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Processo n.º 842/09 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I ? Relatório 
 
 
 
 1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (LTC), o presente recurso do despacho do Presidente do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em reclamação deduzida ao abrigo do 
 artigo 405.º do Código de Processo Penal, que confirmou o despacho de não 
 admissão do recurso que o recorrente interpôs da decisão instrutória que o 
 pronunciou pela prática, na forma continuada, de um crime de falsificação de 
 documento e de um crime de falsificação de notação técnica, na parte em que 
 aquela decisão indeferiu nulidades arguidas pelo recorrente. 
 
 
 O recorrente apresentou alegações que concluem do seguinte modo: 
 
 
 I ? A decisão recorrida indeferiu a reclamação com fundamento na alegada falta 
 de interesse em agir do reclamante. 
 
 
 II ? Sucede, porém, que o recorrente apenas impugnou a parte da decisão 
 instrutória que lhe foi totalmente desfavorável, por mor do total indeferimento 
 das nulidades que havia arguido. 
 
 
 III ? Por isso, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais 
 das garantias de defesa ínsitos no artigo 32º nº 1 da C.R.P., na dimensão do 
 direito ao recurso, a interpretação normativa do artigo 401º nº 2 do Código de 
 Processo Penal no sentido de não ser admissível o recurso, por falta de 
 interesse em agir, interposto da parte da decisão instrutória que apreciou e 
 indeferiu nulidades arguidas pelo arguido, quando a decisão instrutória não 
 pronuncia o arguido por todos os factos e crimes constantes da acusação do 
 Ministério Público. 
 
 
 
 2. O Ministério Público contra-alegou sustentando as seguintes conclusões: 
 
 
 
 ?1. O Tribunal Constitucional, numa jurisprudência uniforme, tem entendido que a 
 norma do n.º 1 do artigo 310.º do CPP, enquanto determina a irrecorribilidade de 
 decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação 
 do Ministério Público, não viola o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, 
 n.º 1, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional. 
 
 
 
 2. Assim sendo, e por maioria de razão, a irrecorribilidade daquela decisão nos 
 casos em que a pronúncia é por menos factos e menos crimes do que os constantes 
 da acusação do Ministério Público, também não é inconstitucional. 
 
 
 
 3. Neste contexto, sendo a questão da irrecorribilidade a fundamental e decisiva, 
 a norma do da norma do nº 2 do artigo 401º do CPP interpretada no sentido de não 
 ser admissível o recurso, por falta de interesse em agir, interposto da decisão 
 instrutória que não pronuncie o arguido por todos os factos e crimes constantes 
 de acusação do Ministério Público, não é inconstitucional, uma vez que não viola 
 o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. 
 
 
 
 4. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.? 
 
 
 II. Fundamentos 
 
 
 
 3. Para melhor compreensão da questão de constitucionalidade colocada, convém 
 ter presente a seguinte sequência de actos processuais: 
 
 
 a) O recorrente foi acusado pelo Ministério Púbico pela prática: 
 
 
 
 - Em co-autoria com outro arguido, de 15 crimes de falsificação de documentos, 
 previstos e punidos no artigo 256.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, com 
 referência ao artigo 255.º, alínea a) do mesmo Código; 
 
 
 
 - Em co-autoria com outros arguidos, de 13 crimes de falsificação de documentos, 
 previstos e punidos no artigo 256.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, com 
 referência ao artigo 255.º, alínea a) do mesmo Código; 
 
 
 
 - Em co-autoria com outro arguido, de 13 crimes de falsificação de notações 
 técnicas previstos e punidos no artigo 258.º, n.º 1, alínea c) com referência ao 
 artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal. 
 
 
 b) Requereu a abertura da instrução, tendo suscitado além do mais, questão da a 
 nulidade de buscas e apreensões realizadas e tendo concluído no sentido de que 
 deveria ser proferido despacho de não pronúncia. 
 
 
 c) Realizada a instrução, foi proferida decisão instrutória em que se julgou 
 improcedente a arguição de nulidades e o ora recorrente foi pronunciado pela 
 prática, na forma continuada, de um crime de falsificação de documento, previsto 
 e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) com referência ao artigo 255.º, 
 alínea a) e um crime de falsificação de notação técnica previsto e punido pelo 
 artigo 258.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 255.º, alínea b), todos 
 do Código Penal; 
 
 
 d) O recorrente interpôs recurso da decisão instrutória, recurso que não foi 
 admitido por despacho do seguinte teor: 
 
 
 
 ?No âmbito dos presentes autos, e na sequência de decisão instrutória que 
 pronunciou os arguidos pela prática dos factos constantes da acusação e que 
 indeferiu a arguição de nulidades pelos arguidos, veio o arguido A. apresentar 
 recurso judicial da decisão instrutória na parte em que apreciou as arguidas 
 nulidades, nos termos constantes a fls. 5685 e segs.. 
 
 
 Desde logo se refira que, à face do actual dispositivo legal plasmado no artigo 
 
 310.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, tendo a decisão instrutória proferida 
 nos autos pronunciado o arguido recorrente, e os demais arguidos, pelos factos 
 constantes da acusação, a mesma é irrecorrível. 
 
 
 Do exposto resulta que a decisão instrutória proferida nos autos, tendo 
 pronunciado o arguido nos precisos termos constantes da acusação não é passível 
 de recurso, mesmo na parte em que tenha apreciado nulidades e determina a 
 remessa imediata dos autos ao tribunal competente para julgamento. 
 
 
 Assim, o despacho de pronúncia em causa é irrecorrível (neste sentido, se 
 pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 13.02.2008, disponível 
 no sítio da lnternet www.dgsi.pt). 
 
 
 Relativamente à suscitada inconstitucionalidade da norma do citado artigo 310.º 
 n.º 1 do Código de Processo Penal, por violação do estatuído no artigo 32.º n.º 
 
 1 da Constituição da República Portuguesa, esta não é de atender, por se 
 considerar que o citado preceito legal não é violador da constituição, tal como 
 entendeu recentemente o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 21.01.2009 
 
 (disponível no sítio da lnternet www.dgsi.pt), ao referir que ?Não fere a 
 constituição da República Portuguesa, designadamente a garantia de recurso 
 consagrada no respectivo artigo 32.º, a nova redacção do artigo 310.º, n.º 1, do 
 C.P.P., que exclui a recorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o 
 arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, «mesmo na 
 parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais». 
 
 
 Refere-se ainda no Acórdão vindo de citar que ?A recorribilidade ou não de uma 
 decisão afere-se pela lei vigente à data da sua prolação (em 1ª instância), pelo 
 que, tendo uma decisão sido proferida já na plena vigência das alterações 
 introduzidas no disposto no artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., pela Lei n.º 48/2007, 
 tal decisão é irrecorrível mesmo na parte em que apreciou as nulidades arguidas 
 pelo ora recorrente? 
 
 
 Por todo o exposto, e atento o disposto nos artigos 309º, 310º e 414º n.º 2, 
 todos do Código de Processo Penal, não se admite o recurso interposto pelo 
 arguido A. em virtude de a decisão em causa ser irrecorrível.? 
 
 
 e) O recorrente deduziu reclamação deste despacho, ao abrigo do artigo 405.º do 
 Código de Processo Penal; 
 
 
 f) Sobre essa reclamação recaiu o despacho do Presidente da Relação de Coimbra, 
 de 14 de Setembro de 2009, que a indeferiu com a seguinte fundamentação: 
 
 
 
 ?Cumpre apreciar: 
 
 
 O direito de recurso é um elemento integrador das garantias de defesa do arguido. 
 
 
 A CRP não impõe que tenha sempre que haver recurso de todos os actos do juiz. 
 
 
 Na verdade sendo o recurso um meio processual destinado a reapreciar uma decisão 
 por forma a corrigir imperfeições que belisquem os direitos e garantias dos 
 intervenientes processuais, certo é que só se justifica este expediente quando 
 existe uma efectiva violação dos referidos direitos e garantias, quando é 
 atingido o núcleo essencial do direito de defesa. 
 
 
 Ora vendo o ora reclamante desagravada a sua situação processual (não foi 
 pronunciado nem por todos os factos nem por todos os crimes de que vinha acusado), 
 sem que tal tenha implicações negativas na possibilidade de defesa pelos 
 restantes crimes por que foi pronunciado é evidente que não tem interesse em 
 agir. 
 
 
 Inserido nos princípios gerais dos recursos penais, estatui o art. 401.º do CPP: 
 
 
 
 «1. Têm legitimidade para recorrer: 
 
 
 b) O arguido ? de decisões contra ele proferidas. 
 
 
 
 (?) 
 
 
 
 2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir». 
 
 
 Assim, como flui expressamente da lei, dois dos requisitos de que depende a 
 admissão dos recursos são a legitimidade? e o interesse em agir. 
 
 
 A legitimidade afere-se pela posição de um sujeito processual face a determinada 
 decisão proferida no processo, justificativa da possibilidade de a impugnar 
 através dos recursos tipo consagrados na lei. Tem um cariz marcadamente 
 subjectivo e, por isso, é verificável a priori. 
 
 
 Diferentemente, o interesse em agir, processual ou necessidade de tutela 
 jurídica, verifica-se quando existe interesse em interpor recurso para acautelar 
 um direito ou interesse ameaçado que necessita de tutela e só por essa via é 
 possível obtê-la. Trata-se, deste modo, de uma posição objectiva perante o 
 processo, que é ajuizada a posteriori. 
 
 
 
 «Enquanto a legitimidade subjectiva é, por exigências dialécticas, valorada a 
 priori, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao intérprete que terá 
 de verificar a medida em que o acto ou procedimento são impugnados em sentido 
 favorável à função que o recorrente desempenha no processo». 
 
 
 A necessidade do requisito ?interesse em agir? é imposta por duas ordens de 
 razões: 
 
 
 
 «O tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomados quando os direitos 
 careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa mesma 
 actividade. 
 
 
 Depois, é injusto que, sem mais, alguém possa solicitar tutela judiciária, com a 
 consequente imposição à parte contrária dos correspondentes incómodos e ónus». 
 
 
 No caso concreto, recorde-se, o reclamante alicerça a sua argumentação tão só 
 numa situação que lhe é favorável. 
 
 
 Como assim, carece o recorrente de interesse em agir o que implica o 
 indeferimento da presente reclamação.? 
 
 
 
 4. Como por esta sequência se deixa ver, o ora recorrente decaiu na arguição de 
 nulidades susceptíveis de inquinar a prova colhida no inquérito e na pretensão 
 de não ser submetido a julgamento. Foi pronunciado, contra o que pedira, embora 
 não por todos os factos constantes da acusação e com diferente qualificação 
 jurídica (em vez da acumulação de crimes de falsificação e de falsificação de 
 notação técnica, considerou-se que os factos integravam esses crimes, mas na 
 forma continuada). E quis recorrer, para atacar a decisão sobre as pretensas 
 nulidades da fase de inquérito, por susceptíveis, no seu entender, de inquinarem 
 a validade da prova que conduziu à pronúncia. 
 
 
 O despacho do juiz de instrução e o despacho recorrido coincidem em não admitir 
 esse recurso. Mas por razões jurídicas ou causas típicas diferentes. Para o juiz 
 de instrução, essa decisão é irrecorrível mesmo no que respeita à decisão sobre 
 arguição de nulidades do inquérito, por força do texto expresso do n.º 1 do 
 artigo 310.º do Código de Processo Penal, na redacção emergente da Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, que considerou aplicável. O despacho recorrido foi por outro 
 caminho. Não se pronunciando sobre a recorribilidade da decisão instrutória, 
 entendeu que à admissibilidade do recorrente obstava a falta de interesse em 
 agir por parte do recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 401.º do Código de 
 Processo Penal. 
 
 
 Pode parecer afastado do sentido comum das coisas que o arguido, mandado 
 submeter a julgamento contra o que pedira, não tenha interesse em pugnar pela 
 revogação de uma tal decisão. Mas isso é questão que não compete ao Tribunal 
 apreciar, porque lhe está vedado censurar a interpretação do direito ordinário e 
 a estratégia decisória adoptada pelos tribunais da causa. Da sua competência é 
 apreciar a constitucionalidade da norma que constitua a ratio decidendi da 
 decisão recorrida e que lhe tenha sido submetida de modo processualmente válido 
 e essa é, no caso, o n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que, por falta de interesse em agir, não é admissível 
 o recurso interposto pelo arguido da parte da decisão instrutória que indeferiu 
 nulidades por este suscitadas, quando essa decisão não pronuncia o arguido por 
 todos os factos e crimes constantes da acusação do Ministério Público. Norma 
 esta a que o recorrente imputa violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, 
 por afectar o direito de defesa do arguido na dimensão do direito ao recurso. 
 
 
 
 5. Anteriormente à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a questão da 
 recorribilidade do despacho de pronúncia que confirme a acusação pública foi, no 
 plano do direito infra-constitucional, bastante controvertida no tocante à parte 
 dessa decisão que conhece de nulidades de actos do inquérito ou de questões 
 prévias e incidentais. Pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2000, 
 o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que esse 
 despacho era recorrível na parte em que decide sobre nulidades e questões 
 prévias ou incidentais. E pelo acórdão n.º 7/2004 estabeleceu que subia 
 imediatamente o recurso da decisão instrutória que conhece de nulidades. A Lei n.º 
 
 48/2007 veio dar nova redacção ao artigo 310.º do Código de Processo Penal 
 estabelecendo, por um lado, a irrecorribilidade da decisão instrutória que 
 pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, 
 mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias e incidentais. 
 Mas, por outro lado e assim garantindo a posição final do arguido, afastou o 
 caso julgado formal relativamente a decisões que apreciem a validade das provas 
 
 (n.º 2 do artigo 310.º). 
 
 
 Posto isto, entrando na apreciação da escassa argumentação do recorrente, é 
 central saber se, da afirmação constitucional de que ?o processo criminal 
 assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso? (artigo 32.º, n.º 1, 
 da CRP), deve extrair-se a exigência de que haja recurso da decisão instrutória 
 que pronuncie o arguido quando indefira nulidades de actos de inquérito por 
 aquele suscitadas. 
 
 
 Ora, o Tribunal dispõe, a propósito desta questão, apreciando a norma do n.º 1 
 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, uma jurisprudência solidamente 
 estabelecida e constante (acórdãos n.ºs 265/94, 610/96, 266/98, 216/99, 387/99, 
 
 30/01, 463/02, 481/03, 79/05 e 460/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Embora com alguns votos discordantes, sempre o Tribunal entendeu que não viola 
 as garantias de defesa não haver recurso da decisão instrutória que pronuncie o 
 arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo na 
 parte em que se apreciem e indefiram nulidades do inquérito. 
 
 
 Disse-se, por exemplo, no acórdão n.º 216/99, publicado no Diário da República, 
 II Série, de 6 de Agosto de 1999, onde esta última variante da questão foi 
 especialmente considerada: 
 
 
 
 ?9. O problema da conformidade constitucional do artigo 310º, nº 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, em face dos princípios do duplo grau de 
 jurisdição e da plenitude das garantias de defesa, foi já por diversas vezes 
 abordado pelo Tribunal Constitucional, no que respeita à recorribilidade do 
 despacho instrutório na parte em que pronuncia o arguido, tendo o Tribunal 
 concluído no sentido da não inconstitucionalidade. 
 
 
 Entende-se que as razões então aduzidas são transponíveis para a questão agora 
 em discussão. 
 
 
 
 9.1. Começando por confrontar o artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal 
 com o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e com o direito, 
 que o recorrente invoca, a um duplo grau de jurisdição, remete-se para a 
 doutrina do acórdão nº 265/94 (in Diário da República, II, de 19 de Julho de 
 
 1994, p. 7239 ss): 
 
 
 
 ?A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a 
 garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos 
 das diferentes espécies. 
 
 
 
 É cerro que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e aos tribunais, 
 para defesa dos seus direitos e interessas legítimos, não podendo a justiça ser 
 denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20º, nº 1) e, em matéria 
 penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa» 
 
 (artigo 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de 
 jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal. 
 
 
 A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais 
 condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do 
 arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 direitos fundamentais. 
 
 
 Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão 
 do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão nº 8/87 do Tribunal 
 Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., p. 235), a 
 verdade é que como se escreveu no Acórdão nº 31/87 do mesmo tribunal, «se há-de 
 admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas 
 fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não 
 existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma 
 faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido».' 
 
 
 
 9.2. A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos objectivos 
 constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma decisão 
 condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo 
 seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução 
 dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República 
 Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, 
 arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das 
 decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o legislador 
 optou decididamente pela segunda via. 
 
 
 Esta opção foi aliás confirmada pela revisão constitucional de 1997, que aditou 
 ao nº 1 do artigo 32º o segmento 'incluindo o recurso'. Como se escreveu no 
 acórdão nº 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador 
 constituinte não foi 'significar que haveria de ser consagrada, sob pena de 
 inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais 
 proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa 
 que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das 
 decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido 
 pela jurisprudência deste órgão de fiscalização' (veja-se também, no mesmo 
 sentido, o acórdão nº 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da 
 decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que 
 derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória. 
 
 
 
 9.3. Quanto à compatibilidade entre a solução do artigo 310º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, com o princípio da plenitude das garantias de defesa, mais uma 
 vez em equação se colocam os princípios da celeridade e da protecção dos 
 direitos do arguido. Afirmou-se, a este propósito, no acórdão nº 610/96 do 
 Tribunal Constitucional (in Diário da República, II, de 6 de Julho de 1996, p. 
 
 9117 s): 
 
 
 
 '[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de celeridade, que 
 
 é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade de certas 
 decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não alteram os 
 factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a esta questão 
 indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de defesa, podendo 
 coincidir com os fins de presunção de inocência, como é instrumental dos valores 
 
 últimos do processo penal ? a descoberta da verdade e a justa decisão da causa ?, 
 próprios de um Estado democrático de direito. 
 
 
 
 [...] 
 
 
 Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que pronunciar o arguido 
 pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. 
 
 
 Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento na existência 
 de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo: pelo 
 Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de instrução. E o 
 Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma magistratura 
 autónoma (artigo 221º, nº 2, da Constituição), sendo concebido, no processo 
 penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente, determinar o 
 arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar, findo o 
 julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão condenatória 
 em exclusivo benefício do arguido [...].' 
 
 
 
 10. Conclui-se, assim, que não existe na interpretação dada pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa aos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo 
 Penal qualquer violação do princípio da plenitude das garantias de defesa 
 constitucionalmente consagrado. 
 
 
 A irrecorribilidade da parte do despacho de pronúncia que decide questões 
 prévias ou incidentais não é portanto contrária à Constituição da República 
 Portuguesa?. 
 
 
 Mantém-se inteiramente válidas estas considerações. E acresce dizer que o 
 sistema está equilibrado no que respeita a assegurar a celeridade do processo 
 penal e o interesse público na realização eficiente da justiça penal sem que as 
 garantias de defesa do arguido fiquem definitivamente comprometidas porque, como 
 se reconheceu no acórdão n.º 95/2009 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 
 
 ?[?] o artigo 311º, nº 1, do Código de Processo Penal aponta, de facto, no 
 sentido de a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos 
 constantes da acusação do Ministério Público não constituir decisão final, 
 também na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou 
 incidentais. Neste preceito sobre o saneamento do processo na fase de julgamento 
 permite-se, sem qualquer limitação, que o presidente do tribunal se pronuncie 
 sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à 
 apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. Já no artigo 
 
 338º, nº 1, em audiência de julgamento, o tribunal só pode conhecer e decidir 
 das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis 
 de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda 
 havido decisão e que possa desde logo apreciar; e no artigo 368º, nº 1, no 
 momento de elaborar a da sentença, o tribunal só pode começar por decidir 
 separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver 
 recaído decisão. Numa palavra: os poderes de cognição do tribunal de julgamento 
 em matéria de questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito 
 da causa estão limitados apenas quando a lei o determine expressamente?. 
 
 
 Não há pois razão para considerar que fere o núcleo essencial do direito de 
 defesa a norma de que resulte não haver recurso da decisão instrutória que 
 pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação pública. Sem que se lhe 
 negue lesividade, tratou-se de uma decisão judicial que assenta num juízo 
 indiciário, de efeitos provisórios e processualmente revisível na fase de 
 julgamento. 
 
 
 
 6. Apesar de a norma em apreciação ser outra e de a causa de inadmissibilidade 
 do recurso ser de diversa natureza, estas razões são transponíveis para a 
 hipótese presente. Seja por uma causa (irrecorribilidade objectiva da decisão) 
 ou por outra (falta de interesse em agir) o que está em análise não é senão a 
 extensão da garantia do duplo grau de apreciação em matéria penal perante o 
 despacho de pronúncia. A tónica deve ser posta nas consequências da 
 irrecorribilidade, no que ela significa de limitação dos direitos de defesa, e 
 não na configuração jurídica adoptada, no fundamento concretamente operante, 
 para vedar o segundo grau de jurisdição. 
 
 
 Com efeito, ao menos como o recorrente a apresenta ? e, apesar de o Tribunal não 
 estar limitado pelos termos da alegação (artigo 79.º- C da LTC) não se vêem 
 razões para alargar a indagação a outros hipotéticos fundamentos de 
 inconstitucionalidade de que não há rasto argumentativo ou indícios de 
 plausibilidade ?, a questão de constitucionalidade é só uma e sempre a mesma: 
 saber se Constituição exige que haja recurso da decisão instrutória que 
 pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação pública, na parte em que 
 essa decisão aprecie nulidades da fase de inquérito susceptíveis de afectar a 
 validade das provas. E, de acordo com a referida jurisprudência, não exige, pelo 
 que a consideração de que o arguido não tem nestas circunstâncias interesse em 
 agir, independentemente do sufrágio que tal conceito de interesse em agir mereça, 
 não é idónea para violar a garantia do ?direito ao recurso? porque esse direito 
 não existe relativamente ao tipo de decisão em causa. Materialmente, não pode 
 dizer-se violada uma garantia constitucional que não existe ou que não tem a 
 extensão alegadamente sacrificada. 
 
 
 Por outro lado, a circunstância de a decisão instrutória não ter pronunciado o 
 arguido recorrente por todos os factos constantes da acusação e de ter dado aos 
 factos que subsistiram uma qualificação menos gravosa (a multidão de infracções 
 ficou reduzida a dois crimes na forma continuada) não afecta aquelas razões. Se 
 o recorrente não tem constitucionalmente direito a fazer rever a decisão 
 instrutória que confirma integralmente a acusação pública, por maioria de razão 
 não lhe assistirá esse direito quando a pronúncia ficar aquém dessa acusação 
 porque essa situação lhe é, em comparação com aquela, mais favorável (cfr. 
 acórdãos n.ºs 32/2006 e 451/2003. a propósito de uma situação paralela). 
 
 
 Em conclusão: não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição a norma do n.º 2 
 do artigo 401.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, por 
 falta de interesse em agir, não é admissível recurso por parte do arguido da 
 decisão instrutória que o não pronuncie por todos os factos constantes da 
 acusação, mesmo que o recurso verse sobre a parte dessa decisão que indefira a 
 arguição de nulidades da fase de inquérito. 
 
 
 
 7. Decisão 
 
 
 Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs. 
 
 
 Lx., 3/2/2010 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Gil Galvão