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Processo n.º 555/05
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
 1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão da Relação de 
 Lisboa proferido em 17 de Março de 2005. Admitido o recurso no Tribunal 
 recorrido, o recorrente foi convidado, por despacho do relator de 4 de Julho de 
 
 2005, a 'enunciar a norma que concretamente pretende impugnar, com indicação do 
 preceito legal em que a mesma se inscreve'. Respondeu da seguinte forma:
 
  
 
 '[...]  Entende e considera o recorrente que enunciou já a norma concreta que 
 pretende impugnar.
 Assim, repete-se, a norma concreta impugnada, por se considerar 
 inconstitucional, é a norma ínsita no n.º 1 do artigo 5° do Decreto-Lei 79/96, 
 de 20 de Junho.
 A enunciação da declaração de inconstitucionalidade que se pretende e porque se 
 pugna no presente recurso, poderá ter redacção igual ou semelhante à seguinte:
 
 'Da garantia constitucional do direito de propriedade privada, há-de, 
 seguramente, extrair-se a garantia (constitucional também), do direito do credor 
 
 à satisfação do seu crédito. E esse direito há-de, naturalmente, englobar a 
 possibilidade da sua realização coactiva à custa do património do devedor, não 
 sendo impeditiva da realização coactiva dessa possibilidade de realização 
 imediata o disposto no n° 1 do artigo 5° do Decreto-Lei 79/96, de 20 de Junho, 
 que, com interpretação diversa, deve ser considerado inconstitucional de 
 harmonia com o direito do credor à satisfação do seu crédito e do principio da 
 proporcionalidade, preceitos que ressaltam do disposto no artigo 18°, n° 2 e 
 
 62°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa'.
 
  [...]'
 
  
 Na sequência deste requerimento foi proferida a decisão sumária na qual, em 
 suma, se decidiu não conhecer do objecto do recurso pelo seguinte fundamento: 
 
  
 Acontece que o recurso não poderá ter seguimento. 
 O Tribunal fez notificar a recorrente do seguinte despacho:
 O recorrente questiona norma jurídica – ou uma certa interpretação dessa norma – 
 aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Impõe-se, por isso, que 
 indique esse mesmo sentido em termos que permitam ao Tribunal enunciá-lo na 
 decisão que proferir, por forma a que se saiba qual o sentido da norma que não 
 pode ser adoptado por ser incompatível com a Constituição. 
 Assim, ao abrigo do disposto no n. 5 do artigo 75º-A da Lei 28/82 de 15 de 
 Novembro, convido o recorrente a, em 10 dias, enunciar a norma que concretamente 
 pretende impugnar, com indicação do preceito legal em que a mesma se inscreve.
 Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC 
 apresenta uma feição sui generis, pois tem natureza normativa, nele não podendo 
 
 – ao contrário dos recursos jurisdicionais interpostos para os tribunais comuns 
 
 – ser sindicada a decisão recorrida, enquanto tal, mas apenas a conformidade 
 constitucional da norma aplicada na decisão recorrida. Além disso, incumbe ao 
 recorrente suscitar adequadamente, perante o Tribunal recorrido, a questão de 
 inconstitucionalidade normativa por forma a que esse Tribunal dela possa 
 conhecer. Finalmente, devendo o recorrente delimitar o âmbito do recurso, 
 cabe-lhe enunciar a norma, aplicada na decisão sob análise, que tem por 
 inconstitucional. 
 Ora, independentemente de saber se a recorrente suscitou adequadamente, ou não, 
 a questão da inconstitucionalidade da norma que foi aplicada no despacho de que 
 recorre, o certo é que, na fase de recurso para este Tribunal, a recorrente não 
 enunciou qualquer regra jurídica, geral e abstracta, que possa constituir o 
 objecto do recurso. Na verdade, no requerimento de interposição de recurso junto 
 a fls. 55, a recorrente omitiu totalmente a indicação da norma recorrida e do 
 preceito em que a mesma se inscreve; e, quando convidado a corrigir esta 
 deficiência, não enunciou qualquer norma jurídica alegadamente inconstitucional, 
 tendo, em lugar disso, optado por descrever o problema que cumpriria ao Tribunal 
 resolver. 
 Não pode, todavia, aceitar-se que se mostre verificado o requisito (essencial) 
 que impõe ao recorrente enunciar a norma que acusa de ser inconstitucional. Por 
 essa razão, o recurso não poderá ter seguimento.
 Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n. 1 do artigo 78º-A da LTC, não 
 conhecer do objecto do recurso.
 
  
 Contra esta decisão reclama a recorrente A., dizendo: 
 
  
 
 [...] Vê-se efectivamente do exame dos autos que o presente recurso foi 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 70° da Lei Orgânica do 
 Tribunal Constitucional por o recorrente, ora requerente, entender que se 
 aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, como os autos revelam e 
 evidenciam também, durante o processo, quer em 1ª Instância quer em 2ª 
 Instância, e não no Supremo Tribunal de Justiça dado o valor do processo não 
 admitir recurso ordinário para o referido Supremo Tribunal.
 Na sequência do convite expresso no despacho de fls. , proferido nos termos do 
 artigo 75°-A, n.º 5, da Lei Orgânica deste Tribunal Constitucional, o ora 
 requerente atempadamente apresentou nos autos o requerimento de fls. , em que 
 expressa e concretamente enunciou a norma que pretende impugnar, com a indicação 
 do preceito legal em que a mesma se inscreve.
 Efectivamente, no requerimento apresentado nos autos a fls., aos 7 de Julho de 
 
 2005, expressamente se enunciou que a norma concreta impugnada, porque se 
 considera inconstitucional, é a norma ínsita no n.º 1 do artigo 5° do 
 Decreto-Lei 79/96, de 20 de Junho, inconstitucionalidade que se expressou por 
 resultar da oposição ao direito do credor à satisfação do seu crédito e ao 
 principio da proporcionalidade, preceitos constitucionais que ressaltam do que 
 se encontra consignado no artigo 18°, n.º 2, e no artigo 62°, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, como tudo então se consignou.
 Assim entende o recorrente, ora requerente, que efectivamente nada obsta a que 
 se conheça do objecto do presente recurso, donde a presente reclamação para a 
 Conferência.'
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da 
 reclamação deduzida no processo respondeu-lhe nos termos seguintes:
 
  
 
 1 - Afigura-se que efectivamente o recorrente não aproveitou a oportunidade que 
 lhe foi concedida para especificar, de forma clara e categórica, o preciso 
 sentido normativo que pretendia questionar perante este Tribunal Constitucional.
 
 2 - Tal circunstância determina a inidoneidade do objecto do recurso conduzido - 
 como se decidiu - à inviabilidade do conhecimento de mérito do recurso.
 
  
 
  
 
 2. Cumpre decidir a presente reclamação.
 
  
 Decidiu a decisão ora reclamada não conhecer do recurso com um único fundamento: 
 no momento da interposição do recurso, a recorrente não enunciara – como lhe 
 competia – qualquer regra jurídica, geral e abstracta, que constituísse o 
 objecto do recurso. 
 E, na verdade, é necessário que o recorrente formule perante o Tribunal a 
 concreta interpretação normativa que, usada na decisão recorrida, ofende a 
 Constituição, pois só assim o Tribunal pode determinar o objecto do recurso, 
 enunciando também ele na decisão que proferir o sentido da norma que não deve 
 ser usado por ser constitucionalmente proibido.
 E também é verdade que a recorrente, mesmo quando expressamente convidada a 
 fazê-lo, não evidenciou o concreto sentido normativo cuja conformidade 
 constitucional questiona, pois apenas indicou o preceito legal em que a norma se 
 contém. 
 Essa única menção é, no entanto, insuficiente  para o efeito pretendido, pois no 
 preceito pode distinguir-se mais do que um sentido normativo. Com efeito, o 
 referido artigo 5º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 79/96 de 20 de Junho – diploma que 
 criou o regime da concessão de comparticipações para o apoio à aquisição ou 
 reabilitação de fogos por famílias abrangidas pelo Programa Especial de 
 Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de Maio –, tem a seguinte redacção: 
 
  
 Artigo 5.º
 
 Ónus de inalienabilidade
 
 
 
 1 - O fogo cuja aquisição ou reabilitação haja sido comparticipada ou financiada 
 ao abrigo do disposto no presente diploma só pode ser alienado após integral 
 reembolso do valor da comparticipação e do empréstimo, calculado nos termos do 
 artigo 6.º, n.º 2, do presente diploma, salvo no caso de venda em execução para 
 pagamento de dívidas relativas à compra ou à reabilitação que sobre ele tenha 
 garantia real.
 
 2   -  [...] 
 
  
 Ora, é patente que não basta a mera referência ao preceito legal acabado de 
 transcrever para que fique definido o âmbito material do recurso, que, conforme 
 diz a recorrente, se relaciona com a 'oposição ao direito do credor à satisfação 
 do seu crédito'.
 Não se mostra, pois, enunciada a norma acusada de inconstitucional, razão pela 
 qual não pode o Tribunal conhecer do recurso.
 
  
 
 3.  Em face do exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de 
 não conhecimento do recurso.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Setembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos