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Processo n.º 343/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I − Relatório
 
 1. Pelo Acórdão de fls. 176 e seguintes, de 1 de Julho de 2008, foi delimitado o 
 objecto do presente recurso de constitucionalidade, incidindo o mesmo no artigo 
 
 1.º, n.º 1 da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova 
 redacção aos artigos 51.º, n.º 3 e 53.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação.
 Notificado o recorrente para apresentar alegações, concluiu no sentido de 
 considerar violado o disposto no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição, porquanto, 
 na sua perspectiva, não foi cumprido o exercício do direito de contratação 
 colectiva, através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da 
 lei.
 Decidindo.
 II – Fundamentos
 
 2. O objecto do recurso em análise restringe-se à apreciação da questão de 
 inconstitucionalidade, por violação do direito fundamental à contratação 
 colectiva, do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte 
 em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do 
 Estatuto da Aposentação. Esta delimitação do objecto resulta do que havia sido 
 decidido já na decisão sumária a qual, tendo procedido à definição do objecto do 
 recurso e à apreciação de todas as questões de constitucionalidade suscitadas, 
 apenas foi objecto de reclamação no que toca a esta matéria. Assim, o que então 
 se firmou a propósito da não verificação de ilegalidade por violação de lei com 
 valor reforçado e da não existência de desconformidade constitucional por ofensa 
 aos princípios do estado de direito, da confiança, da protecção contra o 
 arbítrio, e da segurança e certeza jurídicas, encontra-se já devidamente 
 transitado em julgado.
 No que toca ao mérito do recurso:
 
 3. A questão levantada nos autos foi já enunciada por este Tribunal 
 Constitucional em duas ocasiões diferentes: no Acórdão n.º 360/2003, publicado 
 no Diário da República, I Série – A, de 7 de Outubro de 2003, pelo qual o 
 Plenário declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das 
 normas constantes do artigo 9.º, n.ºs 1 a 8, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de 
 Dezembro, por violação do direito das associações sindicais à participação na 
 elaboração da legislação do trabalho; e no Acórdão n.º 374/2004, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 2004, pelo qual o Plenário não 
 declarou a ilegalidade das normas contidas no artigo 1.º, n.ºs 1 a 5, da Lei n.º 
 
 1/2004, de 15 de Janeiro.
 
 3.1. No primeiro aresto mencionado, proferido na sequência de processo de 
 fiscalização abstracta da constitucionalidade por iniciativa do Presidente da 
 República, e versando o mesmo normas que introduziam modificações no método de 
 cálculo (e, consequentemente, no montante) das pensões de aposentação, bem como 
 no regime da aposentação antecipada dos trabalhadores da Administração Pública, 
 suscitou-se a hipótese de desconformidade constitucional das referidas normas 
 com fundamento em violação, por um lado, ao direito fundamental de contratação 
 colectiva das associações sindicais e, por outro, ao direito das mesmas 
 entidades a participarem na elaboração da legislação do trabalho. Este Tribunal, 
 tendo então dado por verificada a segunda ofensa enunciada, absteve-se de 
 apreciar a primeira questão suscitada e que dizia respeito à eventual ofensa ao 
 direito à contratação colectiva. 
 
 3.2. Já o Acórdão n.º 374/2004, respeitante a processo de fiscalização abstracta 
 desencadeado por um grupo de deputados, debruçou-se precisamente sobre as 
 alterações ao Estatuto da Aposentação introduzidas pela Lei n.º 1/2004. No 
 entanto, à data, a questão suscitada relacionava-se em exclusivo com a eventual 
 existência de violação de lei com valor reforçado (por referência à Lei n.º 
 
 23/98, de 26 de Maio), não tendo sido aflorado o problema que constitui o 
 objecto dos presentes autos e que se relaciona com a existência ou não de 
 violação do direito à contratação colectiva. Daí que o Tribunal, embora tenha 
 procedido à enunciação da questão, não lhe tenha dado resposta na medida em que 
 a mesma não integrava o objecto do processo. 
 
 4. A consagração do direito à contratação colectiva, enquanto direito 
 fundamental titulado pelos trabalhadores e exercido pelas associações sindicais, 
 resultou do reconhecimento de um pluralismo normativo no sentido de que o Estado 
 deixou de deter o monopólio de criação dos preceitos juridicamente vinculantes. 
 Assim se deu a afirmação do princípio da autonomia normativa social, “através do 
 qual se reconhece a determinadas ‘formações sociais intermédias’ designadamente 
 aos trabalhadores enquanto grupo ou camada social organizada e aos empregadores, 
 uma verdadeira potestas normandi, ou seja, um poder de criação de autênticas 
 regras de conduta, de atribuição de direitos e deveres relacionados com a sua 
 situação de assalariados” (Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, Serviços de 
 Acção Social da U.C., Coimbra, 1998, pp. 79-80). 
 Trata-se de um direito de todos os trabalhadores, abrangendo-se, naturalmente, 
 tanto aqueles que se encontram ao serviço de entidades patronais privadas como 
 os trabalhadores da Administração Pública. Não significa isto, no entanto, que o 
 direito em análise possua exactamente o mesmo conteúdo relativamente às 
 diferentes categorias de trabalhadores. Como assinala Ana Neves, “a liberdade de 
 negociação das condições de trabalho na função pública pode dizer-se sujeita a 
 maiores condicionamentos do que no sector privado (…)” (Relação Jurídica de 
 Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, p. 247). A própria natureza do direito 
 sofre mutações quando referida aos trabalhadores que se encontram ao serviço do 
 Estado na medida em que, quanto a estes, o resultado alcançado por via negocial 
 carecerá sempre, em ordem à produção de efeitos jurídicos vinculativos, de 
 devida transposição por via legal ou regulamentar (cfr. o artigo 5.º, n.º 3, da 
 Lei n.º 23/98). Tratando-se de negociação com a Administração Pública, tal 
 transposição, para além do assinalado efeito de reconhecimento de juridicidade, 
 assume ainda a função, nas palavras daquela Autora, de “verificar a 
 compatibilidade financeira do acordo aos objectivos do programa do Governo, 
 v.g., na perspectiva da racionalização e controlo das despesas públicas” (ob. 
 cit., pp. 245-246).
 
 5. A consagração do direito à contratação colectiva, enquanto corolário do 
 reconhecimento do pluralismo ao nível das fontes do direito, não significa, no 
 entanto, que a Constituição tenha querido reservar, em absoluto, ao campo 
 convencional, o monopólio relativo a todas matérias integradas no conteúdo do 
 referido direito. Se assim fosse, então necessariamente teria de se entender 
 que, sempre que se tratasse de matéria compreendida no âmbito desse direito 
 fundamental, a Assembleia da República estaria impedida de legislar. E, de igual 
 modo, a competência legislativa do Governo estaria também sujeita aos cânones da 
 contratação colectiva, encontrando-se aquele obrigado a, previamente a qualquer 
 processo legislativo, abrir a via da negociação, no caso de trabalhadores da 
 Administração Pública. Já quando se tratasse de matérias relativas a 
 trabalhadores do regime privado tout court então, nesse caso, nem a Assembleia 
 da República, nem o Governo, nomeadamente ao abrigo de autorização parlamentar, 
 deteriam qualquer tipo de competência legislativa.
 Tal reserva absoluta de competência “normativa” não resulta, no entanto, nos 
 moldes referidos do artigo 56.º, n.º 3, da Constituição. 
 
 5.1. Vejamos o que Gomes Canotilho e Vital Moreira escrevem a propósito deste 
 direito fundamental: “[m]aterialmente ele analisa-se em três aspectos: (a) 
 direito à liberdade negocial colectiva, não estando os acordos colectivos 
 sujeitos a autorizações ou homologações administrativas; (b) direito à 
 negociação colectiva, ou seja, direito a que as entidades empregadoras não se 
 recusem à negociação, o que requer garantias específicas, nomeadamente esquemas 
 públicos promotores da contratação colectiva, fornecendo às partes a informação 
 necessária na preparação das propostas e contrapropostas durante a negociação 
 
 (…); (c) direito à autonomia contratual colectiva, não podendo deixar de haver 
 um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho à disciplina 
 contratual colectiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual. 
 
 É certo que este direito é garantido nos ‘termos da lei’ (nº 3, in fine), 
 estando, portanto, sob reserva de lei (…). Todavia, a lei não pode deixar de 
 delimitá-lo de modo a garantir-lhe uma eficácia constitucionalmente relevante, 
 havendo sempre de garantir uma reserva de convenção colectiva, ou seja, um 
 espaço que a lei não só não pode vedar à contratação colectiva como em que deve 
 confiar a esta núcleos materiais reservados.” (in Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pp. 744-745). 
 
 
 
 5.2. E, mais à frente adiantam o seguinte: “Seguro parece que a reserva de 
 contratação colectiva comporta uma dimensão formal, traduzida na competência 
 para a criação de normas e na competência para a selecção do procedimento de 
 normação; e uma dimensão material, que compreende a competência para a definição 
 de determinadas matérias, com a consequente proibição dessas matérias serem 
 disciplinadas por normas estaduais em moldes absolutamente imperativos” (p. 
 
 749).
 
 5.3. Assim, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, a reserva constitucional de 
 convenção colectiva implica não só uma auto-contenção do legislador estadual no 
 sentido de não regular, pela via legislativa, todo o espaço atinente às relações 
 de trabalho, assim anulando virtualmente a autonomia colectiva dos parceiros, 
 como de tal reserva resulta também a imposição de núcleos materiais reservados 
 pela lei à contratação colectiva. Donde decorreria a impossibilidade de 
 regulamentação legal de tais matérias em moldes absolutamente imperativos, isto 
 
 é, sem possibilidade de derrogação pela via convencional.
 
 5.4. Também o Acórdão n.º 517/98, publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 10 de Novembro de 1998, abordou esta temática, tendo então o Tribunal entendido 
 o seguinte:
 
 “O direito à contratação colectiva é um direito que os trabalhadores apenas 
 podem exercer através das associações sindicais. É, além disso, um direito que 
 se acha colocado sob reserva da lei: a Constituição garante-o, de facto, ‘nos 
 termos da lei’.
 Isto porém não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito, 
 como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente as relações de 
 trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções colectivas. Significa apenas 
 que a lei pode regular o direito de negociação e contratação colectiva 
 delimitando-o ou restringindo-o, mas deixando sempre um conjunto minimamente 
 significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei 
 há-de ‘garantir uma reserva de convenção colectiva’.”
 
 5.5. Estas imposições constitucionais relativas a um núcleo de matérias que se 
 possam considerar reservadas à regulamentação colectiva só podem valer, desde 
 logo, relativamente às matérias contidas no núcleo essencial do direito 
 fundamental que vimos analisando. O que não implica necessariamente, no entanto, 
 que todas as matérias integradas nesse núcleo se devam ter por incluídas nesse 
 espaço (de competência normativa) reservado à contratação colectiva – mas este 
 será assunto que extravasa o campo estrito da análise e resolução da questão de 
 constitucionalidade sub judicio. 
 
 6. Convém, no entanto, antes de nos debruçarmos sobre a questão das matérias 
 integradas nesse núcleo duro, tecer ainda algumas considerações acerca do papel 
 da lei na garantia deste direito fundamental. De acordo com o artigo 56.º, n.º 
 
 3, da Constituição, “compete às associações sindicais exercer o direito de 
 contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei.” O exercício deste 
 direito carece indubitavelmente de intervenção legislativa desde logo porque o 
 próprio texto constitucional dissocia a sua titularidade da competência para o 
 seu exercício – é um direito dos trabalhadores exercido pelas associações 
 sindicais. 
 
 6.1. No que se refere à negociação no âmbito da Administração Pública, vigora a 
 Lei n.º 23/98, que prevê como sujeitas à negociação colectiva as matérias 
 relativas à fixação ou alteração das pensões de aposentação ou de reforma (cfr. 
 artigo 6.º, n.º 1, alínea b). Significará isto que, automaticamente, tais 
 matérias se deverão ter por integradas no núcleo essencial da reserva de 
 convenção colectiva? A resposta positiva a esta questão implicaria a 
 qualificação de tal norma legal como conformadora ou constitutiva na medida em 
 que assim corresponderia à determinação do próprio conteúdo do direito (cfr. 
 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 
 
 3.ª edição, Almeida, Coimbra, p. 225).
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou em diferentes ocasiões sobre a 
 integração de determinadas matérias no âmbito do núcleo essencial do direito à 
 negociação colectiva. 
 
 6.2. No Acórdão n.º 229/94, publicado no Diário da República, I Série – A, de 23 
 de Abril de 1994, o qual declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, de norma que atribuía à Mesa da Misericórdia competência para fixar e 
 rever, unilateralmente, as remunerações (normais e complementares) dos seus 
 trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, o Tribunal entendeu 
 que “a fixação das remunerações dos trabalhadores em regime de contrato 
 individual de trabalho é um campo especialmente aberto à autonomia da vontade.”
 
 6.3. No citado Acórdão n.º 517/98, o Tribunal entendeu que a matéria das 
 prestações complementares de segurança social “não faz parte do núcleo duro do 
 direito de contratação colectiva, pois que, como bem resulta do confronto do 
 artigo 59º (que trata dos direitos dos trabalhadores) com o artigo 63º da 
 Constituição (atinente à segurança social), o direito a prestações da segurança 
 social (maxime, o direito à pensão de reforma) não é de facto, um direito 
 exclusivo dos trabalhadores, mas, antes um direito dos cidadãos. A isto acresce 
 que existe fundamento material para excluir da contratação colectiva a matéria 
 respeitante às prestações de reforma, complementares das asseguradas pelas 
 instituições estaduais de segurança social.” Esta posição havia já sido 
 defendida por Bernardo Xavier, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho 
 em anotação ao Acórdão deste Tribunal n.º 966/96, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 31 de Janeiro de 1997 (cfr. Pensões complementares de 
 reforma – inconstitucionalidade da versão originária do art. 6.º, 1, e) da LRC, 
 in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Setembro de 1997, pp. 180-181). 
 
 
 
 6.4. Posteriormente, Vieira de Andrade e Fernanda Maçãs, em artigo conjunto, 
 manifestaram de igual modo o seu acordo a tal orientação (Contratação Colectiva 
 e Benefícios Complementares de Segurança Social – O problema da 
 
 (in)constitucionalidade material das normas limitadoras da contratação colectiva 
 no domínio da Segurança Social, in Scientia Iuridica, n.º 290, Maio-Agosto 1991, 
 pp. 29 e seguintes).
 Nesse artigo os Autores, em análise à norma legal que excluía da regulamentação 
 colectiva as matérias atinentes a prestações complementares de segurança social, 
 e partindo da premissa de que a validade da intervenção legislativa dependeria, 
 em primeiro lugar, da determinação do conteúdo constitucionalmente protegido do 
 direito à contratação colectiva, fornecem importantes pistas para a determinação 
 
 – por via interpretativa – de tal conteúdo. Atentemos nas mesmas:
 
 “A determinação do âmbito de protecção da garantia constitucional de contratação 
 colectiva não é tarefa fácil, uma vez que a Constituição é omissa quanto ao seu 
 objecto e conteúdo, nada adiantando sobre as matérias a versar na convenção 
 colectiva nem sobre as faculdades abrangidas pelo direito.
 
 (…)
 Contudo, a circunstância de a Constituição reconhecer o direito ‘nos termos da 
 lei’ não significa que o legislador possa livremente determinar o conteúdo da 
 garantia – há-de ser possível, sob pena de inversão da hierarquia normativa e de 
 esvaziamento da força jurídica do preceito constitucional, determinar 
 doutrinariamente o conteúdo essencial do direito de contratação colectiva, que 
 constitua a garantia constitucional contra o próprio legislador encarregado da 
 sua regulação ou conformação. 
 
 (…)
 
 4. Quanto ao conteúdo dos contratos colectivos, a Constituição, embora sem fazer 
 uma referência expressa às matérias que poderão ser objecto de contratação, não 
 deixa de fornecer contributos firmes para a delimitação do seu âmbito: por um 
 lado, no n.º 1 do artigo 56.º da CRP, enquanto comete às associações sindicais a 
 defesa e a promoção da defesa ‘dos direitos e interesses dos trabalhadores que 
 representam’; por outro lado, nos artigos 58.º e, sobretudo, 59.º, na medida em 
 que estabelece um vasto elenco de direitos dos trabalhadores e de imposições 
 dirigidas ao Estado sobre as condições da prestação de trabalho.
 Assim, não obstante caber ao legislador ordinário a modulação concreta do 
 direito de contratação colectiva, essa tarefa não pode deixar de ter como 
 referência estas normas e princípios constitucionais, que contribuem para a 
 delimitação positiva do direito.
 Ora, como de resto observa um dos conselheiros do Tribunal Constitucional em 
 voto de vencido exarado no acórdão já referido, em nenhuma das pormenorizadas 
 alíneas dos artigos da Constituição que se referem aos direitos dos 
 trabalhadores se encontram referências a matérias típicas de segurança social.
 
 É que, na perspectiva da Constituição, o direito à segurança social (artigo 63.º 
 da CRP) e o direito à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da CRP) são 
 direitos de natureza diferente e com destinatários e titulares distintos. No 
 primeiro caso, temos um direito que pertence à categoria dos direitos sociais, 
 que se caracteriza por impor essencialmente ao Estado (legislador) a realização 
 de tarefas destinadas a obter as condições materiais e institucionais 
 necessárias à sua realização, e cujos titulares são todos os cidadãos. No 
 segundo caso, temos um direito que radica numa ideia de liberdade, que tem como 
 destinatários não só o Estado como as associações patronais e cujos titulares 
 são apenas os cidadãos enquanto trabalhadores.
 
 (…)
 De todo o modo, mesmo que os artigos 58.º e 59.º da CRP não contenham um elenco 
 taxativo dos assuntos respeitantes aos direitos dos trabalhadores e às condições 
 de trabalho, a verdade é que há-de reconhecer-se-lhes pelo menos a função de 
 delimitar o núcleo duro, típico, das matérias que se reportam às relações 
 laborais e que constituirão o objecto próprio das convenções colectivas.
 
 (…) [S]ó (…) existe uma verdadeira restrição legal de direitos fundamentais 
 quando o âmbito de protecção de um direito, tal como está determinado ou é 
 determinável, por interpretação, a partir de uma norma constitucional, é directa 
 ou indirectamente limitado através da lei. Situação que não ocorre, como vimos, 
 no caso em análise, pois que se trata de conteúdo típico – e, por isso, por 
 definição, não necessário – da garantia da contratação colectiva prevista no 
 artigo 56.º da Constituição.” (ob. cit., pp. 32-35)
 
 7. Tanto nos dois artigos que se citaram como nos mencionados Acórdãos n.ºs 
 
 966/96 e 527/98, o thema decidendum prendia-se com normas que excluíam 
 determinadas matérias do campo da regulamentação colectiva das relações de 
 trabalho. O objecto do presente recurso, no entanto, apresenta-se sob um prisma 
 diferente – a (im)possibilidade constitucional do Parlamento legislar sobre 
 determinada matéria, assim inviabilizando a abertura, pelo Governo, de processo 
 de negociação colectiva. Está em causa, portanto, como já se teve oportunidade 
 de salientar, uma questão de competência, realçando-se nos autos a reserva de 
 convenção colectiva na dimensão formal assinalada supra por Vital Moreira e 
 Gomes Canotilho. E para que a desconformidade constitucional se pudesse ter por 
 verificada seria necessário chegarmos à conclusão de que as matérias 
 relacionadas com a aposentação, maxime com modificações no método de cálculo da 
 aposentação, porque apenas estas integram o objecto dos autos, estão contidas no 
 núcleo essencial do direito à contratação colectiva, integrando ainda, 
 adicionalmente, o núcleo de matérias que devem ser relegadas, imperativamente, 
 para o espaço de negociação e contratação colectiva.
 Colocada a questão nestes moldes, fácil é de intuir que a resposta não poderá 
 deixar de ser negativa.
 
 7.1. As modificações introduzidas pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, aos 
 artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, acarretam 
 alterações no método de cálculo da pensão de aposentação. O que significa, 
 portanto, obviamente, que dizem directamente respeito ao direito à aposentação. 
 Ora, é necessário ter em atenção que este direito, para além de ser um direito 
 dos trabalhadores, integra também o direito à segurança social, que se refere a 
 uma categoria subjectiva bastante mais vasta atenta a sua universalidade (nos 
 termos do artigo 63.º, da Constituição, “todos têm direito à segurança social”). 
 
 
 
 7.2. Como se escreveu no Acórdão n.º 174/2008, publicado no Diário da República, 
 II Série, de 21 de Maio de 2008, “[n]o direito constitucional à segurança social 
 
 (artigo 63.º, da C.R.P.), encontra-se incluído o direito a uma pensão de velhice 
 
 (o qual não é totalmente estranho ao direito à segurança económica das pessoas 
 idosas enunciado no artigo 72.º, n.º 1, da C.R.P.), que garanta, em época de 
 reconhecido direito ao repouso, o recebimento duma quantia que funcione como um 
 
 ‘sucedâneo’ da retribuição percebida pelo trabalho anteriormente prestado.”
 
 7.3. E, como alertou o Conselheiro Luís Nunes de Almeida no seu voto de vencido 
 aposto ao citado Acórdão n.º 966/96, “a segurança social traduz-se numa série de 
 institutos cujos destinatários não são os trabalhadores. Enquanto ‘o sistema de 
 segurança social protegerá os cidadãos…’ (cfr. artigo 63.º, n.º 4), os direitos 
 dos trabalhadores respeitam apenas àquela parte dos cidadãos que sejam também 
 trabalhadores, e obviamente que na qualidade de trabalhadores e enquanto o 
 forem. Na perspectiva da Constituição, direitos dos trabalhadores e direito à 
 segurança social são coisas distintas. (…) O direito à contratação colectiva 
 deve ter por objecto matéria que, segundo a Constituição, seja própria dos 
 direitos dos trabalhadores. Só nessa medida o conteúdo dos direitos e obrigações 
 acordados entre sindicatos e entidades patronais merecerá tutela 
 constitucional.”
 
 8. Do exposto resulta, assim, que as questões atinentes à aposentação, maxime as 
 que dizem respeito a alterações no método de cálculo das respectivas pensões 
 porque só estas nos ocupam de momento, não se podem considerar integradas no 
 núcleo essencial do direito fundamental à contratação colectiva. Tais matérias, 
 para além da íntima conexão que apresentam com as relações de trabalho – a qual 
 não se pretende, de modo algum, negar – dizem também directamente respeito ao 
 direito à segurança social cuja amplitude transcende a estrita categoria dos 
 direitos dos trabalhadores. Estamos portanto perante um direito social que se 
 caracteriza, na sua essência, pela sua universalidade, sendo titulado por todos 
 os cidadãos, e consubstanciando-se num conjunto de imposições constitucionais 
 dirigidas ao Estado e que se destinam a lograr a verificação das condições 
 necessárias à sua plena realização. Já o direito à contratação colectiva, 
 integrado na categoria dos direitos fundamentais dos trabalhadores, e assente 
 numa ideia de autonomia colectiva, tem como titulares apenas os cidadãos que são 
 trabalhadores e como destinatários não apenas o Estado como também as entidades 
 e associações patronais.
 
 9. Concluindo-se pela não inclusão, portanto, das matérias em análise no núcleo 
 essencial do direito à contratação colectiva, por maioria de razão se constata 
 que não resulta violado qualquer espaço absolutamente reservado pela 
 Constituição àquela autonomia normativa. Só se tornaria necessário averiguar a 
 existência de eventual intromissão de normação legislativa no espaço reservado à 
 autonomia colectiva – enquanto conjunto de matérias que devem ser relegadas para 
 tal espaço – se se tratasse de matéria integrada no núcleo essencial do direito, 
 o que não sucede. Assim sendo, a Lei n.º 23/98, ao prever, no seu artigo 6.º, 
 alínea b), a negociação colectiva de matérias relativas à fixação ou alteração 
 das pensões de aposentação ou de reforma, possui um carácter ampliador, na 
 formulação de Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais…, cit. pp. 225-226), 
 revestindo tal conteúdo ampliado um carácter meramente legal e já não 
 constitucional.
 Desta forma, pelos fundamentos expostos, não se dá por verificada qualquer 
 violação ao direito fundamental à negociação e contratação colectiva consagrado 
 no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
 III – Decisão
 
 10. Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso.
 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos