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Processo nº 594/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 A., Lda. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo de 13 de Maio de 2009, que indeferira, em conferência, 
 um anterior pedido de reforma de acórdão.
 
  
 
  
 O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho de fls. 180.
 
  
 Por decisão sumária de fls. 186 e seguintes decidiu-se, ao abrigo do disposto no 
 artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, julgar manifestamente 
 infundada a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 147°, n.° 2, do 
 CPTA, conjugado com o artigo 2.°, alínea c), do CPPT, no segmento normativo que 
 determina, quanto aos processos tributários urgentes, a redução para metade dos 
 prazos estabelecidos no Código de Processo Civil, negando, nesta parte, 
 provimento ao recurso, e, bem assim, não conhecer do objecto do recurso quanto à 
 norma do artigo 2°, alínea c), do CPPT, quando interpretado no sentido de 
 permitir a aplicação supletiva de normas sobre a organização e processo nos 
 tribunais administrativos e tributários a casos omissos do processo judicial 
 tributário quando essas normas assumam natureza excepcional.
 
  
 
 É a seguinte a fundamentação da decisão sumária:
 
  
 
 “No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente 
 pretende a apreciação de duas questões:
 
 - Uma, respeitante à norma do artigo 147°, n.° 2, do CPTA, conjugado com o 
 artigo 2.°, alínea c), do CPPT, no segmento normativo que determina, quanto aos 
 processos tributários urgentes, a redução para metade dos prazos estabelecidos 
 no Código de Processo Civil;
 
 - Outra, reportada à norma do artigo 2°, alínea c), do CPPT, quando interpretado 
 no sentido de permitir a aplicação supletiva de normas sobre a organização e 
 processo nos tribunais administrativos e tributários a casos omissos do processo 
 judicial tributário quando essas normas assumam natureza excepcional.
 Segundo a recorrente, estas normas violariam o princípio do direito a um 
 processo justo e o princípio da segurança jurídica na sua dimensão adjectiva 
 fundamental.
 Relativamente à primeira das assinaladas normas, e como observa o tribunal 
 recorrido, não se alcança em que medida a redução para metade, nos processos 
 tributários urgentes, dos prazos estabelecidos no Código de Processo Civil, 
 ofenda estes princípios. Não apenas porque nenhuma norma constitucional 
 estabelece concretos prazos para os processos tributários urgentes, como também 
 porque, sendo o processo urgente, é compreensível a redução dos respectivos 
 prazos.
 Assim sendo, considera-se manifestamente infundada a primeira questão de 
 constitucionalidade colocada pela recorrente.  
 No que diz respeito à segunda questão de constitucionalidade, além de não se 
 vislumbrar em que medida a aplicação supletiva de normas a casos omissos se 
 conexiona com o direito a um processo justo e, bem assim, com o princípio da 
 segurança jurídica, em termos de tal aplicação poder redundar na violação deste 
 direito e deste princípio – o que também apontaria para o carácter 
 manifestamente infundado dessa questão de constitucionalidade -, o certo é que, 
 na decisão recorrida, não se faz referência à natureza excepcional das normas 
 sobre a organização e processo nos tribunais administrativos e tributários: 
 deste modo, não pode sustentar-se que a decisão recorrida haja aplicado a norma 
 do artigo 2°, alínea c), do CPPT, quando interpretado no sentido de permitir a 
 aplicação supletiva de normas sobre a organização e processo nos tribunais 
 administrativos e tributários a casos omissos do processo judicial tributário 
 quando essas normas assumam natureza excepcional.
 Termos em que, por a decisão recorrida não ter aplicado a segunda norma indicada 
 pela recorrente, na interpretação que censura (o que é exigido pelo artigo 70º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional), não pode conhecer-se, 
 nesta parte, do objecto do recurso, por falta de preenchimento de um dos seus 
 pressupostos processuais”.
 
  
 Desta decisão reclama agora A., Lda. para a conferência, nos termos do disposto 
 no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, pelos seguintes 
 fundamentos (fls. 197 e v.º):
 
  
 
 “1. Da manifesta improcedência da questão de constitucionalidade da norma do 
 artigo 147.°, n.° 2, do CPTA, conjugado com o artigo 2.°, alínea c), do CPPT, no 
 segmento normativo que determina quanto aos processos tributários urgentes a 
 redução para metade dos prazos estabelecidos no Código de Processo Civil 
 Tem razão o Ex.mo Conselheiro Relator quando afirma que “nenhuma norma 
 constitucional estabelece concretos prazos para os processos urgentes, como 
 também porque sendo o processo urgente é compreensível a redução dos prazos”. 
 Não foi, no entanto, nessa dimensão do parâmetro constitucional que se suscitou 
 a questão de constitucionalidade. 
 No entendimento da recorrente a norma em causa viola o direito a um due process 
 of law, o direito a um processo justo e equitativo, na medida em que 
 estabelecendo um regime legal quanto aos prazos (o do Código de Processo Civil) 
 admita a aplicação supletiva, a título de caso omisso (artigo 2.°, alínea c), do 
 CPPT) de um outro regime legal (o do CPTA) que determina a redução para metade 
 dos prazos processuais. 
 Como não pode menosprezar-se, o direito a um processo justo e equitativo tem 
 manifesta repercussão no âmbito do direito adjectivo, maxime, no que se refere à 
 segurança, previsibilidade e razoabilidade das normas processuais e da sua 
 aplicação. No entendimento da recorrente, a norma em causa afronta, pois, os 
 referidos princípios constitucionais, ao importar a definição de um regime 
 particular relativo aos prazos processuais para a esfera de outro domínio 
 normativo, considerado aplicável aos prazos processuais, regulamentando-o a 
 título supletivo como caso omisso. 
 Ora, como se vê não está em causa um concreto prazo, mas os critérios legais que 
 estabelecem e impõem a redução para metade, no âmbito do denunciado 
 circunstancialismo normativo. 
 A questão afigura-se, na óptica da recorrente, pertinente e com condições para 
 proceder tendo em conta a jurisprudência pátria e europeia sobre as exigências 
 decorrentes do direito a um processo justo e equitativo. 
 Causa, por isso, particular perplexidade que o Tribunal a haja considerado 
 manifestamente infundada, tendo principalmente em conta o critério que esse 
 Tribunal tem formulado quanto à qualificação em crise e que, entre outros, se 
 encontra condensada no Acórdão n.° 501/94. 
 
 2. A não aplicação, como ratio decidendi da norma do artigo 2.°, alínea c), do 
 CPPT, na interpretação definida pela recorrente 
 A norma que reduz para metade um prazo relativamente aos processos urgentes, 
 excepcionando o regime geral ou normal, tem natureza excepcional. O facto de na 
 decisão recorrida não se fazer referência ao carácter excepcional da norma, não 
 determina que a interpretação definida pala recorrente não tenha constituído, 
 até à luz das noções elementares de direito, ratio decidendi, nem, por outro 
 lado, mesmo que assim não fosse, a “qualificação” dogmática ou doutrinária da 
 norma, como tem sido sublinhado nesse Tribunal, não vincula o Tribunal 
 Constitucional. 
 Discorda-se, pois, do Tribunal também na parte em que não toma conhecimento da 
 segunda questão de constitucionalidade.”.
 
  
 O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP respondeu, sustentando 
 o indeferimento da reclamação.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
 1. Na decisão sumária ora reclamada considerou-se que a primeira questão de 
 constitucionalidade colocada pela recorrente – reportada à norma do artigo 147°, 
 n.° 2, do CPTA, conjugado com o artigo 2.°, alínea c), do CPPT, no segmento 
 normativo que determina, quanto aos processos tributários urgentes, a redução 
 para metade dos prazos estabelecidos no Código de Processo Civil – era 
 manifestamente infundada. 
 
  
 E isto porque não se alcançava em que medida tal interpretação ofendia, como 
 pretende a recorrente, os princípios do direito a um processo justo e da 
 segurança jurídica, atendendo, por um lado, a que nenhuma norma constitucional 
 estabelece concretos prazos para os processos tributários urgentes, e, por outro 
 lado, a que, sendo o processo urgente, é compreensível a redução dos respectivos 
 prazos.
 
  
 A reclamante insurge-se contra este entendimento, alegando, em síntese, que a 
 questão de constitucionalidade por si colocada ao Tribunal Constitucional não é 
 aquela que foi considerada pelo relator: mais precisamente, a recorrente 
 pretendia a apreciação da conformidade constitucional de uma interpretação que 
 admite a aplicação supletiva, a título de caso omisso, de um regime legal (o do 
 CPTA), quando existe um outro regime legal quanto aos prazos (o do CPC), que é o 
 aplicável.
 
  
 Ou seja: deduz-se da reclamação que a reclamante se insurge, não contra a 
 redução dos prazos, em si mesma considerada, ou contra os concretos prazos 
 aplicáveis no presente processo, mas contra essa redução, quando, por aplicação 
 do regime geral (o do CPC), a mesma não deveria ter lugar.
 
  
 Contudo, se é este o objecto do presente recurso de constitucionalidade, 
 facilmente se conclui que, então, o problema não é de manifesta improcedência do 
 recurso, mas, antes, de impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso, 
 por esse objecto extravasar a competência do Tribunal Constitucional.
 
  
 Com efeito, o que afinal a recorrente e reclamante pretende é que o Tribunal 
 Constitucional sindique se existia ou não caso omisso e se o tribunal recorrido 
 aplicou correctamente a lei, optando pelo regime do CPTA em vez do regime do 
 CPC.
 
  
 Ora, o Tribunal Constitucional não possui competência para verificar se o 
 tribunal recorrido aplicou correctamente a lei, mas apenas se a norma ou 
 interpretação aplicada (bem ou mal) por esse tribunal ofende alguma norma ou 
 princípio constitucional (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional).
 
  
 Daí que, quanto à primeira questão de constitucionalidade, a decisão sumária não 
 possa ser alterada no sentido pretendido pela reclamante; admitindo-se, na 
 decisão reclamada, que essa questão não haja sido correctamente equacionada e 
 que consista, afinal, numa questão de incorrecta aplicação do direito ordinário 
 pelo tribunal recorrido, forçoso é concluir que não pode conhecer-se do objecto 
 do recurso, por o mesmo não caber na competência do Tribunal Constitucional.
 
  
 
 2. Relativamente à segunda questão de constitucionalidade colocada pela 
 recorrente - reportada à norma do artigo 2°, alínea c), do CPPT, quando 
 interpretado no sentido de permitir a aplicação supletiva de normas sobre a 
 organização e processo nos tribunais administrativos e tributários a casos 
 omissos do processo judicial tributário quando essas normas assumam natureza 
 excepcional  -, considerou-se na decisão sumária reclamada que da mesma não 
 podia conhecer-se, atendendo à não aplicação de tal interpretação na decisão 
 recorrida (com efeito, a decisão recorrida não faz referência à natureza 
 excepcional das normas sobre a organização e processo nos tribunais 
 administrativos e tributários).
 
  
 Segundo a reclamante, porém, a natureza excepcional da norma que reduz para 
 metade um prazo relativamente aos processos urgentes, excepcionando o regime 
 geral ou normal, decorre das noções elementares de direito, além de que o 
 Tribunal Constitucional não se encontra vinculado às qualificações do tribunal 
 recorrido: daí que deva concluir-se no sentido da aplicação, na decisão 
 recorrida, da citada interpretação.
 
  
 Esta argumentação, porém, limita-se a reforçar a conclusão a que se chegara 
 acerca da impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso de 
 constitucionalidade: com efeito, verifica-se que a recorrente mais não pretende 
 do que o controlo, pelo Tribunal Constitucional, da boa aplicação da lei pelo 
 tribunal recorrido, que implica, na sua perspectiva, a não aplicação de normas 
 excepcionais a casos omissos.
 
  
 Ou seja: mesmo que a razão para o não conhecimento do objecto do recurso de 
 constitucionalidade não seja a não aplicação, na decisão recorrida, da 
 interpretação em causa (conforme se entendeu na decisão sumária), subsiste uma 
 razão para esse não conhecimento, que é a da inidoneidade de tal objecto e 
 consequente incompetência do Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional, 
 na verdade, não possui competência, como decorre das várias alíneas do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciar se o tribunal 
 recorrido aplicou correctamente a lei.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 22 de Setembro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão