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Processo n.º 821/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 3 de Novembro de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra (TRC), de 16 de Julho de 2008, que negou provimento ao recurso por ele 
 interposto da sentença do Tribunal Judicial de Pombal, de 18 de Fevereiro de 
 
 2008, que, por seu turno, negara provimento ao recurso da decisão administrativa 
 que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 
 dias, pela prática de uma contra‑ordenação prevista e punida pelo artigo 27.º, 
 n.º 2, com referência aos artigos 139.º e 146.º, todos do Código da Estrada.
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o 
 recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma do “artigo 
 
 132.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, 
 e alterado pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro), por violação dos 
 artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), na medida em que o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não declarar a 
 verificação da prescrição do procedimento contra‑ordenacional, lançando mão, 
 para o efeito, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das 
 Contra‑Ordenações e Coimas/RGCOC), interpretou o citado artigo 132.º do Código 
 da Estrada (CE) no sentido de que as causas de suspensão e de interrupção 
 previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes do referido RGCOC se aplicam 
 subsidiariamente”, acrescentando:
 
  
 
             «– Porém, o próprio Código da Estrada – na redacção que lhe foi 
 conferida pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro – veio dedicar, 
 específica e expressamente, um capítulo (Capítulo V) exclusivamente regulador 
 da prescrição do procedimento, das coimas e das sanções acessórias.
 
             – Com efeito, o recurso às normas do RGCOC, após introdução de uma 
 norma expressa no próprio Código da Estrada reguladora da prescrição, 
 consubstancia uma violação dos direitos, liberdades e garantias e do direito de 
 defesa do arguido – artigo 32.º, n.º 10, da CRP –, dado que amplia, iníqua e 
 ilegitimamente, o período durante o qual o arguido poderá ver pender contra si 
 aquele procedimento («Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo 
 superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao 
 arguido a preparação da defesa, converte-se frequentemente em sofrimento 
 insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer 
 processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira 
 podem condicionar e comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo 
 a sua liberdade – in Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, Jorge Miranda e 
 Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, pág. 357); e dado que, por outro lado, essa 
 ampliação se sustenta na ‘repescagem’ de normas que se situam num plano de 
 exterioridade relativamente ao Código da Estrada, diminuindo, desta forma, a 
 extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.
 
             – Concretizando: as garantias de defesa do arguido têm, não apenas 
 uma componente substancial, mas também uma componente formal e procedimental, a 
 qual aponta, inexoravelmente, para a impossibilidade de o julgador lançar mão, 
 baseado nos princípios da subsidiariedade, de um regime ‘ampliador’ dos prazos 
 de prescrição, quando, afinal, este prazo está devida e expressamente regulado 
 pela Lei que deve ser aplicada ao caso concreto (Código da Estrada – Capítulo 
 V).
 
             – Assim, e em suma, o que se preconiza é que aquele artigo 132.º do 
 Código da Estrada deverá ser declarado inconstitucional – por violação do 
 conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, e, consequentemente, por violação do 
 artigo 18.º, n.º 3, in fine, ambos da CRP –, quando interpretado no sentido de 
 que, por via do mesmo, as causas de suspensão e de interrupção previstas nos 
 artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC têm aplicação subsidiária, no que a estas 
 matérias concerne em sede de Direito Estradal.»
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
             3. No presente caso, a questão de inconstitucionalidade foi 
 suscitada pelo recorrente na parte da motivação do recurso interposto para o 
 TRC sintetizada nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «A) Dos fundamentos a apreciar a título prévio:
 
             1. Tendo em conta a data da alegada prática da infracção (11 de 
 Junho de 2005) e que sobre ela já passaram dois anos, o procedimento 
 contra‑ordenacional estradal encontra‑se extinto, por prescrição, nos termos do 
 artigo 188.º do Código da Estrada.
 
             2. A existência neste de uma norma expressa relativa à prescrição 
 afasta, de acordo com o disposto no artigo 132.º do Código da Estrada, o regime 
 previsto nos artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC.
 
             3. A aplicação das normas do RGCOC ao caso concreto, à luz dos 
 princípios informadores do direito contra‑ordenacional – enquanto restritivo de 
 direitos, liberdades e garantias –, consubstancia uma violação do previsto nos 
 artigos 18.º, n.º 3, e 32.º, n.º 10, da CRP, em conjugação com o artigo 188.º 
 do Código da Estrada.
 
             4. Pugna‑se, portanto, pela inconstitucionalidade do disposto no 
 artigo 132.º do Código da Estrada – por violação dos referidos artigos 18.º e 
 
 32.º, n.º 10, da CRP –, na medida em que esse preceito (artigo 132.º) possa ser 
 interpretado no sentido de que ao regime da prescrição do procedimento por 
 contra‑ordenação rodoviária se aplicam, subsidiariamente, as causas de 
 suspensão e de interrupção previstas no artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC.
 
             5. Tal entendimento amplia, iníqua e ilegitimamente, o período 
 durante o qual o arguido poderá ver pender contra si aquele procedimento, 
 ampliação essa que se sustenta na ‘repescagem’ de normas que se situam num plano 
 de exterioridade relativamente ao Código da Estrada, diminuindo, desta forma, a 
 extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.»
 
             O acórdão recorrido julgou improcedente essa questão, com a seguinte 
 fundamentação:
 
             «Prescrição do procedimento contra‑ordenacional:
 
             Atenta a data da prática dos factos (11 de [Junho] de 2005) tem 
 aplicação o Código da Estrada na redacção introduzida […] pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro.
 
             Uma vez que entrou em vigor no dia 25 de Março de 2005, nos termos 
 do respectivo artigo 24.º
 
             Em matéria de prescrição, o Código da Estrada apenas contém duas 
 normas – artigos 188.º e 189.º
 
             Estas duas normas limitam‑se a definir o prazo da prescrição do 
 procedimento (artigo 188.º) e das penas aplicadas (artigo 189.º).
 
             Definindo, para o que ora interessa, o artigo 188.º o prazo da 
 prescrição do procedimento contra‑ordenacional de 2 anos.
 
             Não contendo o Código da Estrada qualquer norma relativa às causas 
 de suspensão ou interrupção da prescrição.
 
             Ora, na falta de disposição especial sobre o regime da suspensão e 
 da interrupção ou de norma que afaste essa aplicação, é de aplicar o regime 
 geral definido para as contra‑ordenações e coimas, por efeito da articulação 
 entre o regime geral e o regime especial do Código da Estrada: onde não é 
 definido regime especial permanece o geral.
 
             Em termos de interpretação sistemática, não faria qualquer sentido 
 o Código da Estrada definir um regime já definido no Regime Geral, a não ser que 
 quisesse afastar a sua aplicação – como sucede com a definição do prazo da 
 prescrição, em que houve a clara intenção de definir um regime diverso do Regime 
 Geral.
 
             Aliás, o artigo 132.º do Código da Estrada, inserido no capítulo I, 
 relativo às ‘Disposições Gerais’ do Título VI (Da responsabilidade), prevê, de 
 forma expressa e inequívoca, a aplicação, às contra‑ordenações rodoviárias 
 reguladas pelo Código da Estrada, ‘subsidiariamente, do regime geral das 
 contra‑ordenações’.
 
             Em contrapartida, a interpretação sustentada pelo recorrente 
 levaria ao absurdo de que, em matéria de contra‑ordenações previstas no Código 
 da Estrada, não vigoraria qualquer causa de suspensão ou interrupção da 
 prescrição.
 
             Acresce que constituiu propósito do legislador, quando definiu o 
 prazo de prescrição de 2 anos, evitar a prescrição de inúmeras infracções a que 
 por efeito do regime geral cabia o prazo de 1 ano.
 
             O propósito claramente assumido pelo legislador de 2005 foi 
 claramente oposto. Veja‑se o preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 44/2005, onde se lê, 
 além do mais: ‘porque as infracções ao Código da Estrada são actualmente 
 cometidas em massa, assegurar um incremento da eficácia do circuito de 
 fiscalização/punição … porquanto este tipo de infracções permite o 
 prolongamento excessivo dos processos’.
 
             Pelo que, ao contrário do que sustenta o recorrente, não sofre 
 dúvida nem da letra nem do espírito do preceito a aplicação do regime da 
 suspensão e da interrupção da prescrição às contra‑ordenações previstas no 
 Código da Estrada.
 
             Não sendo a interpretação sufragada, que emerge claramente do texto 
 e espírito da lei, desproporcionada e injustificada. Ao invés, a interpretação 
 proposta pelo recorrente é que redundaria numa ‘excepcionalidade’ de todo em 
 todo destituída de fundamento, ao conceder às contra‑ordenações previstas no 
 Código da Estrada um benefício de ‘extra‑territorialidade’, passando a caso 
 
 único de inexistência de causas de interrupção ou suspensão.
 
             Sendo assim o entendimento, interessado, proposto pelo recorrente, 
 contrariado, além do texto explícito da lei, pela clara intenção do legislador 
 do Código da Estrada de conferir maior rigor ao regime sancionatório e impedir 
 a prescrição por efeito do abuso de expedientes processuais.
 
             Aplica‑se, assim, o regime geral das causas de interrupção e 
 
 [suspensão da] prescrição.»
 
  
 
             4. Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a 
 correcção da interpretação do direito ordinário feita pelas instâncias, antes 
 lhe cumpre aceitar a interpretação feita como um dado da questão de 
 constitucionalidade que lhe cabe sindicar. Isso é: no caso, não cabe ao 
 Tribunal Constitucional intrometer‑se na questão da atribuição, a nível da 
 interpretação do direito ordinário aplicável, de carácter subsidiário, 
 relativamente às normas sobre prescrição das contra‑ordenações constantes do 
 Código da Estrada, das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição 
 constantes do regime geral das contra‑ordenações.
 
             Ora, o que, em rigor, o recorrente sustenta é que o acórdão 
 recorrido, ao atribuir essa aplicabilidade subsidiária a tais normas do regime 
 geral, teria violado normas e princípios constitucionais. Mas, assim sendo, 
 imputando o recorrente a violação da Constituição à decisão judicial recorrida, 
 em si mesma considerada, o recurso interposto surge como inadmissível, dado 
 que, como se referiu, só a questão da inconstitucionalidade de normas e já não a 
 questão da inconstitucionalidade de decisões judiciais constitui objecto idóneo 
 de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
             A isto acresce que a questão de constitucionalidade suscitada, se 
 fosse cognoscível, sempre seria de reputar manifestamente infundada, não se 
 vislumbrando como possa reputar‑se violador dos «direitos de audiência e 
 defesa» assegurados ao arguido em processo contra‑ordenacional pelo n.º 10 do 
 artigo 32.º da CRP, a mera extensão ao regime de prescrição das 
 contra‑ordenações previstas no Código da Estrada das regras sobre suspensão e 
 interrupção dos prazos prescricionais existentes – sem que, como tais, alguma 
 vez hajam sido arguidas de inconstitucionais – no regime geral do ilícito de 
 mera ordenação social.
 
             Este Tribunal já teve oportunidade de, no Acórdão n.º 629/2005, «não 
 julgar inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 
 
 143.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 114/94, 
 de 3 de Maio (com as alterações introduzidas pelos Decretos‑Leis n.ºs 2/98, de 3 
 de Janeiro, e 265‑A/2001, de 28 de Setembro), 29.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 
 
 30.º, alínea a), 31.º e 32.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (com 
 as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, e 
 pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), e 57.º, n.º 2, e 125.º, n.º 2, do 
 Código Penal, segundo a qual, em matéria contra‑ordenacional, nos casos de 
 suspensão da execução da sanção acessória, a suspensão da prescrição dessa 
 sanção, prevista na alínea a) do referido artigo 30.º, se mantém até ao 
 trânsito em julgado da decisão que revoga aquela suspensão da execução”, tendo, 
 para fundamentar essa decisão, expendido a seguinte argumentação:
 
  
 
             «2.2. O recorrente, no requerimento de interposição de recurso, 
 fundou a arguição de inconstitucionalidade da aludida interpretação na violação 
 dos ‘artigos e princípios constitucionais consagrados no n.º 1 do artigo 30.º e 
 no artigo 32.º, n.ºs 1 e 8 (sic), da Constituição da República Portuguesa, 
 essencialmente, por ser violador do princípio e do instituto da não existência 
 de penas com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida e, nessa 
 base, das garantias de defesa do arguido’.
 
             O fulcro da tese de inconstitucionalidade radica, portanto, na 
 configuração da sanção aplicada como uma sanção de duração indefinida, daí 
 derivando, reflexamente, uma diminuição das garantias de defesa.
 
             Assim perspectivada, a questão de inconstitucionalidade suscitada 
 surge como manifestamente infundada. 
 
             Mesmo admitindo a extensão às sanções acessórias de natureza 
 contra‑ordenacional dos limites que o n.º 1 do artigo 30.º da CRP directamente 
 estatui para as penas e medidas de segurança, com postergação das de carácter 
 perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, o certo é que, no caso em 
 apreço, a sanção aplicada ao recorrente é de duração bem definida: 30 dias de 
 inibição de conduzir.
 
             A questão de inconstitucionalidade que, em rigor, o recorrente 
 suscita respeita, pois, não à natureza indefinida da duração da sanção, mas ao 
 que ele designa por ‘uma sorte de imprescritibilidade das penas’.
 
             Como é sabido, no ordenamento constitucional português, não existe 
 nenhuma norma constitucional que explicitamente consagre a regra da 
 imprescritibilidade das penas ou dos procedimentos criminal ou 
 contra‑ordenacional. No entanto, no Acórdão n.º 483/2002 (com dois votos de 
 vencido), tendo por objecto a questão da inconstitucionalidade de conjunto 
 normativo segundo o qual, no crime de propagação de doença contagiosa agravada 
 pelo resultado, o início do prazo de contagem da prescrição do procedimento 
 criminal é referido ao último resultado agravativo ocorrido, o Tribunal 
 Constitucional, embora não reconhecendo aos arguidos um verdadeiro ‘direito 
 subjectivo à prescrição’, fez realçar:
 
  
 
             ‘– que o instituto da prescrição se encontra sedimentado no 
 ordenamento jurídico português há variadíssimas décadas, não podendo, por 
 conseguinte, o legislador constituinte de 1976 ter sido alheio à respectiva 
 previsão tal como, em linhas gerais, se desenhava naquele ordenamento, ou seja, 
 não podendo o legislador do Diploma Básico ser indiferente à política criminal 
 e à dogmática que lhe estava subjacente, no que toca à repercussão que o 
 decurso do tempo tinha quanto à não efectivação do poder punitivo do Estado;
 
             – que existem razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da 
 ideia de certeza e de paz jurídica, do Estado de Direito democrático e do 
 progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do 
 tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias 
 garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como 
 aquele;
 
             – que estes valores têm assento constitucional e reclamam, por si, 
 que o citado instituto tenha de ser visto com um próprio valor constitucional 
 para o comum dos ilícitos, designadamente tratando‑se de crimes como aquele 
 cujo cometimento é assacado aos ora recorrentes;
 
             – que é razoável que a sociedade, objectivamente considerada, possa 
 entender – ao menos enquanto se mantiverem em vigor na sua essencialidade os 
 preceitos que instituem a prescrição e rejam os respectivos prazos, modos de 
 ocorrência e contagem – que, uma vez decorrido o tempo previsto nesses 
 preceitos, não reclamam perseguição criminal os agentes de factos delituosos 
 cuja prática de há muito ocorreu, o que inculca que também é razoável que 
 aquela sociedade conte com que aquela perseguição não opere mediante normas ou 
 processos interpretativos de onde resulte, na realidade prática, a ineficácia 
 da actuação do instituto da prescrição.’
 
  
 
             No caso concreto então em apreço, entendeu o Tribunal 
 Constitucional que ‘uma interpretação do conjunto normativo de que agora 
 tratamos (...) poderá, na prática, conduzir a verdadeiras situações de 
 imprescritibilidade, ou, na sua relevância jurídico‑constitucional, muito 
 próximas dela, por ter suspenso o termo inicial do prazo de prescrição até ao 
 
 último dos resultados agravativos, apesar de o crime já estar consumado com o 
 primeiro resultado’, que ‘levaria, na tese subjacente àquela interpretação, a 
 uma indeterminação do dies a quo do início do prazo prescricional, 
 indeterminação essa que era passível de se prolongar ad infinitum, não obstante 
 a acção indiciariamente ilícita, causadora daqueles posteriores eventos 
 agravativos, ter já de há muito ocorrido’, concluindo que ‘uma tal insegurança 
 e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível 
 decurso do tempo, aliadas, assim, à objectiva diminuição de garantias de defesa 
 dos arguidos, mostra‑se incompatível com aqueles mesmos princípios 
 constitucionalmente acolhidos’.
 
             Independentemente da adesão que mereça este entendimento, é seguro 
 que ele não é transponível para o presente caso, desde logo porque então estava 
 em causa matéria criminal e o prazo de prescrição do procedimento criminal e 
 agora trata‑se de matéria contra‑ordenacional e do prazo de prescrição de uma 
 sanção acessória. Ao que acresce que não pode minimamente ser considerada 
 assimilável às situações referidas no Acórdão n.º 483/2002, em que seria 
 imprevisível a data em que iria ocorrer o último dos resultados agravativos, o 
 que foi entendido como significando uma ‘prática imprescritibilidade’ do crime 
 em causa, a situação dos presentes autos, em que a decisão judicial de 
 revogação da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir 
 foi proferida cerca de 7 meses após o momento em que, segundo o recorrente, se 
 teria consolidado o facto determinante daquela revogação, e num contexto em que 
 estão legalmente pré‑fixados os prazos máximos de prescrição, quer do 
 procedimento contra‑ordenacional (artigos 27.º, 27.º‑A e 28.º do RGCO), quer 
 das coimas e sanções acessórias (artigos 29.º a 31.º do RGCO). Na verdade, o 
 trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da sanção 
 acessória está, ele próprio, sujeito ao prazo máximo de prescrição do 
 respectivo procedimento contra‑ordenacional, pelo que não é exacta a afirmação 
 do recorrente de que não existe qualquer limite temporal para o início da 
 contagem do prazo de prescrição da sanção acessória, que a decisão ora 
 recorrida fez coincidir com aquele trânsito.
 
             Conclui‑se, assim, no contexto da situação subjacente ao presente 
 recurso – que não pode deixar de ser tido em conta, uma vez que nos movemos no 
 
 âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade – que a interpretação 
 normativa acolhida na decisão recorrida não viola, nem os preceitos 
 constitucionais invocados pelo recorrente (artigos 30.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, 
 da CRP), nem o invocado princípio da proibição da imprescritibilidade das penas 
 e sanções equiparáveis ou dos correspondentes procedimentos, pelo que se impõe 
 o improvimento do presente recurso.»
 
  
 
             Também no presente caso se imporia a constatação, caso fosse 
 possível conhecer do objecto do recurso, do carácter manifestamente infundado 
 da questão de inconstitucionalidade suscitada. Com efeito, não existe qualquer 
 repercussão directa do entendimento, sufragado no acórdão recorrido, no sentido 
 da aplicabilidade subsidiária das normas sobre suspensão e interrupção dos 
 prazos prescricionais estabelecidos no regime geral do ilícito de mera 
 ordenação social aos prazos de prescrição relativos a contra‑ordenações 
 previstas no âmbito do Código da Estrada, nos direitos consagrados no n.º 10 do 
 artigo 32.º da CRP, a saber: os direitos de audição e defesa do arguido no 
 decurso do processo contra‑ordenacional, direitos estes (que se traduzem em ser 
 ouvido e poder‑se defender – apresentando prova em seu favor e questionando a 
 valia da prova produzida contra ele – no decurso desse processo) cujo efectivo 
 respeito no presente caso o recorrente não questiona.”
 
             
 
                         1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
             “I – Da decisão sumária objecto de reclamação.
 
             O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator, no âmbito do processo supra 
 referenciado, julgou inadmissível o recurso apresentado proferindo decisão 
 sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da 
 Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LCT).
 
             Sustenta em síntese, que o recorrente imputa a violação da 
 Constituição à decisão judicial recorrida, sendo que só a questão da 
 inconstitucionalidade de normas e já não a questão da inconstitucionalidade de 
 decisões judiciais constitui objecto idóneo de recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
             Porém, essa conclusão não tem qualquer correspondência com o teor 
 dos fundamentos que sustentam o requerimento de interposição de recurso 
 apresentado pelo ora reclamante.
 
             Vejamos:
 
  
 
             II – Razões de discordância.
 
             No requerimento de interposição do recurso – título B), foi indicada 
 pelo reclamante, não apenas a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o 
 Tribunal aprecie, mas também as razões sumárias que deveriam conduzir a esse 
 entendimento.
 
             Nunca invocou o reclamante que tivesse sido violada a Constituição 
 por parte da decisão judicial que motivou o recurso.
 
             Resulta evidente da leitura do requerimento de interposição de 
 recurso a invocação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica, in casu, o 
 artigo 132.º do Código da Estrada (CE), com referência às normas constitucionais 
 que se consideraram terem sido violadas, reproduzindo‑se aqui integralmente o 
 trecho desse requerimento, dada a importância que representa para a compreensão 
 do problema sub judice:
 
  
 
             «B) Indicar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o 
 Tribunal Constitucional aprecie e da norma constitucional que considera ter sido 
 violada: 
 
             – Artigo 132.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 114/94, de 3 de Maio, e alterado pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de 
 Fevereiro), por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 3, da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que o Tribunal da 
 Relação de Coimbra, ao não declarar a verificação da prescrição do procedimento 
 contra‑ordenacional, lançando mão, para o efeito, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 
 
 27 de Outubro (Regime Geral das Contra‑Ordenaçães e Coimas/RGCOC), interpretou o 
 citado artigo 132.º do Código da Estrada (CE) no sentido de que as causas de 
 suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes do referido 
 RGCOC se aplicam subsidiariamente.
 
             (…)
 
             – Assim, e em suma, o que se preconiza é que aquele artigo 132.º do 
 CE deverá ser declarado inconstitucional – por violação do conteúdo essencial do 
 artigo 32.º, n.º 10, e, consequentemente, por violação do artigo 18.º, n.º 3, in 
 fine, ambos do CRP –, quando interpretado no sentido de que, por via do mesmo, 
 as causas de suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes 
 do RGCOC têm aplicação subsidiária, no que a estas matérias concerne em sede de 
 direito estradal.
 
             (…).»
 
  
 
             É, portanto, claro que o reclamante requereu a apreciação da 
 inconstitucionalidade de uma norma jurídica: o artigo 132.º do Código da Estrada 
 vigente, enquanto norma interpretada no sentido que se deixou supra consignado, 
 e que é aquele que resulta da sua respectiva aplicação ao caso concreto pelas 
 anteriores instâncias jurisdicionais comuns.
 
             Não tem, por isso, a decisão sumária prolatada qualquer fundamento.
 
             O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator sustenta, ainda, que não 
 compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção da interpretação do 
 direito ordinário feita pelas instâncias, antes lhe cumpre aceitar a 
 interpretação feita como um dado da questão de constitucionalidade que lhe cabe 
 sindicar.
 
             Não foi pelo reclamante requerida a correcção da interpretação 
 efectuada acerca de uma norma, mas a declaração da inconstitucionalidade da 
 mesma, enquanto interpretada num certo sentido.
 
             Concorda‑se que não cabe ao Tribunal Constitucional intrometer‑se na 
 questão da atribuição, a nível da interpretação do direito ordinário aplicável, 
 de carácter subsidiário, relativamente às normas sobre prescrição das 
 contra‑ordenações constantes do Código da Estrada, das normas sobre suspensão e 
 interrupção da prescrição constantes do regime geral das contra‑ordenações.
 
             Efectivamente, compete‑lhe, tão‑só, apreciar a questão da 
 inconstitucionalidade da norma invocada, quando interpretada num certo sentido, 
 sem, contudo, atender às consequências que dessa apreciação possam advir. Ou 
 seja, não se pretende que este Tribunal tome uma posição acerca da aplicação 
 subsidiária (ou não) das normas relativas à suspensão e interrupção da 
 prescrição constantes do Regime Geral das Contra‑Ordenações ao direito 
 contra‑ordenacional estradal, mas que julgue a inconstitucionalidade da norma 
 supra referenciada, nos moldes em que a mesma foi interpretada pelo Tribunal da 
 Relação de Coimbra – tendo, no nosso entender, tal pretensão ficado 
 inequivocamente expressa no requerimento de interposição do recurso.
 
             Com fundamento em tudo o que ficou exposto, reclama‑se pela 
 admissibilidade do recurso e conhecimento do correspondente objecto.
 
  
 
             III – Conclusões
 
             1.ª O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator julgou inadmissível o 
 recurso apresentado, proferindo decisão sumária de não conhecimento.
 
             2.ª Assim decidiu por julgar que o recorrente invocou a violação da 
 Constituição por parte da decisão proferida pelas instâncias comuns anteriores, 
 e não a uma concreta norma jurídica.
 
             3.ª Este entendimento não tem qualquer correspondência com o teor do 
 requerimento de interposição de recurso apresentado.
 
             4.ª Neste é expressamente invocada a inconstitucionalidade do artigo 
 
 132.º do Código da Estrada, por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 
 
 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
             5.ª Do mesmo se extrai que, ao contrário do alegado na decisão 
 sumária, não se pretende que o Tribunal tome uma posição acerca da aplicação 
 subsidiária (ou não) das normas relativas à suspensão e interrupção da 
 prescrição constantes do Regime Geral das Contra‑Ordenações ao direito 
 contra‑ordenacional estradal, mas que julgue a inconstitucionalidade da norma 
 supra referenciada, nos moldes em que a mesma foi interpretada pelo Tribunal da 
 Relação de Coimbra.
 
             6.ª Reclama‑se, portanto, pela admissibilidade do recurso 
 interposto, com o consequente conhecimento do seu objecto.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal apresentou resposta, no sentido do indeferimento da reclamação, por ser 
 
 “manifestamente improcedente”, dado que “a argumentação do reclamante em nada 
 abala os fundamentos da decisão reclamada, que deverá ser inteiramente 
 confirmada”.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Como se evidenciou na decisão sumária ora reclamada, 
 a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente na motivação do 
 recurso endereçado ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (que constituiu 
 o momento e o local adequados para a suscitação da questão, atento o disposto no 
 n.º 2 do artigo 72.º da LTC, sendo obviamente irrelevante para o efeito o modo 
 como a questão foi identificada no requerimento de interposição de recurso para 
 o Tribunal Constitucional) reporta‑se directamente à determinação, pelas 
 instâncias, do quadro legal tido por aplicável. O que se reputou simultaneamente 
 violador de princípios e normas de direito ordinário e dos artigos 18.º, n.º 3, 
 e 32.º, n.º 10, da CRP foi a decisão judicial de considerar aplicáveis ao 
 procedimento por contra‑ordenações estradais as normas sobre suspensão e 
 interrupção da prescrição constantes do regime geral das contra‑ordenações, face 
 
 à inexistência no Código da Estrada de normas especiais sobre essas matérias. 
 Carecendo a questão de inconstitucionalidade suscitada perante o tribunal 
 recorrido de natureza normativa, o recurso interposto surge como inadmissível.
 
                         A isto acresce que a decisão sumária ora reclamada 
 assentava num outro fundamento – o do carácter manifestamente infundado da 
 questão de inconstitucionalidade –, relativamente ao qual o recorrente não 
 formulou qualquer crítica.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos