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Processo n.º 389/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., Lda., inconformada com o despacho do Tribunal da Póvoa do Varzim que não 
 admitiu o recurso por si interposto da decisão que havia julgado improcedente a 
 impugnação judicial anteriormente interposta na sequência de decisão 
 administrativa da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) que 
 ordenou a suspensão da laboração do estabelecimento denominado Bar …, reclamou 
 para o Tribunal da Relação do Porto, tendo invocado, nomeadamente, o seguinte:
 
 “15. Sem prescindir, deve ainda considerar-se que a interpretação do Regulamento 
 n.º 882/2004 al. e) n.º 2 Art. 54º no sentido de que é possível a aplicação a 
 título preventivo e sem a prévia audição do visado da medida de suspensão e 
 consequente encerramento de estabelecimento comercial,
 
 16. Bem como a interpretação do Art.º 55º e 59º do RGCO no sentido de que da 
 decisão que recair sobre o pedido de declaração de nulidade da aplicação da 
 medida de suspensão de laboração como sanção acessória e a título preventivo, 
 não comporta recurso, são ambas violadoras dos Art.s 31º e 32º da CRP, sendo por 
 tal facto inconstitucionais.”
 A reclamação foi indeferida com os seguintes fundamentos:
 
 “O aspecto que é discutido nesta reclamação prende-se com o disposto no n. ° 3 
 do aludido preceito, onde se diz que a decisão desse recurso é feita em ‘última 
 instancia’, ou seja, o tribunal judicial decide a impugnação das decisões 
 interlocutórias lesivas, sem que dessa decisão seja admissível recurso. Há, 
 assim, como diz o MP, uma norma legal de sentido inequívoco, a consagrar apenas 
 um grau de jurisdição. E daí que se coloque o problema de saber se este regime é 
 ou não violador do ‘direito ao recurso’, consagrado constitucionalmente. 
 Creio que a reclamante não tem razão. 
 O direito ao recurso a que alude o artigo 32°, 1 da Constituição da República 
 está garantido com a possibilidade de recurso para o Tribunal. 
 O acto em causa é um acto materialmente administrativo, que só é objecto de 
 impugnação para os tribunais judiciais, por estar inserido num procedimento 
 contra-ordenacional. Assim, é de aceitar como razoável e equitativo (art. 20° da 
 CRP) um processo onde legislador, não obstante a alteração da competência do 
 tribunal do recurso, define um regime de recorribilidade idêntica à dos demais 
 actos administrativos. É que ocorre nestes casos, onde o critério da 
 recorribilidade assente na lesividade dos actos procedimentais é o do art. 268°, 
 
 4 da CRP. 
 Por outro lado, a existência de um único grau de jurisdição no controle da 
 legalidade dos actos administrativos com potencial lesivo, idêntico ao que agora 
 nos ocupa (nos casos em que a lei o previa), foi sempre considerado compatível 
 com o texto constitucional. Foi o que ocorreu durante a vigência do art. 103°, 
 d) da LPTA, como se pode ver da decisão sumária proferida no acórdão do Tribunal 
 Constitucional n. ° 170/98, de 10-02-98: 
 
 ‘A dita alínea d) do artigo 103° já foi apreciada por este Tribunal, por 
 diversas vezes, sub specie constitutionis. Tal se fez nos acórdãos n°s 202/90, 
 
 447/93 e 249/94 (publicados no Diário da República, II série, de 20 de Janeiro 
 de 1991, de 23 de Abril de 1994 e de 27 de Agosto de 1994), da 1° Secção, e no 
 acórdão n° 99/95 (por publicar), da 2° Secção. Em tais arestos, sempre se 
 concluiu que a norma em causa não é inconstitucional, pois que ela não viola, 
 designadamente, o direito de acesso aos tribunais (recte, o direito ao recurso 
 ou ao duplo grau de jurisdição), nem o princípio da igualdade, nem tão-pouco a 
 reserva parlamentar atinente aos direitos, liberdades e garantias ou à 
 competência dos tribunais’. 
 Creio assim que a garantia do direito ao recurso, consagrada constitucionalmente 
 no art. 268°, n. ° 4 da Constituição, não é posta em causa com a existência de 
 um único grau de jurisdição, no que diz respeito a decisões intermédias, isto é, 
 proferidas antes da decisão final. A garantia do ‘direito ao recurso’, prevista 
 no artigo 32° da CRP, só consagra um ‘duplo grau de jurisdição’ quando a 
 primeira decisão já seja uma decisão judicial. Nos casos em que a primeira 
 decisão é proferida por uma autoridade administrativa, o direito ao recurso é 
 garantido através da possibilidade de impugnação judicial da decisão 
 administrativa. 
 Deste modo, deve manter-se o despacho reclamado (uma vez que a decisão do 
 tribunal era, no caso, irrecorrível) e, consequentemente, indeferir-se a 
 reclamação.” 
 
 2. Notificada desta decisão, interpôs então a Recorrente recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, dizendo, no que ora importa:
 
 “2. O recurso tem por base as seguintes questões: 
 
 — A interpretação do Art. ° 55° e 59° do RGCO ( Dec.-Lei n.° 433/82) no sentido 
 de que, não é passível de recurso a decisão proferida em primeira instância do 
 recurso judicial deduzido da aplicação de sanção acessória de estabelecimento 
 comercial a título preventivo, por aplicação plena do n. ° 3 do Art.° 55.º; 
 
 — A interpretação do Art.° 54° n.° 2, al. e) do Regulamento CE 884, no sentido 
 em que tal confere poderes à ASAE para proceder ao encerramento preventivo de um 
 estabelecimento de restauração e bebidas, como medida cautelar e sem dependência 
 de prazo, e sem previsão expressa no RGCO; 
 Com vista à declaração de inconstitucionalidade de tais interpretações, por 
 violação do disposto nos Arts.° 31° e 32° da CRP; 
 
 3. Para os devidos efeitos, esclarece que as questões em causa, foram 
 suscitadas: 
 
 — No pedido de impugnação da medida, dirigido ao tribunal de primeira instância; 
 
 
 
 — Nas Alegações de Recurso que não foi admitido; 
 
 — Na reclamação para o Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto; 
 
 4. Que as questões colocadas, foram desatendidas;”
 
 3. Notificada para alegar, a Recorrente concluiu da seguinte maneira:
 
 “A – Pelas razões acima enunciadas, e que aqui se repetem, a interpretação do 
 disposto nos Arts. 55° e 59° do RGCO ( Dec.-Lei n.° 433/82), no sentido de que 
 não cabe recurso para o tribunal superior da decisão que recair sobre a arguição 
 de nulidade da aplicação, como medida provisória, da medida de encerramento de 
 estabelecimento comercial, por aplicação tout court do disposto no n.° 3 do 
 Art.° 55.º do RGCO, desatendendo assim à natureza da concreta medida aplicada, 
 viola do disposto no Artigo 32° n.° 1 da CRP; 
 B – Ainda e pelas razões indicadas supra e que ora se renovam, a interpretação 
 do Art.° 54.º n.º 2 al. e) do Regulamento CE 884, no sentido em que este permite 
 a aplicação de medida de encerramento de estabelecimento comercial como medida 
 provisória de procedimento de contra ordenação, sem prévia audição e sem que 
 seja proferida a decisão final, viola o disposto no Art.° 29.º n.° 3 e 32° n.° 1 
 da CRP;” 
 O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, nas suas 
 contra-alegações, após suscitação de questão prévia relativa à segunda das 
 questões de constitucionalidade arguidas, concluiu o seguinte:
 
 “1. Não são inconstitucionais as normas dos artigos 55° e 59.º do RGCO quando 
 interpretadas no sentido de não ser passível de recurso para o Tribunal da 
 Relação a decisão proferida em 1.ª instância que conhece de decisão 
 administrativa que impõe, em sede cautelar, a suspensão de actividade de 
 estabelecimento comercial, por não existir, no regime contra-ordenacional, um 
 direito a duplo grau de jurisdição; 
 
 2. Não é inconstitucional a norma do artigo 54.º do Regulamento CE n° 882/2004, 
 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004 quando interpretada 
 no sentido de permitir (à ASAE) a aplicação, em sede cautelar, de medida de 
 encerramento de um estabelecimento de restauração e bebidas, sem previsão 
 expressa no RGCO, por tais poderes resultarem (também) de lei nacional e não 
 violarem direitos fundamentais, como o direito de audição e direitos de defesa 
 em geral.” 
 
 4. Notificada da questão prévia invocada, veio então a Recorrente dizer o 
 seguinte:
 
 “A questão que o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto suscita, como sendo 
 questão prévia, e na verdade, apenas e só uma questão aparente, não havendo 
 diversidade, se se atentar no que foi alegado pela parte. 
 Com efeito, na alegação sucinta para efeito de introdução do recurso, o que se 
 referiu foi a questão atinente à aplicação da medida cautelar,” sem precedência 
 de prazo, e sem previsão expressa no RGCO, pretendendo a Recorrente englobar na 
 falta de previsão expressa no RGCO todas as questões atinentes ao ‘due process 
 of law’ que se pré ordena, na ordem jurídica nacional, na aplicação das medidas 
 de natureza contra ordenacional. 
 Trata-se de uma mesma realidade, porquanto, na previsão legal do RGCO, a 
 aplicação de medidas de suspensão de funcionamento, apenas podem ter lugar de 
 acordo com as regras processuais impostas, após a audição do visado, e apenas 
 com a aplicação da sanção final. Ora, se é este o processo previsto para a 
 aplicação da medida de suspensão de funcionamento, dizer-se que não pode ser 
 aplicada a medida sem cumprir com a previsão do RGCO, ou dizer-se que não pode 
 ser aplicada a medida sem que sejam asseguradas as garantias processuais de 
 defesa previstas no RGCO (que é precisamente o que está em causa) é uma e a 
 mesma coisa. 
 Da mesma forma que a questão de fundo não é a de que se defende a ofensa da 
 constituição por se não prever um duplo grau de recurso. Porque essa resposta, 
 ou melhor, essa questão já está resolvida no RGCO. 
 A empresa a quem for aplicada, após o cumprimento do processo devido e previsto 
 no RGCO a medida de suspensão da actividade, tem direito a um duplo grau de 
 recurso — Art. 73.º n.° 1 al. b) e d) do RGCO. 
 O consentir-se que a medida possa ser aplicada a título preventivo (e como tal, 
 fora da previsão do RGCO) é que determinaria, para um mesmo acto material de 
 encerramento, a não admissão do duplo grau de recurso. 
 E também não está em crise uma qualquer hierarquia de normas ou desrespeito 
 pelos tratados internacionais, os quais, não podem ser integrados na lei 
 nacional com o mais completo atropelo das garantias de defesa dos administrados, 
 nem as competências funcionais da ASAE ou de uma qualquer outra entidade, podem 
 ser exercidas sem que o seu exercido seja devidamente compaginado com as 
 garantias dos administrados. 
 O sistema jurídico tem que ser apercebido no seu todo, e não apenas nas suas 
 partes. 
 A lei nacional que atribui poderes para fazer cessar a ilicitude e preservar as 
 provas necessárias, tem que ser compaginada com as garantias dos administrados, 
 nomeadamente, as que se referem à legalidade da recolha de provas e da aplicação 
 de medidas cautelares. Se assim não fosse, permitir-se-ia que a tortura fosse 
 uma forma de assegurar a obtenção de provas…
 Diga-se ainda, que não se pode perder de vista que a questão se circunscreve ao 
 RGCO. 
 Porque é pacífico que, no uso das competências administrativas, a ASAE pode 
 aplicar uma medida administrativa de natureza cautelar. Contudo, em tal caso, a 
 medida em causa fica sujeita à disciplina administrativa e não à disciplina 
 contra ordenacional. E aí também, sujeita fica às garantias previstas, no 
 contencioso administrativo, aos particulares. 
 O que não pode, é exercer poderes de natureza contra ordenacional e não se 
 vincular às regras de processo que constituem a garantia dos administrados. 
 E, salvo o devido respeito, confundem-se as atribuições administrativas, com as 
 atribuições contra ordenacionais e cria-se uma perigosa zona sem lei para os 
 administrados. 
 
 É hoje pacífico, em sede de contencioso administrativo, que a ordem de demolição 
 de obra ilegal, ou as medidas preventivas, se regem pelas regras do contencioso 
 administrativo, não obstante integrem a previsão de norma contra ordenacional. 
 Mas no que tange ao exercício de competências pela ASAE, confundem-se as águas. 
 E nega-se que em concreto se trate do exercício de competências administrativas. 
 
 
 EM CONCLUSÃO 
 Que em concreto, ocorre uma compressão manifesta das garantias de defesa dos 
 administrados, ocorre. 
 Apurar se tal compressão de direitos gera a aplicação não conforme com a 
 constituição, é mister a resolver em sede de julgamento. 
 Que os administrados fundam as suas aspirações nos direitos fundamentais 
 conferidos pela Constituição, é uma realidade.” 
 A Recorrente, por despacho do Relator de fls. 159, foi notificada para: “(…) 
 dizer o que se lhe oferecer, face à eventualidade do Tribunal não vir a conhecer 
 do recurso, no que concerne ao artigo 54.º, n.º 2, alínea e), do Regulamento CE 
 
 882/2004, por tal norma não ter sido aplicada pela decisão recorrida.”
 Por requerimento de fls. 161 e seguintes, veio sustentar que:
 
 “Salvo o devido respeito, o entendimento sugerido é manifestamente restritivo, 
 considerando até a limitação legal da intervenção do Tribunal Constitucional, 
 i.e., de que o recurso apenas é admissível quando esgotados os recursos 
 ordinários sendo equiparado a recurso ordinário a reclamação de não admissão de 
 recurso. 
 ASSIM. 
 
 2. Em crise está, como sempre esteve, a decisão proferida em primeira instância 
 sobre as questões cuja constitucionalidade continua a ser suscitada nos 
 presentes autos. 
 
 3, Dessa decisão proferida em primeira instância, duas situações se podiam 
 prefigurar: 
 
 — Ou o recurso imediato para o Tribunal Constitucional se a questão em causa não 
 comportasse recurso ordinário: 
 
 — Ou a prévia interposição de recurso ordinário; 
 Sendo certo que, na primeira das hipóteses, poderia prefigurar e bem o Tribunal 
 Constitucional, que não se tinha esgotado o recurso ordinário. 
 
 4. Ao ser recusada a admissão de recurso, e porque a reclamação contra a não 
 admissão de recurso é tida como sendo ainda recurso ordinário, a Recorrente 
 estava obrigada a intentar a correspondente reclamação, e em relação a esta, 
 estava ainda obrigada a invocar os vícios internos do próprio despacho de não 
 admissão de recurso. 
 
 5. A decisão que recaiu sobre a reclamação deduzida limitou-se apenas a apreciar 
 a questão da admissibilidade processual do recurso e a sua conformidade com a 
 constitucionalidade, em especial, e assim o entende a Recorrente, com omissão de 
 pronuncia sobre as demais questões, que se consideraram como prejudicadas atenta 
 a decisão de confirmar a não admissão de recurso. 
 PORÉM, 
 
 6. A omissão de pronuncia constante da decisão que incidiu sobre a reclamação 
 apresentada, não pode reverter em prejuízo da Recorrente, i.e., pelo facto de o 
 tribunal não ter apreciado a questão que tinha sido suscitada, resumindo apenas 
 a decisão a parte das questões, não pode ser um factor de limitação de objecto 
 de recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 7. Aliás, será sempre necessário atender às cautelas e dificuldades processuais 
 inerentes a suscitar a apreciação do Tribunal Constitucional, para se conceder 
 que as limitações de apreciação das demais instâncias, não podem por um lado, 
 agrilhoar o Tribunal Constitucional, e por outro limitar o recurso às questões 
 adjectivas, as quais a final impediriam a apreciação da constitucionalidade, e 
 concomitantemente, a correspondente defesa dos direitos fundamentais 
 constitucionalmente consagrados. 
 ALIÁS, 
 
 8. Num exercício de ‘reverse engeneering’ (sic), prefigure-se como seria 
 possível suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional no caso vertente, sem 
 seguir as vias que foram seguidas no presente processo — admitir-se-ia o recurso 
 directo para o Tribunal Constitucional da decisão proferida em 1.ª instância? E 
 pelo facto de se intentar recurso ordinário, como se fez no caso vertente, 
 preclude-se a possibilidade de suscitar a apreciação do Tribunal Constitucional? 
 E se a inconstitucionalidade resultar da concreta interpretação da lei plasmada 
 na sentença, e que não seria previsível aquando do recurso? 
 
 9. No deve pois, limitar-se sem mais o conhecimento do objecto do recurso agora 
 interposto. 
 MAIS REQUER, 
 l0. Seja relevada a falta no atraso da resposta agora presente, dado que, no 
 caso, tal se ficou a dever ao atraso no tratamento do correio causado pelos 
 feriados do mês de Dezembro, aliados à greve dos correios. 
 
 11. Não sendo relevada a falta, se proceda à liquidação da multa nos termos do 
 n. 5 do Art. 145° do CPC.” 
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 Do objecto do recurso
 
 5. Os recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do 
 Tribunal Constitucional carecem, em ordem à efectiva possibilidade do seu 
 conhecimento, da prévia verificação de alguns requisitos processuais, 
 designadamente a aplicação de uma norma, pela decisão recorrida, enquanto ratio 
 decidendi, cuja inconstitucionalidade haja sido adequadamente suscitada durante 
 o processo pelo recorrente.
 
 5.1. Independentemente de equacionar a questão relativa a poder o Tribunal 
 Constitucional conhecer, em sede de recurso de constitucionalidade, de 
 Regulamentos aprovados pela União Europeia, constata-se que a segunda norma 
 questionada pela Recorrente – referente ao artigo 54.º, n.º 2, alínea e), do 
 Regulamento CE n.º 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Abril 
 de 2004 – não foi aplicada na decisão recorrida.
 Na verdade, essa decisão recorrida consubstancia-se no despacho da Exma. Vice 
 Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2008 (fls. 72 e 
 seguintes), decisão essa que é equiparada ao recurso ordinário, face ao que se 
 dispõe no artigo 70.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.
 Assim, não pode o recurso ser conhecido nesta parte.
 
 5.2. Relativamente à primeira questão – versando os artigos 55.º e 59.º do 
 Regime Geral das Contra-Ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 
 de Outubro) – verifica-se que apenas o artigo 55.º, n.º 3, foi aplicado na 
 decisão recorrida, pelo que o objecto do recurso terá de se circunscrever à 
 apreciação deste preceito na dimensão normativa questionada pela Recorrente.
 Essa dimensão radica na questão de constitucionalidade invocada, e apreciada na 
 decisão recorrida, reportada à inadmissibilidade de recurso das decisões 
 judiciais proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância, nos termos do artigo 55.º, 
 n.º 3 do RGCO.
 Ora, sobre a aludida questão tem havido reiterada e uniforme jurisprudência por 
 banda deste Tribunal (vide, Acórdãos n.ºs 2/2006, 659/2006, 313/2007 e 522/2008 
 
 (publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 13 de 
 Fevereiro, 9 de Janeiro de 2007, 2 de Julho, e, o último, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Exarou-se no segundo aresto citado:
 
 “2.4. Assente que, dada a diferente natureza dos ilícitos em causa e a menor 
 ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes 
 processuais próprios de cada um deles, não é constitucionalmente imposto ao 
 legislador a equiparação das garantias em ambos esses regimes, é evidente que 
 não se pode considerar inconstitucional a não admissibilidade de recurso 
 jurisdicional de decisões proferidas em sede de impugnação judicial de decisões 
 administrativas aplicadoras de coimas quando nem sequer relativamente às 
 correspondentes decisões no âmbito do processo criminal idêntica garantia é 
 exigida.
 
                 Como é sabido, constitui entendimento reiterado deste Tribunal 
 
 (cf., por último, o Acórdão n.º 2/2006 e demais jurisprudência aí citada) que a 
 Constituição não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da 
 existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes 
 espécies. Perspectivando – como cumpre – a problemática do direito ao recurso 
 em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por um 
 lado, e aos outros ramos do direito, por outro, por a consideração 
 constitucional das garantias de defesa implicar um tratamento específico desta 
 matéria no processo penal (a consagração, após a revisão de 1997, no artigo 
 
 32.º, n.º 1, da CRP, do direito ao recurso mostra que o legislador 
 constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional expressa o 
 princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, sem dúvida, 
 por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das 
 garantias de defesa), mesmo aqui e face a este específico fundamento da 
 garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, o Tribunal 
 Constitucional entendeu que não decorre desse fundamento que os sujeitos 
 processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas 
 diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às decisões 
 penais condenatórias e ainda quanto às decisões respeitantes à situação do 
 arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos 
 fundamentais. Fora destas espécies de decisões, consideraram‑se, assim, 
 conformes à Constituição normas processuais penais que deneguem a 
 possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões 
 proferidas na pendência do processo.
 
                 Por maioria de razão, em processo contra‑ordenacional não é 
 constitucionalmente imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas 
 as decisões judiciais proferidas no decurso da impugnação judicial da decisão 
 administrativa sancionatória.
 
                 De acordo com a interpretação acolhida na decisão ora recorrida 
 
 – cuja correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, não cumpre a 
 este Tribunal sindicar –, só são recorríveis para o Tribunal da Relação a 
 sentença ou o despacho que decidam o caso, verificadas as condições referidas 
 nas alíneas a) a e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não sendo 
 recorrível o despacho, posterior à decisão de rejeição da impugnação (decisão 
 esta entendida como constituindo a decisão que põe termo ao processo), que 
 julgou improcedente arguição de nulidade processual.
 
                 Esta interpretação, que assegura a possibilidade de recurso das 
 decisões “centrais” da impugnação judicial (decisões que “põem termo” ao 
 processo, embora sem prejuízo da suscitação de incidentes pós‑decisórios), não 
 se pode considerar, pelas razões expostas, violadora das garantias de defesa do 
 processo criminal, referidas no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, na parte em que 
 sejam extensíveis ao processo contra‑ordenacional.”
 
  Assim, não estando constitucionalmente consagrado um direito ao recurso de 
 todas as decisões proferidas em processo penal, por maioria de razão não pode 
 entender-se que a Constituição imponha tal garantia em processo contra 
 ordenacional.
 III – Decisão
 
 6. Nestes termos, acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não 
 conhecer do recurso no tocante ao Regulamento CE 882/2004, alínea e) e n.º 2 do 
 artigo 54.º, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Abril de 2004 e,  
 ainda, dos artigos 55.º e 59.º do Regulamento Geral das Contra Ordenações;  
 negando provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece.
 
  Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs.
 
 
 Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos