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Processo n.º 770/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Por sentença de 19 de Junho de 2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Lisboa julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida por A., Lda. e 
 confirmou a liquidação adicional de IRC efectuada pela Fazenda Pública, relativa 
 ao ano fiscal de 1999, no montante global de €368.004,26.
 Desta sentença recorreu A., Lda. para o Tribunal Central Administrativo Sul, 
 formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 “ […] A) A sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação da factualidade 
 constante dos autos e uma incorrecta qualificação dos factos relevantes para 
 efeitos de aplicação da lei. 
 B) Os artigos 86º, n.º 3 e 91º da LGT e 117º do CPPT, ao estabelecerem como 
 pressuposto da impugnação judicial a necessidade de dedução do pedido de revisão 
 da matéria colectável, violam o princípio da garantia de tutela jurisdicional 
 efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, 
 previsto no artigo 268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 
 C) A notificação do relatório de inspecção tributária omite uma formalidade 
 essencial (a obrigatoriedade do recurso, sob pena de preclusão da possibilidade 
 de reclamar ou impugnar o acto de liquidação), o que gera a invalidade da 
 notificação, e, por conseguinte, a invalidade e ineficácia de todos os seus 
 termos subsequentes. 
 D) Ao considerar que não ocorre, no caso sub judice, o vício formal de falta de 
 fundamentação do acto de liquidação, a sentença recorrida viola o princípio do 
 dever de fundamentação dos actos administrativo-tributários, previsto nos 
 artigos 268º, n.º 3, da CRP, 77º da LGT, 21º e 82º do anterior CPT, 63º do RCIPT 
 e 125º do CPA. 
 E) Improcedem igualmente, por falta de fundamento factual e legal, os argumentos 
 aduzidos, constantes da decisão recorrida, de que estão reunidos, no presente 
 caso, os pressupostos legais de que depende o recurso a métodos indirectos de 
 avaliação da matéria tributável da Recorrente. A avaliação indirecta apenas pode 
 ocorrer nos casos e condições expressamente previstos na lei, o que não se 
 verifica no nosso caso concreto. 
 F) A Administração fiscal não alegou, e muito menos demonstrou, que das 
 pretensas incorrecções resultava uma impossibilidade de quantificação da matéria 
 colectável. Para ser possível recorrer aos métodos indirectos de avaliação da 
 matéria tributável não basta a verificação e demonstração, pela administração 
 tributária, de uma das anomalias expressamente consignadas no artigo 88º da LGT. 
 
 É ainda necessário que, por força dessa anomalia, não seja possível o apuramento 
 da matéria tributável, o que a Administração Fiscal não provou. Ao decidir nos 
 termos em que o fez, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 87º e 88º da 
 LGT. 
 G) A solução de direito defendida pelo Tribunal a quo é lesiva das expectativas 
 da Recorrente ao confirmar a errónea aplicação dos métodos de avaliação 
 indirecta e ao considerar que passou a incidir sobre a Reclamante o ónus da 
 prova de que houve erro ou manifesto excesso na matéria colectável quantificada 
 com recurso ao sistema da avaliação indirecta. 
 H) Não foi feita prova da verificação dos pressupostos legais para existir 
 recurso a métodos indiciários de avaliação, e, consequentemente, não foi ilidida 
 a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos da Recorrente. 
 I) No caso, não foi aplicado qualquer dos critérios a ter em conta na 
 determinação da matéria tributável por métodos indirectos, pelo que se afigura 
 ilegal a forma como o rendimento foi determinado. 
 J) Em suma, ao decidir como o fez, a sentença recorrida violou o disposto nos 
 artigos 268º, n.º 3 e 4, da CRP; 58º, 74º, 75º, 77º, 81º, 85º, 87º, 88º, 90.º da 
 LGT; 36º do CPPT e demais regras de notificação e princípio da boa fé; 21º e 82º 
 do anterior CPT, 63º do RCIPT e 125º do CPA. 
 Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente Recurso ser 
 julgado procedente, por provado, e, consequentemente, deve a sentença recorrida 
 ser revogada, com a consequente declaração de invalidade e anulação da 
 liquidação impugnada, com as demais consequências legais. […]”
 
  
 
 2. Por acórdão de 29 de Maio de 2007, o Tribunal Central Administrativo Sul 
 negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. Pode ler-se no 
 texto do aresto, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 “ […] - No caso vertente o Mm.º juiz recorrido, na esteira, aliás, de 
 entendimento sustentado pela AT para indeferir a reclamação graciosa do acto de 
 liquidação em causa considerou, além do mais, que e citamos “Não tendo o 
 impugnante deduzido o pedido de revisão da matéria colectável, a quantificação 
 da mesma tornou-se caso resolvido ou caso decidido, ficando prejudicada a 
 possibilidade de impugnação judicial com tal fundamento devido a falta de uma 
 condição de procedibilidade.” 
 
 - Estando em questão liquidação levada a cabo na decorrência de correcções à 
 matéria colectável declarada pela recorrente, com referência ao exercício de 
 
 1999, com recurso a presunções e, em simultâneo, a correcções técnicas, temos 
 por absolutamente incontroverso o entendimento sustentado pelo Mm.º juiz 
 recorrido, no que à liquidação resultante das aludidas correcções com recurso a 
 metodologia indiciária diz respeito.
 
 -De facto, sendo incontroverso, – como, aliás ninguém dissente –, ser aplicável 
 ao caso vertente o estatuído pela LGT, entrada em vigor a 1 de Janeiro desse 
 mesmo ano, tal lei determina, no seu art. 86º, n.º 5, exactamente aquilo que o 
 Mm.º juiz recorrido, ao menos, também disse. 
 
 - Estatui, na realidade e como, aliás, a própria recorrente dá conta nos autos, 
 o preceito legal em causa, que “Em caso de erro na quantificação ou nos 
 pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação 
 judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta 
 depende da prévia reclamação nos termos da presente lei”, ou seja, nos termos 
 procedimentais referidos no art. 91.º subsequente. 
 
 - Trata-se de matéria que, a final de contas, era já contemplada no âmbito da 
 legislação anterior, (art.ºs 84.º e 136.º do revogado CPT), ainda que em termos 
 menos abrangentes, na medida em que, então, a reclamação prévia necessária 
 restringia-se ao âmbito da quantificação, enquanto que o legislador, com a LGT, 
 como expressamente se determina no aludido art. 86.º/5, quis abarcar também, no 
 procedimento de revisão, em caso de utilização de metodologia indiciária, a 
 questão da verificação dos indispensáveis pressupostos legais ao lançar mão de 
 tal metodologia. 
 
 - Esgrime, no entanto, a recorrente, que o preceito em causa é inconstitucional 
 por afrontar o preceituado no art. 268.º/4 da CRPortuguesa, na medida em que 
 limita, em termos que tem por inadmissíveis, o seu direito a recorrer a juízo 
 para questionar a legalidade do acto tributário, sem que lobrigue justificação 
 adequada para tal bem como para o distinto tratamento, nesta matéria, consoante 
 a correcção se opere por presunções ou por correcções técnicas. 
 
 - Afigura-se-nos manifesta a absoluta falta de razão da recorrente, já que como 
 temos por manifesto, o artigo em questão mais não faz do que disciplinar o 
 acesso aos meios judiciais, para sindicância de actos tributários de liquidação 
 oficiosa, com recurso a presunções, em nada se limitando o direito dos 
 contribuintes ao seu uso que, observado o procedimento imposto por lei, não 
 sofrem qualquer limitação na utilização dos meios processuais judiciais 
 disponíveis. 
 
 - Tanto bastaria, pois, e na esteira de jurisprudência firme, alguma da qual 
 referenciada na decisão recorrida, e do que já, neste mesmo sentido e como acima 
 se referiu, dispunha o CPT, – e relativamente ao que se justifica o mesmo tipo 
 de argumentação –, para se concluir que nenhuma compressão é imposta pelo 
 normativo em causa aos direitos dos contribuintes, no recurso a juízo para 
 sindicarem actos tributários de liquidação decorrentes correcções através de 
 presunções. Sempre se dirá, contudo, quer como uma das razões da imposição do 
 procedimento de revisão, quer como tratamento diverso do que sucede no caso da 
 utilização de correcções técnicas, que não há que perder de vista que a 
 metodologia indiciária, como metodologia residual que é, num sistema em que, por 
 princípio, se apoia na verdade do declarado pelos contribuintes por conduzir por 
 regra e salvo caso meramente fortuito, a resultados (valores) apurados distintos 
 dos que efectivamente se verificaram, ainda que o mais aproximado possível, 
 está, à partida, condenada, a não dar cumprimento à regra programática de cariz 
 constitucional, da tributação do rendimento real das empresas. 
 
 - Trata-se, no entanto de um mal necessário, por ser o mal menor, e, nessa 
 perspectiva, perfeitamente justificável em face dos interesses em jogo, já que 
 seria absolutamente desproporcionado e intolerável, dar um verdadeiro prémio aos 
 contribuintes relapsos e faltosos, que, por romperem com dever de colaboração a 
 que estão adstritos para com a AF e que constitui o suporte do sistema 
 declarativo, acabassem por fugir à tributação, apenas porque, na impossibilidade 
 do apuramento directo e exacto do respectivo rendimento tributável, a 
 metodologia indiciária, ao recorrer a índices conhecidos, acabe por extrapolar 
 factos/juízos conclusivos desconhecidos que ainda que aproximando-se em 
 coerência, o mais possível da realidade, só por mero acaso com ela podem vir a 
 coincidir. 
 
 - E nesta linha de entendimento, bem se compreende o recurso ao procedimento de 
 revisão, com a extensão que lhe foi dada pelo legislador, seja porque dentro 
 daquele princípio de cooperação entre as partes, em caso de acordo, o resultado 
 obtido, seguramente, mais fiável, do ponto de vista de aderência à realidade, do 
 que aquele que foi, inicialmente presumido, seja porque, como consequência disto 
 mesmo, e em caso de acordo, o respectivo alcance deixa de poder ser sindicado em 
 juízo. 
 
 - Mas sendo assim, então o que se tem de concluir é que, nem sequer se deve 
 entrar na apreciação de quaisquer outros fundamentos invocados pela recorrente 
 para assacar o acto impugnado de ilegal, uma vez que, como é axiomático, a 
 respectiva apreciação pressupõe a possibilidade de discussão em juízo de tais 
 questões; Ora, como se acabou de referir, tal possibilidade de discussão não 
 existe, no caso vertente e no que á liquidação com suporte em métodos 
 indiciários diz respeito, pelo que tanto basta, neste estrito âmbito, para se 
 concluir pela falência do recurso. […] ”
 
  
 
 3. Inconformada, A., Lda. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC), para apreciação da conformidade constitucional “da norma contida 
 nos artigos 86.º n.º 3 e 91.º da Lei Geral Tributária e no artigo 117.º do 
 Código de Procedimento e de Processo Tributário, na interpretação formulada pelo 
 Tribunal a quo – segundo a qual a dedução de pedido de revisão da matéria 
 colectável é pressuposto necessário ao recurso à impugnação judicial do acto 
 tributário de liquidação decorrente da avaliação indirecta – por violação do 
 princípio da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos administrados, consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 O recurso foi admitido e a recorrente alegou e concluiu: 
 
  
 
 “ […] 1.ª O princípio da tutela jurisdicional efectiva contempla como seu 
 corolário o “princípio da promoção do acesso à justiça” (também denominado 
 princípio pro actione ou princípio do favor do processo), segundo o qual as 
 normas processuais devem ser interpretadas (e também aplicadas) no sentido da 
 validade ou da eficácia dos actos processuais praticados pelo tribunal ou pelas 
 partes (de ambas, demandante e demandado), dos quais dependa o conhecimento do 
 mérito das pretensões formulado junto dos tribunais. 
 
 2.ª O Tribunal a quo, conclui, a partir da interpretação conjugada, que os 
 artigos 86º, n.º 3 e 91º da LGT e 117º do CPPT mais não fazem do que disciplinar 
 o acesso aos meios judiciais, para sindicância de actos tributários de 
 liquidação oficiosa, com recurso a presunções, em nada se limitando o direito 
 dos contribuintes ao seu uso que, observado o procedimento imposto por lei, não 
 sofrem qualquer limitação na utilização dos meios processuais judiciais 
 disponíveis. 
 
 3.ª Em rigor, o Tribunal a quo não se debruçou sobre o caso concreto suscitado 
 no presente processo pela Recorrente, limitou-se a apregoar argumentos que 
 falecem totalmente em face da lógica argumentativa subjacente, pelo que, 
 assentou o seu raciocínio normativo em argumentos que devem ser desconsiderados 
 pela falta de conexão lógica e hermenêutica das questões suscitadas com as 
 questões em discussão nos presentes autos. 
 
 4.ª O acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação da factualidade 
 constante dos autos e uma incorrecta qualificação dos factos relevantes para 
 efeitos de aplicação da lei. 
 
 5.ª A norma contida nos artigos 86.º, n.º 3 e 91.º da LGT e no artigo 117.º do 
 CPPT, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente 
 inconstitucional por violação do princípio da promoção da justiça corolário do 
 princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268º, 
 n.º 4 da CRP. 
 
 6.ª O acórdão recorrido ao não considerar inconstitucional o normativo contido 
 nos artigos 86.º, n.º 3 e 91.º da LGT e no artigo 117.º do CPPT, violou o 
 princípio da promoção da justiça corolário do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP. 
 
 7.ª Ainda que existissem dúvidas quanto ao sentido da aplicação dos artigos 
 
 86.º, n.º 3 e 91.º da LGT e no artigo 117.º do CPPT, e esta fosse de qualquer 
 modo ambígua, por aplicação do princípio da promoção do acesso à justiça, o 
 sentido a adoptar sempre seria aquele que permitisse concluir pela admissão da 
 impugnação judicial no presente processo e pelo conhecimento do mérito do 
 recurso jurisdicional interposto, o qual, aliás, se revela como o mais favorável 
 ao contribuinte. 
 
 8.ª Os artigos 86º, n.º 3 e 91º da LGT e 117º do CPPT, ao estabelecerem como 
 pressuposto da impugnação judicial a necessidade de dedução do pedido de revisão 
 da matéria colectável, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, são 
 materialmente inconstitucionais por violação do princípio da garantia de tutela 
 jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 administrados, previsto no artigo 268º, n.º 4, da CRP, e em consequência, o 
 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.05.2007, deve ser 
 reformulado em conformidade com o julgamento sobre a questão da 
 inconstitucionalidade. 
 Nestes termos, 
 Deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência: 
 
 (i) deverá ser declarada a inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 
 
 86.º, n.º 3 e 91.º da LGT e no artigo 117.º do CPPT, por violação do princípio 
 da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos administrados, previsto no artigo 268º, n.º 4, da CRP; 
 
 
 
 (ii) devem os autos baixar ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, 
 reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da 
 inconstitucionalidade. […]”
 
  
 A recorrida Fazenda Pública apresentou contra alegação.
 
  
 
 4. Admitindo a ocorrência de uma causa de não conhecimento do recurso, o relator 
 convidou a recorrente a pronunciar-se sobre a seguinte questão: 
 
  
 
 “ […] A., Lda. recorre, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82 de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional “da 
 norma contida nos artigos 86.º, n.º 3 e 91.º da Lei Geral Tributária e no artigo 
 
 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na interpretação 
 segundo a qual a dedução de pedido de revisão da matéria colectável é 
 pressuposto necessário ao recurso à impugnação judicial do acto tributário de 
 liquidação decorrente da avaliação indirecta, por violação do princípio da 
 garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente 
 protegidos dos administrados, consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição 
 da República Portuguesa.
 Todavia, apura-se que o tribunal recorrido aplicou como fundamento da decisão o 
 n.º 5 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária [que determina que em caso de erro 
 na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria 
 tributável a impugnação judicial da liquidação depende do prévio pedido de 
 revisão da matéria colectável] e não os artigos 86.º, n.º 3 e 91.º da Lei Geral 
 Tributária e no artigo 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 
 na aludida interpretação”
 
  
 A recorrente respondeu. Invocou o seguinte:
 
  
 
 “ […] 1. O Recorrente ao requerer a apreciação da constitucionalidade da norma 
 contida no n.º 3, do artigo 86.º da Lei Geral Tributária (adiante “LGT”) na 
 interpretação segundo a qual a dedução de pedido de revisão da matéria 
 colectável é pressuposto necessário à impugnação judicial do acto tributário de 
 liquidação, por violação do princípio da garantia de tutela jurisdicional 
 efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos e administrados, 
 consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 
 incorreu num lapso de escrita. 
 
 2. Do teor das alegações de recurso para o tribunal recorrido resulta evidente 
 que o que o Recorrente pretende ver apreciada é a constitucionalidade da norma 
 contida no n.º 5, do artigo 86.º da LGT e não da norma contida no n.º 3 daquele 
 preceito. 
 
 3. Norma esta que, aliás, não foi suscitada pelo acórdão recorrido, nem podia 
 ter aplicação aos autos, já que apenas se destina a estabelecer “ (...) a regra 
 da impugnação unitária do acto tributário (...)“. Vide António Lima Guerreiro, 
 
 “Lei Geral Tributária Anotada”, Editora Rei dos Livros, pg. 367, 
 
 4. Sendo, isso sim, o n.º 5, do artigo 86.º da LGT que se afigura aplicável ao 
 caso vertente, embora não com a interpretação dada pelo acórdão recorrido, 
 porquanto determina que “Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da 
 determinação indirecta da matéria tributável a impugnação judicial da liquidação 
 ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação 
 nos termos da presente lei.” 
 
 5. Nos termos do artigo 249.º do Código Civil (CC), “O simples erro de cálculo 
 ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das 
 circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação 
 deste.” 
 
 6. Por conseguinte, onde se lê ‘n.º 3, do artigo 86.º”, deverá ler-se “n.º 5, do 
 artigo 86º”. 
 
 7. É também de referir que, ao contrário do que refere o douto despacho, ao 
 manter a decisão de indeferimento da impugnação judicial por falta daquele 
 pressuposto processual, o acórdão recorrido não deixa, naturalmente, de proceder 
 
 à aplicação, pelo menos implícita, dos artigos 91.º da LGT e 117.º do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), já que estes artigos são de 
 conteúdo idêntico ao n.º 5, do artigo 86.º da LGT. 
 Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, requer a V. Exa. se digne 
 admitir, nos termos do artigo 249.º do Código Civil, a rectificação daquele erro 
 de escrita e, bem assim, os fundamentos invocados e, por conseguinte, se digne a 
 conhecer do objecto do presente recurso. 
 Conclui e requer como nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 II – Objecto do recurso
 
  
 
 5. A recorrente requer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma 
 contida nos artigos 86.º, n.º 5 e 91.º da Lei Geral Tributária e no artigo 117.º 
 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpretada no sentido de 
 que a dedução de pedido de revisão da matéria colectável é pressuposto 
 necessário ao recurso à impugnação judicial do acto tributário de liquidação 
 decorrente da avaliação indirecta.
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional tem natureza normativa, visando apreciar a conformidade 
 constitucional de normas efectivamente aplicadas como ratio decidendi na decisão 
 recorrida. Nestes recursos, a apreciação das questões de constitucionalidade 
 está condicionada a uma efectiva aplicação da norma cuja constitucionalidade 
 haja sido suscitada durante o processo, pelo que importa identificar a norma, 
 aplicada na decisão recorrida, que deverá constituir o objecto do presente 
 recurso.
 Considerou o tribunal recorrido que, “estando em questão liquidação levada a 
 cabo na decorrência de correcções à matéria colectável” “com recurso a 
 metodologia indiciária”, é incontroverso o entendimento sustentado pelo Mm.º 
 juiz recorrido de que “Não tendo o impugnante deduzido o pedido de revisão da 
 matéria colectável, a quantificação da mesma tornou-se caso resolvido ou caso 
 decidido, ficando prejudicada a possibilidade de impugnação judicial com tal 
 fundamento devido a falta de uma condição de procedibilidade” por ser aplicável 
 ao caso o n.º 5 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária, o qual determina 
 
 “exactamente aquilo que o Mm.º juiz recorrido, ao menos, também disse” 
 estatuindo que “«Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da 
 determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da 
 liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia 
 reclamação nos termos da presente lei», ou seja, nos termos procedimentais 
 referidos no art. 91.º subsequente.” 
 Como resulta do acórdão recorrido, designadamente das partes agora transcritas, 
 o tribunal recorrido aplicou como fundamento da decisão a norma ínsita no n.º 5 
 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 
 
 17 de Dezembro), que determina que, em caso de erro na quantificação ou nos 
 pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação 
 judicial da liquidação depende da prévia reclamação, procedimento que segue os 
 termos previstos no artigo 91.º da mesma Lei, ou seja, os termos do procedimento 
 de revisão da matéria colectável.
 Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, deve 
 apreciar-se apenas a conformidade constitucional da norma ínsita no n.º 5 do 
 artigo 86.º, conjugado com o artigo 91.º, ambos da Lei Geral Tributária 
 
 (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), que determina que em 
 caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da 
 matéria tributável a impugnação judicial da liquidação depende de prévia 
 reclamação disciplinada pelos termos do procedimento de revisão da matéria 
 colectável.
 
  
 III – Fundamentos
 
  
 
 6. A questão que é colocada no presente recurso é a de saber se é 
 inconstitucional, por violação da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, consagrada no 
 artigo 268.º, n.º 4 da Constituição, a norma ínsita no n.º 5 do artigo 86.º, 
 conjugado com o artigo 91.º, ambos da Lei Geral Tributária (aprovada pelo 
 Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), que determina que, em caso de erro 
 na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria 
 tributável, a impugnação judicial da liquidação depende da prévia reclamação que 
 segue os termos do procedimento de revisão da matéria colectável.
 O Tribunal já se pronunciou, por diversas vezes, no sentido de não ser possível 
 retirar da garantia de tutela jurisdicional efectiva, conferida aos 
 administrados pelo n.º 4 do artigo 268.º da Constituição – na qual se inclui a 
 impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os seus direitos ou 
 interesses legalmente protegidos –, a inconstitucionalidade de todas as normas 
 que exigem a prévia utilização de meios de impugnação administrativa como 
 condição de conhecimento da impugnação contenciosa de actos administrativos. 
 
  
 
 7. Com efeito, a propósito do artigo 25.º n.º 1 da Lei de Processo dos Tribunais 
 Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) o Tribunal seguiu esse 
 orientação, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 603/95, 425/99, 548/99, 329/2000, 
 
 235/2003 e 188/2004 (todos disponíveis para consulta em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 No primeiro deles, o Tribunal pronunciou-se pela conformidade do artigo 25.º n.º 
 
 1 da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretado por forma a 
 considerar que um acto praticado por um órgão subalterno da Administração é 
 contenciosamente irrecorrível, salvo se a lei determinar que o recurso 
 hierárquico não suspende a eficácia do acto, ou se o seu autor considerar que a 
 não execução imediata do acto causa grave prejuízo ao interesse público, com o 
 artigo 268.º n.º 4 da Constituição, na redacção dada pela Lei nº 1/89, de 8 de 
 Julho. Pode ler-se neste acórdão:
 
  
 
 “ […] 
 Este Tribunal, no seu acórdão nº 9/95 [proferido em processo no qual estava em 
 causa o mesmo preceito legal interpretado no sentido de considerar irrecorríveis 
 contenciosamente os despachos da Caixa Geral de Aposentações que decidam, 
 desfavoravelmente às pretensões dos interessados, os pedidos de contagem prévia 
 de tempo de serviço para efeitos de aposentação] (publicado no Diário da 
 República, II série, de 22 de Março de 1995), a propósito deste tema, afirmou o 
 seguinte:
 Comparando este preceito com o do nº 3 do mesmo artigo 268º, na versão de 1982 
 
 (a que ele corresponde), verifica-se que, nele, se eliminou o inciso 
 
 'definitivos e executórios' que constava da redacção de 1982. Ou seja: a 
 
 'definitividade' e a 'executoriedade' do acto administrativo deixaram de ser 
 pressupostos da sua impugnação contenciosa.
 
 […]
 Do que vem de dizer-se decorre que, quer a eliminação do inciso 'definitivos e 
 executórios', que constava do nº 3 do artigo 268º da Constituição, na versão de 
 
 1982, tenha significado apenas uma purificação do conceito de acto 
 administrativo susceptível de ser contenciosamente impugnado ('uma [sua] 
 formulação mais correcta e consequente'), quer tenha um alcance diverso, uma 
 coisa é certa. E é esta: o que a garantia constitucional da accionabilidade dos 
 actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a 
 possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo 
 e qualquer acto de autoridade que produza ofensa de situações juridicamente 
 reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos). Mas, do domínio do 
 contencioso de anulação, há-de, no entanto, 'excluir-se todo e qualquer acto que 
 não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas 
 actos de primeira grandeza' (Rogério E. Soares, loc. cit., página 32).
 
 […]
 O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos 
 administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da 
 Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão 
 efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito 
 de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de 
 impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz 
 efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial.
 
 [...] Pois bem: in casu, o que, justamente, acontece é que o acto de que se 
 interpôs recurso contencioso de anulação (recordando: o despacho do 
 Director-Geral das Contribuições e Impostos que 'não agiu ao abrigo de delegação 
 de poderes, nem sobre a matéria possui competência exclusiva', no qual se 
 indeferiu um pedido do recorrente de promoção a técnico tributário de 1ª classe) 
 não representa a última palavra da Administração sobre a pretensão formulada. 
 Trata-se, na verdade – diz o acórdão recorrido, sem que essa afirmação seja 
 passível de censura por este Tribunal – de um acto praticado por um órgão 
 subalterno da Administração, passível de recurso hierárquico necessário. A 
 decisão final (definitiva) da Administração cabia, pois, ao órgão colocado no 
 topo da respectiva hierarquia administrativa.
 Tratando-se de uma decisão de não promoção de um funcionário, sujeita a recurso 
 hierárquico necessário, não causou ela lesão efectiva do direito que o 
 funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele poderá vir a ser 
 reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a última e definitiva palavra 
 sobre a matéria.
 A lesão do direito invocada, a existir, é, por isso, meramente potencial.
 Mas, sendo assim, mesmo não se podendo recorrer contenciosamente do mencionado 
 despacho (tal como se decidiu no acórdão recorrido), não se viola a garantia 
 constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais, já que 
 ainda é possível tentar obter uma tutela eficaz do direito do administrado ao 
 nível da Administração. […]”
 
  
 No segundo dos referidos Acórdãos (n.º 425/99), o Tribunal pronunciou-se sobre a 
 conformidade da norma do artigo 25.º n.º 1 da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos com o artigo 268º n.º 4 da Constituição, após a 4.ª revisão 
 constitucional (Lei nº 1/97). Pode ler-se neste acórdão:
 
  
 
  “ […]
 
 4. A questão posta no presente recurso não é nova e, concretamente quanto a um 
 acto administrativo proferido por um órgão subalterno da Administração, numa via 
 hierárquica necessária, o Tribunal Constitucional entendeu que a mesma norma do 
 artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, a LPTA, não é 
 inconstitucional.
 Fê-lo no Acórdão n.º 603/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 32º, pág. 411 e segs..
 
 É a posição exposta neste aresto que há que reiterar no presente recurso de 
 constitucionalidade.
 Tal posição não é, na verdade, infirmada pelas alterações introduzidas no texto 
 do artigo 268º, n.º 4, da Constituição, com a revisão constitucional de 1997.
 
 5. Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268º, n.º 4, passou a 
 referir-se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, 
 nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os 
 administrados, independentemente da sua forma.
 Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de natureza 
 análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, designadamente, a 
 
 “inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção 
 adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares”, bem 
 como um dever de configuração adequada dos instrumentos de tutela judicial já 
 existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da 
 constituição, Coimbra, 1998, pág. 457).
 Todavia, não se vê que da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, 
 dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de 
 impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer a 
 impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso 
 a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por órgãos 
 subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma 
 obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, 
 independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores.
 Do artigo 268º, n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, como se diz no 
 Acórdão recorrido, “a ideia de que todo o acto que não aquiesça às pretensões de 
 um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais.”
 Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como acto 
 precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste também 
 carácter lesivo como última palavra da Administração sobre a matéria, que não 
 possa ser corrigido pela própria Administração. A reacção contra a potencial 
 lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem pois, que poder 
 efectivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal reacção 
 ser condicionada à reapreciação pela própria Administração.
 Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta 
 a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses 
 dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia 
 para actos de órgãos subalternos, ficando em qualquer caso assegurado o 
 posterior recurso contencioso.
 Já, aliás, com a 2ª revisão constitucional se pretendeu, na definição dos actos 
 administrativos, um afastamento dos conceitos de definitividade e de 
 executoriedade, anteriormente utilizados, prevendo-se a garantia de recurso 
 contencioso contra quaisquer actos, agora formulada como garantia de “tutela 
 jurisdicional efectiva”. Todavia, como se salienta na doutrina, 
 
 “a garantia constitucional não obsta a que a lei imponha, entre outras condições 
 de procedibilidade, a necessidade de impugnação administrativa prévia de certos 
 actos administrativos praticados por órgãos subalternos (actos não definitivos), 
 nem a que exija uma necessidade concreta de protecção judicial do particular, 
 por vezes inexistente em casos de actos já constituídos mas ainda não eficazes – 
 será esse (...) o sentido e o alcance actual do artigo 25º da LPTA, ao exigir 
 que os actos sejam ‘definitivos e executórios’ ”.
 
 [J.C. Vieira de Andrade, A justiça administrativa (Lições), Coimbra, 1999, pág. 
 
 96]
 A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem 
 inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica 
 necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do 
 interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo 
 
 órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso 
 jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de 
 recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em 
 todos os casos concretos (veja-se a ob. cit., págs. 181 e segs.).
 
 6. No caso concreto, sendo o acto recorrido uma decisão susceptível de recurso 
 hierárquico (cujo necessário esgotamento está justamente em causa), como se 
 salientou no citado Acórdão n.º 603/95 “não causou ela lesão efectiva do direito 
 que o funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele poderá vir a 
 ser reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a última e definitiva 
 palavra sobre a matéria. A lesão do direito invocada, a existir, é, por isso, 
 meramente potencial.” (isto, sendo certo que, a subsistir tal lesão, não ficará 
 inviabilizada a protecção jurisdicional contra ela).
 Remetendo para os fundamentos invocados neste Acórdão n.º 603/95, ter-se-á, 
 pois, de negar provimento ao presente recurso, não se reconhecendo violação do 
 n.º 4 do artigo 268º, na redacção posterior a 1997, pelo preceito questionado do 
 artigo 25º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. […]”
 
  
 
 8. Sobre a norma do n.º 6 do artigo 155º do Código de Processo Tributário 
 
 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril), no sentido de considerar 
 que são irrecorríveis contenciosamente os actos de primeira avaliação de prédios 
 urbanos, enquanto não estiverem esgotados os procedimentos graciosos 
 necessários, o tribunal pronunciou-se nos Acórdãos n.ºs 159/96 e 468/99 
 
 (disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt).
 No primeiro destes Acórdãos o Tribunal, subscrevendo a solução adoptada nos 
 Acórdãos n.º 9/95 e n.º 603/95, afirmou o seguinte:
 
  
 
  “ […] o acto recorrido, que determinou, em primeira avaliação, o valor 
 patrimonial dos prédios - lotes de terreno - da recorrente, não representa a 
 
 última palavra da Administração, e, como se pode ler do acórdão recorrido, 
 enquanto a Administração não proferir a sua 'última palavra' sobre o assunto, o 
 acto administrativo não pode 'lesar direitos ou interesses' e, nessa medida, não 
 
 é passível de recurso contencioso.
 Com efeito, o valor resultante daquela primeira avaliação pode vir a ser 
 revisto, alterado, reformulado, enfim, não é um acto definitivo, de 'primeira 
 grandeza', susceptível de causar lesões a 'direitos ou interesses' legalmente 
 protegidos do interessado, pois que este tem perante si, desde logo, o recurso a 
 meios graciosos, ou seja, no caso, à segunda avaliação, para fixar, aí sim, por 
 forma 'definitiva', aquele valor, e então definir a situação substantiva, 
 produzindo efeitos externos; aquela primeira 'lesão' que se pretende ver como 
 decorrente da primeira avaliação, e a existir, será meramente potencial, apenas 
 se tornando efectiva aquando da segunda avaliação, ou seja, após esgotados os 
 meios graciosos ao dispor do interessado.
 Assim, esta irrecorribilidade não viola a garantia constitucional de 
 accionabilidade, já que ainda é possível obter uma tutela do direito ao nível da 
 Administração, pois que, não estando esgotados os meios graciosos, não deixa o 
 administrado de poder obter a reformulação de tal decisão, que, assim, ainda lhe 
 não causou uma verdadeira lesão efectiva. Aquela garantia constitucional, não 
 impede, pois, que a lei imponha como requisito ou condicionamento ao exercício 
 de tal direito de recurso contencioso a obrigação de impugnação graciosa prévia, 
 ou seja, o recurso hierárquico necessário. […]”
 
  
 
 9. Sobre o artigo 108º-A do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 
 nº 499/72 de 9 de Dezembro (norma aditada pelo Decreto-Lei nº 214/83, de 25 de 
 Maio), pronunciou-se o Tribunal nos Acórdãos n.ºs 499/96, 1143/96 e 1054/96 
 
 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Pode ler-se no primeiro destes Acórdãos (também publicado, com anotação, nos 
 Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro de 1996):
 
  
 
 “ […]
 
 13. A decisão da presente questão de constitucionalidade depende, pois, do 
 sentido que se atribuir à norma do artigo 268º, nº 4, da Constituição. Na sua 
 redacção actual, tal disposição parece alargar a garantia de recurso contencioso 
 originariamente consagrada pelo legislador constituinte, uma vez que prescinde 
 da expressa exigência de que este tenha por objecto um acto administrativo 
 definitivo e executório – exigência que, na verdade, constava do texto primitivo 
 e da versão dada pela Lei Constitucional nº 1/82 (ao artigo 268º, nº 3):
 
 'É garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, 
 contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, 
 independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido.'
 Perante a evolução do texto constitucional, a doutrina administrativa divide-se: 
 alguns autores entendem que não terá sido suprimida a exigência de que o recurso 
 contencioso seja precedido de recurso hierárquico necessário, tendo em vista a 
 formação de um acto administrativo verticalmente definitivo [cf. Ehrhardt 
 Soares, 'O acto administrativo', Scientia Juridica, XXXIX (1990), p. 34; Freitas 
 do Amaral, 'O projecto de Código de Contencioso Administrativo', Scientia 
 Juridica, XLI (1992), p. 17]; outros sustentam que terá sido 
 
 'inconstitucionalizada' qualquer exigência de recurso hierárquico necessário, 
 concluindo que cabe sempre recurso contencioso de acto administrativo com 
 eficácia externa, se bem que não verticalmente definitivo [cf. Paulo Otero, 'As 
 garantias impugnatórias dos particulares no Código do Procedimento 
 Administrativo', Scientia Juridica, XLI (1992), p. 58 e ss.; Maria Teresa de 
 Melo Ribeiro, 'A eliminação do acto definitivo e executório na revisão 
 constitucional de 1989', Direito e Justiça, VII (1993), p. 221 e ss.].
 
 […]
 Mas não é exigível tomar posição nessa discussão para apreender, na sua essência 
 mínima, a ratio da evolução do direito de acesso aos tribunais administrativos, 
 relevante para efeitos de juízo de constitucionalidade.
 A substituição da referência a 'actos administrativos que lesem direitos ou 
 interesses legalmente protegidos' não pode ser tida como irrelevante. De modo 
 manifesto, a intenção normativa do legislador constitucional, objectivamente 
 considerada, aponta para o aprofundamento das garantias dos administrados. Na 
 perspectiva do legislador constitucional, a alteração ao nº 4 do artigo 268º 
 significou o propósito de desvincular a garantia de recurso do conceito 
 tradicional de acto definitivo e executório, pondo a sua tónica nos actos que 
 são susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Esses 
 actos serão, desde logo, susceptíveis de impugnação contenciosa, ao abrigo do 
 disposto na citada norma constitucional.
 Objectivamente considerada, a evolução normativa revela a troca de um 
 entendimento formal e conceptualista do direito de acesso aos tribunais 
 administrativos por uma visão material, assente numa ideia de justiça orientada 
 teleologicamente (afectada à tutela de direitos ou interesses).
 Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência 
 de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta 
 a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, 
 recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais 
 administrativos, tal como é conformado pelo artigo 268º, nº 4, da Constituição. 
 Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar 
 o início do prazo para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir 
 nem acarretar a sua inutilidade.
 Estará em causa, simplesmente, uma ordenação do processo jurisdicional, similar 
 
 à que resulta do próprio estabelecimento de prazos para a interposição de 
 recurso contencioso (artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos), que só não valem relativamente a actos administrativos nulos – 
 
 (assim artigo 134º, nºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo; sobre 
 essa questão, cf. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, p. 334, 
 e Jorge Miranda, 'O regime dos direitos, liberdades e garantias', Estudos sobre 
 a Constituição, III, 1979, p.77).
 
 [...] No caso vertente, a exigência de prévia interposição de recurso 
 hierárquico (necessário) contida no artigo 108º‑A do Decreto-Lei nº 498/72, 
 aditado pelo Decreto‑Lei nº 214/83, não obsta à posterior interposição de 
 recurso contencioso nem afecta a sua utilidade. Tal exigência não contraria, por 
 conseguinte, a norma do nº 4 do artigo 268º da Constituição.  […]”
 
  
 
  
 
 10. O Tribunal reiterou, ainda, o juízo de não inconstitucionalidade de normas 
 que exigem a prévia utilização de meios de impugnação administrativa como 
 condição de conhecimento da impugnação contenciosa de actos administrativos, 
 aderindo à jurisprudência em que se insere o Acórdão n.º 425/99, nos Acórdãos 
 n.ºs 124/2000 (n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro - Lei da 
 Finanças Locais), 99/2001 (artigo 56.º da Lei de Processo dos Tribunais 
 Administrativos), 185/2001 (normas contidas nos artigos 140º e 141º do Estatuto 
 do Militar da GNR) e 564/2008 (norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto 
 Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e 
 Local, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro).
 
  
 
 11.    Também na doutrina se tem discutido, após a revisão constitucional de 
 
 1989, a questão da inconstitucionalidade de normas que fazem depender a 
 impugnação contenciosa de certos actos administrativos da prévia utilização de 
 meios de impugnação administrativa.
 O interesse da doutrina acentuou-se com a consagração, no novo regime de 
 processo nos tribunais administrativos (n.º 1 do artigo 51.º do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de 
 Fevereiro), da regra da impugnabilidade dos actos administrativos com eficácia 
 externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos 
 ou interesses legalmente protegidos.
 Mário Aroso de Almeida defende que, não obstante a consagração desta regra, não 
 
 é inconstitucional a imposição de impugnações administrativas necessárias, 
 porquanto “não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa 
 depender a impugnação dos actos administrativos, em termos de se poder afirmar 
 que eles só são legítimos se forem objecto de expressa previsão constitucional”. 
 Sublinha, contudo, que “questão diferente já se colocará se o legislador 
 ordinário impuser requisitos de tal modo excessivos e desproporcionados que se 
 concretizem na imposição de um condicionamento ilegítimo ao direito fundamental 
 de acesso à justiça administrativa” (O novo Regime do Processo nos Tribunais 
 Administrativos, 2005, Coimbra, págs. 147 e 148). No Comentário ao Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos (2007, Coimbra, págs. 312 e 315) defende, 
 com Carlos F. Cadilha, que “o recurso hierárquico necessário, constituindo um 
 condicionamento ao direito de impugnação contenciosa – que é um direito análogo 
 aos direitos, liberdades e garantias fundamentais –, tem de ser instituído por 
 lei e deve respeitar exigências de proporcionalidade e adequação, ressalvando-se 
 do juízo de constitucionalidade os casos em que a imposição legal venha, na 
 prática, a suprimir ou restringir de modo intolerável o exercício daquele 
 direito.”
 Também José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa (Lições), 
 Coimbra, 2006, págs. 314 e 315) defende que “a exigência legal deste pressuposto 
 
 [a pronúncia administrativa prévia] em casos determinados não contraria o n.º 4 
 do artigo 268.º da Constituição, tratando-se, (…), de um condicionamento 
 legítimo do direito de acção contra actos lesivos de direitos ou de interesses 
 legalmente protegidos (…)”. Só “(…) haverá inconstitucionalidade se o percurso 
 imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou restringir 
 intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal, ou, por qualquer forma, 
 prejudicar de forma desproporcionada (ou arbitrária) a protecção judicial 
 efectiva dos cidadãos.” Mas admite que “isso, em regra ou por sistema, não 
 acontece, dado que os meios de impugnação administrativa, quando a lei os 
 considere “necessários”, suspendem a eficácia do acto (não havendo necessidade 
 nem ónus de pedir a respectiva suspensão), são informais (e, portanto, de fácil, 
 barata e rápida interposição) e proporcionam diversas vantagens práticas (…)”
 De igual modo, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (Código 
 de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Volume I, Coimbra 2004, pág. 
 
 347 e 348) partem “do princípio de que não há qualquer inconstitucionalidade na 
 imposição legal de impugnações administrativas necessárias, salvo aí onde, 
 atendendo ao regime estabelecido para o efeito, se possa afirmar existir uma 
 lesão injustificada ou desproporcionada do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva (juízo que, no contexto actual, não deve ser muito rigoroso ou 
 exigente).” Defendem ser “de aceitar a impugnação contenciosa imediata (à 
 revelia portanto da impugnação administrativa legalmente prevista) não só quando 
 haja inobservância do dever estabelecido na alínea c) do art. 68.º/1 do CPA, mas 
 também, sobretudo, quando – por força da lei ou de determinação administrativa 
 ad hoc – não seja reconhecido efeito suspensivo (do acto impugnado) à impugnação 
 administrativa (v. art. 171.º/1 do CPA).”
 No Comentário ao Código do Procedimento Administrativo (Coimbra 1996, pág. 774) 
 Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim já 
 tinham afirmado não seguirem “a tese da desconformidade ou incompatibilidade da 
 exigência de recurso hierárquico necessário face ao art. 268.º, n.º 4 da 
 Constituição, naqueles casos em que a lei confira efeito suspensivo à sua 
 interposição” salientando que “[a] norma que previsse que um acto lesivo deveria 
 ser previamente impugnado na via administrativa, mas sem efeito suspensivo, 
 essa, sim, seria inconstitucional, como se devem considerar as excepções 
 previstas na parte final no n.º 1 do art. 170.º – salvo se se admitir, então, 
 dever o tribunal, nessas circunstâncias, receber o recurso contencioso imediato 
 que se interponha dos actos recorridos hierarquicamente cuja eficácia tenha sido 
 mantida e conhecer o (eventual) pedido de suspensão judicial da sua eficácia, 
 que se deduza perante ele.”
 Deve ainda notar-se que, em sentido contrário, Vasco Pereira da Silva sustenta 
 que se “já era difícil considerar que a exigência do recurso hierárquico 
 necessário não era inconstitucional, antes da Reforma” trata-se “agora de uma 
 
 “missão impossível” justificar, nomeadamente, que, depois da concretização 
 legislativa do direito fundamental de acesso à justiça administrativa, mediante 
 a consagração da regra da desnecessidade de impugnação administrativa prévia ao 
 acesso ao juiz, pudessem existir excepções a um tal regime, levando à criação de 
 uma espécie de contencioso “privativo” de certas categorias de actos 
 administrativos, em derrogação do regime geral, conforme à Constituição.” (Da 
 impugnabilidade dos actos administrativos na acção administrativa especial. A 
 metamorfose do relacionamento entre as garantias contenciosas e administrativas 
 no novo processo administrativo, Novas e Velhas Andanças do Contencioso 
 Administrativo – AAFDL – 2005, págs. 11 a 28). Mas o certo é que este autor já 
 defendia, mesmo antes da reforma do contencioso administrativo, a 
 inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário, por entender 
 que ela configurava a violação dos princípios constitucionais da plenitude da 
 tutela dos direitos dos particulares, da separação entre a Administração e a 
 Justiça, da desconcentração administrativa, e da efectividade da tutela 
 jurisdicional.
 
  
 
 12.    É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus 
 direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo a impugnação de 
 quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma 
 
 (n.º 4 do artigo 268.º da Constituição). Como vem sendo afirmado pelo Tribunal, 
 a garantia visa assegurar “que haja sempre a possibilidade de sindicar 
 judicialmente [...] todo e qualquer acto de autoridade” que vise produzir 
 efeitos numa situação individual e concreta “(isto é, que tenha efeitos 
 externos)” e que seja susceptível de lesar os direitos ou interesses legalmente 
 protegidos dos administrados. A consagração desta garantia não impede que o 
 legislador estabeleça condicionamentos ao gozo do direito de impugnação dos 
 actos administrativos lesivos, desde que o estabelecimento de pressupostos 
 
 (processuais) para o exercício desse direito tenham uma justificação objectiva e 
 que deles não resulte a inviabilização ou a restrição da tutela jurisdicional 
 efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. 
 Deste modo, o legislador pode determinar – numa tentativa de resolução 
 extra-judicial do litígio através da revogação ou da modificação do acto, com 
 vista à racionalização do acesso aos tribunais –, que a impugnação judicial de 
 determinado o acto administrativo lesivo seja necessariamente precedida da 
 utilização de um meio de impugnação administrativa, desde que o meio e o regime 
 estabelecido não suprimam nem restrinjam de modo intolerável o exercício do 
 direito de impugnação. 
 Conforme sustentam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa 
 Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pág. 614), “Mais não se trata do que a 
 concretização, neste domínio específico, do entendimento geral – também aplicado 
 
 à definição das regras atinentes à legitimidade processual activa ou à 
 subordinação do acesso ao tribunal à observância de prazos – de que, por um 
 lado, o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação dos 
 pressupostos de que depende o acesso à justiça e, por outro lado, de que a 
 imposição de condicionamentos neste domínio não pode ser arbitrária, mas deve 
 ter um fundamento racional ao qual deve ser funcionalmente adequada, e não pode 
 ser excessiva, devendo conformar-se com o princípio da proporcionalidade (ver 
 anotação ao artigo 20.º). A imposição de condicionamentos ao acesso ao tribunal 
 
 é, portanto, legítima desde que as soluções consagradas não sejam arbitrárias, 
 irrazoáveis ou infundadas e não envolvam uma compressão excessiva do direito em 
 causa (a propósito do prazo de impugnação, cfr., v.g. Acórdãos TC n.ºs 140/94 e 
 
 92/01).” 
 
  
 
 13. Em apreço, no presente recurso, está a norma ínsita no n.º 5 do artigo 86.º 
 conjugado com o artigo 91.º ambos da Lei Geral Tributária (aprovada pelo 
 Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), que determina que em caso de erro na 
 quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria 
 tributável a impugnação judicial da liquidação depende da prévia reclamação, a 
 qual segue os termos do procedimento de revisão da matéria colectável.
 O legislador acolheu, na Lei Geral Tributária, a solução que preconiza a 
 impugnabilidade dos actos administrativos lesivos, assim garantindo o acesso à 
 justiça tributária, para tutela plena e efectiva dos direitos ou interesses 
 legalmente protegidos, dos actos, praticados em matéria tributária, que lesem 
 direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 9.º, n.ºs 1 e 2). 
 Concretizando o direito de impugnação ou de recurso, o legislador estabeleceu, 
 no n.º 1 do artigo 95.º da mesma Lei, que o interessado tem o direito de 
 impugnar ou de recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses 
 legalmente protegidos, seguindo as formas de processo prescritas na lei; e 
 esclareceu que pode ser lesivo, para este efeito, o acto de liquidação de 
 tributos (alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo).
 Não restam dúvidas, pois, de que a liquidação do tributo é um acto susceptível 
 de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, pelo que os interessados 
 têm o direito de o impugnar. A norma sub iudicio estabelece, no entanto, que, em 
 caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da 
 matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação depende da prévia 
 reclamação. Como vimos, a garantia constitucional proíbe que o legislador 
 ordinário vede a impugnabilidade dos actos lesivos, mas não impede o 
 estabelecimento de pressupostos (processuais) para o exercício desse direito de 
 impugnação, desde que o meio e o regime estabelecido não suprimam nem restrinjam 
 de modo intolerável o exercício do direito de impugnação.
 
  
 
 14. Cumpre, assim, analisar se o pressuposto estabelecido pelo legislador – a 
 prévia reclamação – para a impugnação judicial da liquidação, em caso de erro na 
 quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria 
 tributável, suprime ou restringe, de modo intolerável, o exercício do direito de 
 impugnação.
 A reclamação prévia necessária a que se refere o n.º 5 do artigo 86.º da Lei 
 Geral Tributária segue, de acordo com a interpretação normativa em causa, os 
 termos do procedimento de revisão da matéria colectável previsto no artigo 91.º 
 da Lei Geral Tributária. O n.º 2 deste artigo 91.º dispõe que o pedido de 
 revisão da matéria colectável tem efeito suspensivo da liquidação do tributo. 
 Ora, a atribuição do efeito suspensivo da liquidação ao pedido de revisão da 
 matéria colectável (a reclamação necessária) assegura o respeito pela garantia 
 da impugnabilidade dos actos lesivos. Na verdade, sendo os actos lesivos de 
 direitos ou interesses legalmente protegidos judicialmente impugnáveis, por 
 força da garantia constitucional, o estabelecimento do pressuposto da utilização 
 prévia de um meio de impugnação administrativa só respeitará essa garantia se 
 ficar assegurado que, enquanto não estiver aberta a via contenciosa, o acto de 
 liquidação não está efectivamente a produzir os efeitos (lesivos) que visa 
 produzir. 
 
  
 
 15. Em face do exposto, há que concluir que a norma ínsita no n.º 5 do artigo 
 
 86.º conjugado com o artigo 91.º ambos da Lei Geral Tributária (aprovada pelo 
 Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), ao determinar que em caso de erro na 
 quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria 
 tributável a impugnação judicial da liquidação depende da prévia reclamação, a 
 qual segue os termos do procedimento de revisão da matéria colectável e tem 
 efeito suspensivo da liquidação do tributo, não viola a garantia de tutela 
 jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 administrados, consagrada no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição nem o disposto 
 no artigo 20º da Constituição, o qual “consagra de forma genérica o direito de 
 acesso aos tribunais, que é concretizado pelo artigo 268º, n.º 4, da CRP” (cf. 
 Acórdão 32/98).
 
  
 III – Decisão
 
  
 
 16.    Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao 
 recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a 
 taxa de justiça em 25 UC.
 
  
 Lisboa, 23 de Julho de 2009
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos