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Processo n.º 777/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I.                   Relatório
 
  
 
 1. A., encontrando-se preso preventivamente desde 27 de Julho de 2007, formulou 
 um pedido de habeas corpus perante o Supremo Tribunal de Justiça por considerar 
 que o prazo máximo da prisão preventiva está excedido, defendendo para tanto o 
 entendimento de que a norma do artigo 215º, n.º 6, do Código Penal, na redacção 
 dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao elevar o prazo máximo da prisão 
 preventiva para metade da pena que tiver sido fixada quando o arguido tenha sido 
 condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória tiver sido 
 confirmada em sede de recurso ordinário, não abrange os casos em que o tribunal 
 de recurso tiver agravado essa pena.
 
  
 Alegou, além do mais, que o n° 6 do artigo 215° do Código de Processo Penal é 
 inconstitucional, na interpretação que estende a respectiva previsão à hipótese 
 de o acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância agravar a pena de 
 prisão imposta pela sentença de primeira instância, por ofensa, entre outros, 
 dos artigos 18°, n° 2, e 29°, n° 3, Constituição da República, e que o conjunto 
 normativo formado por essa norma e pela da alínea f) do n° 1 do artigo 400º do 
 mesmo Código é igualmente inconstitucional, na interpretação que permite que um 
 arguido condenado por decisão não transitada em julgado fique sujeito a prisão 
 preventiva por prazos que oscilam de quatro a doze anos e meio, o que considera 
 ser incompatível com a presunção de inocência e o direito ao julgamento no mais 
 curto prazo, com a natureza subsidiária da prisão preventiva e com os princípios 
 da necessidade, adequação, proporcionalidade e razoabilidade das restrições aos 
 direitos, liberdades e garantias fundamentais, ofendendo o disposto nos artigos 
 
 18°, n.º 2, 28°, n.º 2, e 32°, n.º 2, da Constituição.
 
  
 Por acórdão de 27 de Agosto de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o 
 pedido de habeas corpus, dizendo, no essencial, que há confirmação da sentença, 
 para efeitos previstos n° 6 do artigo 215° em matéria de limites à prisão 
 preventiva, quando o tribunal superior aplica uma pena igual ou superior à 
 fixada pela sentença recorrida, elevando-se o prazo máximo da prisão preventiva, 
 em caso de agravamento da pena, a metade da pena de prisão aplicada pelo 
 tribunal superior. 
 
  
 O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das seguintes normas legais:
 
  
 
 - artigo 215°, nº 6, do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 
 de Agosto, na interpretação que estende a respectiva previsão à hipótese de o 
 acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância agravar a pena de prisão 
 imposta pela sentença de primeira instância, por ofensa, entre outros, dos 
 artigos 18°, n° 2, e 29°, n° 3, da CRP; 
 
 - conjunto normativo formado pela al. f) do n° 1 do artigo 400º e pelo nº 6 do 
 artigo 125° do CPP, na redacção introduzida pela Lei n° 48/2007, de 29 de 
 Agosto, na medida e na interpretação que permite que um arguido condenado por 
 decisão não transitada em julgado fique sujeito a prisão preventiva por prazos 
 que oscilam de quatro a doze anos e meio, o que é incompatível com a presunção 
 de inocência e o direito ao julgamento no mais curto prazo, com a natureza 
 subsidiária da prisão preventiva e com os princípios da necessidade, adequação, 
 proporcionalidade e razoabilidade das restrições aos direitos, liberdades e 
 garantias fundamentais, e ofende o disposto, entre outros, nos artigos 18º, n.º 
 
 2, 28º, n.º 2, e 32º, n.º 2, da CRP.
 
  
 Tendo prosseguido o processo, o recorrente apresentou alegações, em que formulou 
 as seguintes conclusões: 
 
  
 
 1 - O Recorrente está sujeito, desde 27 de Julho de 2007 a prisão preventiva.
 
 2 - O acórdão da Relação que agravou a pena de prisão que lhe foi aplicada em 
 primeira instância não transitou em julgado, por estar pendente de recurso 
 interposto, com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
 3 – Entendimento diverso implicaria que o Arguido tivesse entrado em cumprimento 
 antecipado de pena,
 
 4 - o que contraria o teor literal da Lei (arts 214º, 2, 215º, 6, 408º, 1, a), 
 CPP)
 
 5 - e envolveria a interpretação inconstitucional do nº 6 do artº 215º, por 
 ofensa, entre outros, do nº 2 do artº 32º, CRP.
 
 6 - Não se justificam, por isso, dúvidas sobre a utilidade do presente recurso, 
 uma vez que o Recorrente continua em prisão preventiva.
 
 7 - O nº 6 do artº 215º é inconstitucional, na interpretação que estende a 
 respectiva previsão à hipótese de o acórdão proferido pelo tribunal de segunda 
 instância agravar a pena de prisão imposta pela sentença de primeira instância, 
 além do mais por implicar o recurso à analogia, o que ofende, entre outros, dos 
 arts 18º, nº 2, e 29º, nº 3, CRP.
 
 8 - O conjunto normativo formado pela al. f) do nº 1 do artº 400º e pelo nº 6 do 
 artº 125º CPP é inconstitucional, na medida e na interpretação que permite que 
 um arguido condenado por decisão não transitada em julgado fique sujeito a 
 prisão preventiva por prazos que oscilam de quatro a doze anos e meio, o que é 
 incompatível com a presunção de inocência e o direito ao julgamento no mais 
 curto prazo, com a natureza subsidiária da prisão preventiva e com os princípios 
 da necessidade, adequação, proporcionalidade e razoabilidade das restrições aos 
 direitos, liberdades e garantias fundamentais e ofende o disposto, entre outros, 
 nos arts 18º, 2, 28º, 2, e 32º, 2, da CRP.
 
  
 O Magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo, por sua vez, do 
 seguinte modo:
 
  
 
 1. Estando o arguido preso preventivamente há cerca de dois anos e três meses, 
 apreciar a inconstitucionalidade de normas (artigos 400º, nº 1, alínea j) e 
 
 215º, nº. 6 do CPP), numa interpretação que possa permitir que um arguido fique 
 em prisão preventiva entre quatro anos e doze anos e meio, não se reveste de 
 qualquer efeito útil.
 
 2. Assim, nesta parte, não deverá conhecer-se do recurso.
 
 3. A norma do nº. 6 do artigo 215º do CPP, na interpretação que estende a 
 respectiva previsão à hipótese de o acórdão proferido pelo tribunal de segunda 
 instância agravar a pena imposta pela sentença de 1ª. instância, não viola nem o 
 princípio da proporcionalidade, nem o princípio da legalidade, nem o princípio 
 da presunção de inocência (artigos 18º., nº.2, 29º., nº. 3, e 32º., nº 2, da 
 Constituição, respectivamente).
 
 4. Essa é, aliás, a única interpretação correcta e lógica, pois não faria 
 qualquer sentido que, precisamente nos casos em que o tribunal superior 
 agravasse a pena, tudo se passasse como se não tivesse ocorrido qualquer 
 condenação.
 
 5. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso. 
 
  
 Tendo sido suscitado pelo relator a questão prévia da não apreciação do objecto 
 do recurso da segunda questão de constitucionalidade, por inutilidade, o 
 recorrente respondeu, dizendo o seguinte: 
 
  
 Com o maior respeito, o Recorrente não compreende, de todo, a razão de ser desta 
 questão prévia, desde logo porque não alcança qual seja, no contexto do 
 processo, a justificação para trazer ao debate aquele prazo de quatro anos. Tal 
 prazo não está previsto, em abstracto, em nenhuma das normas contidas no art° 
 
 215º CPP, sem prejuízo de poder emergir, em concreto, da aplicação da norma do 
 nº 6 do preceito, cuja constitucionalidade está posta em causa neste recurso. 
 Ora, bem ou mal, não foi este último o sentido da norma adoptado pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, que, entre a metade da pena aplicada em primeira instância 
 
 — quatro anos, ou seja, metade da pena de nove anos -, e a metade da pena 
 aplicada pelo Tribunal da Relação — quatro anos e seis meses, ou seja, metade da 
 pena de nove anos -, optou pela segunda, subscrevendo o entendimento de que “o 
 prazo de prisão preventiva eleva-se peça quatro anos e meio de prisão” (v. 
 acórdão, fls 16) 
 Os termos em que a questão prévia vem anunciada só poderão compreender-se, 
 portanto, se referidos a um prazo de prisão preventiva (quatro anos) que nem 
 consta dos prazos gerais nem foi o prazo concreto fixado pela decisão recorrida. 
 
 
 Mas o problema parece ser outro e bem mais relevante: postular a inutilidade 
 superveniente do recurso por não estar ainda excedido o prazo máximo da prisão 
 preventiva permitida numa das interpretações do artº 215°, nº 6 — que não é 
 sequer a interpretação fixada pala decisão recorrida -, significa, sem margem 
 para dúvidas, que está a antecipar-se a decisão final de recurso. 
 Dito por outras palavras: aquele prazo de quatro anos pode ser considerado seja 
 para que efeito for, assumindo que o nº 6 do art° 215º não é inconstitucional. 
 Mas, sendo esse, como é, o objecto do recurso, esse pressuposto não poderá 
 jamais sustentar uma questão prévia, sob pena de se antecipar, a título 
 provisório, a decisão final, o que envolve uma contradição nos próprios termos. 
 Termos em que, deve declarar-se que não se verifica a inutilidade superveniente 
 do recurso, conhecendo-se do respectivo objecto. 
 
  
 Cabe apreciar e decidir.
 
  
 II Fundamentação
 
  
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 2. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 
 
 215°, nº 6, do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de 
 Agosto, na interpretação segundo a qual a elevação do limite máximo da prisão 
 preventiva aí previsto para metade da pena que tiver sido fixada pelo tribunal 
 superior, em caso de recurso, se aplica não apenas quando tenha sido confirmada 
 a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido 
 agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o 
 referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada.
 
  
 Partindo do entendimento sufragado no acórdão recorrido quanto a essa específica 
 questão, o recorrente aditou ainda ao objecto de recurso de constitucionalidade 
 uma outra dimensão interpretativa, agora reportada ao conjunto normativo 
 constituído por aquela disposição e pela norma da alínea f) do n° 1 do artigo 
 
 400º do CPP, e que se traduz na possibilidade de um arguido condenado por 
 decisão não transitada em julgado ficar sujeito a prisão preventiva por prazos 
 que oscilam de quatro a doze anos e meio.
 
  
 O recorrente chega a este resultado interpretativo por aplicação, em abstracto, 
 do critério normativo adoptado pelo tribunal recorrido no caso sub juditio: 
 partindo desse mesmo critério, quando esteja em causa um recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça de um acórdão condenatório das relações que confirma pena de 
 prisão superior a 8 anos (hipótese de admissibilidade de recurso contemplada no 
 artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP), e tendo em consideração que o limite 
 máximo da pena de prisão aplicável é de 25 anos, torna-se possível que um 
 arguido fique preso preventivamente por períodos de tempo que oscilam entre 
 quatro a doze anos e meio, por virtude de o prazo máximo da prisão preventiva 
 dever corresponder a metade de uma qualquer pena de prisão que se fixe, em 
 julgamento definitivo, entre aqueles dois limites.
 
  
 Parece a todos os títulos evidente que esta segunda questão de 
 constitucionalidade, tal como o recorrente a identifica, é uma mera extrapolação 
 do julgamento feito pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão que lhe 
 vinha colocada e que não tem qualquer aplicação no caso concreto. De facto, o 
 arguido encontra-se preso preventivamente desde 27 de Julho de 2007 (e, 
 portanto, há pouco mais de dois anos) e não resulta, de nenhum modo, da decisão 
 recorrida que ele tenha de manter-se nessa situação durante quatro anos ou por 
 período que possa estender-se até doze anos e meio. 
 
  
 Como o Tribunal Constitucional tem afirmado sistematicamente, o recurso de 
 constitucionalidade tem uma função meramente instrumental que é aferida pela 
 repercussão que o julgamento da questão de constitucionalidade possa ter no 
 momento em que se deva proceder à reforma da decisão recorrida, o que leva a 
 concluir que é inútil a apreciação do objecto do recurso quando o sentido da 
 decisão a proferir não possa ter qualquer efeito prático (entre muito outros, os 
 acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 397/08 e 152/2009).
 
  
 A hipótese normativa que o recorrente coloca como segunda questão de 
 constitucionalidade é meramente académica, e, como ele próprio reconhece na 
 resposta à questão prévia suscitada pelo relator, não foi sequer aplicada pela 
 decisão recorrida. E, como é claro, não pode conhecer-se do recurso apenas para 
 acautelar quaisquer incidências processuais futuras e meramente eventuais, que 
 por isso não tenham reflexo imediato na resolução do caso concreto.
 
  
 Termos em que se entende ser de não conhecer do recurso no que concerne à 
 segunda questão de constitucionalidade invocada. 
 
  
 
 3. A única questão a decidir é, pois, a de saber se a norma do n° 6 do artigo 
 
 215° do Código de Processo Penal, tal como foi interpretada pelo tribunal 
 recorrido, se encontra ferida de inconstitucionalidade, por violação do 
 princípio ínsito no artigo 18º, n.º 2, bem como do princípio da legalidade penal 
 resultante do artigo 29º, n.º 3, todos da Constituição.
 
  
 O artigo 215º do CPP, que fixa os prazos de duração máxima da prisão preventiva, 
 na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 
 dispõe o seguinte:
 
   
 
 1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem 
 decorrido: 
 a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; 
 b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão 
 instrutória; 
 c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; 
 d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. 
 
 2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6 
 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade 
 violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com 
 pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: 
 a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 
 
 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 
 
 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de 
 Novembro (uma vez que os artigos 312.º e 315.º do Código Penal foram revogados 
 pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, que os substituiu pelos indicados 
 artigos 30.º, 79.º e 80.º); 
 b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou 
 de elementos identificadores de veículos; 
 c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e 
 equiparados ou da respectiva passagem; 
 d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou 
 cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em 
 negócio; 
 e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita; 
 f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; 
 g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima. 
 
 3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um 
 ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o 
 procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de 
 excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de 
 ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. 
 
 4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser 
 declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a 
 requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente. 
 
 5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os 
 correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se 
 tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver 
 sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial. 
 
 6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e 
 a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o 
 prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido 
 fixada. 
 
 7 - A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados 
 antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos 
 previstos nos números anteriores. 
 
 8 - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos 
 os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na 
 habitação. 
 
  
 Segundo o regime assim consignado, o prazo de duração da prisão preventiva 
 conta-se sempre do seu início e não pode exceder certos limites (acumulados) que 
 se reportam a quatro marcos processuais: 1.º - dedução da acusação; 2.º – 
 prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; 3.º – condenação 
 em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da condenação. 
 
  
 Aos prazos fixados para cada uma dessas fases processuais aplicam-se, consoante 
 os casos, três diferentes regimes: o normal (4 meses, 8 meses, 1 ano e 2 meses e 
 
 1 ano e 6 meses); o especial, em que se atende à gravidade dos crimes (6 
 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos); e o excepcional, quando a essa 
 gravidade dos crimes acresce a excepcional complexidade do procedimento (1 ano, 
 
 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos e 4 meses) – n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 
 
 215.º do CPP. 
 
  
 
             A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos 
 tendencialmente, a duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo 
 das sucessivas fases processuais. Dentro de cada fase processual, os prazos de 
 duração máxima de prisão preventiva são ainda pré-determinados segundo a 
 gravidade do tipo legal de crime e a complexidade do procedimento (veja-se sobre 
 estes aspectos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 2/2008, publicado no 
 Diário da República, 2ª série, de 14 de Fevereiro de 2008).
 
  
 Na base da introdução do sistema terá estado – como se afirma também no acórdão 
 do Tribunal Constitucional n.º 404/05 - o propósito de promover o andamento sem 
 delongas do processo, incentivando os respectivos responsáveis a respeitar os 
 prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de uma prisão 
 preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da justiça 
 criminal. 
 
  
 A lei prevê, no entanto, um outro limite para o prazo máximo da prisão 
 preventiva, através do transcrito n.º 6 desse artigo 215º, que resulta da 
 confirmação em sede de recurso ordinário da sentença condenatória de primeira 
 instância. O que parece ter-se pretendido, através da previsão legal, é um 
 prolongamento da prisão preventiva quando exista já um suficiente grau de 
 certeza acerca da prática do crime, da sua autoria e da existência de culpa 
 
 (baseado num duplo juízo condenatório), de modo a evitar que a extinção da 
 medida de coacção pudesse vir a ocorrer por virtude da interposição de novo 
 recurso (para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional) 
 ou da utilização de expedientes dilatórios que prolongassem artificialmente a 
 duração do processo (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de 
 Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 595-596).
 
  
 A elevação do prazo máximo de prisão preventiva, nessa circunstância, assenta, 
 por sua vez, em dois factores distintos: a confirmação do juízo condenatório por 
 parte do tribunal superior implica de per si a prorrogação do prazo de prisão 
 preventiva; a medida da pena influencia o limite temporal dessa prorrogação, 
 visto que o prazo é ampliado em metade da pena que tiver sido fixada.
 
  
 Por outro lado, esses dois factores são revelados pela sucessiva actividade 
 cognitiva do tribunal no momento da elaboração da sentença. Em primeiro lugar, 
 como determina o artigo 368º do CPP (também aplicável em sede de recurso – 
 artigo 424º, n.º 2, do CPP), o tribunal aprecia a questão da culpabilidade, 
 verificando se estão definidos os elementos constitutivos do tipo de crime, se o 
 arguido praticou o crime ou nele participou, se actuou com culpa, se se 
 verificou alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, e se se verificaram 
 quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do 
 agente. Se se concluir que ao arguido deve ser aplicada uma pena, o tribunal 
 pronuncia-se em seguida, nos termos consignados no subsequente artigo 369º, 
 sobre a questão da determinação da sanção, verificando aspectos relativos aos 
 antecedentes criminais do arguido, à sua personalidade e situação social, para 
 efeito de fixar a espécie e medida da pena.
 
  
 
             Facilmente se compreende o peso relativo que o legislador quis 
 atribuir à resposta dada pelo tribunal a estas duas questões: um juízo 
 confirmativo da existência de culpa determina a ampliação do prazo de prisão 
 preventiva; a medida da pena determina o quantum dessa ampliação.
 
  
 No caso vertente, o ora recorrente foi condenado em primeira instância numa pena 
 
 única, em cúmulo jurídico, de 8 anos de prisão. O Tribunal da Relação negou 
 provimento ao recurso interposto pelo arguido e concedeu provimento parcial ao 
 recurso interposto pelo Ministério Público, condenando o arguido na pena única 
 de 9 anos de prisão. Na sequência, foi produzido despacho judicial que elevou o 
 prazo de prisão para metade da pena aplicada.
 
  
 Interposto pedido de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça, através da 
 decisão ora recorrida, considerou que há confirmação da sentença, para os 
 efeitos previstos no artigo 215º, n.º 6, do CPP, quando o tribunal de recurso 
 aplica uma pena igual ou superior à da sentença de primeira instância, e manteve 
 assim o entendimento de que o prazo de prisão preventiva se ampliou para 4 anos 
 e meio, correspondente a metade da pena aplicada em recurso.
 
  
 Sustenta o recorrente que o tribunal recorrido efectuou uma interpretação 
 extensiva ou analógica da disposição do artigo 215º, n.º 6, e que, assim 
 interpretada, essa norma é inconstitucional, por violação dos artigos 18º, nº 2, 
 e 29º, nº 3, da Constituição.
 
  
 O Tribunal Constitucional tem vindo a admitir, começando por este último 
 parâmetro de constitucionalidade, que o princípio da legalidade penal, que surge 
 concretizado no artigo 29º, n.º 3, da Constituição, se torna extensivo às normas 
 processuais que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. as relativas à 
 prescrição, ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à 
 reformatio in pejus), bem como àquelas que possam afectar o direito à liberdade 
 do arguido (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus 
 direitos fundamentais de defesa, disposições que, assim, poderão entender-se 
 como normas processuais penais substantivas (cfr., neste sentido, o acórdão n.º 
 
 551/09 e a doutrina e jurisprudência nele citada).
 
  
 Como corolário ou consequência do princípio da legalidade penal conta-se a 
 exigência de determinabilidade do conteúdo da lei criminal, que acarreta que 
 devam ser tidas como ilegítimas as definições vagas, incertas ou insusceptíveis 
 de delimitação, e leva igualmente à proibição da aplicação analógica da lei 
 criminal  (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 4ª edição revista, I vol., Coimbra, pág. 495; Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, Coimbra, 2005, págs. 
 
 327-328). Neste sentido, o princípio da legalidade, na qualidade de parâmetro 
 constitucional, impõe a formulação da norma penal com um conteúdo autónomo e 
 suficiente, possibilitando um controlo objectivo na sua aplicação 
 individualizada e concreta, como também se afirma no acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 93/2001.
 
  
 Aplicados tais princípios às normas processuais penais substantivas, como antes 
 se expôs, seria sustentável afirmar-se que as normas que definem a duração do 
 prazo de prisão preventiva, e, designadamente, a do artigo 215º, n.º 6, aqui 
 particularmente em foco, não poderão ser objecto de interpretação analógica no 
 ponto em que uma tal interpretação pode pôr em causa o direito à liberdade do 
 arguido. E poderia ainda fazer-se equivaler a essa situação uma interpretação 
 extensiva que, tendo embora no texto legal um mínimo de correspondência verbal, 
 excedesse o sentido possível das palavras da lei, por ser ela ainda assim 
 incompatível com o fundamento da segurança jurídica que está ínsito no princípio 
 da legalidade penal (neste sentido, Sousa Brito, A lei penal na Constituição”, 
 in Estudos sobre a Constituição, 2º vol., pág. 253; admitindo, em geral, a 
 interpretação extensiva em processo penal, o acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 602/2004).
 
  
 No caso vertente, porém, não subsiste qualquer lacuna que careça de ser 
 integrada pelo intérprete através da analogia, nem tão-pouco se adoptou uma 
 interpretação que ultrapasse o que resulta estritamente da letra da lei, 
 limitando-se o tribunal recorrido a escolher, no quadro de uma interpretação 
 declarativa, um dos sentidos literais possíveis, que está ainda coberto pela 
 formulação verbal da norma.
 
  
 Como se deixou esclarecido, a norma do artigo 215º, n.º 6, do CPP consagrou uma 
 prorrogação do prazo máximo da prisão preventiva para o caso em que a sentença 
 condenatória de primeira instância tenha sido «confirmada em sede de recurso 
 ordinário» e definiu a proporção do aumento do prazo em função da «pena que 
 tiver sido fixada».
 
  
 Há lugar à ampliação do prazo da prisão preventiva quando tenha havido 
 confirmação, pela Relação, da sentença condenatória de primeira instância, e 
 corresponde ao sentido literal da lei (ou, pelo menos, a um dos sentidos 
 literais possíveis) que o prazo máximo se eleve para metade da pena que tiver 
 sido aplicada no tribunal de recurso.
 
  
 A «confirmação» opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos 
 do artigo 420º do CPP (e, por isso, não altera o julgado) ou aplica pena igual, 
 inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer desses 
 casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por 
 si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão 
 preventiva.
 
  
 Quando houver um agravamento da pena em sede de recurso, pode considerar-se que 
 existe uma ambiguidade na análise literal do inciso «pena que tiver sido fixada» 
 constante do artigo 215º, n.º 6, visto que pode entender-se que essa pena, é a 
 que foi aplicada pelo tribunal de recurso (por ser esse o alcance do juízo 
 confirmativo) ou é a que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância (por 
 ser até ao limite dessa pena que ocorreu uma efectiva reiteração pelo tribunal 
 da Relação do juízo da primeira instância sobre a culpa e a gravidade da pena).
 O Supremo Tribunal de Justiça, no caso em apreço, optou pela primeira dessas 
 possíveis interpretações, mas trata-se, sem sombra de dúvida, de um entendimento 
 que cabe na letra da lei e corresponde a uma forma de interpretação declarativa.
 
  
 A interpretação efectuada não envolve, por conseguinte, o recurso à analogia ou 
 sequer uma interpretação extensiva, pelo que não há nenhuma razão para 
 considerar verificada a violação do princípio da legalidade penal.
 
  
 Um outro parâmetro de constitucionalidade invocado tem como referente o disposto 
 no artigo 18º, n° 2, da Constituição.
 
  
 Como é sabido, o direito à liberdade admite as restrições que se encontram 
 previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27º da Constituição, entre as quais se conta 
 a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a 
 que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. 
 Constituindo as restrições ao direito à liberdade restrições a um direito 
 fundamental integrante da categoria de direitos, liberdades e garantias, estão 
 sujeitas às regras do artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer 
 que «só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os 
 proteger» (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob cit., pág. 
 
 479).
 
   
 Por outro lado, como decorre do artigo 28º, n.º 4, do texto constitucional, «[a] 
 prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei», o que significa 
 que não pode deixar de ser temporalmente limitada de acordo com a sua natureza. 
 Cabendo à lei a fixação dos prazos de prisão preventiva, como resulta desse 
 preceito, dispõe o legislador ordinário, nessa matéria, de uma relativa margem 
 de liberdade de conformação, ainda que deva respeitar o princípio da 
 proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 246/99).
 
  
 Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada 
 pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípio da proporcionalidade. A decisão 
 do Supremo Tribunal de Justiça assentou na ideia de que há confirmação da 
 sentença condenatória quando o tribunal superior mantém a pena aplicada ou 
 estabelece pena superior. Considerou, por outro lado, que, tendo havido um 
 agravamento da pena em sede de recurso, a elevação do prazo máximo de prisão 
 preventiva, por efeito do disposto no artigo 215º, n.º 6, do CPP, passaria a ser 
 metade da pena agravada.
 
  
 Independentemente da correcção da interpretação efectuada, no plano do direito 
 ordinário, aspecto que ao Tribunal Constitucional não cabe apreciar, o certo é 
 que a interpretação adoptada é congruente com o espírito do sistema e 
 corresponde a uma solução proporcionada em relação aos objectivos que o 
 legislador pretendeu atingir com a ampliação do prazo para a prisão preventiva.
 
  
 O recorrente parece defender o entendimento de que só uma decisão confirmativa 
 que se mostrasse ser inteiramente coincidente, quanto à medida da pena, com a 
 sentença condenatória da primeira instância é que poderia preencher os 
 pressupostos da ampliação do prazo de prisão preventiva previsto no artigo 215º, 
 n.º 6, do Código de Processo Penal. Já se viu, no entanto, que a solução 
 legislativa assenta em dois diferentes fundamentos: a confirmação do juízo de 
 culpabilidade é motivo bastante para a prorrogação do prazo da prisão 
 preventiva; a medida da pena (aqui relevando a variação para mais ou para menos 
 resultante do julgamento efectuado pelo tribunal de recurso) determina o prazo 
 pelo qual a prisão preventiva será prorrogada.
 
  
 Neste contexto, tem pleno cabimento (sobretudo à luz do princípio da 
 proporcionalidade) que ao agravamento da pena em recurso corresponda um 
 agravamento do limite temporal da duração da prisão preventiva. O que não faz 
 qualquer sentido, e seria flagrantemente contrário ao dito princípio da 
 proporcionalidade, é que a medida legislativa – que tem um objectivo de evitar a 
 eventual a libertação de réus presos já condenados por simples efeito da 
 utilização de expedientes dilatórios – apenas pudesse ser aplicada quando 
 houvesse uma absoluta sobreposição entre a decisão de recurso e a decisão de 
 primeira instância, e não já em todos os demais casos que justificam idêntico 
 tratamento (por envolverem um duplo juízo condenatório), mas relativamente aos 
 quais, em razão do poder de reapreciação do tribunal superior, tenha havido uma 
 ligeira discrepância quanto à dosimetria da pena.
 
  
 A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura no plano 
 jurídico-constitucional.
 
  
 III – Decisão
 
  
 Termos em que se decide:
 a)      não conhecer do recurso quanto à segunda questão de constitucionalidade;
 b)      negar provimento ao recurso na parte em que dele se conhece.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC. 
 Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão (vencido quanto ao conhecimento
 da questão de  constitucionalidade respeitante à violação do  princípio da 
 legalidade, no essencial, pelas razões constantes do Ponto 7. do acórdão N.º 
 
 494/03, de que fui relator).