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Processo n.º 875/08
 
 1.ª Secção
 Relator : Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 9 de Dezembro de 2008, vem 
 dela reclamar, tendo concluído nos seguintes termos:
 
 “1- Deverá o Recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa em 30/01/2007 ser admitido com fundamento no artigo 70.° n.° alíneas b)e 
 g) da LTC. 
 
 2- A constitucionalidade das normas aplicadas na decisão foi suscitada durante o 
 processo e no momento processualmente adequado, i.é, após a prolação da decisão 
 de rejeição do Recurso, sendo que só com esta pôde o recorrente atacar a 
 legalidade e inconstitucionalidade. 
 
 3- Por outro lado, o poder jurisdicional do Venerando Sr. Dr. Juiz Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa que rejeitou, por intempestivo, o recurso da 
 decisão da 1a instância, não se esgotou com a prolação do acórdão proferido em 
 
 30/01/2007. 
 
 4- Só com a decisão proferida pelo Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça (que veio a manter definitivamente o despacho de não admissão do recurso 
 para este Conselheiro Supremo Tribunal), e esgotados todos os recursos 
 ordinários, pôde o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 5- Por outro lado, tendo o Recurso para o Tribunal Constitucional sido admitido, 
 na totalidade, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deveria o Ex.mo Sr. Juiz 
 Conselheiro Relator ter-se pronunciado sobre o fundamento do recurso nos termos 
 da alínea g) do artigo 70.° n.° 1 da LTC, o que não fez, limitando-se a concluir 
 pela sua inadmissibilidade. 
 
 6- Sendo que desta forma incorreu em omissão de pronúncia e nulidade por falta 
 de fundamentação legal.” 
 
 2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
 
 “Não obstante o Recorrente ter pretendido interpor recurso de 
 constitucionalidade ao abrigo das alíneas b), e g), do artigo 70.º, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, o Exmo. Desembargador Relator apenas admitiu o 
 primeiro, como facilmente se afere do seguinte excerto do despacho de admissão: 
 
 ‘Porque inaplicáveis ao caso as demais alíneas do n.º 1 do art. 70.º, o presente 
 recurso só pode fundar-se no disposto na alínea b) (…)’. Este é o recurso cuja 
 análise cumpre agora efectuar.
 
 4. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei 
 do Tribunal Constitucional, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos 
 necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho de admissão 
 do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula o Tribunal Constitucional 
 
 (cfr. artigo 76.º, n.º 3, daquele diploma).
 
 4.1. O recurso de constitucionalidade que o Recorrente pretendeu interpor 
 pressupõe a suscitação de questão de constitucionalidade normativa durante o 
 processo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Esta expressão – 
 durante o processo – tem sido entendida, de acordo com impressiva jurisprudência 
 constitucional, como correspondendo à manutenção do poder jurisdicional do 
 tribunal recorrido que, nos termos do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Civil, se esgota, em regra, com a prolação da sentença. Assim, até que seja 
 proferida a decisão final, deve o interessado suscitar a questão de 
 constitucionalidade. E deve fazê-lo de modo processualmente adequado (cfr. 
 artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 
 4.2. Ora, durante o processo, o Recorrente teve oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade. Com efeito, a eventualidade de o 
 recurso não vir a ser admitido com base na sua extemporaneidade foi logo 
 aflorada no parecer que o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público, 
 junto do Tribunal da Relação, emitiu nos autos (fls. 1045 e seguintes). Aí se 
 disse que a sentença proferida em 1.ª instância produzia efeitos imediatos a 
 partir do momento do depósito na medida em que o Recorrente se encontrava 
 devidamente representado pelo seu Mandatário e que havia manifestado vontade no 
 prosseguimento da audiência sem a sua presença. Assim, e não obstante ter 
 ocorrido notificação pessoal da sentença ao arguido, o prazo para interposição 
 do recurso deveria ser contado a partir do momento do depósito da mesma na 
 secretaria. O conteúdo de tal parecer, que não se limitou a simples aposição de 
 visto, foi, como impõe a lei, notificado ao Recorrente (fls. 1047), tendo-lhe 
 sido aberta a possibilidade de contraditório, que se veio a concretizar no 
 requerimento de fls. 1049. Ora, neste requerimento, produzido antes de proferida 
 a decisão da Relação, o Recorrente teve oportunidade de suscitar a questão de 
 constitucionalidade normativa, para efeitos de preenchimento dos pressupostos do 
 recurso de fiscalização concreta que agora pretende ver apreciado. O certo é que 
 não o fez.
 
 4.3. Sustenta o Recorrente que a questão de constitucionalidade foi suscitada 
 nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e na reclamação 
 dirigida ao Presidente daquele Tribunal. E justifica dizendo que o problema do 
 indeferimento do recurso interposto (isto é, a questão de constitucionalidade 
 propriamente dita) apenas se colocou perante o teor do Acórdão proferido pela 
 Relação de Lisboa. O que o Recorrente alega, portanto, é o carácter de 
 
 “decisão-surpresa” de tal decisão para efeitos de dispensa de suscitação 
 atempada da questão de constitucionalidade. É que ao ter sido invocada apenas 
 após a prolação do acórdão da Relação, já não se insere, como exigido, durante o 
 processo na medida em que, como foi comprovado pelas posteriores pronúncias do 
 Supremo Tribunal de Justiça, tal decisão não era já recorrível, tendo-se por 
 esgotado, por conseguinte, o poder jurisdicional das instâncias.
 
 4.4. No entanto, ao contrário do que pretende o Recorrente, nem o acórdão da 
 Relação pode ser qualificado como decisão-supresa, nem deixou de lhe assistir 
 oportunidade processual para, em momento prévio, durante o processo, suscitar a 
 questão de constitucionalidade. Como já vimos, o Recorrente teve a oportunidade 
 de o fazer no requerimento que apresentou em resposta ao parecer do Ministério 
 Público. Por outro lado, como se afirmou no Acórdão n.º 479/89, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, ‘ (…) desde logo terá de 
 ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de 
 considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se 
 pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas 
 processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma 
 estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á também logo mostra 
 como a simples ‘surpresa’ com a interpretação dada judicialmente a certa norma 
 não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas 
 situações excepcionais (voltando agora à nossa questão) em que seria justificado 
 dispensar os interessados da exigência de invocação ‘prévia’ da 
 inconstitucionalidade perante o tribunal a quo.’ (sublinhado nosso) 
 
 4.5. Ora, se a interpretação das normas se afigura como expectável, ou, pelo 
 menos, previsível, como sucede no caso dos autos, não poderia o Recorrente 
 alegar a impossibilidade de cumprimento, em tempo, do ónus de suscitação da 
 questão de constitucionalidade, pelo que o deveria ter feito durante o processo, 
 de modo a permitir ao Tribunal da Relação de Lisboa apreciar a questão e sobre a 
 mesma tomar a sua posição. Reiterando o que ficou dito, é de relembrar que, no 
 
 âmbito dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), o Tribunal 
 Constitucional não decide ex novo e sim em sede de recurso também no que à 
 questão de constitucionalidade diz respeito.
 Assim se conclui pela ausência de pressupostos sem os quais não pode o Tribunal 
 Constitucional apreciar o objecto do recurso.”
 
 3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se 
 no sentido da improcedência da reclamação.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 4. A reclamação deduzida carece de fundamento, tanto no que respeita à omissão 
 de pronúncia ou falta de fundamentação relativamente ao recurso interposto ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional, como 
 no que se reporta ao carácter-supresa da decisão recorrida com a consequência de 
 impossibilidade de suscitação prévia (durante o processo) da questão de 
 constitucionalidade. 
 Vejamos.
 
 4.1. Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea g): decorre, de 
 forma clara, explícita e directa do despacho de admissão do recurso (fls. 
 
 1573-175) que o recurso, tendo sido interposto ao abrigo das alíneas b) e g), 
 apenas foi admitido no que se refere ao primeiro preceito. Veja-se a transcrição 
 que consta já da decisão sumária: ‘Porque inaplicáveis ao caso as demais alíneas 
 do n.º 1 do art. 70.º, o presente recurso só pode fundar-se no disposto na 
 alínea b) (…)’  (sublinhado acrescentado). É certo que, mais à frente, o Relator 
 exprime as suas dúvidas (aliás fundadamente) quanto à inadmissibilidade de tal 
 recurso pelo facto de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada 
 adequadamente durante o processo. Ora, obviamente que tais dúvidas só se podem 
 reportar ao recurso tentado interpor ao abrigo da alínea b) pois que tais 
 pressupostos não se aplicam às impugnações deduzidas nos termos da alínea g). 
 Donde decorre que, não obstante o facto de ter dúvidas sobre a sua 
 admissibilidade devido à controvérsia sobre a falta de suscitação da questão 
 durante o processo, o Relator admitiu tal recurso de constitucionalidade. Mas 
 apenas o que foi interposto ao abrigo da alínea b). O recurso ao abrigo da 
 alínea g) havia já sido rejeitado previamente, tendo assistido oportunidade ao 
 reclamante para reagir a tal excerto decisório mediante interposição de 
 reclamação nos termos 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
 4.2. Ainda assim, sempre se diga que o recurso nos termos da alínea g), mesmo 
 que tivesse sido admitido pelo Tribunal a quo, sempre seria objecto de não 
 conhecimento. Tais recursos pressupõem a aplicação de norma anteriormente 
 julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Mas o acórdão-fundamento 
 
 – 312/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Agosto – não 
 efectuou qualquer julgamento de inconstitucionalidade, tendo antes procedido à 
 interpretação das normas dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5 “no sentido de 
 que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido 
 ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito na 
 secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os 
 mesmos são, ou não, justificáveis.” Mesmo que este aresto fosse convocável, 
 falharia o pressuposto relativo à identidade das situações tratadas. Nos 
 presentes autos não se pode afirmar que o arguido não tenha comparecido a 
 julgamento. Com efeito, decorreu uma audiência na sua ausência, com seu 
 consentimento expresso, e, posteriormente, a leitura da sentença, tendo, em 
 ambos os momentos, estado presente o seu mandatário constituído. Não seria 
 portanto convocável, a título de “precedente”, o aresto citado pois que as 
 situações fácticas subjacentes apresentam especificidades que implicariam uma 
 diferente abordagem da questão sub specie constitutionis.
 
 4.3. Já no que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea b), a 
 argumentação desenvolvida pelo Reclamante em nada abala o que se dispôs a 
 propósito da não suscitação atempada (i.e. durante o processo, antes de esgotado 
 o poder jurisdicional do tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 666.º, 
 n.º 1, do Código de Processo Civil) e das diversas oportunidades processuais que 
 o arguido teve de o fazer. Uma decisão só pode ser qualificada como surpresa se 
 o interessado não teve qualquer oportunidade de vir ao processo e tomar uma 
 posição sobre a mesma. E o Reclamante podia tê-lo feito na resposta que juntou 
 aos autos na sequência do parecer do Ministério Público junto da Relação. Não o 
 fez e tal omissão só ele é imputável com a consequência do não conhecimento do 
 recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor.
 III – Decisão
 
 5. Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência, 
 indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão 
 reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos