 
 arguido, perde este toda a actualidade e pertinência processual, tornando-se 
 inútil a sua apreciação nesta sede de recurso.
 Nem sentido tem a sua apreciação para hipotéticos efeitos de ressarcimento 
 contra o Estado ou outros efeitos que se possam colocar como possíveis, as 
 decisões dos tribunais devem surtir efeito útil e não satisfazer meras 
 hipóteses. '
 
 15) O Recorrente considera que esta interpretação normativa, vertida no Acórdão 
 de 3 de Novembro de 2004 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola o direito ao 
 recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição,
 
 16) Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do 
 disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.º1 da CRP, que consagra o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva
 
 17) E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos nºs 4 e 
 
 5 do art.º 20° da CRP”.
 
  
 
 3. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo 
 concluído da seguinte forma:
 
 “I. Por Acórdão de 19 de Maio de 2004 (processo n.º 1959/04), que correu termos 
 na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão de 
 indeferimento de um recurso de uma decisão de manutenção da prisão preventiva 
 com base numa interpretação inconstitucional do artigo 287°, al. e) do Código de 
 Processo Civil e dos artigos 4° e 419, n.º4, alínea d) do Código de Processo 
 Penal.
 II. Da qual o Recorrente interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional.
 III. Suscitou então o Recorrente no Tribunal ad quem a apreciação da 
 constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 287°, al. e) do 
 Código de Processo Civil e dos artigos 4° e 419°, no4, alínea d) do Código de 
 Processo Penal, quando interpretados no sentido de que, numa situação em que o 
 arguido cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja 
 proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que 
 decide a manutenção da prisão preventiva do arguido, se torna inútil o 
 conhecimento do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que 
 anteriormente manteve essa medida de coacção, dando lugar à extinção da 
 instância de recurso.
 IV. O Recorrente entende que, neste caso, não tem aplicação o disposto no art.º 
 
 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º 
 do Código de Processo Penal, que prevê a extinção da instância por inutilidade 
 superveniente da lide sob pena de inconstitucionalidade.
 V. O Recorrente suscitou esta questão de inconstitucionalidade no âmbito do 
 processo de Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de 
 Janeiro de 2004,
 VI. Tendo então alegado que tal interpretação normativa consubstanciava uma 
 violação do direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no 
 artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,
 VII. Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do 
 disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.º1 da CRP, que consagra o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva
 VIII. E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos n.ºs 4 
 e 5 do art.º 20° da CRP .
 IX. Foi então proferida decisão liminar pelo Tribunal Constitucional em 25 de 
 Junho de 2004, nos termos da qual foi julgada inconstitucional, por violação do 
 art.º 32°, n.º1 da Constituição, a norma do artigo 287°, alínea e), do Código de 
 Processo Civil, e dos artigos 4° e 419°, n.º 4, alínea d), do Código de Processo 
 Penal, interpretadas no sentido de que o julgamento do recurso da decisão que 
 aplicou a prisão preventiva, é inútil quando é proferida decisão de manutenção 
 da prisão preventiva, na pendência de tal recurso,
 X. Por considerar aplicável aquele caso a ratio decidendi do Acórdão 418/2003 do 
 Tribunal Constitucional, uma vez que tal interpretação conduziria a 
 consequências constitucionalmente insustentáveis: a inatacabilidade absoluta de 
 eventuais decisões ilegais fundadas no primeiro despacho; a inviabilização 
 consequente do direito à reparação do lesado pelos prejuízos que as decisões 
 ilegais possam determinar,
 XI. Em 3 de Novembro de 2004, foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa nos termos dos artigos 287°, al. e) do Código de Processo Civil e 4°, 
 
 419°, no4, al. d) do Código de Processo Penal declarando extinto por inutilidade 
 superveniente da lide o recurso remetido àquele Tribunal para reformulação pelo 
 Tribunal Constitucional, com base no entendimento de que face ao o reexame 
 posterior do despacho recorrido, que mantivera a prisão preventiva do arguido, 
 uma vez restituído á liberdade o arguido, perdera aquele recurso toda a 
 actualidade e pertinência processual, tornando-se inútil a sua apreciação nesta 
 sede de recurso.
 XII. Bem como que não teria sentido a sua apreciação 'para hipotéticos efeitos 
 de ressarcimento contra o Estado ou outros efeitos que se possam colocar como 
 possíveis. '
 XIII. O Recorrente considera que esta interpretação normativa, vertida no 
 Acórdão de 3 de Novembro de 2004 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola mais 
 uma vez o direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no 
 artigo 32º; n.º 1, da Constituição,
 XIV. Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do 
 disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.º1 da CRP, que consagra o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva
 XV. E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos n.ºs 4 e 
 
 5 do art.º 20° da CRP .
 XVI. Pois tal entendimento permitiria, no limite, que a decisão que manteve a 
 prisão preventiva do arguido nunca fosse sujeita a uma aferição da sua 
 legalidade por um tribunal superior.
 XVII. O Arguido tem um interesse legalmente protegido na prolação desta decisão,
 XVIII. Quer por força do direito a uma solução jurídica dos conflitos que, por 
 si só, lhe assiste enquanto garantia de defesa,
 XIX. Quer para efeitos de um eventual ressarcimento face ao Estado na 
 eventualidade de se concluir que esteve sujeito a uma prisão ilegal, nos termos 
 do art.º 27°, n.º5 da CRP. .
 XX. Ao admitir nos termos descritos que se considere extinta a instância de 
 recurso por inutilidade superveniente da lide, permite que a apreciação da 
 decisão de reapreciação da prisão preventiva proferida pelo Tribunal de primeira 
 instância por um tribunal superior seja sucessivamente e indefinidamente 
 protelada e a final denegada,
 XXI. De modo que tal apreciação em sede de recurso poderá, na prática, nunca ter 
 lugar, sem que ao arguido seja facultado qualquer meio para o evitar.
 XXII. Pelo exposto, o Recorrente considera que a interpretação mencionada em XI 
 e XII viola as garantias de defesa consagradas no artigo 32.0, n.º 1, da 
 Constituição, em particular o direito ao recurso.
 XXIII. Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do 
 disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.ºs 1 e 4 da CRP, que consagra 
 o direito à tutela jurisdicional efectiva,
 XXIV. Designadamente face ao direito que assiste ao arguido de ser ressarcido na 
 eventualidade de se verificar uma situação de prisão ilegal, nos termos do art.º 
 
 27°, n.º5 da CRP ,
 XXV. E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos n.ºs 4 
 e 5 do art.º 20° da CRP”.
 
  
 
 4. Notificado para responder, querendo, à alegação do recorrente, disse o 
 Ministério Público, a concluir:
 
 “1 - Não é inconstitucional a previsão - como pressuposto ou requisito dos 
 recursos penais - do interesse em agir do recorrente, conduzindo à inutilidade 
 superveniente daqueles cuja dirimição se configure como absolutamente 
 irrelevante, por estar inteiramente precludida ou consumida, pelo posterior 
 decurso do processo, a decisão recorrida.
 
 2 - É, porém, violador do direito ao recurso, ínsito no princípio das garantias 
 de defesa, a interpretação normativa dos preceitos legais consagradores da 
 exigência do interesse em agir que conduzam à preclusão de um recurso, 
 interposto pelo arguido da decisão que inicialmente lhe aplicou medida de 
 coacção privativa de liberdade, e que conserva para o recorrente interesse 
 secundário ou residual, implicando a respectiva dirimição um juízo sobre a 
 legalidade da situação detentiva sofrida, relevante e decisivo enquanto 
 pressuposto de uma ulterior e eventual acção indemnizatória tutelada pelo artigo 
 
 27°, n° 5, da Constituição, destinada ao ressarcimento dos danos alegadamente 
 sofridos.”
 
  
 Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 5. Em causa nos presentes autos está a norma do artigo 287º, alínea e), do 
 Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do 
 Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de se considerar 
 supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao arguido a medida 
 de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi substituída por 
 outra que determinou a cessação daquela medida de coacção. 
 Entende o recorrente que aquela interpretação normativa dos preceitos indicados 
 
 é inconstitucional, designadamente por violar “as garantias de defesa 
 consagradas no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, em particular o direito ao 
 recurso”, bem como o “princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente 
 do disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.ºs 1 e 4 da CRP, que 
 consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, (...) designadamente face ao 
 direito que assiste ao arguido de ser ressarcido na eventualidade de se 
 verificar uma situação de prisão ilegal, nos termos do art.º 27°, n.º5 da CRP”, 
 e ainda o “direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos n.ºs 4 
 e 5 do art.º 20° da CRP”.
 Vejamos se tem razão.
 
  
 
 6. A questão da utilidade do recurso interposto de decisão que comine ao arguido 
 a medida de coacção de prisão preventiva não é nova na jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, que, partindo, embora, de situações factuais nem sempre 
 coincidentes, sobre ela já se pronunciou em vários arestos.
 
  
 
 6.1. Assim, logo no Acórdão n.º 90/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º 
 vol., págs. 267 e seguintes), e em alguns outros que se lhe seguiram (cfr. 
 Acórdãos n.ºs 339/87, 137/92, 144/93 e 116/96, os dois últimos disponíveis na 
 página Internet do Tribunal Constitucional no endereço 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), firmou o Tribunal o 
 entendimento de que, em casos de detenção ou prisão preventiva, mantém interesse 
 o recurso de constitucionalidade interposto da decisão que ordena a privação da 
 liberdade, ainda que no subsequente desenrolar do processo se venha a confirmar 
 ou modificar essa medida de privação de liberdade. Como se escreveu nesse 
 acórdão, “existindo o direito fundamental a pedir uma indemnização contra o 
 Estado em caso de prisão ilegal (art. 27º, n.º 5, da Constituição), se o 
 Tribunal Constitucional viesse a abster-se de conhecer do recurso, por 
 considerar este inútil, estaria afinal a precludir o exercício pelo recorrente 
 
 [...] do direito que lhe é reconhecido por aquele preceito constitucional”.
 
  
 
 6.2. Já nos Acórdãos n.ºs 722/97 e 296/03 (disponíveis na página do Tribunal 
 Constitucional na Internet, em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) o Tribunal considerou 
 supervenientemente inútil o recurso de constitucionalidade que vinha interposto 
 da decisão que aplicara ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, 
 numa hipótese em que o arguido se conformou com uma ulterior decisão que – no 
 termo do prazo legal – procedeu à reapreciação da prisão preventiva, mantendo-a, 
 por considerar não terem ocorrido factos ou circunstâncias supervenientes 
 relevantes. Para concluir dessa forma, e com interesse para os presentes autos, 
 ponderou então o Tribunal:
 
 «Desde o Acórdão n.º 90/84 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 4º vol., págs. 267 e seguintes) está firmado o entendimento jurisprudencial de 
 que, em casos de detenção ou prisão preventiva, mantém interesse o recurso de 
 constitucionalidade interposto da decisão condenatória de privação da liberdade, 
 ainda que no subsequente desenrolar do processo de extradição ou criminal se 
 venha a confirmar ou modificar essa medida de privação de liberdade. Como se 
 escreveu nesse acórdão, existindo o direito fundamental a pedir uma indemnização 
 contra o Estado em caso de prisão ilegal (art. 27º, n.º 5, da Constituição), se 
 o Tribunal Constitucional viesse a abster-se de conhecer do recurso, por 
 considerar este inútil, “estaria afinal a precludir o exercício pelo recorrente 
 
 [...] do direito que lhe é reconhecido por aquele preceito constitucional”.
 Importa, por isso, analisar se existe algum “interesse residual” no conhecimento 
 do presente recurso, utilizando a formulação constante das alegações do 
 Ministério Público.
 Ora, encarada a situação dos autos, não são claramente aplicáveis os fundamentos 
 daquela jurisprudência ao presente recurso.
 Com efeito, o Código de Processo Penal impõe o reexame oficioso da subsistência 
 dos pressupostos da medida de coacção prisão preventiva em prazos curtos, 
 podendo o juiz determinar a manutenção, substituição ou revogação da própria 
 medida (artigo 213º, n.º 1). Por outro lado, de todas as decisões que aplicarem 
 ou mantiverem medidas de coacção cabe recurso, a julgar no prazo máximo de 30 
 dias a partir do momento em que os autos foram recebidos (artigo 219º). Com 
 estas soluções, “o legislador pretendeu acentuar que as medidas aplicadas não 
 devem manter-se para além do necessário e, por isso, disciplinar a reapreciação 
 da situação dos arguidos sujeitos a medida de coacção, impondo-a periodicamente 
 nos casos mais graves e permitindo-a sempre, quer oficiosamente, quer a 
 requerimento” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 252).
 No caso sub judicio, a recorrente impugnou o despacho ordenatório da prisão 
 preventiva em 20 de Maio de 1997, foi condenada a pena de prisão por acórdão de 
 
 27 do mesmo mês e ano, mas não impugnou o despacho que manteve essa medida de 
 coacção em 12 de Junho de 1997.
 Resulta daqui que a recorrente renunciou ao seu direito de impugnação do novo 
 despacho, abstendo-se de interpor recurso em tempo, embora não tivesse desistido 
 do presente recurso, alegando mesmo após a última data indicada.
 Na presente situação não pode, por isso, deixar de considerar-se que a ora 
 recorrente se acabou por conformar com a medida de coacção que foi mantida após 
 a condenação em primeira instância, não se vendo que interesse prático atendível 
 poderá justificar a prossecução do presente recurso quanto a uma decisão que já 
 foi “consumida” por decisão judicial subsequente não impugnada de forma 
 autónoma, não podendo de forma plausível supor-se que a arguida pretende ainda 
 exercer qualquer direito de indemnização contra o Estado por força da prisão 
 preventiva que lhe foi aplicada após a remessa dos autos ao tribunal criminal 
 competente, dada a aceitação da ulterior manutenção da mesma medida de coacção, 
 isto é, quando mostrou que não o pretende fazer a partir do momento em que foi 
 condenada em primeira instância, não obstante não se ter conformado com a 
 decisão condenatória. A falta de resposta à questão prévia suscitada é 
 igualmente coerente com o referido comportamento processual.” (itálico 
 acrescentado)
 
  
 
 6.3. Por sua vez, no Acórdão n.º 418/03 (igualmente disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) este Tribunal considerou 
 inconstitucional a interpretação segundo a qual, em caso de manutenção 
 superveniente de prisão preventiva por nova decisão do juiz de instrução, 
 proferida num contexto de reapreciação antecipada da prisão preventiva, se torna 
 inútil o conhecimento do recurso da decisão que primeiramente decretou essa 
 medida de coacção. Para o que agora importa, ponderou o Tribunal, naquele 
 aresto:
 
 “[...] Esta interpretação conduziria assim a consequências constitucionalmente 
 insustentáveis: a inatacabilidade absoluta de eventuais decisões ilegais 
 fundadas no primeiro despacho; a inviabilização consequente do direito à 
 reparação do lesado pelos prejuízos que as decisões ilegais possam determinar; 
 no limite, a inimpugnabilidade da própria prisão preventiva pela possibilidade 
 de repetição de despachos antecipados de manutenção daquela medida.
 Ora o direito ao recurso, consagrado expressamente no artigo 32º, n.º 1, da 
 Constituição, desde a Revisão de 1997 (e já antes configurado como garantia de 
 defesa pela doutrina e pela jurisprudência constitucionais – cfr., por exemplo, 
 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3º vol., 1994, p. 303 e ss., 
 e, na jurisprudência, Acórdãos nºs 31/87 – D.R., II Série, de 1 de Abril de 
 
 1987; 259/88 – D.R., II Série, de 11 de Fevereiro de 1989; e 353/91 – D.R., II 
 Série, de 20 de Dezembro de 1991), não pode deixar de abranger decisões que 
 determinem  a restrição da liberdade decorrente da aplicação da prisão 
 preventiva (cfr. Acórdão n.º 524/98, de 29 de Julho, em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 40º).
 Apesar de estar em causa uma medida de coacção que visa fins processuais e não a 
 condenação definitiva do arguido, salvaguardando-se a presunção de inocência, a 
 gravidade da afectação de direitos que ela comporta (privação do direito à 
 liberdade, consagrado no nº1 do artigo 27º da Constituição) torna necessário 
 acautelar a possibilidade de impugnação dessa medida através de recurso, como 
 tem sido reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. 
 Acórdãos nºs 31/87 – D.R., II Série, de 1 de Abril de 1987; e 178/88 – D.R., I 
 Série, de 30 de Novembro de 1988).
 No caso sub judicio, verifica-se que a função de garantia de defesa só 
 realizável pelo recurso, consagrada no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, fica 
 prejudicada pela interpretação das normas em crise. Assim, conclui-se que são 
 inconstitucionais as normas que constituíram o fundamento decisório do tribunal 
 a quo”.
 
  
 
 6.4. Finalmente, no mais recente Acórdão n.º 119/04 (também já disponível 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) concluiu o Tribunal no 
 sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 287º, alínea e), do 
 Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do 
 Código de Processo Penal, entendida no sentido de se tornar supervenientemente 
 inútil o recurso da decisão que aplicou a medida de coacção de prisão 
 preventiva, quando esta foi posteriormente mantida por decisão autónoma, não 
 recorrida, que reapreciou os respectivos pressupostos no prazo previsto no 
 artigo 213º, n.º 1, do Código de Processo Penal. No que para os presentes autos 
 importa, escudou-se aquele aresto na seguinte fundamentação:
 
 “Como se verifica pela informação constante a fls. 116 dos autos, também no 
 presente caso – apesar de, repete-se, não estar em causa a utilidade do próprio 
 recurso de constitucionalidade, e sim a norma que fundou uma decisão de 
 inutilidade do recurso para o Tribunal da Relação – o recorrente não interpôs 
 recurso do despacho que, posteriormente, em reapreciação da medida de coacção de 
 prisão preventiva no prazo legalmente previsto (em 30 de Setembro de 2003, isto 
 
 é, três meses depois da decisão que a aplicara), lhe manteve a medida de coacção 
 de prisão preventiva, tendo sido com esse fundamento que o acórdão recorrido, de 
 
 5 de Novembro de 2003, concluiu pela extinção do recurso por inutilidade 
 superveniente. Tal como se notou na passagem transcrita do Acórdão n.º 722/97, 
 também no presente caso, portanto, o recorrente “renunciou ao seu direito de 
 impugnação do novo despacho, abstendo-se de interpor recurso em tempo”, ficando 
 a decisão que aplicara a medida de coacção “ ‘consumida’ por decisão judicial 
 subsequente não impugnada de forma autónoma”, decisão subsequente, esta, que é 
 aquela com base na qual o recorrente se encontra preso.
 Pode, assim, concluir-se que a apreciação do recurso do despacho que aplicara a 
 prisão preventiva, entretanto substituído pelo despacho de manutenção desta 
 medida, não se poderia revestir de utilidade para o arguido quanto à definição 
 da sua situação processual - mais precisamente, para a sua libertação -, pois 
 que esta resultava já então (depois de 30 de Setembro de 2003), não do despacho 
 recorrido, mas de outro posterior não impugnado.
 Note-se, aliás, que, no presente caso, o despacho de manutenção da prisão 
 preventiva não se limitou a efectuar uma mera remissão para o anterior despacho 
 que aplicara a medida de coacção – embora também não aduza novos fundamentos de 
 direito ou altere a qualificação dos pressupostos para tal medida, diversos dos 
 que anteriormente haviam justificado a sua aplicação –, e que foi proferido no 
 prazo de três meses previsto no artigo 213º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 para o reexame dos pressupostos da prisão preventiva (sem qualquer antecipação, 
 portanto).
 E cumpre dizer, ainda, que não é de considerar procedente a afirmação de que a 
 norma em apreço possibilitaria que o recurso da decisão que aplica a medida de 
 coacção nunca fosse apreciado, pelo protelamento indevido, pelo tribunal ad 
 quem, da reapreciação do recurso, até à prolação de nova decisão que 
 
 (eventualmente) mantenha a medida. É que – e independentemente de outras 
 considerações quanto à relevância de argumento fundado na hipótese de actuação 
 processual dolosa do tribunal de recurso – bastaria ao recorrente, para evitar 
 tal “risco” (e para além da possibilidade de pedir a aceleração processual 
 perante o Conselho Superior da Magistratura, nos termos do artigo 108º, n.ºs 1 e 
 
 2, alínea b), do Código de Processo Penal, em caso de ultrapassagem pela Relação 
 do prazo de 30 dias para decidir o recurso, previsto no artigo 219º do mesmo 
 Código), interpor também recurso deste posterior despacho (e, se o considerasse 
 necessário, comunicá-lo imediatamente ao tribunal ad quem). O que, porém, no 
 presente caso (como no do Acórdão n.º 296/03), não fez, impedindo que a 
 apreciação do recurso do despacho que aplicara a medida de coacção pudesse 
 revestir-se de utilidade para a subsistência desta.
 Também no presente caso, não se vê, pois, que interesse prático atendível 
 poderia justificar a prossecução do recurso interposto para o Tribunal da 
 Relação de uma decisão já entretanto “consumida” por decisão subsequente não 
 impugnada.
 Quanto ao interesse na libertação do recorrente, não subsistia, pois a prisão 
 preventiva não decorria já do despacho recorrido, mas de outro, posterior, não 
 impugnado.
 E um hipotético interesse no eventual exercício de qualquer direito de 
 indemnização também não impedia o Tribunal da Relação de concluir, sem violação 
 do direito ao recurso constitucionalmente garantido no processo criminal, no 
 sentido da inutilidade superveniente do recurso, por o recorrente ter deixado 
 transitar em julgado a decisão que mantivera a prisão preventiva – tal como o 
 Tribunal Constitucional concluiu nos casos dos citados n.ºs 296/03 e 722/97 (e 
 diversamente do que acontecia no caso do Acórdão n.º 90/84, já citado, em que 
 estava em causa uma questão prévia relativa à utilidade do julgamento do recurso 
 de constitucionalidade, sendo que a recorrente expressamente sustentara que 
 pretendia continuar esse recurso com finalidades indemnizatórias). Na verdade, 
 não pode, de forma plausível, supor-se que o recorrente interpunha o recurso do 
 despacho que aplicara a prisão preventiva para a eventualidade de vir 
 eventualmente a exercer, em acção própria e perante o tribunal competente, um 
 tal direito de indemnização contra o Estado, quando o recorrente aceitara, sem 
 recorrer, a posterior manutenção da mesma medida de coacção e não forneceu 
 qualquer indicação naquele sentido (nem sequer, aliás, o veio a fazer no recurso 
 de constitucionalidade, sempre se referindo apenas à revogação do despacho que 
 mantivera as medidas de coacção)”(negrito aditado).
 
  
 
 7. Da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, que acabámos de 
 sumariar, resulta, em síntese, que:
 
  i) como afirma o representante do Ministério Público nas suas contra-alegações, 
 
 “não oferece dúvida que não viola qualquer preceito ou princípio da Lei 
 Fundamental o estabelecimento – como pressuposto processual – do interesse em 
 agir como condição para apreciação do mérito dos recursos não traduzindo, 
 seguramente, a violação do direito ao recurso a circunstância de o tribunal “ad 
 quem” não dever apreciar os recursos que se tornem subsequentemente inúteis”;
 ii) o recurso da decisão que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão 
 preventiva, ainda que no subsequente desenrolar do processo nova decisão venha a 
 confirmar ou modificar essa medida de privação de liberdade, mantém, contudo, em 
 princípio, utilidade. No essencial, porque podem existir outros efeitos - ainda 
 que “residuais” – que devam ter-se por juridicamente relevantes (cfr., por 
 exemplo, o já citado Acórdão n.º 90/84, quando refere o direito fundamental a 
 pedir uma indemnização contra o Estado em caso de prisão ilegal (art. 27º, n.º 
 
 5, da Constituição)). De facto, embora tal recurso, no caso concreto, face à 
 nova decisão judicial que decidiu a libertação do arguido, veja afectada a sua 
 finalidade primacial e imediata - a restituição à liberdade do preso preventivo 
 
 – não deixa de ser relevante a sua apreciação, nomeadamente para efeitos do 
 referido pedido de indemnização;
 iii) só assim não será se, sendo a decisão que determinou a prisão preventiva 
 entretanto substituída por outra que confirme essa medida de coacção, esta 
 
 última não for ela própria impugnada (cfr. Acórdãos n.ºs 722/97 e 296/03) e não 
 houver qualquer indicação no sentido de que o recorrente pretende vir a exercer, 
 em acção própria e perante o tribunal competente, um direito de indemnização 
 contra o Estado (assim, o Acórdão n.º 119/04).
 
  
 
 8. Ora, da fundamentação que sustenta a jurisprudência acabada de descrever, 
 resulta a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 287º, alínea e), do 
 Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do 
 Código de Processo Penal, se interpretada no sentido de se considerar 
 supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao arguido a medida 
 de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi substituída por 
 outra que determinou a cessação daquela medida de coacção, designadamente por 
 violação do direito ao recurso garantido pelo artigo 32º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
  
 Com efeito, não só, por um lado, são inteiramente transponíveis para os 
 presentes autos as razões que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade que 
 se formulou no Acórdão n.º 90/84, já citado, como, por outro lado, não valem 
 aqui as razões que conduziram ao julgamento que se formulou nos Acórdãos n.ºs 
 
 722/97 e 296/03 (no sentido da inutilidade superveniente do recurso de 
 constitucionalidade) ou no Acórdão n.º 119/04 (no sentido da não 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 287º, alínea e), do Código de Processo 
 Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do Código de Processo 
 Penal, entendida no sentido de se tornar supervenientemente inútil o recurso da 
 decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, quando esta foi 
 posteriormente mantida por decisão autónoma, não recorrida, que reapreciou os 
 respectivos pressupostos no prazo previsto no artigo 213º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal). É que, não só agora não se pode, em caso algum, presumir, 
 partindo da inexistência de recurso da segunda decisão, a conformação do 
 recorrente com a primeira - uma vez que esta segunda decisão, ao contrário do 
 que acontecia nos casos anteriormente descritos, é uma decisão de revogação da 
 prisão preventiva e, consequentemente, de restituição do arguido à liberdade -, 
 como dos autos - designadamente das conclusões X, XII, XVII e XIX da alegação de 
 recurso apresentada neste Tribunal -, resulta inequivocamente que a manutenção 
 do interesse no recurso se deve à possibilidade de o recorrente vir 
 posteriormente a exercer, em acção própria e perante o tribunal competente, um 
 direito de indemnização contra o Estado, nos termos constantes do artigo 27º, 
 n.º 5 da Constituição.
 
  
 Está, assim, em causa, com o critério normativo sub judicio, uma violação do 
 direito ao recurso garantido pelo artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 
  
 III - Decisão
 
  
 Por tudo o exposto, decide-se:
 a) julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no 
 artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 287º, alínea e), do Código 
 de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do Código 
 de Processo Penal, se interpretada no sentido de se considerar 
 supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao arguido a medida 
 de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi substituída por 
 outra que determinou a cessação daquela medida de coacção;
 b) consequentemente, ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com 
 o presente juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 11 de Fevereiro de 2005
 Gil Galvão
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 Artur Maurício (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº Consº Bravo 
 Serra que acompanho).
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
  
 
                         Tendo votado vencido quanto à decisão de julgamento de 
 inconstitucionalidade constante do aresto de que a presente declaração faz parte 
 integrante, cumpre-me, brevitatis causa, indicar as razões do meu voto 
 dissidente. 
 
  
 
                         Não se pondo minimamente em causa que sendo um arguido 
 sujeito à medida de coacção de prisão preventiva lhe assiste, legal e 
 constitucionalmente, o direito de impugnar mediante recurso a decisão judicial 
 impositora dessa medida, a questão que se coloca é, justamente, a de saber se, 
 vindo tal medida a cessar antes da prolação do veredicto pelo tribunal de 
 recurso, viola o direito consagrado na parte final do nº 1 do artigo 32º da 
 Constituição a alínea e) do artº 287º do Código de Processo Civil, aplicável ao 
 processo criminal ex vi do artº 4º do Código de Processo Criminal, na 
 interpretação de harmonia com a qual o juízo recursório se torna 
 supervenientemente inútil.
 
  
 
                         Tenho para mim que o direito ao recurso garantido no 
 indicado preceito constitucional indubitavelmente visa assegurar que o cidadão 
 sujeito à privação da sua liberdade pela mais grave das medidas de coacção possa 
 ver reapreciado o juízo jurisdicional que essa medida decretou, pois que, dessa 
 arte, se lhe possibilita que haja uma ponderação por banda de uma formação 
 judicial superior e colectiva que há-de incidir sobre a justeza daquele juízo, 
 assim se garantindo que, se o tribunal de recurso concluir pela impropriedade da 
 decisão da 1ª instância, venha a cessar a restrição da liberdade do arguido 
 acarretada por essa decisão.
 
  
 
                         Mas, se, precedentemente ao proferimento do juízo de 
 reapreciação a efectuar pelo tribunal de recurso, a restrição da liberdade 
 imposta pela decisão da 1ª instância já não ocorre, a efectiva realização 
 daquele juízo em nada vai modificar a situação em que já se encontra o arguido, 
 o que vale por dizer que, na realidade das coisas, o indicado juízo, porque já 
 não pode ter projecção útil no direito à liberdade restringido, vai, 
 verdadeiramente, constituir uma pronúncia meramente hipotética ou teórica sobre 
 o bem fundado de uma decisão judicial que, no momento, já não produz qualquer 
 efeito.
 
  
 
                         Poder-se-ia obtemperar a esta consideração que, de todo 
 o modo, para efeitos de um eventual pedido de ressarcimento dirigido ao Estado 
 por parte do arguido em razão da privação da sua liberdade, teria sempre o mesmo 
 interesse na proferenda decisão pelo tribunal de recurso, hipotisando que ela 
 viesse a concluir pela ilegalidade da decisão da 1ª instância.
 
  
 
                         Tenho para mim, porém, que essa razão não colhe.
 
  
 
                         Na verdade, não existe, ao menos por ora, na legislação 
 ordinária, regra da qual se extraia que, para efeitos de uma demanda de 
 indemnização ao Estado em virtude de privação de liberdade, tenha de haver 
 pronunciamento, pelo foro criminal, da ilegalidade dessa privação, 
 pronunciamento esse que, assim, actuaria como «pressuposto» da demanda. 
 
  
 
                         Por outro lado, ainda que, eventualmente, numa situação 
 como a em apreço, o tribunal de recurso viesse a concluir pela ilegalidade da 
 decisão da 1ª instância, não é líquido que, para efeitos de uma hipotética acção 
 indemnizatória, a decisão tomada em recurso vincule o tribunal que há-se decidir 
 essa acção, outrotanto sucedendo se porventura a decisão recursória concluísse 
 pela não ilegalidade.
 
  
 
                         De outro lado, ainda, perfilho a perspectiva de que o 
 direito a uma solução jurídica dos conflitos - e, no caso que interessa, a 
 garantia de um direito ao recurso no processo criminal -, só por si, não 
 constitui razão para a exigência de uma decisão, pelo tribunal de recurso, 
 quando o conflito, ao tempo da prolação dessa decisão, já não se surpreende. A 
 ratio desse direito reside, a meu ver, na garantia de apreciação por um 
 tribunal, precisamente porque se intenta um veredicto que representa, enfim, a 
 solução, à face da lei e por um órgão independente e imparcial, sobre as 
 divergências que ao conflito deram causa.
 
  
 
                         Aliás, muito embora não se pronunciando sobre a questão 
 de constitucionalidade que agora constitui objecto do vertente recurso, penso 
 que este Tribunal, ao tirar o Acórdão nº 296/2003 (publicado na II Série do 
 Diário da República, de 15 de Abril de 2004), aceitou implicitamente a não 
 desconformidade constitucional de regras constantes do ordenamento ordinário que 
 conduziram, nesse aresto, a que se decidisse pela inutilidade superveniente do 
 recurso, pelo que a situação, a meu ver, não se distingue, substancialmente, em 
 muito, daquela que deu origem à decisão ora submetida a censura no presente 
 processo, anotando que, no meu modo de ver, não tem relevância a circunstância 
 de, naquele acórdão, se postar uma situação em que o arguido não impugnou o 
 posterior despacho de manutenção da prisão preventiva, e isso, justamente, 
 porque seria perfeitamente possível que, hipoteticamente, não padecesse de 
 ilegalidade a decisão que manteve (no caso então em apreciação a decisão de 
 manutenção até foi proferida pela verificação da «existência, agora reforçada, 
 de fortes indícios da prática de crimes»), padecendo, porém, desse vício a 
 primeira decisão decretadora da prisão preventiva.
 
  
 
                         Por último, não deixo de sublinhar que não anuo à 
 jurisprudência deste Tribunal que é citada no acórdão de que esta declaração faz 
 parte integrante, jurisprudência essa que não subscrevi e da qual se extraíram 
 princípios que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade do qual agora 
 divirjo.
 
  
 Bravo Serra