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Processo n.º 309/11
 
 2.ª Secção
 
 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção deste Tribunal
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 Relatório
 
 
 A. e B. recorreram do despacho proferido na acção ordinária nº 1279/08.5TBGRD, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial da Guarda, que determinou a extracção duma certidão de documentos juntos aos autos a requerimento dos Réus, para estes deduzirem queixa criminal contra os Autores, e indeferiu o pedido deduzido pelos Autores de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
 
 
 
  
 
 
 Foi proferido despacho de não recebimento do recurso.
 
 
 
  
 
 
 Os Autores reclamaram deste despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por decisão do relator proferida em 13 de Dezembro de 2010, manteve o despacho reclamado.
 
 
 
  
 
 
 Os Autores recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional, questionando a constitucionalidade da leitura dos artigos 156.º, n.º 4, 456.º, n.º 3, e 479.º, do Código de Processo Civil, efectuada pela decisão recorrida, por contrariar os princípios constitucionais da recorribilidade, aflorado no artigo 20.º, n.º 1, primeiro segmento e n.º 4, último segmento, e o princípio da proporcionalidade, aflorado no artigo 18.º, n.º 3, ambos da Constituição.
 
 
 
  
 
 
 Notificados para explicitar qual a interpretação normativa dos indicados preceitos do Código de Processo Civil, efectuada pela decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretendiam ver fiscalizada, os Autores, limitaram-se a dizer que foi a leitura da lei que acolheu a posição da 1.ª instância e que contrariava os já referidos princípios constitucionais da recorribilidade e da proporcionalidade.
 
 
 
  
 
 
 Foi então proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
 
 
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
 
 Os Recorrentes pretendiam neste recurso sindicar a constitucionalidade duma certa interpretação que a decisão recorrida havia efectuado de determinados preceitos do Código de Processo Civil.
 
 
 Apesar de notificados expressamente para o efeito os Recorrentes não explicitaram qual era o conteúdo dessa interpretação.
 
 
 Como no recurso constitucional este só se inicia por iniciativa das partes e é o conteúdo do pedido que fixa o objecto do recurso, é um requisito essencial ao seu conhecimento que o Recorrente identifique de forma clara e precisa qual o preceito legal, ou qual a interpretação normativa do mesmo, cuja constitucionalidade pretende ver fiscalizada.
 
 
 Tendo os Recorrentes, no requerimento de interposição de recurso, referido que pretendiam ver apreciada a constitucionalidade da leitura efectuada pela decisão recorrida de determinados preceitos do Código de Processo Civil, tinham o ónus de explicitar essa leitura de modo a definir o objecto do recurso.
 
 
 Não o tendo feito, apesar de convidados para cumprirem esse requisito, não pode o Tribunal conhecer do mérito do recurso, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
 
 
 
  
 
 
 Desta decisão reclamam os Recorrentes, com os seguintes argumentos:
 
 
 
 “1. Diz o Ilustre Juiz Conselheiro Relator que, convidados ao esclarecimento, os recorrentes não cumpriram o ónus de explicitar a leitura inconstitucional dos preceitos envolvidos no caso e de modo a definir o objecto do recurso. 
 
 
 
 2. Contudo, a resposta foi clara: os recorrentes alegaram a desconformidade com o princípio constitucional da recorribilidade, fundada nos art.ºs 164.º/4, 456.º/3 e 479.º CPC. 
 
 
 
 3. Interpretação esta feita ao contrário pelo despacho que não recebeu o recurso em 1ª Instância e que foi mantida na decisão da Relação de Coimbra. 
 
 
 
 4. Por conseguinte, o sentido normativo que os recorrentes pretendem por em causa, não pode deixar de ser, e só, o seguinte: os artigos supra-citados impõem a sujeição a um grau de jurisdição, apenas, do problema da oposição de parte à passagem de certidões de um processo, requerida pelos contrários e para instauração de processo-crime contra os oponentes (e de modo colateral, o problema da discordância contra a não condenação pela má fé alegada, de ter sido apresentado o requerimento a requerê-las). 
 
 
 
 5. Ora, esta passagem deduz-se com toda a clareza do ponto (ii) in fine, da resposta para aperfeiçoamento: foi alegada (na reclamação) … a desconformidade com o princípio constitucional da recorribilidade, da interpretação ... havida no despacho que não recebeu o recurso... interposto do indeferimento do embargo [requerido] à entrega de certidões para ser instaurado processo-crime contra [os recorrentes] e negou, por sua vez, a condenação da parte contrário como litigante de má fé. 
 
 
 
 6. Assim, foi manifestamente cumprido o programa do recurso para o Tribunal Constitucional, por parte dos recorrentes e que agora solicitam o acórdão. 
 
 
 
                                                                
 Fundamentação
 
 
 Os Recorrentes, no requerimento de interposição de recurso, revelaram a pretensão de que o Tribunal Constitucional fiscalizasse a constitucionalidade duma determinada leitura efectuada pelas instâncias judiciais de determinados preceitos do Código de Processo Civil, sem explicitarem qual o conteúdo dessa leitura.
 
 
 Convidados para efectuar essa explicitação, apresentaram um requerimento, em que, contrariamente ao que afirmam na reclamação apresentada, voltaram a não enunciar a alegada leitura daqueles preceitos, limitando-se antes a referir o sentido das decisões impugnadas.
 
 
 Ora, como no nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade não é admitido o controle de constitucionalidade da própria decisão, a falta de enunciação de um critério interpretativo que constituísse a ratio decidendi do despacho impugnado é impeditiva do conhecimento do recurso interposto, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
 
 
  
 
 
 Decisão
 
 
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. e B., da decisão sumária proferida em 31 de Maio de 2011, nestes autos.
 
 
 
  
 
 
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
 
 Lisboa, 6 de Julho de 2011. – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.