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Processo n.º 502/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 22 de Junho de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto de recurso por ele interposto para o Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto, de 18 de Março de 2009, que negou provimento a recurso por ele 
 deduzido contra o despacho do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de 
 Matosinhos, de 9 de Outubro de 2006, que, nos termos do artigo 59.º, n.ºs 2, 
 alínea b), e 4, do Código Penal, revogou a pena substitutiva de prestação de 
 trabalho a favor da comunidade (que lhe havia sido aplicada por sentença de 14 
 de Abril de 2005, em substituição da pena de 6 meses de prisão pela prática de 
 um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, 
 n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro) e determinou o cumprimento do 
 remanescente da pena principal (no caso, tendo o arguido cumprido 115 horas e 30 
 minutos das 190 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe 
 haviam sido cominadas, foi determinado o cumprimento do remanescente da pena 
 de prisão, correspondente a 70 dias).
 
             No requerimento de interposição de recurso, refere o recorrente:
 
  
 
             «Por douta decisão proferida em 9 de Outubro de 2006, pelo 2.º Juízo 
 Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi revogada a pena substitutiva 
 de prestação de trabalho a favor da comunidade a que o arguido foi condenado.
 
             Inconformado, interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação 
 do Porto, por entender que, embora não tenha cumprido de forma rigorosa o 
 trabalho a que foi condenado, até porque tal período correspondeu a uma altura 
 em que teve vários problemas pessoais e familiares, o que é certo é que o mesmo 
 justificou a situação, requerendo voltar a prestar o dito trabalho.
 
             Por outro lado, tendo em conta todas as horas de trabalho a favor da 
 comunidade em que foi condenado, só faltava o arguido cumprir cerca de 16 horas.
 
             Ora, uma vez que havia feito um requerimento a justificar a 
 situação, resolveu aguardar, não mais tendo obtido qualquer resposta até à 
 notificação da revogação da suspensão.
 
             Desta forma, não se verificam os elementos subjectivos exigíveis na 
 lei para a aludida revogação, uma vez que o arguido nunca se recusou a prestar o 
 trabalho nem infringiu de forma grosseira a pena substitutiva da prestação de 
 trabalho a favor da comunidade, mostrando‑se violados os artigos 59.º do Código 
 Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
 
             Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou 
 provimento ao recurso.
 
             Ora, entendemos, salvo melhor opinião, que a interpretação e 
 aplicação do disposto no artigo 59.º do Código Penal, pelo Insigne Tribunal da 
 Relação do Porto, na interpretação de que ‘não deu conta ao processo do que se 
 passava’, viola o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, 
 inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do 2.º Juízo 
 Criminal de Matosinhos para o Tribunal da Relação do Porto.
 
             Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de 
 determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal a 
 quo não avalizou correctamente o artigo 59.º do Código Penal, não cumprindo com 
 o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade, revelando‑se 
 justo não revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade.
 
             Violou, assim, também o douto acórdão recorrido o princípio da 
 proporcionalidade.
 
             Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das 
 normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas 
 normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma 
 constitucional.»
 
  
 
              O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal da 
 Relação do Porto, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se que o 
 recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão 
 sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da 
 LTC.
 
  
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
             3. No presente processo, o recorrente nunca suscitou, perante o 
 tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, isto é, nunca imputou a uma norma de direito 
 ordinário (ou a uma interpretação normativa extraída desse direito e 
 identificada com o mínimo de precisão) a violação de normas ou princípios 
 constitucionais.
 
             Na verdade, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da 
 Relação do Porto, o arguido nunca imputou a uma qualquer interpretação do 
 artigo 59.º do Código Penal, dotada de generalidade e abstracção e devidamente 
 identificada, a violação de quaisquer comandos constitucionais, antes imputou 
 directamente à decisão judicial então impugnada, tendo em conta as específicas 
 particularidades do caso concreto, a violação simultânea daquela norma de 
 direito ordinário e da norma do artigo 32.º da Constituição da República 
 Portuguesa, como se constata através da leitura das conclusões em que sintetizou 
 o aduzido nessa motivação, nos seguintes termos (retomados, sem qualquer 
 acrescento, na resposta ao parecer da representante do Ministério Público junto 
 do Tribunal da Relação do Porto):
 
  
 
             «1.º – Por douta decisão proferida em 9 de Outubro de 2006, foi 
 revogada a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade a 
 que o arguido foi condenado.
 
             2.º – Refere o artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal: ‘O tribunal 
 revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o 
 cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente após a 
 condenação: a) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho ou infringir 
 grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado’.
 
             3.º – Sucede que o arguido, embora não tenha cumprido de forma 
 rigorosa o trabalho a que foi condenado, até porque tal período correspondeu a 
 uma altura em que teve vários problemas pessoais e familiares, o que é certo é 
 que o mesmo justificou a situação, requerendo voltar a prestar o dito trabalho.
 
             4.º – Com efeito, de todas as horas de trabalho a favor da 
 comunidade em que foi condenado, só faltava o arguido cumprir cerca de 16 
 horas.
 
             5.º – Uma vez que havia feito um requerimento a justificar a 
 situação, resolveu aguardar, não mais tendo obtido qualquer resposta até à 
 presente notificação.
 
             6.º – Desta forma, não se verificam os elementos subjectivos 
 exigíveis na lei para a aludida revogação, uma vez que o arguido nunca se 
 recusou a prestar o trabalho nem infringiu de forma grosseira a pena 
 substitutiva da prestação de trabalho a favor da comunidade.
 
             7.º – Acresce que, por outro lado, não se pode esquecer, ‘como 
 princípio orientador da matéria: dever fazer‑se apelo a uma certa liberdade, 
 reclamada pela situação humana concreta, de modo a que, ainda assim, não se 
 perca a finalidade última da recuperação do delinquente’ – acórdão da Relação 
 do Porto, de 10 de Março de 2004.
 
             8.º – O arguido só deve cumprir a pena efectiva de prisão, em que 
 foi condenado, se esta for a única forma de alcançar as finalidades visadas com 
 a punição, ou, como refere Figueiredo Dias, obra citada, p. 115, se a privação 
 de liberdade for o único meio adequado de ‘estabilização contrafáctica das 
 expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo, ao mesmo 
 tempo, servir a socialização do arguido’.
 
             9.º – Por outro lado, as finalidades de aplicação da pena residem 
 primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na 
 reinserção do agente na comunidade.
 
             10.º – Acresce que o recurso às penas privativas de liberdade só 
 será legítimo quando, dadas as circunstâncias, não se mostrem adequadas as 
 sanções não detentivas, dando‑se, assim, realização aos princípios 
 político‑criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade da pena 
 de prisão.
 
             11.º – ‘São exigências de prevenção geral e de adequação à culpa 
 que, sobretudo na criminalidade grave, continuam a justificar a aplicação de 
 penas de prisão efectivas e contínuas: o que vale por dizer que, nomeadamente no 
 que se refere às penas de prisão de curta e média duração, os seus 
 inconvenientes superam de muito as vantagens que lhe podem ser assinaladas’ – 
 Figueiredo Dias, Direito Penal Português, p. 53, desde logo porque, pela sua 
 curta duração, não permitem a concretização de nenhum projecto de reinserção, 
 não lhes sendo reconhecidos efeitos educativos visíveis.
 
             12.º – Assim, no caso concreto, com a revogação da pena 
 substitutiva da prestação de trabalho a favor da comunidade a que o arguido foi 
 condenado e o consequente cumprimento pelo arguido, um jovem, que está a 
 trabalhar e tem um filho bebé para sustentar, de uma pena de prisão de 70 dias, 
 esta pena terá certamente efeitos muito gravosos, não só para o próprio como, 
 quem sabe, no futuro, para toda a comunidade.
 
             13.º – Aliás, ela terá efeitos inversos aos pretendidos, 
 designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua 
 reintegração na sociedade, operando‑se, assim, uma ‘dessocialização’ e uma 
 
 ‘desintegração’ na sociedade do arguido.
 
             14.º – Em consequência, a douta decisão recorrida violou, por errada 
 interpretação, o disposto nos artigos 59.º do Código Penal e 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa.»
 
  
 
             Como é patente, na motivação do seu recurso penal, o arguido não 
 suscitou adequadamente nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 designadamente reportada a qualquer interpretação normativa, dotada de 
 generalidade e abstracção, extraída do artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal, 
 antes se limitou a contestar a justiça e a razoabilidade da concreta decisão 
 judicial, então impugnada, de revogação da pena substitutiva de trabalho a favor 
 da comunidade, pelo que, consequentemente, o acórdão ora recorrido não contém 
 nenhuma pronúncia sobre qualquer tal tipo de questão de inconstitucionalidade, 
 tendo o improvimento do recurso sido fundado nas seguintes considerações:
 
  
 
             «Estabelece o n.º 2, alínea b), do artigo 59.º do Código Penal que o 
 tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena 
 o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a 
 condenação, se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho ou infringir 
 grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado. Dos 
 elementos constantes dos autos resulta manifestamente que o arguido, no início 
 do cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, 
 infringiu grosseiramente os deveres decorrentes de tal pena. Com efeito, 
 primeiro, começou por dificultar os contactos com a equipa do IRS encarregada de 
 controlar o cumprimento da medida. Uma vez iniciado o seu cumprimento, só no 
 primeiro dia é que cumpriu integralmente o horário fixado, passando a partir daí 
 a fazer o horário que bem queria e entendia. Isto apesar da chamada de atenção 
 do supervisor do cumprimento da medida. Posteriormente, ao deixar 
 definitivamente de prestar o trabalho que lhe havia sido determinado e ao 
 colocar‑se em situação que não permitia o seu contacto pela equipa do IRS 
 encarregada de controlar o cumprimento daquela pena ou a sua notificação das 
 decisões que iam sendo tomadas pelo tribunal, colocou‑se numa situação que 
 equivale à recusa, sem justa causa, a prestar o trabalho, sendo certo que a 
 situação que criou ao dificultar e mesmo impossibilitar o seu contacto é mais 
 gravosa do que a recusa expressa a prestar o trabalho, dado que obrigou o 
 tribunal, a entidade policial encarregada de proceder às notificações e a 
 equipa do IRS a efectuar uma série de diligências que poderiam facilmente ser 
 evitadas caso, a partir de determinada altura, não tivesse pura e simplesmente 
 desaparecido para parte incerta, a ponto de nem o seu pai saber do seu 
 paradeiro.
 
             A actuação do arguido manifestada nos factos supra enunciados é 
 reveladora de que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não 
 realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, 
 toda a sua actuação revela que é avesso ao acatamento de ordens e ao 
 cumprimento de regras e que não considerou a prestação de trabalho a favor da 
 comunidade como uma verdadeira pena, mas antes como uma espécie de brincadeira 
 em que podia entrar e sair se e quando bem lhe apetecesse.
 
             É verdade que alegou na motivação do recurso que não cumpriu 
 integralmente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade devido a 
 problemas pessoais e familiares que entretanto lhe surgiram. Mas se assim foi, 
 podia ter dado conta disso ao tribunal (tal como requereu o pagamento em 
 prestações de uma multa em que nem sequer havia sido condenado, ao que tudo 
 indica, para evitar o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da 
 comunidade), que, se considerasse as razões atendíveis, tinha mecanismos que 
 lhe permitiam proceder à substituição daquela pena por outras medidas, 
 nomeadamente pelas previstas no n.º 6 do artigo 59.º do Código Penal. Em vez 
 disso, colocou‑se em situação de não poder ser contactado.
 
             Este tribunal não desconhece os malefícios das penas curtas de 
 prisão, sobretudo para jovens cuja personalidade está ainda em formação, como 
 
 é o caso do arguido, visando a pena de prestação de trabalho a favor da 
 comunidade, para além do mais, prevenir esses malefícios. Acontece que, no 
 caso, face à atitude do arguido, outra alternativa não resta senão determinar 
 que cumpra a pena de prisão que lhe foi fixada no despacho recorrido, por só 
 esta satisfazer de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.»
 
  
 
             Não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, o presente recurso surge como 
 inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta 
 nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             “O Tribunal a quo entende que «o recurso para o Tribunal 
 Constitucional não é admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não 
 foi arguida durante o processo, nem se entende haver motivo bastante para 
 dispensar o recorrente do ónus da referida alegação, tudo conforme os artigos 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro».
 
             É claro que o arguido/recorrente não poderia arguir em momento 
 anterior tal inconstitucionalidade – pela simples razão de não poder prever que 
 a mesma se registaria em fase de recurso!
 
             É a interpretação que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez 
 do preceito invocado (artigo 59.º do Código Penal) que gera o vício da 
 inconstitucionalidade que se invocou.
 
             Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades 
 resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos tribunais 
 superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do 
 Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da 
 constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
 
             Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente 
 não podia pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto agiria como agiu 
 e interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição 
 como interpretou e aplicou.
 
             É com a prolação do acórdão, e só nessa altura, que se tornam 
 patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, 
 afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo 
 democrático, pondo em causa princípios que deveriam estar mais do que 
 consolidados na ordem jurídica portuguesa.
 
             Assim sendo, o recorrente tem o direito a ver apreciado o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a 
 constitucionalidade.
 
             Ora, entendemos, salvo melhor opinião, que a interpretação e 
 aplicação do disposto no artigo 59.º pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, 
 na interpretação de que «não deu conta ao processo do que se passava», 
 constitui uma violação do seu direito à igualdade e consequentemente também do 
 artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades 
 essas invocadas previamente no seu recurso do Tribunal Judicial de Matosinhos 
 para o Tribunal da Relação do Porto.
 
             Com efeito, ao erguer a culpa como critério principal de 
 determinação da pena e a prevenção como critério secundário, o tribunal a quo 
 não avalizou correctamente o artigo 59.º do Código Penal, não cumprindo com o 
 princípio constitucional da adequação e proporcionalidade, revelando‑se justo 
 não revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade.
 
             A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo tribunal 
 de recurso à norma do artigo 59.º do Código Penal.
 
             É, pois, um vício que se regista somente no acórdão que se pretende 
 seja analisado à luz das normas da Constituição.
 
             Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal apresentou resposta, do seguinte teor:
 
  
 
             “1.º – O único argumento que o reclamante invoca na reclamação 
 consiste em, segundo ele, não ter podido prever que a norma – uma certa 
 interpretação do artigo 59.º do Código Penal – iria ser aplicada pela Relação, 
 como efectivamente foi.
 
             2.º – Mas não é verdade, pois é o próprio reclamante que afirma, 
 expressamente, na motivação do recurso, que a «douta decisão recorrida viola, 
 por errada interpretação, o disposto nos artigos 59.º do Código Penal e 32.º da 
 Constituição».
 
             3.º – Ou seja, ele nesse momento podia e devia ter identificado 
 correctamente qual era essa «errada» interpretação normativa que reputava 
 inconstitucional, mas não o fez, nem na altura, nem sequer no requerimento de 
 interposição do recurso para este Tribunal.
 
             4.º – Pelo exposto, deve indeferir‑se a reclamação.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão ora reclamada considerou o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional inadmissível (o que determinou o não 
 conhecimento do seu objecto) face à constatação de o arguido não ter suscitado 
 adequadamente, perante o tribunal recorrido, nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada a qualquer 
 interpretação normativa, dotada de generalidade e abstracção, extraída do 
 artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal, antes se ter limitado a contestar a justiça 
 e a razoabilidade da concreta decisão judicial da 1.ª instância, então 
 impugnada, de revogação da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, 
 apelando para as particularidades específicas do seu caso concreto.
 
                         Este fundamento em nada é abalado pela presente 
 reclamação.
 
                         Contrariamente ao nela aduzido, o recorrente não se pode 
 considerar surpreendido com o sentido da decisão do Tribunal da Relação do 
 Porto pela elementar razão de que tal sentido coincide com o adoptado na 1.ª 
 instância e com o propugnado pelo Ministério Público, quer na resposta à 
 motivação do recurso do arguido, quer no parecer emitido em 2.ª instância, pelo 
 que teve oportunidade processual de suscitar as questões de 
 inconstitucionalidade que reputasse pertinentes, quer na motivação do recurso 
 por ele apresentado (como, a determinado passo da presente reclamação, ele chega 
 a afirmar ter feito, em contradição com o alegado carácter inesperado do 
 sentido da decisão da Relação), quer na resposta ao parecer do Ministério 
 Público.
 
                         E, para além desse fundamento da decisão sumária ora 
 reclamada – suficiente, só por si, para determinar o não conhecimento do recurso 
 
 –, acresce que nem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional nem na presente reclamação (apesar de esses já não serem modos e 
 momentos apropriados à suscitação relevante de questões de 
 inconstitucionalidade) o recorrente logrou identificar uma interpretação 
 normativa, dotada de generalidade e abstracção, que pudesse ser objecto da 
 emissão de um juízo de inconstitucionalidade por parte do Tribunal 
 Constitucional, continuando a limitar‑se a rotular de injustas as decisões 
 judiciais das instâncias de revogação da pena substitutiva de trabalho a favor 
 da comunidade, o que, pelas razões expostas, não constitui objecto idóneo do 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 8 de Julho de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos