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Processo nº 119/2008
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral 
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 11 de Março de 2008 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não 
 tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A.
 A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou nos seguintes 
 fundamentos: 
 
  
 
 3.  O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, em decisão que, como se 
 sabe, não vincula este Tribunal, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, e, analisados os autos, conclui-se que é de proferir 
 decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da referida Lei.
 Com efeito, é pressuposto específico do recurso de constitucionalidade 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da 
 inconstitucionalidade da norma durante o processo e do esgotamento dos recursos 
 ordinários que no caso cabiam, que a norma (ou dimensão normativa) impugnada 
 tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, 
 como verdadeira ratio decidendi. 
 Este último requisito não é mais do que expressão da necessária utilidade da 
 intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se o sentido 
 normativo impugnado não corresponder ao sentido com que as normas questionadas 
 foram aplicadas na decisão recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre 
 a sua constitucionalidade, qualquer que ela fosse, sempre será insusceptível de 
 alterar o sentido da decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal 
 Constitucional não pode tomar conhecimento do objecto do recurso.
 No nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da 
 constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional nem controlar o modo 
 como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer 
 controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as 
 normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de 
 constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República 
 Portuguesa e pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de 
 fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida. Não pode, pois, ser apreciada a questão de 
 constitucionalidade da decisão – do acto de aplicação do direito –, mas, apenas, 
 da(s) norma(s) que nela haja(m) sido aplicada(s). Como se pode ler no Acórdão 
 n.º 604/93, publicado no Diário da República, II série, de 29 de Abril de 1994:
 
  
 
 [...] Importa referir que o legislador constituinte referencia como elemento 
 definidor do objecto típico da actividade do Tribunal em matéria de fiscalização 
 de constitucionalidade – designadamente, de fiscalização concreta – o conceito 
 de ‘norma jurídica’. Assim, apenas as normas podem ser objecto de controlo 
 constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. 
 A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da 
 Constituição, 1991, p. 258): «pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo 
 dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se 
 deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode 
 impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer 
 motivo a Constituição.» (Cfr. também, e mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 
 
 595/97, 338/98, 520/99 e 232/2002, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
 4. Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não se baseou, como ratio decidendi, 
 expressa ou implicitamente, na interpretação do artigo 358.º, n.º 1, do Código 
 de Processo Penal, com referência ao artigo 359.º e ao artigo 1.º, n.º 1, alínea 
 f), do mesmo diploma legal, que o recorrente impugna perante este Tribunal: “no 
 sentido de que é lícito ao Tribunal do julgamento alterar uma acusação do 
 Ministério Público, que não passa de um conjunto de imputações vagas, genéricas, 
 imprecisas e meramente conclusivas, já que dela não consta a narração de 
 qualquer acto concretizado de tráfico de estupefacientes, nos termos do art.º 
 
 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP.” É o que decorre, como o Supremo Tribunal de 
 Justiça deixou claro, do que se pode ler na decisão pretendida recorrer a fl. 
 
 1410 dos autos: 
 
  
 
 É manifesto que está em causa uma actividade concreta e determinada devidamente 
 balizada em termos de autoria, tempo e modo e em relação à qual o facto aditado 
 nos termos do artigo 358.º do CPP representa uma concretização subordinada ao 
 denominador comum de uma actividade progressiva do tráfico de estupefaciente 
 efectuada pelo recorrente e que se inscreve nas relações existentes entre o 
 mesmo e o Ângelo Esteves. O seu comportamento tem subjacente uma pluralidade de 
 actos voluntários que surgem dominados pela mesma resolução criminosa de tráfico 
 de estupefacientes. Não está em causa um outro crime, mas sim uma actividade que 
 se inscreve num percurso delitivo, sem qualquer virtualidade para alterar a 
 qualificação jurídica determinada pela factualidade impressa na acusação e 
 considerada provada.
 
  
 Conclui-se, pois, que a norma que se pretende submeter à apreciação do Tribunal 
 Constitucional, na dimensão tentada impugnar pelo recorrente, não foi aplicada, 
 expressa ou implicitamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, resolvendo o 
 problema de “saber se, perante a alteração introduzida, estamos perante um mesmo 
 facto ou perante um facto diverso e, consequentemente, se existiu alteração do 
 objecto do processo” (fl. 3406), concluiu que “nenhum reparo oferece a decisão 
 recorrida quando decide que não pode colher a invocação do recorrente de 
 ilegítima ampliação do objecto do processo e violação do art.º 359.º do CPP, não 
 se colocando por outro lado, por conforme à letra do preceito a interpretação 
 que dele foi feita, a questão da sua inconstitucionalidade por assim 
 interpretado.” (Fl. 3411). 
 Assim, por falta de verificação dos pressupostos indispensáveis para tanto, 
 sendo que, como é sabido, no recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade vigora o princípio do pedido (artigo 79.º-C da Lei do 
 Tribunal Constitucional), não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento 
 do objecto do presente recurso de constitucionalidade. 
 
  
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos e 
 com os fundamentos seguintes: 
 
  
 
 1. Como fundamento expresso da referida decisão sumária é invocado o facto de, 
 segundo na mesma se alega, o Supremo Tribunal de Justiça não ter aplicado, 
 
 “expressa ou implicitamente”, a norma que o recorrente pretende submeter à 
 apresentação do Tribunal Constitucional, qual seja o art. 358°, n° 1, do Código 
 de Processo Penal, na interpretação que, no entendimento do recorrente, foi 
 feita pelas instâncias e, ao fim ao resto, também pelo S.T.J., uma vez que o 
 douto Acórdão deste Supremo Tribunal mais não fez que confirmar as decisões das 
 instâncias e, portanto, não alterou os fundamentos das anteriores decisões. 
 
 2. Ora, salvo o muito devido respeito, a prova de que o S.T.J. interpretou o 
 art. 358°, n° 1, do do Código de Processo Penal no sentido que o recorrente 
 considera gravemente ofensivo dos direitos do arguido consagrados na 
 Constituição da República e que, portanto, “validou” a aplicação que do mesmo 
 preceito foi feita pelas Instâncias, encontra-se nos próprios excertos que a 
 Exma Conselheira Relatora fez do referido Acórdão do S.T.J. Com efeito, a fls. 
 
 1410 dos autos (parte transcrita no final da página 4 da douta decisão ora 
 reclamada), consta o seguinte: “é manifesto que está em causa uma actividade 
 concreta e determinada devidamente balizada em termos de autoria, tempo e modo e 
 em relação à qual o facto aditado nos termos do artigo 358° do CPP representa 
 uma concretização subordinada ao denominador comum de uma actividade progressiva 
 do tráfico de estupefaciente efectuada pelo recorrente e que se inscreve nas 
 relações existentes entre o mesmo e o Angelo Esteves.” 
 
 3. E também se afigura que o excerto do douto Acórdão do S.T.J., na parte que a 
 ora reclamada decisão sumária transcreveu de fls. 3406 e 3411 dos autos, não 
 permite a conclusão de que aquele Supremo Tribunal não aplicou a norma do art. 
 
 358°, n° 1, do C.P.P., “na dimensão tentada impugnar pelo recorrente” (negrito 
 nosso) uma vez que, cotejando o teor dos Acórdãos da 1ª Instância e da 2ª 
 Instância com o que, a respeito da alteração da matéria constante da acusação do 
 M.P., é referido no Acórdão do S.T.J., forçoso será concluir que, ao dizer-se 
 que “nenhum reparo oferece a decisão recorrida quando decide que não pode colher 
 a invocação do recorrente de ilegítima ampliação do objecto do processo e 
 violação do art. 359° do CPP” apenas se pretende significar que não é este 
 
 último preceito o aplicável aos factos em causa, mas sim o art. 358° daquele 
 diploma legal. 
 
 4. Ou seja, no douto entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa e no do 
 Supremo Tribunal de Justiça, a ampliação dos factos imputados ao arguido não foi 
 ilegítima, já que a mesma não é subsumível ao conceito de alteração substancial 
 dos factos prevista no art. 359º C.P.P., o qual, como é sabido e dele 
 expressamente consta, impõe uma tramitação garantística dos direitos de defesa 
 do arguido que não é assegurada pelo art. 358° do mesmo C.P.P., mas, isso sim, o 
 S.T.J considera que a ampliação da matéria da acusação feita na 1ª Instância e 
 confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa se enquadra no espírito e na letra 
 do art. 358° do C.P.P. Ora, é precisamente esta interpretação legitimadora da 
 aplicação do art. 358°, n° 1, do C.P.P., ao caso do aditamento, por parte do 
 tribunal do julgamento, de um facto concreto e muito grave à acusação do M.P. 
 que o recorrente considera inconstitucional. 
 
 5. Mas ainda sobre a questão de saber se o S.T.J. aplicou ou, melhor, julgou bem 
 aplicada a norma do art. 358° do C.P.P., na interpretação que o recorrente julga 
 inadmissível e violadora da Constituição da República Portuguesa, cumpre 
 referir, ainda que muito sinteticamente, outras passagens do douto Acórdão do 
 S.T.J.. 
 ASSIM: 
 Na página 33 do Acórdão do S.T.J, é expressamente utilizada a expressão “facto 
 aditado nos termos do artigo 358° do CPP” (negrito nosso), aludindo à alteração, 
 por parte do tribunal de julgamento, da acusação do M.P., que é manifestamente 
 vaga e repleta de indefinições, em termos de, já depois das alegações orais do 
 seu defensor, acusar o arguido, ora recorrente, de, entre a primeira semana e o 
 dia 28 de Janeiro de 2004, ter recebido da testemunha de acusação Ângelo Esteves 
 o total de 40 Kgs. de haxixe, o que, neste caso concreto e perante o carácter 
 vago da acusação do M.P., implicou que o Tribunal Colectivo tenha passado do 
 papel de julgador ao de acusador, o que lhe está vedado pelo art. 32°, n°s 1 e 
 
 5, da C.R.P., conforme se argumentou na conclusão 13ª das alegações do 
 recorrente para o S.T.J.. 
 
 6. Por outro lado, tanto a 1ª Instância, como a Segunda, referem, “ex professo”, 
 que o aditamento do referido “novo” facto à acusação do M.P. foi feita nos 
 termos do art. 358° do C.P.P., conforme, por exemplo, relativamente ao douto 
 Acórdão da Relação de Lisboa, o patenteiam os seguintes excertos: 
 
 “... o que foi julgado e provado e como tal consignado sob item 14 constitui 
 efectivamente, como bem se decidiu, uma concretização da imputação naqueles 
 contida, que, enquanto especificação/delimitação de conduta já imputada, não 
 determinam imputação de crime diverso (crime diferente ou mais um crime) do 
 imputado na acusação, nem agravação da moldura penal, designadamente dos limites 
 máximos da sanção aplicável, assim consubstanciando a sua consideração tão só 
 uma alteração não substancial dos factos admissível nos termos previstos no art. 
 
 358°, n° 1, do CPP”. E logo a seguir: “Em tal conformidade, e porque 
 oportunamente foi observado, em vista da possibilidade de acolhimento de tais 
 factos que viria de facto depois a concretizar-se, o formalismo prescrito em tal 
 processo, não pode colher a invocação do recorrente de ilegítima ampliação do 
 objecto do processo e violação do art. 359° do CPP, não se colocando por outro 
 lado, por patentemente conforme desde logo à letra do preceito a interpretação 
 que dele foi feita, a questão da inconstitucionalidade do assim interpretado. 
 
 7. Ora, conforme já se frisou supra, foi contra esta interpretação do art. 358°, 
 n° 1, do C.P.P., que o recorrente se insurgiu logo na primeira instância e, 
 subsequentemente, nas alegações apresentadas no Tribunal da Relação de Lisboa e 
 no Supremo Tribunal de Justiça, por entender que o supracitado preceito legal, 
 se for interpretado como, no caso concreto “sub judicibus”, o fizeram os três 
 referidos tribunais, viola o art. 32°, n°s 1 e 5 da Constituição da República, 
 dado que a impugnada alteração da matéria da acusação do M.P. consistiu na 
 correcção das reconhecidas “indefinições” desta acusação (cfr. texto do Acórdão 
 da 1ª Instância), a qual, atenta a sua amplitude e efeito notório na agravação 
 da pena aplicada ao recorrente, “buliu” com a própria essência da acusação, cujo 
 titular normal é o M.P., e, desse modo, postergou as mais elementares garantias 
 de defesa do recorrente, como, por exemplo, o direito de, oportunamente, 
 requerer a abertura de instrução, o que tudo se traduz numa flagrante violação 
 do princípio da “vinculação temática”, do princípio do “acusatório” e também, em 
 certa medida, do princípio do contraditório (cfr., por exemplo, as conclusões 
 
 12ª, 13ª, 14ª e 18ª das alegações apresentadas no S.T.J., que aqui se dão por 
 integralmente reproduzidas). 
 
 8. Julga-se, pois, como óbvio que o recorrente só reputa de ferido de 
 inconstitucionalidade material o art. 358°, n° 1, do C.P.P., se (e só se) este 
 preceito for interpretado com o sentido e alcance com que o foi pelos Exm°s 
 Juízes das Instâncias e do S.T.J., já que se afigura como lógica a ilação de 
 que, a adoptar-se a questionada interpretação do art. 358°, n° 1, do C.P.P., 
 estará aberta a porta a todas as arbitrariedades no processo criminal português, 
 porquanto, v. g., poderá dar-se o caso de determinado arguido não requerer a 
 abertura da instrução quando considere que a acusação não lhe imputa a prática 
 um só facto concreto criminalmente punível e, portanto, o desfecho provável do 
 
 “caso” será a sua absolvição, e, depois..., durante o julgamento ou, como no 
 caso concreto em apreço, já depois de encerrada a produção da prova testemunhal, 
 vê-se confrontado com a acusação, pelo próprio tribunal do julgamento e não pelo 
 M.P., de um facto concreto criminalmente muito grave que, por si só, lhe 
 acarreta uma pesada pena de prisão efectiva. Ora, salvo o devido respeito, este 
 
 “abuso” do art. 358° do C.P.P. viola as mais elementares garantias de defesa do 
 arguido consagradas na Constituição da República Portuguesa, designadamente no 
 supracitado art. 32°, n°s 1 e 5. 
 Em face de todo o exposto, o recorrente, porque lhe repugna aceitar a tese de 
 que art. 358°, n° 1, do C.P.P., não obstante a letra deste preceito, não enferma 
 de inconstitucionalidade material se for interpretado com o sentido, a 
 abrangência e os efeitos nefastos nas possibilidades de defesa do arguido como o 
 foram pela 7ª Vara Criminal de Lisboa, o Tribunal da Relação de Lisboa e o 
 Supremo Tribunal de Justiça, vem apelar para Vossas Excelências no sentido de 
 que seja revogada a decisão sumária de que ora se reclama e se ordene o 
 conhecimento do recurso, com o consequente normal prosseguimentos dos autos, nos 
 termos dos n°s 4 e 5 do citado art. 78°-A da LTC, e segundo o que se afigura ser 
 da mais elementar 
 JUSTIÇA!
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional 
 respondeu à reclamação nos seguintes termos:
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°
 Efectivamente, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por 
 não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada, como salienta o 
 Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal.
 Como foi já dito na decisão reclamada, para se poder conhecer de um recurso 
 intentado ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos 
 ordinários, que a inconstitucionalidade das normas impugnadas – no caso, a norma 
 referida ao artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com referência ao 
 artigo 359.º e ao artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma legal, 
 interpretados “no sentido de que é lícito ao Tribunal do julgamento alterar uma 
 acusação do Ministério Público, que não passa de um conjunto de imputações 
 vagas, genéricas, imprecisas e meramente conclusivas, já que dela não consta a 
 narração de qualquer acto concretizado de tráfico de estupefacientes, nos termos 
 do art.º 283.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., por forma a que, corrigindo aquelas 
 deficiências e «indefinições», acabou por ser o julgador, e não o Ministério 
 Público, quem, na realidade, acusou o arguido da prática de um facto concreto 
 muito grave, qual seja ele o de que ele «havia recebido anteriormente, entre a 
 primeira semana e o dia 28 de Janeiro de 2004, do mesmo Ângelo Esteves, duas 
 entregas de haxixe, perfazendo o total de 40 (quarenta) quilogramas, produto que 
 vendeu a terceiros, de identidade não apurada»”- tenha sido suscitada durante o 
 processo e que estas normas, no sentido interpretativo impugnado, tenham sido 
 aplicadas como ratio decidendi pelo tribunal recorrido.
 Ora, no presente caso – como já se afirmou e agora se reitera – este último 
 requisito não se verifica.
 
  
 
  
 
 4.  O reclamante insurge-se contra a decisão reclamada afirmando, entre o mais, 
 que “o S.T.J. considera que a ampliação da matéria da acusação feita na 1.ª 
 Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa se enquadra no 
 espírito e na letra do art.º 358.º do C.P.P. Ora, é precisamente esta 
 interpretação legitimadora da aplicação do art.º 358.º, n.º 1, do C.P.P., ao 
 caso do aditamento, por parte do tribunal do julgamento, de um facto concreto e 
 muito grave à acusação do M.P. que o recorrente considera inconstitucional.” “Na 
 página 33 do Acórdão do S.T.J.”, continua, “é expressamente utilizada a 
 expressão «facto aditado nos termos do artigo 358.º do CPP» (negrito nosso), 
 aludindo à alteração, por parte do tribunal de julgamento, da acusação do M.P., 
 que é manifestamente vaga e repleta de indefinições, em termos de, já depois das 
 alegações orais do seu defensor, acusar o arguido, ora recorrente, de entre a 
 primeira semana e o dia 28 de Janeiro de 2004, ter recebido da testemunha de 
 acusação Ângelo Esteves o total de 40 Kgs. de haxixe, o que, neste caso concreto 
 e perante o carácter vago da acusação do M.P., implicou que o Tribunal Colectivo 
 tenha passado do papel de julgador ao de acusador, o que lhe está vedado pelo 
 art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da C.R.P., conforme se argumentou na conclusão 13.ª das 
 alegações do recorrente para o S.T.J.” “Ora, conforme já se frisou supra”, 
 conclui mais à frente, “foi contra esta interpretação do art. 358°, n° 1, do 
 C.P.P., que o recorrente se insurgiu logo na primeira instância e, 
 subsequentemente, nas alegações apresentadas no Tribunal da Relação de Lisboa e 
 no Supremo Tribunal de Justiça, por entender que o supracitado preceito legal, 
 se for interpretado como, no caso concreto «sub judicibus», o fizeram os três 
 referidos tribunais, viola o art. 32°, n°s 1 e 5 da Constituição da República, 
 dado que a impugnada alteração da matéria da acusação do M.P. consistiu na 
 correcção das reconhecidas «indefinições» desta acusação (cfr. texto do Acórdão 
 da 1ª Instância), a qual, atenta a sua amplitude e efeito notório na agravação 
 da pena aplicada ao recorrente, «buliu» com a própria essência da acusação, cujo 
 titular normal é o M.P., e, desse modo, postergou as mais elementares garantias 
 de defesa do recorrente, como, por exemplo, o direito de, oportunamente, 
 requerer a abertura de instrução, o que tudo se traduz numa flagrante violação 
 do princípio da «vinculação temática», do princípio do «acusatório» e também, em 
 certa medida, do princípio do contraditório (cfr., por exemplo, as conclusões 
 
 12ª, 13ª, 14ª e 18ª das alegações apresentadas no S.T.J., que aqui se dão por 
 integralmente reproduzidas)”.
 Ora, admite-se que o reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no 
 acórdão recorrido, à conclusão de que 
 
 É manifesto que está em causa uma actividade concreta e determinada devidamente 
 balizada em termos de autoria, tempo e modo e em relação à qual o facto aditado 
 nos termos do artigo 358.º do CPP representa uma concretização subordinada ao 
 denominador comum de uma actividade progressiva do tráfico de estupefaciente 
 efectuada pelo recorrente e que se inscreve nas relações existentes entre o 
 mesmo e o Ângelo Esteves. O seu comportamento tem subjacente uma pluralidade de 
 actos voluntários que surgem dominados pela mesma resolução criminosa de tráfico 
 de estupefacientes. Não está em causa um outro crime, mas sim uma actividade que 
 se inscreve num percurso delitivo, sem qualquer virtualidade para alterar a 
 qualificação jurídica determinada pela factualidade impressa na acusação e 
 considerada provada.
 Mas tal discordância, ou censura em relação à correcção na aplicação do Direito 
 pelo tribunal recorrido, não é algo que compita ao Tribunal Constitucional 
 apreciar. Como se tem salientado em abundante jurisprudência, ao Tribunal 
 Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal recorrido 
 como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e interpretação, 
 independentemente de questões de constitucionalidade normativa, não compete a 
 este Tribunal controlar. 
 Independentemente da correcção da decisão recorrida, que, repete-se, não cumpre 
 ao Tribunal Constitucional controlar, o que é certo é que, portanto, a decisão 
 recorrida não fez aplicação, expressa ou implícita, da norma do artigo 358.º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 359.º e ao artigo 
 
 1.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma legal, na interpretação impugnada no 
 requerimento de interposição do recurso, segundo a qual “é lícito ao Tribunal do 
 julgamento alterar uma acusação do Ministério Público, que não passa de um 
 conjunto de imputações vagas, genéricas, imprecisas e meramente conclusivas, já 
 que dela não consta a narração de qualquer acto concretizado de tráfico de 
 estupefacientes, nos termos do art.º 283.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., por 
 forma a que, corrigindo aquelas deficiências e «indefinições», acabou por ser o 
 julgador, e não o Ministério Público, quem, na realidade, acusou o arguido da 
 prática de um facto concreto muito grave, qual seja ele o de que ele «havia 
 recebido anteriormente, entre a primeira semana e o dia 28 de Janeiro de 2004, 
 do mesmo Ângelo Esteves, duas entregas de haxixe, perfazendo o total de 40 
 
 (quarenta) quilogramas, produto que vendeu a terceiros, de identidade não 
 apurada».”
 E por aqui se vê que, independentemente da eventual falta de carácter normativo 
 da dimensão interpretativa atrás invocada, qualquer que fosse a decisão sobre a 
 questão de constitucionalidade do preceito impugnado na intervenção processual 
 que fixa o objecto do recurso, ela em nada poderia alterar o sentido da decisão 
 recorrida.
 
  
 
 5.  Verdadeiramente, o que se pretendeu trazer à apreciação deste Tribunal não 
 foi a conformidade constitucional de uma norma, mas antes uma alegada violação 
 da Constituição por uma actuação judicial concreta, sendo ilustrativo que o 
 reclamante se continue a reportar à natureza “muito grave” do facto aditado nos 
 termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal e ao “carácter vago da 
 acusação do M.P.”, elementos que não integram o sentido com que foi proferida a 
 decisão recorrida, que é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de 
 Dezembro de 2007. 
 O recurso não foi, pois, admitido por não se verificar um seu pressuposto 
 indispensável: a aplicação, pela decisão recorrida, da norma enunciada pelo 
 recorrente no respectivo requerimento de interposição. E a presente reclamação 
 tem de ser desatendida, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em  20  (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 21 de Abril  de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão