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Processo nº 581/09
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Guimarães, em que é 
 recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 despacho daquele tribunal de 19 de Fevereiro de 2009.
 
  
 
 2. O tribunal recorrido recusou a aplicação do artigo 1842º, nº 1, alínea a), do 
 Código Civil, com fundamento em inconstitucionalidade, julgando improcedente a 
 excepção da caducidade invocada pelos réus. Para o que agora releva, é o 
 seguinte o teor da decisão que é objecto do presente recurso:
 
  
 
 «Invocaram os réus a excepção peremptória da caducidade para a propositura desta 
 acção, chamando à colação o disposto no artº 1842º, nº 1, al. a), do CC. 
 Respondeu o autor invocando a inconstitucionalidade de tal preceito legal. 
 Cumpre decidir: 
 Tem-se por assente que o autor, com referência à data da propositura desta 
 acção, há mais de dois anos que teve conhecimento das circunstâncias em que 
 funda a causa de pedir. 
 Dispõe o artº 1842º, nº 1, al. a), do CC, que a acção de impugnação da 
 paternidade pode ser intentada “Pelo marido no prazo de dois anos contados desde 
 que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não 
 paternidade”:
 Sucede que se tem entendido que tal preceito é inconstitucional, no essencial, 
 pelas seguintes razões: 
 
 - O respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do 
 direito de investigar (neste caso já um dado adquirido em face do acórdão do TC 
 nº 23/2006, de 10.01., publicado no DR, série I-A, de 28.02.2006, tendo força 
 obrigatória geral a declaração de inconstitucionalidade nele vertida a propósito 
 do artº 1817º, nº 1, do CC) como o de impugnar (por identidade de razão); 
 
 - O “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito fundamental à 
 integridade pessoal”: bem como o “direito ao desenvolvimento da personalidade”, 
 leva em si a que não se coloquem desproporcionadas restrições a esses direitos 
 fundamentais quando é colocada a questão da filiação, seja numa acção de 
 investigação seja numa acção de impugnação (a restrição em causa não é 
 constitucionalmente justificada, necessária ou proporcional, mesmo tendo em 
 atenção a segurança das relações familiares e inerente segurança jurídica e 
 ainda o enfraquecimento da prova com o decurso do tempo, tanto mais que hoje 
 existem testes de ADN capazes de provar a paternidade com um grau de certeza de 
 praticamente 100%).
 Havendo de prevalecer a verdade biológica, a restrição em causa viola o disposto 
 no artº 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra o 
 direito à identidade.
 Assim foi decidido, por exemplo, nos acs do STJ de 31.01.2007 e de 21.02.2008, 
 que podem ser consultados em www.disi.pt, processos nºs 06A4303 e 02B928, 
 respectivamente».
 
  
 
 3. Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação:
 
  
 
 «da constitucionalidade do artº. 1842º nº 1, al. a) do Código Civil, face ao 
 disposto no art.º 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que consagra 
 o direito à identidade e desse modo à verdade biológica».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o Ministério Público levantou a questão prévia da 
 inutilidade do recurso. Fê-lo nos seguintes termos:
 
  
 
 «1.1 A. intentou contra B. e C. e D. acção de impugnação de paternidade pedindo 
 que fosse declarado que o menor D. não era seu filho.
 Como acção teria sido proposta para além do prazo de dois anos, estabelecido no 
 artigo 1842º, nº 1 alínea a) do código Civil, o senhor juiz, no despacho 
 saneador, considerou inconstitucional aquela norma, enquanto estabelece aquele 
 prazo, recusando a sua aplicação com aquele fundamento.
 Daquela decisão foi, pelo Ministério Público, interposto recurso obrigatório 
 para o Tribunal Constitucional.
 A decisão não é clara no sentido de saber se o que o senhor juiz considera 
 inconstitucional é o prazo de dois anos, ou, antes, a fixação de qualquer prazo. 
 Esta dúvida não é dissipada pelo teor do requerimento de interposição do 
 recurso. No entanto, conjugando todos esses elementos, parece-nos que é a 
 fixação de um qualquer prazo que o senhor juiz reputa d e inconstitucional.
 
 1.2. Após ter sido proferida a decisão, foi editada a Lei nº 14/2009, de 01 de 
 Abril, que alterou a redacção do artigo 1842º, vindo a estabelecer novos prazos 
 para a propositura da acção de impugnação de paternidade.
 Segundo o artigo 3º dessa Lei, ela aplica-se aos processos pendentes à data da 
 sua entrada em vigor.
 Portanto, será este novo regime, o aplicável nos presentes autos, 
 independentemente de que forma e quando tal venha a ocorrer.
 Assim sendo, qualquer que fosse o juízo a proferir sobre a inconstitucionalidade 
 da norma objecto do recurso, tal não teria qualquer repercussão no processo, uma 
 vez que ela não é aplicável e será sempre à luz dos novos prazos que o tribunal 
 irá decidir sobre a tempestividade, ou não, da acção.
 Pelo exposto, e dada a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, 
 não deverá conhecer-se do recurso.
 Para o caso de improceder a questão prévia, tomaremos posição sobre o mérito do 
 recurso.
 
 (…)
 
 3. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1- Por falta de interesse processual não deve conhecer-se de questão de 
 inconstitucionalidade de norma desaplicada – o artigo 1842º, nº 1, alínea a) do 
 Código Civil – porque, sendo aplicável aos processos pendentes o regime de 
 prazos inovatoriamente definido pela Lei nº 14/2009, de 01 de Abril, por força 
 da disposição transitória do respectivo artigo 3º, independentemente do juízo 
 que viesse a ser formulado sobre a constitucionalidade, tal não teria qualquer 
 repercussão no julgamento da causa».
 
  
 
 5. Notificado, o recorrido não contra-alegou.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da LTC, para apreciação do artigo 1842º, nº 1, alínea a), do Código Civil, cuja 
 redacção era a seguinte, à data da prolação do despacho recorrido:
 
  
 
 «1 – A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada:
 a) Pelo marido, no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de 
 circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade».
 
  
 Nas alegações, o recorrente levanta a questão prévia da inutilidade do 
 conhecimento do recurso, face à entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 1 de 
 Abril. Esta lei deu nova redacção à alínea a) do nº 1 do artigo 1842º do Código 
 Civil, alterando o prazo dentro do qual pode ser intentada a acção de impugnação 
 da paternidade – passou a ser de três anos –, aplicando-se aos processos 
 pendentes em 2 de Abril de 2009 (artigos 1º, 2º e 3º), e, consequentemente, aos 
 presentes autos.
 Com efeito, a norma cuja apreciação foi requerida deixou de ser aplicável ao 
 caso, pelo que qualquer que fosse o juízo sobre a constitucionalidade da mesma 
 não teria qualquer repercussão no processo, o que obsta ao conhecimento do 
 objecto do recurso.
 A decisão de constitucionalidade apresenta, em sede de fiscalização concreta, 
 uma “função instrumental”, ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade 
 tem de “influir utilmente na decisão da questão de fundo”, pelo que a respectiva 
 utilidade surge como condição do seu conhecimento (neste sentido, entre muitos 
 outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 169/92, 463/94, 366/96 e 
 
 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso.
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 17 de Novembro de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Rui Manuel Moura Ramos