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Processo n.º 1118/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Braga recorre para o Tribunal Constitucional ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença ali proferida em 4 de Julho de 
 
 2007, na qual se recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação 
 do Regulamento da Rede de Saneamento de Guimarães, por violação do disposto no 
 artigo 115.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa (com 
 correspondência, na versão actual, ao artigo 112.º, n.º 7).
 
  
 
             2 – Na parte circunstancialmente relevante, a decisão recorrida tem 
 o seguinte teor:
 
  
 
 “Pela Exma. Magistrada do Ministério Publico, foi suscitada questão da 
 inconstitucionalidade do regulamento, pelo que importa, em primeiro, conhecer 
 da mesma: 
 Ora, tendo por base a matéria de facto dada como provada, conc1ui-se que o 
 Regulamento da Rede de Saneamento de Guimarães foi aprovado por deliberação da 
 Assembleia Municipal de 16 de Março de 1984. 
 Por sua vez a publicidade do mesmo foi feita por Edital datado de 29 de Março de 
 
 1984. 
 O art. 115° n.º 7 da CRP, na redacção de 1982 rege o seguinte: 'Os regulamentos 
 devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a 
 competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”.
 Face à matéria de facto dada como assente e consultando o Regulamento em 
 discussão nos presentes autos, conc1ui-se que do mesmo não consta a indicação da 
 lei habilitante conforme determina o n.º 7 do art. 115° da CRP, hoje, art. 112° 
 n.º 7. 
 Assim, face ao descrito, conc1ui-se que o Regulamento da Rede de Saneamento de 
 Guimarães, por não conter de forma expressa a lei habilitante, é formalmente 
 inconstitucional. 
 Pelo que, fica prejudicado, o conhecimento das demais questões suscitadas”. 
 
  
 
 3 – Desta decisão foi interposto, nos termos supra descritos, o presente recurso 
 de constitucionalidade, tendo o recorrente, em sede de alegações, pugnado pela 
 inconstitucionalidade formal das normas do Regulamento da Rede de Saneamento de 
 Guimarães, por ser totalmente omissa a indicação da lei habilitante e por o 
 mesmo conter normas dotadas de manifesta eficácia externa.
 
  
 Cumpre agora julgar.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 4 – Como é consabido, desde a revisão constitucional de 1982, consagraram-se, 
 expressamente, na Lei Fundamental as exigências formais a que devem obedecer os 
 regulamentos: a indicação expressa da lei ou leis que visam regulamentar ou que 
 atribuem, especificamente, competência (subjectiva e objectiva) para a emissão 
 do regulamento, ou, dito de outro modo, a referência expressa à lei habilitante, 
 e, no que toca aos regulamentos do Governo, a sua sujeição à forma de decreto 
 regulamentar, nas situações constitucionalmente previstas.
 O artigo 115.º, n.º 7 (na versão vigente à data da edição do Despacho e que hoje 
 corresponde ao artigo 112.º, n.º 8 da CRP) estipulava que “os regulamentos devem 
 indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a 
 competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”, pelo que o incumprimento 
 do dever constitucional de citação da lei habilitante num regulamento que contém 
 normas com evidente eficácia externa determina a inconstitucionalidade formal 
 das normas nele contidas.
 O Tribunal Constitucional tem, sobre esta matéria, uma jurisprudência extensa e 
 clara.
 Entende o Tribunal, como pode ler-se no Acórdão n.º 375/94 (in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 28º volume, p. 215), que “ao impor o dever de citação 
 da lei habilitante, o que a Constituição pretende é garantir que a subordinação 
 do regulamento à lei (e, assim, a precedência da lei relativamente a toda a 
 actividade administrativa) seja explícita (ostensiva)”.
 No Acórdão n.º 188/00 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., p. 
 
 775), explica-se, ainda, que a “orientação do Tribunal frisa, portanto, que – 
 conforme se pode ler na norma constitucional que prevê tal exigência –, a 
 indicação da lei que se visa regulamentar ou que define a competência objectiva 
 ou subjectiva para sua emissão há-de ser expressa (questão, esta, da forma de 
 citação que é, como se sabe, diversa da de saber se se devem admitir 
 autorizações legais implícitas para a emissão de regulamento, relativa à forma 
 da autorização legal)”.
 
 É por esta razão, e nos termos do Acórdão n.º 665/94, que (cfr. Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 29.º vol., p. 339) se considera que “’ainda que se 
 pudesse identificar, com elevado grau de probabilidade, as normas legais que 
 habilitavam a aprovação do regulamento em causa’, ‘a verdade é que a 
 inconstitucionalidade formal se mantém, pois a função da exigência da 
 identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso do poder 
 regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, 
 a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a segurança e a 
 transparência jurídicas, sobretudo à luz da principiologia do Estado de direito 
 democrático’ (cfr. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1983, pág.516)”.
 Em todo o caso, como se disse no Acórdão n.º 357/99 (publicado no Diário da 
 República II Série, de 2 de Março de 2000), “não impõe a lei constitucional que 
 a indicação da lei definidora da competência conste de um qualquer trecho 
 determinado do Regulamento”, exigindo-se porém, como já se referiu, que tal 
 menção seja “expressa” e assim se recusando qualquer referência implícita à base 
 legal autorizante (v. Acórdão n.º 345/01, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
                  Atente-se, também, com manifesto interesse para o caso sub 
 judicio, no que se firmou no acórdão n.º 76/88 (Diário da República I Série, de 
 
 21 de Abril de 1988) quanto à teleologia funcional da norma do artigo 115.º, n.º 
 
 7, da CRP:
 
 “É, pois, claro, […] que abrangidos pela regra bidireccional do n.º 7 do artigo 
 
 115.º [n.º 7 do artigo 112.º] da Constituição da República Portuguesa estão 
 todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo […] e dos órgãos 
 próprios das autarquias locais […]. Todos esses regulamentos, de um ou de outro 
 modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que necessariamente precede 
 cada um deles, e que, por força do disposto no n.º 7 do artigo 115.º da 
 Constituição da República Portuguesa, tem de ser obrigatoriamente citada no 
 próprio regulamento.
 O papel dessa lei precedente – di-lo o n.º 7 do artigo 115.º – não é sempre o 
 mesmo.
 Umas vezes a lei a referir é aquela que o regulamento visa regulamentar. Será 
 esse o caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos 
 complementares.
 Outras vezes a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva 
 para a sua emissão. De facto, no exercício do poder regulamentar têm de ser 
 respeitados diversos parâmetros, e assim é que «cada autoridade ou órgão só pode 
 elaborar os regulamentos para cuja feitura a lei lhe confira competência, não 
 podendo invadir a de outras autoridades ou órgãos (competência subjectiva)» e 
 nessa «feitura deverá visar-se o fim determinante da atribuição do poder 
 regulamentar (competência objectiva)» – Afonso Rodrigues Queiró, «Teoria dos 
 regulamentos», Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, nºs 1-2-3-4, p. 
 
 19 (...)”.
 Ora, do teor do Regulamento da Rede de Saneamento de Guimarães – aprovado por 
 Deliberação de 16 de Março de 1984 da Assembleia Municipal de Guimarães, em 
 sessão de 10 de Março do mesmo ano – (fls. 280 e ss.), resulta, tal como ajuizou 
 a decisão recorrida, que o mesmo é totalmente omisso quanto à identificação da 
 respectiva lei habilitante, deixando os seus destinatários totalmente 
 desprovidos do conhecimento dessa lei, com prejuízo para os valores da certeza e 
 transparência que o preceito constitucional ínsito no nº 7 do artigo 115º da Lei 
 Fundamental visa acautelar (cf. Acórdão n.º 283/00, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Deste modo, as suas normas padecem de inconstitucionalidade formal, por violação 
 do disposto no n.º 7 do art.º 115.º da Constituição, na versão vigente (1982) ao 
 tempo da edição do Regulamento.
 
 
 C – Decisão
 
  
 
             5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 
             a) Julgar formalmente inconstitucionais, por violação do n.º 7 do 
 artigo 115.º da Constituição, na versão decorrente da Lei Constitucional nº 
 
 1/82, de 30 de Setembro, as normas constantes do Regulamento da Rede de 
 Saneamento de Guimarães, aprovado na sessão de 10 de Março de 1984 da Assembleia 
 Municipal de Guimarães; e, em consequência,
 
             b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida 
 quanto ao juízo de inconstitucionalidade nela formulado.
 
  
 
             Sem custas.
 Lisboa, 2 de Abril de 2008
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos