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Processo nº 1035/09 
 
 
 
 1ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes 
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I. Relatório 
 
 
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Braga, em que é 
 reclamante A. e é reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar, ao 
 abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 11 de Dezembro de 2009 
 que não admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 
 
 
 
 2. Notificado de despacho de arquivamento, o reclamante requereu a abertura da 
 instrução. Por despacho de 18 de Novembro de 2009, foi designada data para 
 realização do debate instrutório, por não se vislumbrar qualquer outra 
 diligência instrutória com interesse para a instrução, designadamente as demais 
 requeridas. 
 
 
 Foi então deduzida reclamação, 
 
 
 
 «contra esse indeferimento com o fundamento de que, pese embora estar já 
 demonstrada a intenção dolosa da arguida na sua conduta, é havida tal prova por 
 essencial para o apuramento da verdade material, não sendo expressamente 
 proibida por lei nem se afigurando dilatória nem de difícil realização, é 
 permitida segundo a regra do art.º 292.º, n.º 1, e interpretação diferente desta 
 norma, que se acautela, designadamente a que, ainda que não expressa, sustenta a 
 decisão reclamada, sempre violará o imperativo do art.º 32.º, n.º 7, da 
 Constituição da República, inconstitucionalidade interpretativa que aqui se 
 deixa expressa e cautelarmente arguida para todos os efeitos legais». 
 
 
 
 3. Em 27 de Novembro de 2009, a reclamação foi indeferida, por despacho do qual 
 importa aqui transcrever o seguinte: 
 
 
 
 «(?) tendo em conta os demais elementos documentais já existentes nos autos e o 
 objecto da instrução, é patente que nenhuma outra diligência instrutória importa 
 realizar, designadamente das requeridas. 
 
 
 Face ao exposto, indefiro a reclamação, não se vislumbrando a apontada 
 inconstitucionalidade (artigo 32.º/7 da CRP), tanto mais que, ao contrário do 
 que pode resultar da posição do assistente, as causas de indeferimento de actos 
 de instrução não se circunscrevem as situações referidas pelo mesmo, porquanto o 
 artigo 291.º/1 do Código de Processo Penal também se refere que ?O juiz indefere 
 os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução?. É o caso, como 
 acima se melhor se afirmou». 
 
 
 
 4. O reclamante interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, através 
 de requerimento de onde se extrai o seguinte: 
 
 
 
 «2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida nos art.ºs 
 
 292.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na sua aplicação conjugada e 
 concomitante com a norma do se art.º 291.º, n.º 1, na interpretação só agora 
 dada em sede de reclamação, (?) de que ? (...) as causas de indeferimento de 
 actos de instrução não se circunscrevem às situações referidas pelo mesmo, 
 porquanto o artigo 291.º/1 do Código de Processo Penal também se refere que «o 
 juiz indefere os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução» (...)?. 
 
 
 
 (?) 
 
 
 
 4. A questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressa e cautelarmente, 
 ainda que de forma sucinta, resumida e presumida, no texto reclamatório decidido 
 pelo despacho recorrido, agora melhor adequado ante um maior rigor do teor 
 interpretativo que se alcança dessa decisão, douta aliás». 
 
 
 
 5. O recurso não foi admitido, pelo despacho agora reclamado, onde se lê o 
 seguinte: 
 
 
 
 «Dispõe o artigo 291.º/2 do CPP que ?Do despacho previsto no número anterior 
 cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir?. 
 
 
 Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 70.º/1-b) da LTC ?cabe recurso 
 para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que 
 apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo?. 
 
 
 Nos termos do disposto no n.º 2 o recurso previsto na referida alínea b) apenas 
 cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou 
 por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a 
 uniformização de jurisprudência. 
 
 
 Ora, no caso dos autos, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério 
 Público (fls. 142 a 152), veio o assistente A. requerer a abertura da instrução 
 
 (fls.161 174), a qual foi declarada aberta. Como tal, nos termos do disposto no 
 artigo 310.º/1 do Código de Processo Penal, a decisão instrutória, qualquer que 
 ela seja, é sempre recorrível (cfr. ainda 407.º/2-i) do Código de Processo Penal). 
 
 
 Consequentemente, deve entender-se que, neste momento, não se mostram esgotados 
 todos os recursos que ao caso cabem, podendo a questão da essencialidade da 
 prova requerida e indeferida ser, sendo o caso (ou seja de decisão de não 
 pronúncia), suscitada em sede de recurso para o Tribunal da Relação, pelo que, 
 nos termos do disposto no artigo 76.º/2 da LTC, não admito o recurso apresentado». 
 
 
 
 6. Este despacho foi objecto da presente reclamação (artigos 76º, nº 4, e 77º da 
 LTC), da qual se extrai, para o que agora releva, o seguinte: 
 
 
 
 «2.º 
 
 
 Não havendo lugar a dúvidas quanto à arguição durante o processado precedente 
 sustenta-se a decisão apenas na matéria que reporta quanto à possibilidade 
 futura de recurso». 
 
 
 
 7. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se 
 pronunciou, entre o mais, da seguinte forma: 
 
 
 
 «1. Na sequência do arquivamento levado a cabo para o Ministério Público, o 
 assistente veio requerer a abertura da instrução, solicitando a realização de 
 diversas diligências. 
 
 
 
 2. Realizadas algumas dessas diligências, posteriormente, o assistente, veio 
 solicitar a realização de outras. 
 
 
 
 3. Como o Senhor Juiz de Instrução Criminal - porque entendeu não interessarem 
 para a instrução - não ordenou a realização de todas as diligências requeridas, 
 o assistente reclamou desse despacho (artigo 291º, nº 2, do CPP). 
 
 
 
 4. Nessa reclamação, sustenta que essas diligências são essenciais para o 
 apuramento da verdade, sendo permitidas pelo artigo 292º, nº 1, do CPP, e que ?interpretação 
 diferente dessa norma (?), designadamente a que, ainda não expressa, sustenta a 
 decisão reclamada, sempre violará o imperativo do artigo 32º, nº 2, da 
 Constituição (?)?. 
 
 
 
 5. O Senhor Juiz de Instrução indeferiu a reclamação, fundamentando a 
 desnecessidade da realização daquelas diligência e concluiu pela não 
 inconstitucionalidade que vinha apontada, ?tanto mais? que as causas de 
 indeferimento de actos de instrução não se circunscreviam às situações referidas 
 no artigo 292º, nº 1, devendo o Juiz indeferir os actos que entende não 
 interessarem à instrução. 
 
 
 
 6. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional e, não 
 tendo sido este admitido, o assistente deduziu reclamação para esta Tribunal. 
 
 
 
 7. Uma vez que nunca esteve em causa, nem sequer foi referida qualquer questão 
 relacionada com provas proibidas, parece-nos que a única norma aplicada nos 
 autos foi a do nº 1 do artigo 291º do CPP. 
 
 
 Ora, quando o recorrente reclama do despacho que indeferiu a realização de 
 diligências, invoca uma inconstitucionalidade que se reporta ao nº 1 do artigo 
 
 292º do CPP, sendo exclusivamente essa a norma que, ali, é expressamente 
 referida. 
 
 
 Não tendo sido, pois, suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma 
 efectivamente aplicada, tal seria suficiente para que o recurso não pudesse ser 
 admitido». 
 
 
 
 8. Notificado do parecer do Ministério Público, o recorrente respondeu, entre o 
 mais, que: 
 
 
 
 «(?) configura-se ao recorrente que não pode colher a tese aflorada singelamente 
 no douto parecer em resposta porquanto se perfila como clarividente qual a 
 panóplia das normas legais cuja interpretação vem arguida de inconstitucional no 
 recurso rejeitado no texto do item 2.º do respectivo requerimento, a saber: 
 
 
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida nos art.ºs 
 
 292.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na sua aplicação conjugada e 
 concomitante com a norma do se art.º 291.º, n.º 1, na interpretação só agora 
 dada em sede de reclamação (...). 
 
 
 Ou seja, a questão não se resume à mera apreciação de uma norma legal que é 
 inseparável da outra, na certeza de que é a sua concomitância e 
 complementaridade indissociável, no conjunto do demais ordenamento jurídico, que 
 tem que ser interpretado com o rigor de submissão ao direito constitucional. 
 
 
 Pois que, o entendimento sobre a prova admissível se tem que reger por um lado 
 pelo que a lei não proíbe (art.º 292.º, n.º 1, CPP) e, por outro lado, pela 
 regra da adequação processual aos princípios da equidade e celeridade, em regime 
 igualitário, que o julgador aquilatará segundo juízos de discricionariedade mas 
 não de aleatoriedade ou arbitrariedade. 
 
 
 Porém, esta é matéria objecto do recurso constitucional cuja admissão depende da 
 decisão sobre a reclamação apresentada ao seu prévio juízo, o qual está aqui e 
 agora em causa, exclusivamente». 
 
 
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II. Fundamentação 
 
 
 A presente reclamação tem por objecto o despacho que não admitiu recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC, com fundamento na inobservância do nº 2 deste artigo. 
 
 
 Ainda que se pudesse dar como respeitado o princípio da exaustão dos recursos, 
 seria sempre de concluir pela não verificação de um dos requisitos do recurso 
 interposto, uma vez que não foi cumprido o ónus da suscitação prévia e de forma 
 adequada da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação se requer (artigos 
 
 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC). No julgamento da reclamação de 
 despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade, o Tribunal tem de averiguar se se encontram preenchidos 
 todos os pressupostos do conhecimento do recurso e, desde logo, o cumprimento 
 daquele ónus, uma vez que a decisão a proferir pela conferência faz caso julgado 
 quanto à admissibilidade do recurso, segundo o disposto no artigo 77º, nº 4, da 
 LTC (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 480/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 
 Na verdade, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, não foi questionada, de forma adequada, qualquer norma. Na peça 
 processual indicada em cumprimento do nº 2 do artigo 75º-A da LTC ? na 
 reclamação do despacho de 18 de Novembro de 2009 ?, o então reclamante limitou-se 
 a questionar a constitucionalidade de determinada interpretação do artigo 291º, 
 nº 2, do Código de Processo Penal, sem que a tivesse identificado. Ora, ?o 
 cumprimento do ónus a que se refere o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional não se basta, com efeito, com a mera afirmação, perante o 
 tribunal recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é 
 inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão 
 de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a 
 delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua 
 cabal compreensão e, portanto, a sua efectiva decisão? (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 361/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 
 Não se podendo dar como verificado o requisito mencionado, há que confirmar o 
 despacho que não admitiu o recurso. 
 
 
 III. Decisão 
 
 
 Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta. 
 
 
 Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010 
 
 
 Maria João Antunes 
 
 
 Carlos Pamplona de Oliveira 
 
 
 Gil Galvão