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Processo n.º 849/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é 
 recorrente a Associação Cultural e Desportiva A. e recorridos o Conselho de 
 Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e o Ministério Público, foi 
 interposto recurso de constitucionalidade, do acórdão daquele Supremo Tribunal 
 de 10.9.2008, nos seguintes termos:
 
 «(…)- o recurso é interposto ao abrigo da al. B) do n.° 1 do art. 70.º da Lei 
 n.° 28/82, de 15- 11, na redacção da Lei n.° 85/89, de 7-9; 
 
 - pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade (material) da norma do 
 artigo 38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol; 
 
 - tal norma regulamentar viola as normas dos artigos 1.º, 2.º, 25.°, n.° 1, 
 
 30.°, n.° 4, 32.°, n.° 10, 15.° e 269.°, n.° 3, 34.º, n.° 3, 13.º, 79.°, n.° 2, 
 da Constituição da Republica Portuguesa e os princípios nas mesmas consagrados. 
 
 - a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, nomeadamente nos 
 artigos 26.º a 110.° da petição de recurso, que nos autos está; 
 
 - o recurso tem efeito suspensivo e sobem nos próprios autos; (…)»
 
  
 
 2. Por despacho de fls. 1061 foram as partes notificadas para alegar, com a 
 advertência de que o objecto do recurso «não abrange o artigo 38.º do 
 Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, na sua totalidade, 
 mas apenas as normas das suas alíneas c) e d).»
 
  
 A recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:
 
 «1ª- A pena disciplinar de desclassificação do art.º 38.º do RDFPF, tem, por 
 consequência directa, o impedimento do clube punido em prosseguir em prova e a 
 perda de todos os pontos conquistados, sem que estes revertam a favor dos 
 adversários. 
 
 2ª- Tal consta dos factos considerados provados a fls. 359 a 361 — items 2., 3. 
 e 13. - o único clube punido com tal sanção disciplinar foi o Clube Desportivo 
 B., que não a recorrente. 
 
 3ª- A aplicação da dita pena disciplinar de desclassificação teve, nos termos 
 das normas cuja constitucionalidade é ora apreciada, por consequência a não 
 consideração dos resultados obtidos por clubes terceiros nos jogos realizados 
 com clube punido com aquela pena. 
 
 4ª- Materialmente tal não consideração dos resultados dos corresponde a uma 
 subtracção ou dedução dos pontos obtidos em tais jogos, em caso de empate (1 
 ponto) ou de vitória (3 pontos). 
 
 5ª- À recorrente foi subtraído três pontos que ganhou no jogo que disputou com o 
 Clube Desportivo B., no dia 18.5.2003. 
 
 6ª- A desconsideração dos resultados [concretamente, subtracção dos pontos em 
 empate ou de vitória] aos demais clubes participantes na competição não foi 
 operada no âmbito de qualquer processo disciplinar instaurado contra esses 
 outros clubes, nomeadamente a recorrente. 
 
 7ª- O único processo disciplinar intentado pela recorrida Federação foi aquele 
 que teve como arguido o Clube Desportivo B. e no qual foi aplicada a pena de 
 desclassificação. 
 
 8ª- O Estado de Direito democrático e a sua organização postulam, por natureza, 
 a observância dos princípios - nucleares e constitucionalmente consagrados — do 
 respeito pela dignidade humana e do respeito e garantia dos direitos 
 fundamentais, e em matéria sancionadora, o princípio da culpa. — cfr. art.ºs, 
 l.º e 2.°, 25.°, n.° 1, CRP. 
 
 9ª- Tais princípios vedam a incriminação de condutas destituídas de qualquer 
 ressonância ética, impede a responsabilização objectiva, obrigando ao 
 estabelecimento de um nexo subjectivo entre o agente e o seu facto e obsta à 
 punição sem culpa e à punição que exceda a medida da culpa. 
 
 10ª- E a aplicação de penas ou medidas de segurança não pode “envolver como 
 efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou 
 políticos”.- cfr. art.º 30.º, n.° 4, CRP. 
 
 11ª- E tal proibição deste efeitos da penas criminais ou medidas de segurança 
 não pode deixar de ser considerada, mutatis mutandis, na aplicação de quaisquer 
 outras penas, concretamente disciplinares. 
 
 12ª- Em todo e qualquer procedimento sancionador, entre os quais o disciplinar 
 desportivo, é imposto a observância e o respeito dos direitos de audiência e de 
 defesa dos aí arguidos. - cfr. art.ºs 32.°, n.º 10, e 269.°, n.°3, CRP. 
 
 13ª- Neste quadro, a desconsideração dos resultados corresponde materialmente, 
 nos caso de empate e de vitória, à subtracção/dedução de pontos obtidos. 
 
 14ª- E esta subtracção corresponde no essencial à típica pena disciplinar de 
 derrota, que tem lugar nas provas por pontos e que é profusamente prevista no 
 RDFPF. 
 
 15ª- As normas das als. c) e d) do art. 38.° do RDFPF permitem, tal qual 
 interpretadas foram, a aplicação de tal concreta pena disciplinar de derrota — 
 subtracção de 3 pontos — sem precedência de processo disciplinar contra a 
 recorrente e sem a prévia imputação, de concreta e circunstanciada infracção 
 disciplinar. 
 
 16ª- Nem o prévio exercício do direito fundamental de audiência e de defesa no 
 
 âmbito de procedimento disciplinar, em clara infracção ao disposto nos art.ºs 
 
 32.°, n.° 10, 17.° e 267.°/3 CRP. 
 
 17ª- Uma tal interpretação das normas das als. c) e d) do RDFPF contende com as 
 normas constitucionais dos art.ºs 32.°/l0, 17.° e 267/3 da Constituição, em face 
 do qual padece a mesma e tal normativo regulamentar de inconstitucionalidade 
 material. 
 
 18ª- Do mesmo modo, as mesmas normas cuja constitucionalidade trata estes autos 
 de recurso permitem a efectiva punição de clubes terceiros, por factos [os 
 atinentes à desclassificação] imputáveis a outrem, que não aos punidos com tal 
 pena disciplinar. 
 
 19ª- Punição disciplinar sem que exista e se demonstre qualquer nexo de 
 causalidade objectiva e/ou subjectiva entre os factos que determinaram a 
 desclassificação de certo clube e a desconsideração/subtracção de pontos de 
 outros que não o concretamente desclassificado, infringe o princípio da culpa e 
 as normas que o corporizam (art.ºs 1.° e 25.°, n.° 1, e 17.° CRP). 
 
 20ª- Assim, as normas regulamentares sob apreciação padecem, uma vez mais, de 
 inconstitucionalidade material por violação das normas dos art.ºs 1.° e 25.°, 
 n.º 1, e 17.° CRP. 
 
 21ª- Se se entender que as normas das als. c) e d) do RDFPF não consubstanciam 
 verdadeiras e próprias sanções/penas disciplinares, afigura-se, ainda assim, 
 que, no mínimo, constituem penas acessórias ou efeito de uma pena disciplinar. 
 
 22ª- Com efeito, os resultados e os pontos obtidos pelos demais participantes na 
 competição são desconsiderados/subtraídos por factos exclusivamente imputáveis 
 aos clube/participante desclassificado, quando só este — e não aqueles — podia 
 ser sofrer as respectivas penas acessórias ou o(s) seu(s) efeito(s) 
 necessário(s). 
 
 23ª- Esta absoluta identidade — entre quem é punido numa pena disciplinar 
 principal e quem o é numa pena acessória ou num efeito necessário — decorre, 
 aliás, do nexo de acessoriedade e de dependência da pena acessória face à pena 
 principal e do efeito de certa pena face a esta mesma, como impõe o art.º 30.°, 
 n.º 4, CRP.  
 
 24ª- Um terceiro — como a recorrente — que é punido com pena acessória ou com um 
 efeito necessário da pena é objectivamente punido sem qualquer culpa, sob pena 
 de violar, como na situação vertente viola, as normas constitucionais dos art.ºs 
 l.º e 25.°, n.° 1, 30.º, n.°4, CRP.. 
 
 25ª- As normas das als. c) e d) do art. 38.° do RDFPF ao permitir um tal 
 resultado padecem, em face da referida infracção, de inconstitucionalidade 
 material. 
 
 26ª- O Supremo Tribunal Administrativo na interpretação que sufraga trata de 
 forma igual situações totalmente desiguais. 
 
 27ª- Tanto os resultados negativos que não podem ser “desconsiderados”, como os 
 resultados positivos que desconsidera através da subtracção de tal pontuação, 
 ainda que, ainda assim, sejam situações materialmente diversas. 
 
 28ª- Como também são materialmente diversas as situações dos participantes que 
 defrontaram o clube desclassificado e aqueles que não o fizeram ou que só o 
 fizeram numa das voltas da competição. 
 
 29ª- Na interpretação do Supremo Tribunal nenhum critério ou justificação 
 ponderosa funda tal distorção ao princípio da igualdade, pois que, regra geral, 
 situações desiguais carecem de tratamento desigual, violando a norma do art. 
 
 13.° CRP. 
 
 30ª- E nem os recorridos lograram demonstrar — nem invocaram, de resto — 
 quaisquer factos conducentes à razoabilidade, proporcionalidade e logicidade na 
 interpretação desconforme à Constituição, que realizam. 
 
 31ª - Qualquer limitação a qualquer direito fundamental, como o é o princípio da 
 igualdade, carece de ser proporcional e de não infringir o seu conteúdo 
 essencial, o que na situação dos autos não ocorre, infringindo as normas dos 
 art.ºs 17.º e 18.° CRP. 
 
 32ª- A interpretação do Supremo Tribunal Administrativo na defesa da 
 conformidade das normas das als. c) e d) do art. 38.° RDFPF com a Constituição, 
 está ela própria e bem assim o normativo regulamentar da Federação eivado de 
 inconstitucionalidade material. 
 
 33ª Assim, em face das ora invocadas inconstitucionalidades, deve o Tribunal 
 Constitucional declarar inconstitucional as normas das als. c) e d) do artigo 
 
 38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, com as 
 legais consequências. 
 Nestes termos, deve o presente recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade ser julgado procedente e, em consequência, deve o Tribunal 
 Constitucional declarar inconstitucional as normas das alíneas c) e d) do artigo 
 
 38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol e a 
 interpretação que das mesmas é sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo, 
 tudo com as legais consequências. (…)»
 
  
 O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «1º
 
             Nos recursos de fiscalização concreta, incumbe ao recorrente o ónus 
 de questionar a precisa interpretação ou dimensão normativa dos preceitos legais 
 a que o recurso vem reportado, não podendo pugnar pela inconstitucionalidade de 
 uma interpretação normativa que o Tribunal “a quo”, no exercício dos seus 
 poderes de interpretar e aplicar o direito infraconstitucional, acolheu. 
 
 2°
 
             No caso dos autos, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão 
 recorrido, expressamente afastou o enquadramento ou qualificação do efeito 
 
 “preclusivo” decorrente da participação em competição desportiva com outro 
 clube, objecto de desclassificação disciplinar, como atinente a um qualquer 
 direito sancionatório público, considerando explicitamente que o regime 
 questionado não prossegue quaisquer fins preventivos ou retributivos para se 
 poder apelidar de “sanção”. 
 
 3°
 
             Pelo que não deverá conhecer-se do recurso, na medida em que a 
 argumentação do recorrente, expressa nas conclusões da sua alegação, insiste num 
 enquadramento normativo que foi expressamente afastado pelo acórdão recorrido — 
 por traduzir a formulação de uma interpretação normativa que não foi 
 efectivamente aplicada pelo tribunal, “a quo”.»
 
  
 O recorrido concluiu as suas alegações da forma que se segue:
 
 «I. A ora recorrente apresentou requerimento de ampliação do objecto do recurso, 
 requerimento este que nunca foi notificado à ora recorrida. 
 II. O STA deliberou não atender a pretensão da ora recorrente tendo ordenado a 
 
 “baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios imputados ao acto “. 
 III. Quanto a uma parte da matéria dos autos, não existe uma decisão definitiva, 
 pois que o STA ordenou a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios 
 imputados ao acto. 
 IV. Um dos pressupostos processuais exigidos para se poder recorrer para o 
 Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do artigo 70.° da Lei 
 
 28/82, de 15 de Novembro é, nos termos do n.° 2 do citado artigo, o esgotamento 
 dos recursos ordinários. 
 
             V. Pressuposto este que não se encontra preenchido uma vez que o STA 
 ordenou a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios invocados na 
 petição de recurso. 
 VI. Deve o presente recurso ser julgado improcedente por falta de verificação de 
 pressuposto processual: esgotamento dos recursos ordinários exigido no n.° 2 do 
 artigo 70.° da Lei 28/82 de 15 de Novembro. 
 VII. Outro requisito para o recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.°1, do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, é o de que a 
 inconstitucionalidade da norma impugnada ter de ser suscitada no decurso do 
 processo. 
 VIII. Esta invocação da inconstitucionalidade da norma terá de ser feita de 
 forma clara e perceptível durante o processo, identificando a norma que 
 considera inconstitucional, a norma constitucional que considera violada e a 
 respectiva fundamentação da inconstitucionalidade. 
 IX. Na sua petição de recurso contencioso a ora recorrente não suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade de modo claro e preciso, de forma a configurar 
 
 “uma quaestio decidendi de conhecimento imperativo para o tribunal a quo.” 
 
 (sublinhado nosso). 
 X. A ora recorrente não invocou, quer perante o Tribunal Administrativo e Fiscal 
 do Funchal quer perante o Supremo Tribunal Administrativo, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa em termos de vincular os tribunais ao seu 
 conhecimento. 
 XI. Faltando o pressuposto essencial de a questão de inconstitucionalidade ter 
 de ser suscitada durante o processo de forma clara e precisa, deve o presente 
 recurso considerado improcedente. 
 XII. Outro dos requisitos para a interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, com base na alínea b) do artigo 70.° da Lei 28/82, de 15 de 
 Novembro, reside no facto da dimensão normativa impugnada ter sido efectivamente 
 aplicada pelo tribunal, na decisão recorrida, como verdadeira ratio decidendi. 
 XIII. A dimensão normativa suscitada pela ora recorrente parte do reconhecimento 
 da necessidade da existência de procedimento disciplinar e da existência de 
 culpa para se poder aplicar o artigo 38.°, alíneas c) e d) do Regulamento 
 Disciplinar da FPF. 
 XIV. A questão que a ora recorrente invoca, de se estar perante uma sanção 
 disciplinar, não foi reconhecida pelo STA, tendo este tribunal entendido que o 
 regime questionado não prossegue quaisquer fins preventivos ou “retributivos” 
 para se poder apelidar de sanção. 
 XV. A dimensão normativa que a ora recorrente invoca não foi ratio decidendi do 
 acórdão recorrido. 
 XVI. A dimensão normativa impugnada não corresponde ao sentido com que a norma 
 questionada foi aplicada na decisão recorrida, por isso, deve o presente recurso 
 ser julgado improcedente. 
 XVII. O Conselho de Disciplina da FPF, por acórdão de 04 de Julho de 2003, puniu 
 o C.D. 1° de B. com a pena de desclassificação e multa de 5.000,00€, no âmbito 
 do Processo Disciplinar n.° 6564. 
 XVIII. Tal acórdão do Conselho de Disciplina foi devidamente notificado por fax, 
 
  à A.C.D.S. de A., no dia 04 de Julho de 2003, para efeitos do competente 
 recurso para o Conselho de Justiça. 
 XIX. A Associação Cultural e Desportiva A., sendo participante nas competições 
 da FPF, sabia e tinha a obrigação de conhecer os regulamentos que norteiam a 
 competição na qual estava inserida, nomeadamente, o Regulamento Disciplinar 
 aplicável à mesma competição. 
 XX. Ao tomar conhecimento da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, aplicada 
 ao Clube Desportivo B., ficou a Associação Cultural e Desportiva A. com perfeito 
 conhecimento das implicações que tal decisão iria produzir na sua esfera 
 jurídica, nomeadamente as previstas no Artigo 38.° do Regulamento Disciplinar da 
 FPF. 
 XXI. Sabendo destas consequências, a Associação Cultural e Desportiva A. nada 
 fez para ver anulada a decisão proferida no Processo Disciplinar, apesar de lhe 
 ter sido reconhecido interesse nos autos, através da notificação da decisão do 
 Conselho de Disciplina. 
 XXII. Conformando-se com a decisão que desclassificou o Clube Desportivo B. e 
 aceitando os efeitos daí decorrentes. 
 XXIII. A Associação Cultural e Desportiva A. não é terceiro alheio à decisão do 
 processo disciplinar n.° 6564, mas sim sujeito interessado no mesmo processo. 
 XXIV. A Associação Cultural e Desportiva A. tinha interesse directo e legitimo 
 em recorrer contra a decisão do Processo Disciplinar n.° 6564 para evitar os 
 efeitos da referida decisão, nos termos do disposto no artigo 23.° do Regimento 
 do Conselho de Justiça. 
 XXV. O Clube Desportivo B. interpôs recurso do acórdão do Conselho de Disciplina 
 no processo disciplinar n.° 6564, para o Conselho de Justiça da FPF. 
 XXVI. O Conselho de Justiça da FPF julgou improcedente o recurso apresentado 
 pelo Clube Desportivo B., através de acórdão datado de 25 de Julho de 2003, 
 mantendo a decisão recorrida. 
 XXVII. Tal decisão já não admitia novo recurso, transitando imediatamente em 
 julgado. 
 XXVIII. Nos termos dos Estatutos da FPF, cabe à Direcção cumprir e fazer cumprir 
 as decisões dos órgãos da federação. 
 XXIX. O acórdão do Conselho de Justiça foi também notificado à Direcção da FPF, 
 para efeitos de execução do mesmo. 
 XXX. A Direcção da FPF procedeu à classificação final de Série E, do Campeonato 
 Nacional da 3ª Divisão, em função do acórdão do Conselho de Justiça. 
 XXXI. Através da execução do acórdão do Conselho de Justiça ficou a Associação 
 Cultural e Desportiva A. classificada em 15.° lugar, com 36 pontos, na série E, 
 do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, na época desportiva 2002/2003. 
 XXXII. A tabela classificativa, publicada pela Direcção da FPF resulta das 
 classificações obtidas na competição desportiva. 
 XXXIII. Os efeitos da desclassificação previstos no Regulamento Disciplinar têm 
 por objectivo salvaguardar a verdade desportiva da competição, colocando todos 
 os participantes em pé de igualdade, motivo pelo qual não são considerados os 
 pontos dos jogos disputados pelo clube infractor. 
 XXXIV. À Associação Cultural e Desportiva A. não foi aplicada nenhuma sanção 
 disciplinar pois não praticou nenhuma infracção. 
 XXXV. Em função da prática de ilícito disciplinar, por parte de um clube 
 concorrente, dando origem à sua desclassificação, ficam os resultados 
 desportivos dos jogos em que o mesmo participou inquinados. 
 XXXVI. A única forma de “limpar” a participação do clube infractor é eliminar os 
 resultados da sua participação, mantendo, para efeitos classificativos, os 
 resultados obtidos entre os clubes que não cometeram qualquer infracção 
 disciplinar que ponha em causa a veracidade dos mesmos resultados. 
 XXXVII. Ao atacar a publicação da tabela classificativa, procurou a Associação 
 Cultural e Desportiva A. alterar, por via deste expediente, os efeitos que já se 
 tinham consolidado na sua esfera jurídica, por efeito da decisão proferida no 
 
 âmbito do Processo Disciplinar n.° 6564. 
 XXXVIII. O reordenamento da tabela classificativa, em função da verificação da 
 aplicação da pena de desclassificação, não está dependente da instauração de 
 novos processos disciplinares aos demais clubes participantes na competição, 
 pois que tais efeitos decorrem directamente da aplicação da Lei. 
 XXXIX. As alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 38.° do RD não revestem qualquer 
 natureza punitiva ou disciplinar, limitam-se a regulamentar quais os efeitos que 
 advêm da sanção de desclassificação aplicada a um determinado clube que integra 
 uma competição, os quais recaem em todos os clubes participantes na mesma 
 competição, de forma a equipará-los. 
 XL. Não estamos perante qualquer medida acessória da pena de desclassificação 
 aplicada ao C.D. B., mas sim perante um efeito justo e absolutamente necessário 
 para o alcance da verdade desportiva. 
 XLI. Não foi a publicação da tabela classificativa que determinou a 
 classificação dos clubes na competição, mas sim os resultados desportivos 
 obtidos e as incidências disciplinares ocorridas no decurso do campeonato, sendo 
 que, no caso dos autos, foi a decisão do processo disciplinar n.° 6564 que 
 determinou a dita tabela. 
 XLII. A A.C.D.S. A. quer, por um lado, a aplicação do artigo 38.° do Regulamento 
 Disciplinar para efeitos da sua manutenção no Campeonato Nacional da 3ª Divisão 
 mas, por outro lado, não quer essa aplicação, para efeitos da sua descida de 
 divisão. 
 XLIII. A A.C.D.S. A. apenas quer que seja aplicado o artigo 38.° do RD para 
 obter a descida de divisão do Clube Desportivo B., mas não para si. 
 XLIV. No fim do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, antes da decisão do processo 
 disciplinar n.° 6564, a A.C.D.S. A. encontrava-se posicionada em 15º lugar. 
 XLV.  Caso não existisse qualquer processo disciplinar que alterasse a tabela ou 
 caso o artigo 38.° do RD não fosse aplicado, quem desceria ao campeonato 
 distrital seria a ora recorrente, pois, de acordo com o Regulamento de Provas 
 Oficiais da FPF, descem ao campeonato distrital os últimos 4 classificados. 
 XLVI. A A.C.D.S. A.desceria sempre de divisão, pois no fim do campeonato ficou 
 classificada em 15.° lugar com 39 pontos e, após a aplicação dos efeitos 
 previstos no artigo 38.° para a desclassificação do C.D. B., ficou igualmente 
 classificada em 15.° lugar mas com 36 pontos. 
 XLVII. O que a A.C.D.S. A. pretende é o desvirtuamento da verdade desportiva, 
 pois pretende obter um benefício em detrimento dos restantes clubes seus 
 adversários. 
 XLVIII. Só com o desvirtuamento da aplicação da norma, conseguiria a ora 
 recorrida manter-se no Campeonato Nacional da 3ª Divisão. 
 XLIX. Não resulta da aplicação das alíneas c) e d) do artigo 38.° do RD qualquer 
 punição para os clubes intervenientes na prova em causa, uma vez que os mesmos 
 não se destinam a sancionar qualquer comportamento ilegítimo, mas sim 
 regulamentar a situação que decorre para os demais intervenientes, da 
 desclassificação de um clube, ao qual são retirados todos os pontos 
 conquistados, sem que os mesmos revertam a favor dos adversários. 
 L. Se os pontos lhe são retirados e não revertem a favor dos seus adversários, 
 não é lógico que os adversários beneficiassem dos pontos obtidos nos jogos 
 disputados com o clube desclassificado. 
 LI. Não foi violado qualquer direito constitucionalmente consagrado, nem o 
 artigo 38.° do RD viola qualquer princípio constitucional.»
 
  
 
 3. Notificada para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas nas 
 contra-alegações, a recorrente disse o seguinte:
 
 «1.- Vem o M.P., bem como, o recorrido, alegar que o Tribunal a quo, 
 contrariamente ao entendimento do recorrente, não considera ser norma sanção o 
 artigo 38.° do RDFPF aplicado ao caso sub judice, norma acerca da qual se 
 suscitou a questão da inconstitucionalidade. 
 
 2.- Pelo que, consideram inútil o recurso, na medida em que, o recurso “não tem 
 por objecto a precisa e exacta dimensão normativa que, no caso, o Supremo 
 Tribunal Administrativo, de forma expressa acolheu como suporte dos acórdãos que 
 proferiu”. 
 
 3.- Sucede que a recorrente, como claramente expõe nas suas conclusões, entende 
 que: 
 
             i) as alíneas c) e d) do art. 38.° são inconstitucionais por 
 configurarem sanções/penas ou, no mínimo, penas acessórias ou efeitos de uma 
 pena disciplinar; e/ou, 
 
             ii) é inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal a quo 
 
 àquelas normas jurídicas, independentemente da qualificação atribuída às normas 
 indicadas. 
 
 4.- Na verdade, no ponto 21. das conclusões apresentadas, concede-se, sem 
 prejuízo do alegado anteriormente, que as normas das alíneas c) e d) do art. 
 
 38.° do RFFPF não consubstanciam verdadeiras sanções/penas disciplinares, mas 
 que, constituem, no mínimo, penas acessórias ou efeito de uma pena disciplinar. 
 
 5.- Ainda que assim seja, defende-se a inconstitucionalidade daquelas normas, 
 nomeadamente, por violação do princípio constitucionalmente consagrado da culpa. 
 
 
 
 6.- Entendimento que o Tribunal a quo em momento algum afastou, nem poderia 
 afastar. 
 
 7.- No entanto, se assim não se entender, conforme o exposto nos itens 26. e 
 seguintes das conclusões, a interpretação sufragada pelo STA é, com o devido 
 respeito, inconstitucional por violar frontalmente o principio da igualdade 
 consagrado na CRP. 
 
 8.- Com efeito, independentemente da qualificação atribuída às normas em apreço, 
 e apesar do STA não considerar aquelas sanções/penas, sempre se terá de 
 considerar a interpretação do Tribunal a quo desconforme à CRP. 
 
 9.- O recorrente de modo algum afasta a dimensão normativa subjacente à 
 interpretação defendida pelo STA, aliás essa interpretação constituí o 
 fundamento das inconstitucionalidades alegadas. 
 
 10.- Nessa medida, presente recurso é útil, porquanto o recorrente pretende que 
 seja apreciada, designadamente, a constitucionalidade da interpretação defendida 
 pelo Tribunal a quo das alíneas e) e d) do art. 38.° do RDFPF. 
 
 11.- Assim, deve ser julgada improcedente a questão prévia suscitada pelo 
 recorrido, com as legais consequências. 
 
 ****
 
 12.- O motivo da baixa dos autos prendeu-se unicamente com apreciação de vícios 
 que em nada influem na apreciação da questão da inconstitucionalidade aqui em 
 apreço. 
 
 13.- De facto, o STA apreciou de forma total, inequívoca e definitiva a 
 inconstitucionalidade das alíneas c) e d) do art.º 38.° do RDFPF, conforme se 
 depreende da decisão de que aqui se recorre. 
 
 14.- Esta matéria não é susceptível de recurso ordinário, estando esgotados 
 todos os recursos que no caso cabiam e é, nessa medida, passível de recurso para 
 o Tribunal Constitucional. 
 
 15.- Pelo que, deve ser julgada improcedente a questão prévia alegada, com os 
 devidos efeitos legais. 
 
 16.- Invoca o recorrido que o recorrente na sua petição de recurso, apresentada 
 no TAFF, não fundamentou a inconstitucionalidade da norma. 
 
 17.- Com todo o respeito que o recorrido nos merece, nada podia estar mais em 
 desacordo com a realidade. 
 
 18.- O recorrente não só enumerou as normas constitucionais violadas, como 
 largamente explanou as razões de direito que permitiram, e permitem, concluir 
 como se concluiu, e se concluí. 
 
 19.- Fê-lo de forma clara, perceptível e fundamentada. 
 
 20.- Contudo, ainda que assim se não entenda, o que só por mero dever de bom 
 patrocínio se admite, sempre importa notar que, como notam JORGE MIRANDA e RUI 
 MEDEIROS, no contencioso constitucional deve prevalecer a ideia de ‘favor 
 actionis” [art. 20.º CRP], que “aponta, outrossim, para a atenuação da natureza 
 rígida e absoluta das regras processuais (...). Ora, em rigor, o direito de 
 acesso ao direito e aos tribunais em geral abrange igualmente o direito de 
 recurso para o Tribunal Constitucional. Daí que, também neste domínio, se lhe 
 aplique a exigência constitucional de arredar uma interpretação normativa 
 assente em rigidez formal que, desrazoavelmente, imponha ónus de tal forma 
 injustificados ou desproporcionados que acabem por afectar a garantia de acesso 
 
 à justiça e aos tribunais mediante um processo equitativo (Ac. n.° 87/03).” — 
 cfr. “Constituição da República Portuguesa Anotada “, Tomo III, Coimbra Editora, 
 
 2007, p. 759. 
 
 21.- Em conformidade, deve ser julgada improcedente a questão prévia invocada, 
 com as legais consequências.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 A)        Da delimitação e do conhecimento do objecto do recurso
 
  
 
 4. No seu requerimento de interposição de recurso, a recorrente indicou, como 
 objecto do pedido de apreciação de inconstitucionalidade, a norma do artigo 38.º 
 do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol.
 Em conformidade com a advertência constante do despacho de fls. 1061, nas 
 conclusões das suas alegações a recorrente especificou como objecto do pedido as 
 normas das alíneas c) e d) do referido artigo. 
 
  
 
 5. Do conjunto dos pressupostos de conhecimento do recurso, pode suscitar 
 dúvidas legítimas a verificação, in casu, do que se prende com a efectiva 
 aplicação, pelo tribunal recorrido, da dimensão normativa impugnada pelo 
 recorrente.
 Tanto o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, como o 
 recorrido, contestam que tal tenha ocorrido. 
 O primeiro sustenta que a recorrente vem “pugnar pela tese da 
 inconstitucionalidade de uma interpretação normativa diversa - e 
 substancialmente divergente – da que foi acolhida na decisão recorrida”, 
 conduzindo à inutilidade do recurso, “já que este não tem por objecto a precisa 
 e exacta dimensão normativa que, no caso, o Supremo Tribunal Administrativo, de 
 forma expressa, acolheu como suporte dos acórdãos que proferiu”.
 O recorrido alinha pelo mesmo diapasão, afirmando, nas suas contra-alegações, 
 que “a dimensão normativa impugnada perante o tribunal recorrido não foi 
 aplicada pela decisão ora recorrida”.
 Não damos o nosso acordo a esta posição.
 As normas cuja constitucionalidade está em causa regulam as consequências, para 
 a classificação dos restantes clubes, da pena de desclassificação de um clube, 
 com o qual aqueles estavam em competição, dispondo o seguinte:
 
 «c) Se a desclassificação tiver lugar durante a primeira volta da competição, os 
 resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado não são considerados 
 para efeitos de classificação dos restantes clubes; 
 
     d)  Se a desclassificação tiver lugar durante a segunda volta da competição 
 não são considerados apenas os resultados dos jogos disputados pelo Clube 
 desclassificado durante a segunda volta».
 A “não consideração” dos resultados dos jogos disputados pelo clube 
 desclassificado pode traduzir-se, em caso de vitória do clube adversário, na 
 subtracção a este dos três pontos alcançados. É exactamente esta dimensão 
 normativa que foi aplicada pelo acórdão e é também ela a que suscita a questão 
 de constitucionalidade que o recurso coloca à apreciação deste Tribunal. Há 
 total correspondência de sentido entre uma e outra, sem que se detecte qualquer 
 divergência interpretativa quanto à dimensão das normas relevante para a 
 questão.
 Divergência existe, sim, mas quanto à qualificação a dar a essa dimensão 
 normativa, quanto à natureza do regime por ela instituído. Entende a recorrente 
 que ele é enquadrável no âmbito de protecção dos artigos 30.º, n.º 4, e 32.º, 
 n.º 10, pois a subtracção de três pontos corresponde a uma sanção. Nesse 
 pressuposto, as proibições contidas naqueles preceitos são alegadamente 
 violadas, pois estamos perante um efeito automático de uma pena disciplinar 
 aplicada a outrem, infligido sem que tenham sido assegurados ao sujeito a quem 
 ele é imposto os direitos de audiência e de defesa.
 Para o acórdão recorrido, pelo contrário, a perda de três pontos não 
 corresponde, contra as aparências, a uma pena, mas à consequência da 
 irrelevância dos resultados dos jogos disputados pelo clube desclassificado, em 
 salvaguarda da verdade desportiva. Nas palavras desse aresto:
 
 «Ora, só aparentemente podemos falar numa pena, ou seja, num constrangimento, 
 imposta a alguém como consequência da sua conduta. Na verdade, nada há no 
 consequente jurídico que faz a igualação dos clubes não desclassificados, que 
 decorra de qualquer facto por estes praticado. Não há, portanto, a menor 
 censurabilidade no facto de se refazer a classificação. O que decorre do 
 preceito é que os clubes vão ser reclassificados de acordo com os pontos 
 decorrentes dos jogos disputados entre si (sem o desclassificado) realizados. O 
 consequente não tem assim por base qualquer comportamento destes clubes que se 
 queira evitar com a ameaça de sanção (pena)».
 Como se vê, não estamos perante distintas interpretações do direito 
 infraconstitucional, mas perante distintas qualificações do regime nele contido 
 e das consequências dele resultantes. As alegadas diferenças de sentido são, na 
 verdade, diferenças de posições quanto à colisão da dimensão normativa aplicada 
 e impugnada (exactamente a mesma) com parâmetros constitucionais. Do que se 
 trata é de saber se a regulação questionada cai ou não dentro do âmbito de 
 previsão dos preceitos constitucionais invocados, atentos os conceitos neles 
 utilizados. 
 Mas essa é, precisamente, a questão de constitucionalidade que cumpre apreciar, 
 no exercício da competência deste Tribunal.
 
  
 
 6. O recorrido Conselho de Justiça invocou, ainda, duas outras razões obstativas 
 do conhecimento do objecto do recurso: por um lado, o facto de a recorrente não 
 ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa no decurso do 
 processo e, por outro, o não estarem esgotados os recursos ordinários, nos 
 termos exigidos no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.
 Sem razão, em qualquer dos casos.
 A recorrente suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão de 
 constitucionalidade aqui em causa, como resulta claro da leitura das conclusões 
 das contra-alegações que apresentou junto do Supremo Tribunal Administrativo. 
 Tanto assim que este Supremo Tribunal dedicou parte significativa do acórdão 
 recorrido à apreciação e decisão dessa mesma questão.
 No que respeita ao esgotamento dos recursos ordinários, alega o recorrido que 
 tal pressuposto não se mostra verificado, na medida em que não existe uma 
 decisão definitiva quanto a uma parte da matéria dos autos, uma vez que o 
 Supremo Tribunal Administrativo ordenou a “baixa dos autos para conhecimento dos 
 demais vícios imputados ao acto”.
 De facto, o acórdão recorrido, depois de fundamentar a impossibilidade de 
 conhecer do pedido de ampliação do objecto do recurso (no qual se requeria que o 
 Supremo julgasse os vícios do acto, não apreciados em primeira instância), 
 ordenou a baixa dos autos para conhecimento “dos demais vícios imputados ao 
 acto”. O que significa que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal irá 
 ainda pronunciar-se sobre os vícios de violação de lei invocados pela 
 recorrente, nomeadamente, nos artigos 89.º e s. da petição de recurso.
 Simplesmente, a questão de constitucionalidade que a recorrente pretende 
 submeter a este Tribunal Constitucional não respeita aos referidos vícios de 
 violação de lei que ainda não foram apreciados pela instância competente. Antes 
 se refere à (in)validade do acto em confronto com as normas do artigo 38.º, 
 alíneas c) e d), do Regulamento Disciplinar da FPF, cuja conformidade 
 constitucional se discute, questão que foi decidida − em última instância − pelo 
 acórdão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrido.
 O que significa que a matéria dos autos que importa à presente questão de 
 constitucionalidade encontra-se julgada e decidida, em definitivo, pelo tribunal 
 recorrido. Pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º. n.º 
 
 2, e 75.º, n.º 1, da LTC, este é o momento próprio para interpor o recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 B) Do mérito do recurso 
 
  
 
 7. Diga-se, desde já, que nos merece concordância a valoração do regime 
 impugnado feita pelo tribunal recorrido.
 Esse regime responde à necessidade de normação objectivamente colocada pela 
 desclassificação de um clube participante numa competição, cuja tabela 
 classificativa final é resultante da pontuação obtida por cada clube em jogos de 
 todos contra todos, do somatório dos pontos alcançados por cada um no conjunto 
 de todos os jogos.
 A pena de desclassificação implica, para o clube que dela é objecto, o 
 impedimento de prosseguir em prova e a perda de todos os pontos conquistados, 
 que não revertem, porém, em favor dos adversários que defrontou (alínea a) do 
 n.º 1 do art.º 38.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de 
 Futebol).
 Pela própria natureza da competição desportiva em causa, a irrelevância do 
 resultado dos jogos já disputados em que participou o infractor, a título 
 punitivo para este, vai “mexer”, com fortíssima probabilidade, com a pontuação e 
 a classificação dos restantes clubes, dada a interdependência das suas 
 situações. Só não será assim se, por coincidência muito improvável, já se 
 tiverem disputado todos os jogos em que o infractor era interveniente, com o 
 mesmo resultado.
 Esta projecção (quase) necessária da desclassificação sobre os demais clubes é 
 bem destacada pelo acórdão recorrido:
 
 «Projecta-se, em primeiro lugar, porque o clube desclassificado pode ter jogado 
 apenas com alguns. Projecta-se, em segundo lugar, porque a pena de 
 desclassificação pode decorrer como no presente caso por força do art. 52.º, 1, 
 a) do Regulamento Disciplinar – corrupção da equipa de arbitragem. Nestes casos 
 seria inaceitável que o clube adversário, no jogo em que se verificou a 
 infracção, ficasse prejudicado. Admitindo a hipótese do adversário do clube que 
 corrompeu a arbitragem ter perdido o jogo devido à corrupção do árbitro, esse 
 clube deve ter um tratamento rigorosamente igual a todos os demais clubes».  
 Qualquer que seja o critério de solução adoptado, dele deve resultar, em 
 abstracto, o tratamento igualitário dos restantes clubes em prova.
 A disciplina presente nas normas impugnadas obedece plenamente a essa 
 preocupação, ao estabelecer que os jogos com o infractor não contam para a 
 classificação, tudo se passando como se a competição se processasse, ab initio, 
 apenas com os clubes não abrangidos pela desclassificação.
 
 É claro que um tratamento nivelador (o adoptado ou o seu inverso, de atribuição 
 dos mesmos pontos a todos), justificadamente fundado em razões de equidade, 
 afecta desvantajosamente, nos seus efeitos práticos, aqueles que, já tendo 
 jogado com o infractor, somaram pontos nesses encontros. A perda desses pontos 
 pode reflectir-se negativamente sobre o lugar na ordenação final ou, até, 
 contribuir, para a descida de divisão (no caso sub judicio, mais rigorosamente, 
 essa perda impediu que o clube recorrente beneficiasse da desclassificação de um 
 outro, para fugir à despromoção ditada pelos resultados alcançados).
 Mas não pode ver-se nessa consequência uma sanção, aplicada como reacção a um 
 facto ilícito e culposo praticado pelo clube atingido. Nem pelo seu fundamento, 
 nem pela sua teleologia, à perda de pontos, eventualmente gerada com a não 
 consideração dos resultados dos jogos celebrados com o clube punido, se pode, na 
 verdade, atribuir natureza sancionatória.
 Ela corresponde antes a um efeito, dependente de uma variável fáctica aleatória, 
 da aplicação de uma disciplina, igual para todos, que pretende regular o facto 
 objectivo criado pela desclassificação de um clube. Esta gera necessariamente 
 efeitos sobre a classificação dos outros clubes, que cumpre regular por forma a 
 evitar distorções classificativas para além das necessariamente postuladas pela 
 exigência da igualdade de tratamento entre os clubes não desclassificados.
 A sanção aplicável ao desclassificado é, no contexto da disciplina a que ficam 
 sujeitos os não desclassificados, um dado objectivo (ainda que criado pela 
 conduta de terceiro), constituindo apenas o facto gerador da situação que torna 
 necessário o refazer da pontuação por eles obtida. É esta situação a directa e 
 exclusivamente visada pelo comando normativo dirigido aos clubes classificados, 
 não relevando, nem podendo relevar, na opção pelo regime aplicável, a valoração 
 da conduta desses clubes, uma vez que esta em nada condiciona, nem na sua 
 aplicação, nem na sua conformação, uma medida de recomposição da pontuação 
 tornada inevitável.
 Sendo assim, não estando na base de uma eventual perda de pontos qualquer 
 conduta do clube que a sofre, perde inteiramente sentido a aplicação dos 
 resguardos garantísticos consagrados nos artigos 30.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da 
 nossa Constituição. Os princípios da culpa e da jurisdicionalidade que sustentam 
 o primeiro, e as garantias de defesa em procedimentos sancionatórios, 
 estabelecidas no segundo, só cobram espaço operativo em face de penas ou sanções 
 retributivas e preventivas assentes num juízo de censura sobre comportamentos 
 imputáveis ao sujeito atingido.
 Um juízo desse tipo é completamente alheio à regulação impugnada, a que não 
 preside qualquer intenção sancionatória. Ela não é, pois, abarcada pelas 
 proibições constitucionais invocadas.
 
  
 
 8. Nem pode dizer-se, por outro lado, que estejamos perante uma solução 
 irrazoável ou desproporcionada.
 
  É certo que a reacção perante um comportamento censurável de um clube pode 
 indirectamente vir a ter consequências desfavoráveis para um outro. Mas não pode 
 ver-se nisso algo de excessivo, pois, como já se evidenciou no ponto anterior, 
 esse efeito é praticamente ineliminável, repousando na lógica da competição e 
 nos constrangimentos que ela gera. 
 A desclassificação – não contestada, aliás, pela recorrente – é uma reacção 
 imprescindível para sancionar as condutas dos clubes mais gravemente lesivas dos 
 regulamentos que presidem às competições, e muito em particular, das que põem em 
 causa a verdade desportiva, com recurso a formas de corrupção. 
 Essa sanção, na medida em que implica que não sejam tidos em conta os resultados 
 alcançados pelo faltoso nos jogos já disputados, e que o inibe de continuar em 
 prova, vai também obrigar a refazer a pontuação dos restantes, dada a projecção 
 bilateral do resultado, obtido ou a obter, em cada encontro em que o 
 desclassificado foi, ou seria, interveniente. Uma coisa arrasta necessariamente 
 a outra, não se detectando alternativas que, com igual eficácia sancionatória e 
 preventiva e com observância do princípio de igual tratamento, deixem intocadas 
 as posições dos não desclassificados. 
 Diga-se, até, que a solução consagrada na alínea d) do artigo em causa, ao 
 evitar a modificação desnecessária dos resultados da primeira volta, traduz, de 
 forma expressiva, a contenção, no limite do possível, da interferência 
 
 “contrafáctica” na pontuação. 
 O princípio da proporcionalidade não se mostra pois, ferido pelo regime 
 impugnado.
 
  
 
 9. Revelando-se os restantes parâmetros constitucionais invocados pela 
 recorrente absolutamente falhos de pertinência para a apreciação da validade, à 
 luz da Constituição, das normas das alíneas c) e d) do artigo 38.º do 
 Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, há que concluir pela 
 sua constitucionalidade. 
 
  
 
  
 III − Decisão
 Pelo exposto, acordam em: 
 a)      Não julgar inconstitucionais as normas das alíneas c) e d) do artigo 
 
 38.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol;
 b)      Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 Lisboa, 8 de Julho de 2009
 
  
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Mário Torres
 Rui Manuel Moura Ramos