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Processo n.º 860/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do disposto no n.º 1 do 
 artigo 78.º-A da LTC:
 
 “1. A recorrente reclamou, ao abrigo do artigo 405.º do CPP, do despacho que, no 
 Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, lhe não admitiu, por intempestivo um 
 recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, num processo de 
 contra‑ordenação.
 Por despacho de 8 de Outubro de 2008, o Presidente do Tribunal da Relação de 
 
 Évora indeferiu a reclamação com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “(…)
 II.2. A única questão que, hic et nunc, reclama solução é a de saber se o 
 recurso foi extemporaneamente (como defende o M.mo Juiz) ou atempadamente (como 
 sustenta o Reclamante) interposto. 
 A resposta à questão suscitada passa pela resposta a dar a estoutra questão, 
 qual seja a de saber se o entendimento do M.mo Juiz – segundo o qual o prazo de 
 interposição de recurso em processo contra-ordenacional é de dez dias – contende 
 ou não com a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 
 da norma constante do artº 74º, n.º 1 do RGCO, conjugada com o artº 411º do CPP, 
 quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o 
 recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente 
 resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio 
 do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art.º 20º da Constituição”. 
 Tal questão foi objecto da decisão também por mim proferida, em 25 de Fevereiro 
 de 2008, no âmbito da reclamação nº 452/08, cuja exposição seguirei de muito 
 perto, já que nenhuma razão se vislumbra para abandonar o entendimento nela 
 perfilhado. 
 E inquestionável que a interpretação das normas constantes dos citados artºs 
 
 74º, nº 1 e 411º, no sentido de que, no processo de contra-ordenação, o prazo 
 para motivar o recurso – 10 dias – é inferior ao prazo para a correspondente 
 resposta – 15 dias – constitui flagrante violação do princípio da igualdade, na 
 sua dimensão de princípio de “igualdade de armas”, com assento nos art. 13º e 
 
 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 
 Todavia, como se defende no Ac. da RC, de 21N0V07 (Proc. n.º 2716/06.9TBGRD, 
 disponível no endereço www.dgsi.pt.), o conúbio das normas em questão permite 
 outra interpretação que o Tribunal Constitucional julgou não violadora da 
 dimensão normativa considerada inconstitucional, com força obrigatória geral, 
 pelo citado Acórdão n.º 27/2006. 
 Com efeito, o nº 4 do art.º 74º do RGCO apela expressamente para as 
 especialidades que dele próprio resultam, e que devem ser atendidas na 
 tramitação do recurso. Uma dessas especialidades – como tal prevalecente sobre o 
 regime geral – é, justamente, o prazo fixado para a interposição do recurso (10 
 dias), ditado por razões de celeridade processual, que colhem o seu étimo 
 fundante na agilização do processo contra‑ordenacional relativamente ao processo 
 penal. 
 
 “Assim sendo, atenta a expressa referência feita pelo RGCO às sua próprias 
 especialidades, na norma citada, face ao prazo de 10 dias fixado no seu art.º 
 
 74º, nº 1, para a interposição do recurso, a interpretação sistemática impõe que 
 se considere idêntico prazo de 10 dias para a resposta ao recurso”. 
 Ora, como se referiu, e flui claramente do seu conclusivo enunciado, a 
 inconstitucionalidade declarada pelo mencionado Acórdão nº 27/2006 do TC, 
 prende-se com a interpretação que desfavoreça o recorrente relativamente ao 
 respondente, ao considerar que o prazo para aquele motivar o recurso é mais 
 curto do que o prazo da correspondente resposta. 
 Por outras palavras: face à natureza jurídica de lei especial do RGCO e à sua 
 específica disciplina jurídica, maxime a concernente a recursos, impõe-se a 
 sistemática interpretação no sentido da redução a dez dias do prazo de resposta 
 ao recurso no processo contra-ordenacional, e não o inverso, ficando, assim, 
 cabalmente acautelado o princípio da “igualdade de armas”, a que o art.º 4º, nº 
 
 1, da Lei Fundamental confere dignidade constitucional, e cuja violação 
 determinou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 
 pelo cit. Acórdão nº 27/2006 do TC. 
 Conclui-se, assim, que nenhum princípio ou norma jurídica, nomeadamente as 
 indicadas pela reclamante, foram violados pela decisão reclamada. 
 Tanto basta para, sem necessidade de mais amplas considerações, se concluir pela 
 improcedência da reclamação.”
 
 2. A recorrente interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, 
 mediante requerimento do seguinte teor:
 
 “A., SA, Reclamante no processo em epígrafe referenciado, notificada que foi da 
 douta decisão singular proferia em 8.10.2008, porque com a mesma não se pode 
 conformar, com a devida Vénia, vem mui respeitosamente requerer interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional (que até é de interposição obrigatória 
 para o Ministério Público – art.º 72.º n.º 3 da LTC). 
 O que faz nos termos dos artigos 70.º n.º 1 al. g), 72.º n.º 1 al. b), 75.º n.º 
 
 1, 75.º-A n.ºs 1 e 3, todos da LTC. 
 Decisão contra a qual se insurge a ora Recorrente: 
 Que do artigo 74.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 433/82, decorra um prazo para 
 interposição de recurso inferior ao prazo previsto nos artigos 413.º n.º 1 do 
 CPP. 
 Recurso interposto ao abrigo da al. g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 
 Decisão proferida contra a seguinte decisão do Tribunal Constitucional 
 anteriormente proferida com força obrigatória geral: 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 27/2006 de 10 de Janeiro – sic: 
 
 “O Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 
 
 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo 
 Penal, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o 
 recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente 
 resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio 
 do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição”. 
 
 3. O recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo da alínea 
 g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista à apreciação da norma constante do 
 n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na 
 interpretação de que dela decorre “um prazo para interposição do recurso 
 inferior ao prazo previsto nos artigos 413.º n.º 1 do CPP”.
 Efectivamente, pelo acórdão n. 27/2006, publicado no Diário da República, I 
 Série-A, de 3 de Março de 2006, foi declarada a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 
 
 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo 
 Penal, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o 
 recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente 
 resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio 
 do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição.
 O sentido normativo julgado inconstitucional supõe a interpretação do sistema 
 instituído pelo RGCO (com as remissões que o integram) como estabelecendo, ou 
 dele resultando, prazos distintos para motivar e para responder no recurso da 
 decisão judicial em processo de contra-ordenação. Dez dias para a interposição e 
 motivação do recurso por parte do recorrente; quinze (agora vinte – artigo 413.º 
 do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) 
 para a resposta por parte do recorrido (no caso o Ministério Público). Note-se 
 que o Tribunal não julgou inconstitucional que o prazo de interposição e 
 motivação do recurso em processo de contra-ordenação fosse inferior ao previsto 
 no artigo 411.º do Código de Processo Penal. O que considerou desconforme à 
 Constituição foi o estabelecimento de um prazo para interposição e motivação do 
 recurso inferior ao prazo de resposta.
 Sucede, porém, que não foi essa a norma que a decisão recorrida aplicou. 
 A reclamação foi indeferida com fundamento no entendimento expresso – cujo 
 acerto não cabe ao Tribunal Constitucional censurar – de que, tal como o prazo 
 de interposição e motivação concedido ao recorrente pelo n.º 1 do artigo 74.º do 
 RGCO, o prazo de resposta e contramotivação do recurso em processo de 
 contra-ordenação seria, também, de dez dias. Nesta interpretação, os prazos 
 ficam parificados, mediante interpretação sistemática, com redução do prazo do 
 recorrido ao especialmente estipulado para interposição e motivação do recurso 
 por parte do recorrente.      
 Assim, a decisão recorrida não fez aplicação da norma anteriormente julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal, pelo que, tendo sido interposto ao abrigo da 
 alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recurso não pode prosseguir.
 
 4. Decisão
 Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se:
 a)        Não tomar conhecimento do objecto do recurso;
 b)        Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 
 
 (sete) UCs.”
 
  
 
 2. A recorrente reclama desta decisão, com os seguintes fundamentos:
 
 “(…)
 
 5 – Com o devido respeito, que é muito, por esse mais Alto Tribunal da Nação, 
 quer‑nos parecer que a Douta decisão sumária pecará em dois sentidos:
 a) Começa por referir que a decisão tomada em reclamação na Veneranda Relação de 
 
 Évora, não fez aplicação de norma, com entendimento e alcança anteriormente 
 julgados inconstitucionais; e, 
 b) Quer-nos parecer também que, se considera adequado no nosso estado de Direito 
 que, para ‘igualar’ prazos de recurso entre Recorrente e Ministério Público, é 
 lícito, razoável e aceitável, restringir um prazo legalmente estabelecido em Lei 
 Orgânica.
 
 6 – De sorte que, mui humildemente, entendemos que, contrariamente ao decidido 
 quanto aos fundamentos para não se conhecer d objecto do recurso aqui em causa, 
 foi mesmo aplicada uma norma legal (artigo 74.º nº 1 do RGCO – Decreto-Lei nº 
 
 433/82, de 27 de Outubro) com uma interpretação e alcance anteriormente julgados 
 inconstitucionais por esse Alto Tribunal.
 Consequentemente, nos termos das razões e fundamentos supra apontados, nos 
 demais termos da Lei, do Direito e nos restantes do sempre Mui Douto Suprimento 
 de Vossas Excelências, deverão decidir no sentido de se conhecer do recurso 
 apresentado em dirigido a esse Alto Tribunal em 23.10.2008.
 Sempre com a serena certeza que, da mais Douta Justiça, dirão Vossas 
 Excelências, Colendos Juízes-Conselheiros.”
 
  
 
  O Ministério Público sustenta que a reclamação é manifestamente infundada.
 
  
 
 3. A reclamação é manifestamente improcedente, pelas razões que constam da 
 decisão reclamada e que se reafirmam sem necessidade de qualquer acrescento, uma 
 vez que a evidência da conclusão a que aí se chegou de que decisão recorrida não 
 aplicou a interpretação considerada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006, 
 não se verificando o pressuposto específico do recurso interposto ao abrigo da 
 alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em nada é abalada pela argumentação do 
 reclamante e corresponde a jurisprudência uniforme em casos semelhantes (Cf. 
 acs. n.º 20/08, 404/08, 576/07, 573/06 e 576/08, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.
 
  
 
 4. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar a  reclamante 
 nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 18 de Dezembro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão