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Processo nº 323/2009
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 21 de Maio de 2009 foi proferida decisão sumária (fls. 513 e segs.) em 
 que se entendeu não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do 
 objecto do recurso interposto para este Tribunal por A..
 Tal decisão assentou nos seguintes fundamentos: 
 
  
 
 2.  Constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada deste Tribunal 
 que um dos pressupostos do recurso previsto alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional – visto não estar consagrado no nosso direito um 
 recurso de amparo contra actos judiciais que, alegadamente, violem directamente 
 a Constituição –, consiste na previsão de que o mesmo tenha sempre por objecto 
 normas, incidindo necessariamente sobre a apreciação da (in)constitucionalidade 
 de normas identificadas e especificadas, em termos tempestivos e processualmente 
 adequados, pelo recorrente.
 O artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional concretiza tal 
 pressuposto, ao estabelecer que esse recurso só pode ser interposto pela parte 
 que haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer, tratando-se, como indica a própria epígrafe do 
 referido artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, de uma regra relativa à 
 
 “legitimidade para recorrer” e não à recorribilidade da decisão. A exigência 
 legal, para que se verifique a legitimidade para recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, é no sentido de que a parte recorrente haja suscitado a questão 
 de constitucionalidade de modo procedimentalmente adequado perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida.
 
  
 
 3.  Compulsados os autos, verifica-se que o requerimento de interposição do 
 recurso não contém os elementos exigidos pelo artigo 75.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional. A constatação de tal deficiência, quando afecte apenas o 
 requerimento de interposição do recurso, conduz, em princípio, a que seja 
 proferido um despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 
 do mesmo artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional. No caso dos autos, 
 porém, é evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso, pelo que se 
 não justifica, nem possível é sequer, lançar mão do convite a que se referem 
 aqueles preceitos. 
 Com efeito, seria necessário, para que estivesse aberta a via de recurso para 
 este Tribunal, que tivesse sido suscitada pelo recorrente, durante o processo e 
 de modo processualmente adequado, uma questão susceptível de ser apreciada em 
 recurso pelo Tribunal Constitucional. 
 Resulta dos autos, porém, que o recorrente, nas alegações apresentadas junto do 
 Supremo Tribunal de Justiça a fls. 360 e segs. dos autos – em particular nas 
 conclusões formuladas, que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso –, 
 apenas se limitou a contestar a decisão proferida pelas instâncias, não 
 avançando, sequer de forma implícita, o sentido da(s) norma(s) objecto do juízo 
 de inconstitucionalidade que é incompatível com a Constituição.
 Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada 
 apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. 
 Porém, nesses casos, o recorrente tem o ónus de indicar, de modo claro e 
 perceptível, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta 
 dimensão normativa do preceito que entende não dever ser aplicada por ser 
 incompatível com a Constituição. Como se disse, entre muitos outros, no Acórdão 
 n.º 21/2006 (disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), 
 
 “identificar uma interpretação normativa é, no mínimo, indicar com precisão o 
 sentido dado à norma, para que o Tribunal, se vier a julgar inconstitucional 
 essa mesma norma – entendida nesse preciso sentido –, possa enunciar, na decisão 
 que proferir, de modo que todos os operadores jurídicos disso fiquem cientes, 
 qual a interpretação que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a 
 Constituição”.
 Compreende-se, pois, que o tribunal a quo não tenha respondido a qualquer 
 questão de constitucionalidade colocada pelo ora recorrente, não tendo esse 
 tribunal respondido pela simples mas decisiva razão de que não foi chamado, pelo 
 ora recorrente, a responder.
 A não suscitação pelo recorrente, durante o processo e de modo processualmente 
 adequado, de uma questão susceptível de ser apreciada em recurso pelo Tribunal 
 Constitucional, obsta, por si só, a que se possa conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a Conferência, concluindo o 
 seguinte: 
 
  
 O recorrente deduziu, ao longo do processo – conforme se acabou de demonstrar – 
 de forma adequada uma questão susceptível de ser apreciada em recurso pelo 
 Tribunal Constitucional, nos termos que fez constar no seu requerimento de 
 interposição de recurso. 
 Por conseguinte, deverá a presente reclamação ser admitida e com ela o recurso 
 interposto seguir os seus termos, ordenando-se a notificação do recorrente a fim 
 de apresentar as suas alegações ao abrigo do disposto no artigo 79.° da Lei do 
 Tribunal Constitucional. 
 De facto, e pese embora o facto da decisão de admissão proferida pelo STJ não 
 ser vinculativa, sempre se referirá que, fosse o presente recurso tão desprovido 
 de fundamento e conteúdo como vem considerado na douta decisão sumária em crise, 
 certamente não seria admitido por aquele Alto Tribunal, sendo de imediato 
 rejeitado... 
 Além do referido, e acaso fosse exigida ainda mais fundamentação de nível 
 constitucional para ser admitido o recurso nesse Tribunal, sempre cairíamos no 
 
 âmbito de matéria que não seria conhecida pelas instâncias, sendo assim, por ser 
 rejeitada a sua apreciação, manifestamente dilatória e desaconselhável a sua 
 introdução.
 
  
 A recorrida B., Lda., nada disse quanto à reclamação apresentada.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por 
 não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão sumária reclamada.
 O reclamante aventa, na sua reclamação, duas principais razões que, no seu 
 entender, determinariam que este Tribunal conhecesse do recurso de 
 constitucionalidade por si interposto. São elas a de que (I) “o recorrente 
 identificou de forma clara e perceptível a exacta dimensão normativa do preceito 
 que não deve ser aplicado por não ser inconstitucional” e a de que (II) “sempre 
 seria de considerar o que o recorrente alegou em sede do requerimento de reforma 
 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça”.
 
  
 
 4.  Porém, a decisão sumária reclamada confirma-se quanto aos seus fundamentos. 
 Com efeito, como aí se salientou, no ponto 31 das conclusões do recurso dirigido 
 ao Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente, repetindo a conclusão que tirara 
 no ponto 56 do recurso dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, limita-se a 
 contestar a decisão proferida pelas instâncias, sendo a invocação de preceitos 
 da lei ordinária e da lei fundamental insuficiente para o tribunal a quo se 
 poder e dever aperceber de qual o exacto sentido normativo que está questionado 
 na sua conformidade constitucional – muito menos correspondendo à exigência, que 
 
 é a que decorre da jurisprudência deste Tribunal [vejam-se, por exemplo, (já) os 
 Acórdãos n.ºs 367/94 e 178/95, publicados no Diário da República, II série, 
 respectivamente de 7 de Setembro de 1994 e de 21 de Junho de 1995], de que tal 
 
 “sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, 
 no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na 
 sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a 
 Constituição”.
 
 É, pois, sobre o recorrente que incumbe o ónus de enunciar a norma ou dimensão 
 normativa que impugna, como inconstitucional, perante o tribunal recorrido e que 
 pretende ver apreciada, não sendo ao Tribunal Constitucional que compete 
 averiguar essa norma – como parece entender o recorrente, ao concluir, na 
 presente reclamação (retranscreva-se): “[…] acaso fosse exigida ainda mais 
 fundamentação de nível constitucional para ser admitido o recurso nesse 
 Tribunal, sempre cairíamos no âmbito de matéria que não seria conhecida pelas 
 instâncias, sendo assim, por ser rejeitada a sua apreciação, manifestamente 
 dilatória e desaconselhável a sua introdução”.
 Tal ónus não é, de forma alguma, uma “mera questão de forma”. Pelo contrário, 
 afigura-se um pilar da nossa justiça constitucional, uma vez que suporta a 
 intervenção deste Tribunal como tribunal de recurso no que respeita à apreciação 
 da questão de constitucionalidade. É neste sentido que se pode ler no Acórdão 
 n.º 560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 
 
 1995, que «a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – 
 e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, 
 
 [...] uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas 
 essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de 
 constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de 
 recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão». 
 
 (Assim, também, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II 
 série, de 20 de Junho de 1995).
 
  
 
 5.  A presente reclamação vem igualmente assente no facto de que, segundo afirma 
 o reclamante, no requerimento de reforma do Acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, “o recorrente identificou de forma clara e perceptível a exacta 
 dimensão normativa do preceito que não deve ser aplicado por ser 
 inconstitucional.”
 Ainda no seguimento do que atrás se disse, saliente-se que os pedidos de 
 aclaração e de reforma de uma decisão, ou a arguição da sua nulidade, enquanto 
 incidentes pós-decisórios, não são já momentos adequados para, atempadamente, 
 suscitar uma questão de constitucionalidade normativa. 
 Com efeito, nestes casos, “porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, 
 com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de ainda entender-se que o pedido 
 de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, 
 em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de 
 inconstitucionalidade” (cfr. o Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da 
 República, II série, de 6 de Setembro de 1994). Sendo certo que, em qualquer 
 caso, a estar em causa um recurso do acórdão que decidiu a requerida reforma, o 
 mesmo aplicou, como ratio decidendi, o artigo 669º do Código de Processo Civil, 
 e não as normas questionadas.
 A decisão sumária reclamada merece, assim, total confirmação, ao entender não 
 poder este Tribunal conhecer do objecto do recurso.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 8 de Julho de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão