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Processo n.º 417/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
   
 
     Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                          1. A., SA, apresentou reclamação contra o despacho do 
 Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 25 de Março de 
 
 2009, que não admitiu o recurso por ela interposto para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o anterior despacho do mesmo 
 Conselheiro Relator, que negara provimento ao recurso por ela interposto da 
 deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 27 de Maio de 2008, que 
 lhe aplicara a coima de € 2493,99, por violação do disposto nos artigos 40.º e 
 
 49.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela 
 Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, por tratamento jornalístico 
 discriminatório por ocasião da denominada pré‑campanha eleitoral autárquica 
 intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa, em 2007.
 
                         Apesar de a reclamante ter invocado, para deduzir a 
 presente reclamação, o disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal 
 
 (CPP), consigna‑se que não é este o preceito aplicável ao caso, estando as 
 reclamações para o Tribunal Constitucional contra despachos que não admitam 
 recursos para ele interpostos especificamente previstas e reguladas pelos 
 artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da LTC.
 
                         No requerimento de interposição de recurso, a recorrente 
 indicara pretender a apreciação da inconstitucionalidade das seguintes questões 
 
 – que teriam sido “suscitadas pela recorrente de modo processualmente adequado, 
 perante o tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, e encontram‑se 
 expressamente invocadas na motivação de recurso e respectivas conclusões – 
 veja‑se, em especial, os n.ºs 34. a 41., 46. a 49. e 52. a 55. da motivação e as 
 conclusões M., N. e O. de tal peça – que, então, apresentou” –:
 
  
 
             “1) inconstitucionalidade material do entendimento normativo dado à 
 norma vertida no artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto (Lei Eleitoral 
 dos Órgãos das Autarquias Locais), no sentido de que a realização e divulgação, 
 por iniciativa de órgão de comunicação social privado, de programa televisivo 
 do tipo «debate»/«entrevista», resultante do exercício das liberdades de 
 informação, expressão e de imprensa e cuja natureza não é estritamente 
 informativa ou mesmo de cobertura noticiosa de actos de propaganda política, em 
 período de «pré‑campanha» eleitoral, com intervenção de parte dos candidatos à 
 presidência de órgão do poder local, configura restrição ilícita ao direito 
 conferido às diversas candidaturas de efectuarem livremente, e nas melhores 
 condições, a sua própria propaganda eleitoral, quando é certo que só aos 
 candidatos ou partidos cabe tomar a iniciativa de concretizar e produzir actos 
 de propaganda política, por ofensa aos direitos de liberdade de expressão e 
 informação e liberdade de imprensa e meios de comunicação social, previstos nos 
 artigos 37.º, n.ºs 1 e 2, e, ainda, 38.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da 
 Constituição da República Portuguesa e, ainda, aos princípios gerais de direito 
 eleitoral, em especial, o consagrado na alínea a) do n.º 3 do artigo 113.º da 
 Lei Fundamental;
 
             2) inconstitucionalidade material do entendimento normativo dado à 
 norma vertida no artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto (Lei Eleitoral 
 dos Órgãos das Autarquias Locais), no sentido de que o mencionado dispositivo 
 legal impõe um concreto dever de actuação aos órgãos de comunicação social, no 
 sentido de concederem as mesmas igualdades a todas as candidaturas, 
 relativamente a trabalho específico e de iniciativa exclusiva desses mesmos 
 
 órgãos, como um «debate»/«entrevista» televisivo, que não tem como fim a 
 promoção de candidaturas, quando é verdade que a previsão do artigo 40.º da Lei 
 n.º 1/2001, de 14 de Agosto, abarca apenas as condutas concretas de quem 
 prejudica as acções de propaganda eleitoral promovidas exclusivamente pelas 
 diversas candidaturas, no período de «pré‑campanha», por ofensa do princípio da 
 legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.”
 
  
 
                         O despacho ora reclamado não admitiu o recurso por 
 entender que o meio impugnatório apropriado para reagir contra a decisão do 
 Conselheiro Relator do STJ de improvimento do recurso da deliberação da CNE 
 seria a reclamação para a conferência.
 
                         A reclamação ora em apreço é do seguinte teor:
 
  
 
             “1. A ora reclamante, tendo sido notificada de decisão final 
 proferida pela Comissão Nacional de Eleições, nos autos de Processo de 
 Contra‑Ordenação n.º 1/AL‑INT7CML‑20077TJD, e com a mesma não se conformando, 
 interpôs recurso dessa mesma decisão administrativa para a Secção Criminal do 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
             2. No decurso da tramitação dos autos de recurso, e em momento 
 anterior à prolação de decisão final, foi a ora reclamante notificada do 
 despacho de fls. 327 e 327 verso do processo, para, nos termos e para os efeitos 
 do disposto no artigo 64.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 
 manifestar acordo ou oposição à prolação de decisão do recurso mediante simples 
 despacho,
 
             3. O que fez, no passado dia 8 de Outubro de 2008, declarando nos 
 autos «não se opor à decisão do presente recurso de impugnação judicial através 
 de simples despacho judicial, nos termos do que dispõe o n.º 1, in fine, do 
 artigo 64.º do mesmo diploma legal»,
 
             4. Assim renunciando expressamente ao julgamento do recurso em 
 conferência.
 
             Ora,
 
             5. Nos termos do que dispõe o n.º 8 do artigo 417.º do CPP, cabe 
 reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos 
 do previsto nos n.ºs 6 e 7 do mencionado artigo 417.º.
 
             6. Acontece que a decisão sumária em causa nos presentes autos não 
 teve lugar porque alguma circunstância obstava ao conhecimento do recurso, ou 
 porque o mesmo devesse ser rejeitado, ou, ainda, porque existia causa extintiva 
 do procedimento ou da responsabilidade criminal que pudesse pôr termo ao 
 processo ou por verificação de outras das causas referidas naqueles dispositivos 
 legais, mas, e só, porque a ora reclamante renunciou à realização de julgamento 
 em conferência.
 
             7. É assim que da decisão sumária de que a ora reclamante interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional não cabia reclamação para a conferência 
 do Supremo Tribunal de Justiça,
 
             8. Não só porque a decisão sumária proferida pelo Ex.mo Sr. Relator 
 do STJ não o foi nos termos do que dispõe o n.º 6 do artigo 417.º do CPP.
 
             9. Mas também atento o disposto na própria alínea e) do n.º 1 do 
 artigo 73.º do RGCO (a contrario).
 
             Nesta conformidade,
 
             10. Ao ter sido proferida decisão sumária nos autos, provocada pela 
 renúncia expressa da ora reclamante ao julgamento do recurso em conferência, 
 esgotou‑se, deste modo, e com tal decisão sumária, o poder jurisdicional do 
 Supremo Tribunal de Justiça no âmbito decisório do processo,
 
             11. Sendo, pelo exposto, tal decisão final sumária recorrível para o 
 Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea 
 b), e 72.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante 
 LCT).”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “A., SA, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da 
 decisão da Comissão Nacional de Eleições que, em processo contra‑ordenacional, 
 lhe aplicou a coima de 2493,99 euros.
 
             Por decisão sumária proferida pelo Senhor Conselheiro Relator, foi 
 negado provimento ao recurso.
 
             Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional 
 e, não tendo este sido admitido, foi apresentada reclamação para este Tribunal.
 
             O recurso de fiscalização concreta nunca poderia ser reportado a uma 
 decisão simples do relator mas antes ao acórdão da conferência, proferida na 
 sequência da pertinente reclamação, deduzida nos termos do n.º 8 do artigo 417.º 
 do Código de Processo Penal (ou por aplicação do regime geral constante do n.º 3 
 do artigo 700.º do Código de Processo Civil).
 
             Efectivamente, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para efeitos de exaustão dos recursos 
 ordinários as reclamações para a conferência são equiparáveis a recurso (artigo 
 
 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC).
 
             Deve, pois, a reclamação ser indeferida.
 
             Por outro lado, a simples leitura do requerimento de interposição de 
 recurso de constitucionalidade leva‑nos a concluir que não se está perante 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, conclusão que sai 
 reforçada pelo que consta da motivação do recurso interposto para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, o momento processualmente adequado à suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade.”
 
  
 
                         Por despacho do relator foi a reclamante notificada para 
 se pronunciar, querendo, sobre este segundo possível fundamento de 
 inadmissibilidade do recurso (falta de adequada suscitação, perante o tribunal 
 recorrido, de uma questão de inconstitucionalidade normativa), dado que, “na 
 verdade, é sustentável que, nos locais indicados pela recorrente no requerimento 
 de interposição de recurso (n.ºs 34 a 41, 46 a 49 e 52 a 55 e conclusões M, N e 
 O da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) não foi suscitada 
 adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, não se imputando 
 a uma norma de direito ordinário ou a uma interpretação normativa dotada de 
 generalidade e abstracção e devidamente identificada a violação de normas ou 
 princípios constitucionais”. Em resposta a esta notificação, aduziu a 
 reclamante:
 
  
 
             “1. A ora reclamante não encontra base constitucional ou legal para 
 excluir da fiscalização da constitucionalidade de normas – como aquelas que se 
 encontram em causa nos autos (artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto, em 
 confronto com o disposto nos artigos 29.º, n.º 1, 37.º, n.ºs 1 e 2, 38.º, n.ºs 1 
 e 2, alínea a), e 113.°, n.º 3, alínea a), todos da CRP) – a apreciação de um 
 específico fundamento dessa mesma inconstitucionalidade.
 
             2. Na verdade, se a norma do artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de 
 Agosto, pode ser confrontada com a CRP com fundamento na violação de outras 
 normas ou princípios constitucionais, não se vê porque deva ser excluído o 
 fundamento consistente, designadamente, na violação da legalidade 
 criminal/contra‑ordenacional, ou, por outro lado, na restrição ilegal, 
 desnecessária e desproporcional de outros direitos com assento constitucional, 
 como sejam os direitos à liberdade de expressão e informação.
 
             3. E também não se diga que, se o legislador criasse uma norma com o 
 conteúdo que lhe foi interpretativamente dado pelo STJ, no caso dos autos, tal 
 norma não violaria a CRP.
 
             4. Tal argumento não pode valer, já que a norma cuja 
 constitucionalidade se aprecia é a que foi aplicada no processo, e não uma 
 norma hipoteticamente criada por um qualquer acto legislativo.
 
             5. Por outro lado, no caso dos autos está em causa a adopção e 
 aplicação de critérios normativos pelo STJ, mesmo que com referência ao caso 
 concreto, e que releva da norma presente no artigo 40.º da LEOAL, pois que se 
 extraiu a partir de tal regra jurídica um critério normativo válido para um 
 conjunto indeterminado e indeterminável de situações, com recurso à utilização 
 de um processo hermenêutico considerado válido.
 
             6. Tal realidade consubstancia, pois, e de modo manifesto, uma 
 questão de (in)constitucionalidade normativa.
 
             7. Em bom rigor, uma coisa é o mérito de uma certa interpretação da 
 lei, e outra, profundamente distinta, é a contrariedade face à CRP dessa mesma 
 interpretação.
 
             8. E uma norma legal pode ser objecto das mais diversas 
 interpretações, compatíveis, por exemplo, com o princípio da legalidade, mas o 
 que se proíbe é que o aplicador conclua, contra esse mesmo princípio, por uma 
 norma cujo conteúdo ultrapassa o sentido possível das palavras da lei,
 
             9. Como, de resto, parece à reclamante ter acontecido na decisão 
 proferida pelo STJ.
 
             Termos em que se conclui pela existência de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, presente nos autos, devendo a reclamação 
 contra o despacho que não admitiu o recurso ser julgada procedente e, em 
 consequência, o recurso ser admitido, tramitado e conhecido o seu objecto, com 
 todas as consequências legais.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Resulta do n.º 1 do artigo 203.º da LEOAL que cabe 
 recurso para a Secção Criminal do STJ das deliberações da CNE que apliquem 
 coimas correspondentes a contra‑ordenações praticadas por partidos políticos, 
 coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, de 
 publicidade, de sondagens ou proprietários de salas de espectáculos, previstas 
 nessa lei, designadamente, como no caso ocorreu, da deliberação da CNE que 
 sancionou a ora reclamante como autora da contra‑ordenação prevista no artigo 
 
 212.º (“A empresa proprietária de publicação informativa (…) que não der 
 tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de (…)”), 
 por violação dos deveres previstos nos artigos 40.º (“Os candidatos, os 
 partidos políticos, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar 
 livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral, devendo as 
 entidades públicas e privadas proporcionar‑lhes igual tratamento, salvo as 
 excepções previstas na lei”) e 49.º, n.º 1 (“Os órgão de comunicação social que 
 façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não 
 discriminatório às diversas candidaturas”), todos da LEOAL.
 
                         Trata‑se de uma situação em que o STJ intervém como 
 tribunal de 1.ª instância, já que obviamente o “recurso” da deliberação da CNE 
 
 (que é um órgão administrativo) não é um “recurso jurisdicional” (tendo por 
 objecto uma decisão de um tribunal inferior), mas uma impugnação judicial de uma 
 decisão administrativa sancionatória por ilícito de mera ordenação social.
 
                         Como, a este propósito, se salientou no Acórdão n.º 
 
 313/2007 deste Tribunal Constitucional:
 
  
 
             “Estabeleceu‑se aqui um regime especial para a impugnação da 
 aplicação de coimas pela Comissão Nacional de Eleições, por contra‑ordenações 
 cometidas no âmbito da eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, 
 prevendo‑se que a impugnação judicial destas decisões administrativas deva ser 
 feita, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Note‑se, contudo, que a utilização do termo «recurso» para o Supremo 
 Tribunal de Justiça da decisão da Comissão Nacional de Eleições que aplicar uma 
 coima, não confere a esta uma natureza jurisdicional, uma vez que a mesma, 
 atenta a natureza do órgão que a profere, é puro direito sancionatório 
 administrativo, constituindo a utilização do referido termo uma mera 
 imprecisão técnica, donde não podem ser extraídas quaisquer consequências.”
 
  
 
                         Todos os intervenientes processuais – a impugnante (ora 
 reclamante), a representante do Ministério Público no STJ e o respectivo 
 Conselheiro Relator – entenderam ser aplicável à presente situação o regime do 
 artigo 64.º do Regime Geral das Contra‑Ordenações (RGCO), aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que permite que o juiz decida a 
 impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica um coima 
 
 “mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho” (n.º 1), 
 decidindo por despacho “quando não considere necessária a audiência de 
 julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham” (n.º 2). Porém, 
 enquanto do referido artigo 64.º resulta que a opção pela decisão da impugnação 
 através de simples despacho tem por único efeito a dispensa da realização da 
 audiência de julgamento, não tendo qualquer efeito quanto à determinação do 
 
 órgão judiciário competente (que é sempre o juiz singular da 1.ª instância), no 
 presente caso foi entendimento do Conselheiro Relator do STJ (com a subsequente 
 concordância da arguida) que aquela opção acarretava, não apenas a dispensa da 
 realização de audiência de julgamento, mas também a alteração da determinação 
 do órgão jurisdicional competente para o julgamento da impugnação, que deixava 
 de ser o órgão colegial “Secção Criminal do STJ”, para passar a ser o órgão 
 singular “Conselheiro Relator no STJ”. Não compete, naturalmente, ao Tribunal 
 Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção deste entendimento, isto é, sobre 
 se, em impugnação para a Secção Criminal do STJ de deliberações da CNE 
 aplicativas de coimas, o consenso quanto à aplicabilidade da decisão da 
 impugnação “através de despacho”, prevista no artigo 64.º do RGCO apenas para 
 tornar dispensável a realização de audiência de julgamento, mas sem alteração 
 da determinação do órgão jurisdicional competente (o juiz singular da 1.ª 
 instância), tem o alcance de dispensar quer a realização da audiência de 
 julgamento, quer a realização do próprio julgamento em conferência (sendo certo 
 que, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da Lei de Organização e Funcionamento 
 dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto –, o julgamento nas 
 Secções do STJ é efectuado por três juízes, com ressalva dos casos previstos na 
 lei de processo (em especial nos n.ºs 6 e 7 do artigo 417.º do CPP) e nas 
 alíneas g) e h) do artigo anterior, não cabendo a presente situação em nenhuma 
 dessas ressalvas.
 
                         Tendo, porém, sido entendido que tal opção teve o 
 apontado duplo alcance (dispensa da realização de audiência e atribuição de 
 competência ao Relator do STJ para decidir da impugnação judicial), coloca‑se a 
 questão se saber se da decisão do Relator cabia reclamação para a conferência, 
 que, no caso, constituiria requisito (exaustão dos meios de impugnação ordinária 
 no caso cabíveis) de admissibilidade de eventual recurso que se pretendesse 
 interpor para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC. Na verdade, o n.º 2 deste preceito condiciona a 
 admissibilidade dessa espécie de recurso a ter por objecto “decisões que não 
 admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido 
 esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de 
 jurisprudência”, e o subsequente n.º 3 esclarece que “são equiparadas a recursos 
 ordinários (…) as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a 
 conferência”, desde que – como é óbvio – se trate de reclamações previstas na 
 lei. Ora, sustenta justamente a reclamante que, no presente caso, para além de 
 ela ter entendido a sua opção pela decisão da impugnação judicial mediante 
 simples despacho como uma renúncia à intervenção da conferência, nenhum preceito 
 legal prevê, no caso, a reclamação para a conferência; com efeito, o n.º 8 do 
 artigo 417.º do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo contra‑ordenacional, 
 apenas consagra expressamente a existência de reclamação para a conferência dos 
 despachos dos relatores proferidos nos termos dos precedentes n.ºs 6 e 7 – a 
 saber: decisões sumárias de não conhecimento do recurso, de rejeição do recurso 
 e de decisão do mérito do recurso quando a questão em causa já tiver sido 
 judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado (n.º 6) ou decisão sobre 
 se deve manter‑se o efeito atribuído ao recurso ou se há provas a renovar e 
 pessoas que devam ser convocadas (n.º 7) –, não se verificando no presente caso 
 nenhuma dessas situações.
 
                         Só, pois, por apelo a um princípio geral que se pudesse 
 extrair do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil ou à natureza 
 colegial dos tribunais superiores, se poderia fundar o entendimento de que, no 
 caso, cabia reclamação para a conferência, cuja falta viria a tornar 
 inadmissível o recurso de constitucionalidade.
 
                         Acontece, porém, que esta inadmissibilidade resulta, de 
 modo mais incontroverso, do segundo fundamento invocado no parecer do 
 Ministério Público – falta de adequada suscitação, perante o tribunal recorrido, 
 de uma questão de inconstitucionalidade normativa –, sobre o qual a reclamante 
 foi ouvida
 
  
 
                         3. Na verdade, na motivação da impugnação deduzida para 
 o STJ contra a deliberação da CNE referiu a recorrente, nos locais por ela 
 identificados no requerimento de interposição do presente recurso como sendo 
 aqueles em que teria suscitado as questões de inconstitucionalidade que 
 pretendia ver apreciadas, o seguinte:
 
  
 
             “34. No período em que ocorreu o debate televisivo em causa nos 
 presentes autos, existia mera propaganda, que pode, ou não, ser feita por quem 
 concorra a qualquer acto eleitoral,
 
             35. E que, de resto, não se confunde – nem pode ser confundida – com 
 o debate televisivo em causa nos autos.
 
             36. Sobre essa propaganda, que não pode ter, nem tem, a mesma 
 dignidade constitucional dos actos de campanha, regula o artigo 40.º da LEOAL, 
 nos termos do qual:
 
             «Os candidatos, os partidos políticos, coligações e grupos 
 proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua 
 propaganda eleitoral, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar‑lhes 
 igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei.» (sublinhado nosso)
 
             Na verdade,
 
             37. Uma vez que a previsão deste dispositivo apenas concede aos 
 candidatos o «direito de efectuarem livremente e nas melhores condições a sua 
 propaganda»,
 
             38. Parece inequívoco que só a esses candidatos ou partidos cabe 
 tomar a iniciativa de concretizar tais actos de propaganda,
 
             39. Os quais, como já se disse, não são confundíveis com um «debate 
 televisivo», tipo de programa que goza de maior liberdade e criatividade na 
 determinação do seu conteúdo, por parte dos órgãos de comunicação social.
 
             40. Isto é, tal princípio aplica‑se exclusivamente aos actos de 
 propaganda promovidos pelos candidatos durante o referido período de 
 pré‑campanha,
 
             41. Não se aplicando, por isso, a um espaço de debate ou 
 entrevistas, promovido pelo próprio órgão de comunicação social, no exercício 
 das liberdades de informação e de imprensa e meios de comunicação social, 
 previstas nos artigo 37.º e 38.º da CRP, e, ainda, do direito de estabelecer 
 critérios jornalísticos próprios, de selecção das matérias ou entidades que 
 trata nos conteúdos que emite.
 
             (…)
 
             46. Não cabe, nem pode caber, a um órgão de comunicação social 
 privado, como a ora recorrente, tomar a iniciativa de produzir, ele próprio, 
 actos de propaganda de partidos ou candidatos, sem o pretender fazer, em 
 violação dos seus critérios jornalísticos, em período não coincidente com o da 
 campanha eleitoral.
 
             47. Quanto muito, e no que respeita aos órgãos de comunicação 
 social, tal dispositivo legal consagra, de forma mediata, um dever geral de 
 abstenção, no sentido da repressão de comportamentos que possam prejudicar as 
 acções de propaganda eleitoral realizadas pelas candidaturas.
 
             48. Assim, para que se possa subsumir um comportamento imputável a 
 um órgão de comunicação social na norma em apreço, é necessário que exista uma 
 conduta concreta, consciente e querida, tendente a impedir que os actos de 
 propaganda política de responsabilidade das diversas candidaturas se façam de 
 modo livre e nas melhores condições.
 
             49. Mais, é fundamental a alegação e prova da ocorrência de actos de 
 propaganda concretos, cuja efectiva concretização «livre» tenha sido impedida 
 por um qualquer órgão de comunicação social.
 
             (…)
 
             52. Pois o artigo 212.º da LEOAL apenas estabelece sanções 
 cominatórias para os órgãos de comunicação social que violem o princípio da 
 igualdade de oportunidades das candidaturas no decurso da campanha eleitoral, 
 previsto no artigo 49.º da LEOAL.
 
             Pelo que,
 
             53. Não se encontrando previstas na lei quaisquer sanções relativas 
 
 à violação da previsão do artigo 40.º do LEOAL, não é, por isso mesmo, o seu 
 cumprimento vinculativo, sob pena de inconstitucionalidade, decorrente da 
 violação do princípio da legalidade.
 
             Acresce que,
 
             54. O debate televisivo dos autos faz parte do exercício do direito 
 a informar, foi estabelecido com recurso a critérios jornalísticos próprios e 
 não é acto de campanha ou propaganda eleitoral de que os candidatos 
 participantes – ou mesmo os alegadamente «excluídos» – tenham tomado a 
 iniciativa de promover ou executar.
 
             55. Sendo, portanto, momento informativo que não cabe nem pode caber 
 nos dispositivos legais invocados na decisão impugnada.»
 
  
 
                         Essa motivação encerra com a formulação das seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             “A. O auto de notícia notificado à recorrente enferma de nulidade, 
 violando o direito de defesa previsto no artigo 50.º do RGCO, também consagrado 
 no artigo 32.º, n.º 10, da CRP;
 
             B. Para se efectivar os direitos de audição e defesa previstos nos 
 artigos 32.º, n.º 10, da CRP e 50.º do RGCO, qualquer arguido em processo 
 contra‑ordenacional necessita de ser notificado de todos os elementos 
 relevantes para dedução de uma defesa adequada, o que não aconteceu nos 
 presentes autos, pois do conteúdo da notificação efectuada à recorrente não 
 resultam quais os factos que permitem concluir pela imputação objectiva e 
 subjectiva dos ilícitos contra‑ordenacionais em apreço, tal como exigido, 
 nomeadamente, pelos artigos 7.º, n.º 2, e 8.º do RGCO;
 
             Ainda,
 
             C. A decisão recorrida é omissa no que respeita à matéria de facto 
 relativa ao tipo subjectivo do ilícito contra‑ordenacional sub judice;
 
             D. Tal omissão confere carácter de nulidade à decisão recorrida, por 
 violação do princípio nulla poena sine culpa e do princípio constitucional do 
 direito ao exercício efectivo de defesa;
 
             E. A decisão recorrida, devendo, neste particular, ser colocada em 
 plano idêntico ao da sentença criminal, violou o disposto nos artigos 15.º do 
 CP, 7.º, n.º 2, 8.º, 41.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, alínea b), do RGCO, 374.º, n.º 
 
 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP e 32.º, n.º 10, da CRP;
 
             Por outro lado,
 
             F. Nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, da LEOAL, durante o 
 período da campanha eleitoral, todas as candidaturas têm direito a igual 
 tratamento, a fim de efectuarem, nas melhores condições, tal campanha;
 
             G. A campanha eleitoral não é outra que não aquela que se executa 
 durante esse período, como o define a invocada lei orgânica, e que, no caso 
 concreto, correspondeu ao período compreendido entre 6 e 13 de Julho de 2007;
 
             H. Porque antes do referido período não existiu qualquer campanha 
 eleitoral, a transmissão do «debate» em causa nos autos, a 19 de Junho de 2007, 
 não ocorreu, na realidade, durante qualquer um dos «períodos de campanha» 
 verificados nas eleições em questão (entenda‑se, os períodos de 8 dias 
 anteriores quer à antevéspera do acto eleitoral marcado para 1 de Julho de 2007 
 quer para o marcado para 15 de Julho de 2007), não podendo invocar‑se a 
 existência de qualquer conduta da arguida, violadora do artigo 49.º da Lei 
 Orgânica n.º 1/2001;
 
             I. No período em referência nos autos existiu apenas mera 
 propaganda, que pode ou não pode ser feita por quem concorra a qualquer acto 
 eleitoral e que não se confunde com a realização do debate televisivo em crise;
 
             J. Sobre essa propaganda, que não tem a mesma dignidade 
 constitucional dos actos de campanha, regula o artigo 40.º da Lei Orgânica n.º 
 
 1/2001, nos termos do qual, apesar do universo abrangente da sua estatuição, se 
 concede às candidaturas apenas o «direito a efectivar livremente e nas melhores 
 condições a sua propaganda», devendo as entidades públicas ou privadas 
 
 «proporcionar‑lhes igual tratamento», sem que a tal corresponda uma situação 
 concreta;
 
             K. O artigo 40.º da LEOAL regula o tratamento de meros actos de 
 propaganda que, prima facie, os candidatos ou partidos entendam dever levar a 
 cabo e que só a esses candidatos ou partidos cabe tomar a iniciativa de 
 concretizar tais actos de propaganda, que não se confundem com um «debate 
 televisivo», tipo de programa que goza de uma maior liberdade e criatividade na 
 determinação do seu conteúdo, por parte dos órgãos de comunicação social;
 
             L. O «debate» em causa nos autos faz parte do exercício do direito a 
 informar, foi estabelecido com recurso a critérios jornalísticos próprios e não 
 
 é acto de campanha ou propaganda eleitoral de que os candidatos participantes, 
 ou mesmo os alegadamente «excluídos», tenham tomado a iniciativa de promover ou 
 executar, constituindo conteúdo televisivo fora do escopo dos dispositivos 
 legais invocados na decisão recorrida;
 
             M. Não cabe a um órgão de comunicação social privado, como a ora 
 recorrente, tomar a iniciativa de produzir, ele próprio, actos de propaganda de 
 partidos ou candidatos, sem o pretender fazer, em violação dos seus critérios 
 jornalísticos, em período não coincidente com o de campanha eleitoral, pelo que 
 qualquer interpretação do disposto nos artigos 40.º, 49.º e 212.º da LEOAL, da 
 qual resulte necessariamente o contrário viola materialmente o disposto nos 
 artigos 37.º e 38.º da CRP;
 
             N. A norma do artigo 40.º da LEOAL não prescreve quaisquer deveres 
 imediatos de acção para os órgãos de comunicação social, uma vez que apenas 
 concede às candidaturas o «direito de efectuarem livremente e nas melhores 
 condições a sua propaganda», consagrando apenas, e de forma imediata, um mero 
 dever geral de abstenção, no sentido da repressão de comportamentos que possam 
 prejudicar as acções de campanha eleitoral realizadas pelas candidaturas, o que 
 também não acontece no caso dos autos;
 
             O. Do auto de notícia e da decisão ora recorrida não resultam 
 minimamente invocados e provados quaisquer comportamentos imputáveis à 
 recorrente, que possam ser subsumidos nas regras jurídicas em análise no 
 presente processo, ou mesmo enquadrados em qualquer cominação legal de um tipo 
 de contra-ordenação, uma vez que tal dispositivo não existe, no que respeita ao 
 período não oficial de campanha, pelo que qualquer interpretação do disposto nos 
 artigos 40.º, 49.º e 212.º da LEOAL, da qual resulte necessariamente o contrário 
 viola materialmente o disposto no artigo 29.º, n.º 1, da CRP;
 
             Finalmente,
 
             P. A recorrente é agente primária;
 
             Q. E não retirou benefício económico da prática da contra‑ordenação 
 em que vem condenada;
 
             R. O que tudo deve necessariamente ser tomado em conta na decisão a 
 proferir, sob pena de violação do disposto no artigo 18.º do RGCO;
 
             Por tudo,
 
             S. Caso não seja absolvida, o que se admite por mera cautela de 
 patrocínio, mostra‑se adequada à satisfação das exigências de prevenção geral e 
 especial do presente caso, uma sanção não superior à admoestação;
 
             T. O que se requer, com as legais consequências;
 
             U. A entidade administrativa recorrida, ao decidir como decidiu, 
 violou o disposto nos artigos 15.º do Código Penal; 7.º, n.º 2, 8.º, 18.º, 
 
 41.º, n.º 1, 50.º, 51.º e 58.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das 
 Contra‑Ordenações; 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de 
 Processo Penal; 29.º, n.º 1, 32.º, n.º 10, 37.º e 38.º da Constituição da 
 República Portuguesa; e 40.º, 49.º e 212.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das 
 Autarquias Locais.”
 
  
 
                         A impugnação foi indeferida pelo despacho do Conselheiro 
 Relator do STJ de que se pretendeu interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, lendo‑se nesse despacho, na parte ora relevante:
 
  
 
             “Nota‑se, aliás, que a arguida não se refere, sequer, nas conclusões 
 do seu recurso, a um preceito determinante para a apreciação da causa: o artigo 
 
 38.º da LEOAL, onde se estabelece a extensão do princípio da igualdade de 
 oportunidades das candidaturas, consagrado no artigo 40.º (mesmo que assim aí 
 entendido para a restrita fase da campanha eleitoral), à fase imediatamente 
 anterior, vulgarmente referida por «pré‑campanha», no caso, intercalar, 
 abrangendo os sessenta dias imediatamente antecedentes ao do início da dita 
 campanha, propriamente dita (cf. artigos 15.º, n.º 1, 222.º, n.º 1, e 228.º do 
 mesmo diploma), ou seja, envolvendo, também, na situação em análise, o período 
 de 7 de Maio a 5 de Julho de 2007, o qual abrange, pois, claramente, o dia do 
 referenciado debate (19 de Junho de 2007).
 
             Só se lhe reporta, curiosamente, nos pontos 31 e 32 do seu 
 articulado, a fls. 316, em sede de exposição geral das suas razões, de forma 
 muito comprometedoramente fugidia: por um lado, porque introduz no reproduzido 
 trecho legal um sublinhado que desvaloriza o aí – precisamente aí – referenciado 
 momento inicial do período temporal englobado no preceito que opera a extensão 
 da obediência devida àquele princípio de igualdade de oportunidades das 
 candidaturas; por outro, porque, chamando à colação, a destempo, o Capítulo II 
 do Título IV da focada lei orgânica, como que parecendo querer introduzir um 
 
 (invisível) plano de confronto ou desconformidade entre esse bloco normativo (da 
 
 «campanha eleitoral») e o do capítulo antecedente, o I (reportado, esse, aos 
 
 «Princípios gerais» da «... propaganda eleitoral …»), revela apenas ter 
 pretendido evitar contemplar o que tão inequivocamente vem consagrado no dito 
 artigo 38.º, logo abandonando essa menção, afastando‑se, pois, precipitada e 
 ostensivamente, da lata regulação aí firmada, em termos que se apresentam 
 absolutamente coordenados com os já aludidos artigos 15.º, 222.º, n.º 1, e 228.º 
 da citada LEOAL.
 
             Actuação, enfim, intencional da arguida, mesmo apesar da advertência 
 formulada pela autoridade administrativa competente, actuação dirigida, pois, 
 conscientemente, ao favorecimento dos candidatos intervenientes no debate, em 
 prejuízo evidente, claramente representado, dos não convidados.
 
             Ora, sendo a arguida a empresa proprietária do canal de televisão 
 que vem sendo referido e não tendo ela conferido, pelo que se expôs, tratamento 
 igualitário a todas as candidaturas, prejudicando manifestamente a dos 
 candidatos não convidados para o debate, designadamente a do aqui participante, 
 resulta clara a pertinência da imputação da prática contra‑ordenacional por «... 
 violação de deveres de publicações informativas ...», nos termos do artigo 212.º 
 da LEOAL, onde se estipulava, originariamente, uma punição «... com coima de 200 
 
 000$00 a 2 000 000$00 …», hoje fixada entre € 997,60 e € 9975,96.
 
             Pertinência que se conforta, relativamente ao exacto âmbito da 
 previsão legal daquele artigo 212.º, com o entendimento já adoptado pelo STJ no 
 seu acórdão de 6 de Julho de 2006, Proc. n.º 06P1383, que aqui se seguirá, no 
 sentido de que se criou, por referência ao artigo 49.º da LEOAL, «... para 
 todos os órgãos de comunicação social um especial dever de tratamento 
 igualitário para todas as candidaturas …», disso se exceptuando apenas as 
 publicações doutrinárias, conforme isenção consignada no n.º 2 daquele preceito; 
 pelo que, quando nesse artigo 212.º se sancionou a violação daquele dever 
 igualmente reflectido no artigo 40.º, o legislador «… socorre‑se da expressão 
 
 ‘publicações informativas’ para as penalizar, não porque, como pretende a 
 recorrente, queira criar uma categoria mais restrita dentro dos órgãos de 
 comunicação social e que se limite à imprensa escrita, mas para as distinguir 
 das publicações doutrinárias que mencionara expressamente no artigo 49.º, n.º 
 
 2, como isentas daquele dever de imparcialidade e, logo, não as sancionar.
 
             Ou seja, utiliza a expressão ‘publicações informativas’ para 
 restringir a punição a essa categoria, afastando as ‘publicações doutrinárias’, 
 categoria também incluída nos órgãos de comunicação social a que se reporta o 
 artigo 49.º.
 
             Aliás, e como notou a CNE, o vocábulo ‘publicação’ não tem o sentido 
 literal inequívoco que a recorrente lhe pretende atribuir, significando, 
 primeiro de tudo, num sentido primário e natural, ‘acto ou efeito de publicar 
 
 (tornar público, levar ao conhecimento do público)’! Por sua vez o adjectivo 
 informativo significa somente ‘o que serve para informar’.
 
             O que vale por dizer que mesmo o sentido literal da norma em nada 
 avaliza a pretensão da recorrente de excluir da previsão da norma um ou mais 
 suportes susceptíveis de servirem a publicação informativa.»
 
             Também no artigo 38.º, n.º 1, da CRP, ao declarar‑se «... garantida 
 a liberdade de imprensa …», se toma esse vocábulo em sentido lato, 
 evidentemente, «… compreendendo a imprensa escrita e outros meios de 
 comunicação social …», segundo anotam os Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in 
 Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, tomo I, p. 434, logo 
 qualificando tal preceito, de resto (cf. ob. cit., p. 435), de «... bastante 
 complexo …», contendo, além de outras mais restritas, só para a imprensa 
 escrita ou só para a rádio e televisão, «... regras gerais sobre todos os meios 
 de comunicação social [n.ºs 1, 2, alíneas a) e e), 3, 4 e 6]».
 
             Mas não é só naquele acórdão que se entende caberem no perímetro de 
 aplicação definido pelo artigo 212.º do LEOAL todos os órgãos de comunicação 
 social e não apenas a imprensa escrita: na verdade, e como se ajuizou, também, 
 no acórdão do STJ, de 4 de Outubro de 2007, Proc. n.º 07P809, «… é possível, sem 
 grande esforço, fazer caber no âmbito da previsão da lei os órgãos de 
 comunicação social no seu conjunto e não apenas a imprensa escrita. Portanto, aí 
 estarão também previstas idênticas contra‑ordenações praticadas pela rádio e 
 pela televisão, quando façam a cobertura eleitoral. É que, por um lado, 
 referindo‑se o artigo 49.º aos órgãos de comunicação social no seu conjunto, 
 excluem‑se do âmbito da sua previsão as publicações doutrinárias e, portanto, 
 ao falar‑se, no artigo 212.º, de publicações informativas, tomou‑se a parte pelo 
 todo, com a preocupação de contrapor aquelas publicações doutrinárias.
 
             Por outro lado, o termo ‘publicação informativa’ pode aplicar‑se, 
 ainda que de forma menos própria, à publicidade dada pelos órgãos de 
 comunicação social, sobretudo quando se trata de informar e esclarecer o 
 público em matérias que relevam da informação em termos gerais, tanto mais que 
 aqueles também praticam jornalismo, estando nessa parte os seus profissionais 
 subordinados à deontologia própria dos jornalistas, ao seu estatuto e às mesmas 
 ou idênticas leges artis. Aliás, a génese do termo publicação aponta para tornar 
 público, tornar conhecido de todos um determinado facto (Dicionário da Língua 
 Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa).
 
             Em conclusão: na previsão do artigo 212.º cabem, por interpretação 
 extensiva, (todos) os órgãos de comunicação social. Com efeito, não se trata da 
 lacuna que importasse preencher pelo recurso a outras normas ou aos princípios 
 gerais do direito, mas de reconstituição do pensamento legislativo, sem 
 extravasar o teor verbal da lei.»
 
             Deve, assim, concluir-se, como o fez a autoridade administrativa, 
 que a SIC Notícias violou consciente e voluntariamente o disposto nos artigos 
 
 40.º e 49.º, n.º 1, da LEOAL, não dando as mesmas oportunidades ao participante 
 e sabendo que daí resultava necessariamente uma desvantagem para aquele, ao 
 nível global, desde logo, da exposição do seu programa ou projecto eleitoral de 
 intenções, bem assim da própria captação de votos, não ignorando que a lei impõe 
 um tratamento de igualdade e de não discriminação, em relação a qualquer 
 candidatura; pelo que, com tal atitude, cometeu a contra‑ordenação prevista no 
 artigo 212.º da mesma lei, agindo, como agiu, com dolo necessário (artigo 8.º, 
 n.º 1, do RGCO).
 
             Ou seja, com a sua conduta, praticou a arguida, efectivamente, essa 
 bem caracterizada acção típica (porque subsumível a uma previsão legal e 
 consubstanciadora de um ilícito de mera ordenação social), voluntária (porque 
 dominada pela sua vontade autónoma e livre) e ilícita (porque desvaliosa e 
 contrária à ordem jurídica).
 
             Ora, sendo punível a contra‑ordenação em causa com coima de € 997,59 
 a € 9975,96, consideradas todas as referenciadas circunstâncias, mormente os 
 aludidos graus de ilicitude e de culpa, bem assim da própria gravidade dos 
 efeitos do ínvio condicionamento do exercício das opções eleitorais – elevados, 
 como se disse –, mas tendo‑se ainda em conta a circunstância de a arguida não 
 ter retirado proveito económico, aparentemente, da prática contra‑ordenacional, 
 além de não ser conhecida, até esse momento, qualquer outra actuação sua, 
 similar, não é de ajuizar senão que o aplicado sancionamento, situado ao nível 
 da quarta parte do limite máximo da respectiva moldura, se justificará, de todo, 
 tanto mais que inexistem factores palpáveis reveladores de alguma espécie de 
 debilidade económico‑financeira da parte da aqui recorrente.
 
             Em tais termos, julga‑se improcedente o recurso.”
 
  
 
                         Como resulta das precedentes transcrições, nos locais 
 assinalados pela recorrente, a mesma não suscitou, em termos adequados, uma 
 verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, já que não assacou a 
 normas de direito ordinário ou a interpretações, dotadas de generalidade e 
 abstracção, extraídas dessas normas, e identificadas com o mínimo de precisão, a 
 violação de normas ou de princípios constitucionais. O que nesses locais a 
 recorrente aduziu foi, em rigor, que a decisão administrativa sancionatória 
 impugnada teria feito errada subsunção do caso concreto às previsões dos artigos 
 
 40.º, 49.º e 212.º da LEOAL e seria por força dessa errada subsunção que tal 
 decisão administrativa, em si mesma considerada, teria violado os artigos 29.º, 
 n.º 1, 32.º, n.º 10, 37.º e 38.º da CRP. Ora, a imputação directa a uma 
 deliberação administrativa da violação de normas constitucionais não constitui 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa, cognoscível pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
                         Aliás, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado 
 
 (cf., por todos, o Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.” Ora, não satisfaz minimamente este requisito a suscitação de uma 
 questão de inconstitucionalidade nos termos em que a fez a recorrente, ao 
 aduzir que “qualquer interpretação do disposto nos artigos 40.º, 49.º e 212.º da 
 LEOAL, da qual resulte necessariamente o contrário viola materialmente o 
 disposto nos artigos [29.º, n.º 1], 37.º e 38.º da CRP”, pretendendo assim 
 transferir para o Tribunal Constitucional o ónus, que à recorrente pertence, de 
 identificar positivamente o sentido da interpretação normativa que, em caso de 
 eventual procedência do recurso, seria julgado inconstitucional.
 
                         E justamente por a recorrente não ter suscitado 
 adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a 
 questionar a correcção da subsunção, feita pela impugnada deliberação da CNE, do 
 concreto quadro fáctico apurado à previsão das normas sancionadoras do ilícito 
 contra‑ordenacional em causa, é que a decisão do Conselheiro Relator do STJ de 
 que se pretendeu interpor recurso para este Tribunal não se pronunciou sobre 
 qualquer questão de desconformidade de normas de direito ordinário com a 
 Constituição, mas tão‑só – como lhe cumpria, face ao aduzido na impugnação em 
 apreço – da correcção da interpretação e aplicação do direito ordinário 
 efectuadas pela CNE.
 
             
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 13 de Julho de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos