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Processo n.º 368/2008
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
                      Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 No âmbito da acção administrativa especial proposta por A. contra o MUNICÍPIO DE 
 SÃO PEDRO DO SUL que correu os seus termos sob o n.º 946/04.7 BEVIS no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Viseu, foi proferida sentença que julgou improcedente 
 o pedido de anulação da deliberação da Câmara Municipal de São Pedro do Sul de 
 
 13 de Abril de 2004.
 Esta deliberação tinha decidido desfavoravelmente um pedido de informação 
 prévia, anteriormente apresentado pelo Autor, em 5 de Junho de 2001, sobre a 
 viabilidade de reconstrução e ampliação da sua casa de habitação, inserida em 
 
 área incluída na Reserva Ecológica Nacional – nomeadamente por confrontar com o 
 rio Vouga –, tendo em vista a respectiva utilização e exploração como casa de 
 hóspedes.
 
  
 Após recurso interposto pelo Autor a referida sentença viria a ser integralmente 
 confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 
 
 28 de Fevereiro de 2008, com a seguinte fundamentação, na parte que ora releva:
 
 “(...) O acto impugnado nos presentes autos é a deliberação tomada pela CMSPS na 
 sua reunião de 13 de Abril de 2004, com fundamento num parecer jurídico, que 
 reconheceu o deferimento tácito do pedido formulado pelo recorrente, e 
 simultaneamente declarou nulo tal deferimento por violação do artigo 68.º alínea 
 a) do Regulamento do Plano Director Municipal de S. Pedro do Sul, já que o mesmo 
 consistia em alterar o uso da habitação. 
 A decisão recorrida julgou improcedente a acção interposta e é contra esta que o 
 recorrente se insurge, imputando-lhe vários vícios de violação de lei, todos 
 eles tendo por essência o facto de “casa de hóspedes” não significar “alteração 
 ao uso” em relação a casa de habitação – artºs 2º, al. b) do Regulamento 
 Municipal de S. Pedro do Sul, 9º do Cód. Civil, 68º, al. a) do RPDM, 61º, 62º e 
 
 165º, nº 1, al. b) da CRP. 
 Mas antes de mais, importa referir que é o próprio recorrente no pedido de 
 informação prévia para construção de “casa de hóspedes” apresentado ao 
 Presidente da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, na memória descritiva e 
 justificativa apresentada que classifica o seu prédio urbano, como inserido em 
 zona de Reserva Ecológica Nacional, facto relevante para a decisão a proferir. 
 Assim a delimitação do objecto do recurso consiste propriamente em saber se no 
 caso concreto estamos perante uma alteração ao uso, nos termos previstos no artº 
 
 68º do PDM de S. Pedro do Sul. 
 Pretende o recorrente, no essencial, que se equiparem duas noções semânticas: 
 casa de habitação e casa de hóspedes. 
 Porém, sem êxito. 
 Na verdade encontrando-se o seu prédio inserido em zona de REN há que ter em 
 conta o que a este respeito consagra o regulamento do PDM de S. Pedro do Sul 
 
 (que em conjunto com a carta de ordenamento constituem o conjunto de normas que 
 definem a utilização do espaço do Concelho, “nele se definindo de forma genérica 
 os diversos tipos de espaços e as funções que lhe estão atribuídas, 
 condicionando os usos de forma a proporcionar um desenvolvimento equilibrado do 
 Concelho”). 
 Dispõe o artº 2º deste Regulamento que o mesmo é “aplicável a todas as acções de 
 informação, aprovação ou licenciamento de construções, reconstruções, 
 recuperações, ampliações, alterações de uso, destaque de parcelas, loteamentos, 
 obras de urbanização e qualquer outra acção que tenha como objectivo ou 
 consequência a transformação do revestimento ou do relevo do solo”.
 E, determina o artº 68.º, al. a) da Resolução do Conselho de Ministros, que 
 ratificou o Plano Director Municipal de S. Pedro do Sul que “as construções 
 existentes em áreas de RAN ou REN poderão ser objecto de obras de reparação, 
 reconstrução e ampliação desde que não haja alteração de uso”. 
 Assim temos por assente que as construções existentes em áreas de RAN ou REN 
 poderão ser objecto de obras de reparação, reconstrução e ampliação desde que: 
 a) Não haja alteração do uso; 
 b) A área coberta não seja ampliada mais de 30%, incluindo anexo e garagens. 
 Por seu turno, o artº 4º, nº 1 do DL nº 93/90, de 19/03, que revê o regime 
 jurídico da Reserva Ecológica Nacional estabelecido pelo DL n.º 321/83 de 05/07, 
 dispõe que “nas áreas incluídas na REN são proibidas acções de iniciativa 
 pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento obras de 
 urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, 
 aterros, escavações e destruição do coberto vegetal”.
 E, o artº 15.º do mesmo diploma legal prevê que “são nulos e nenhum efeito os 
 actos administrativos que violem os arts. 4.º e 17.º”. 
 Com efeito, resultava já do preâmbulo do DL nº 312/83 de 05/07 diploma que 
 regulamentava a REN que “a expansão de áreas urbanas, afecta[ndo] gravemente a 
 estabilidade ecológica das regiões”. 
 E do preâmbulo do DL 93/90 de 19/03, que regulamenta actualmente a mesma 
 Reserva, resulta que se visa “possibilitar a exploração dos recursos e a 
 utilização do território com salvaguarda de determinadas funções e 
 potencialidades, de que dependem o equilíbrio ecológico e a estrutura biofísica 
 das regiões, bem como a permanência de muitos dos seus valores ecológicos, 
 sociais e culturais. As zonas costeiras e ribeirinhas, onde se verifica a 
 existência de situações de interface entre ecossistemas contíguos mas 
 distintos, são caracterizadas por uma maior diversidade e raridade de factores 
 ecológicos presentes e, simultaneamente, por uma maior fragilidade em relação à 
 manutenção do seu equilíbrio. Estas características, que, em conjunto, conferem 
 
 àquelas zonas um ambiente de excepcional riqueza, são, também por isso, 
 responsáveis por um maior procura pelas diversas actividades, o que está na 
 origem de enormes pressões a têm vindo a estar sujeitas”. 
 Daí que se perceba agora a redacção do artº 4º, nº 1, e 15º deste diploma legal. 
 
 
 Por seu turno, o artº 103º do DL nº 380/99 de 22/09, que estabeleceu o regime 
 dos instrumentos de gestão territorial, determina que “são nulos os actos 
 praticados, em violação de qualquer instrumento de gestão territorial 
 aplicável”. 
 O artº 79º do DL nº 55/02, de 11/03, que alterou o DL nº 167/97 de 04/07, que 
 aprovou o regime jurídico da instalação e funcionamento dos empreendimentos 
 turísticos destinados à actividade de alojamento turístico, estabelece que é da 
 competência das assembleias municipais sob proposta do presidente da Câmara a 
 regulamentação da instalação, exploração e funcionamento dos estabelecimentos de 
 hospedagem, designados por hospedarias e casas de hóspedes e por quartos 
 particulares. 
 O Regulamento Municipal de Instalação e Funcionamento dos Estabelecimentos de 
 Hospedagem do Concelho de S. Pedro do Sul, encontra-se publicado no Apêndice nº 
 
 51 da II Série do DR de 04/04/2000. 
 No artº 2º, al. b), do mencionado regulamento, um dos tipos de estabelecimento 
 de hospedagem expressamente previsto é a “casa de hóspedes”. 
 São casas de hóspedes os estabelecimentos integrados em edifícios de habitação 
 familiar, que disponham de quatro até oito unidades de alojamento, e que se 
 destinem a proporcionar, mediante remuneração, alojamento e outros serviços 
 complementares e de apoio a utentes” (art. 4.º). 
 E é à luz do DL nº 55/02, de 11/03 que alterou o DL nº 167/97, de 04/07, (supra 
 referido) que aprovou o regime jurídico da instalação e funcionamento dos 
 empreendimentos turísticos destinados à actividade de alojamento turístico, que 
 se irá decidir a questão trazida a juízo, para se concluir que estamos perante 
 realidades distintas quando falamos de casa de habitação ou casa de hóspedes, 
 independentemente de ambas servirem para habitar. 
 Mas, as casas de hóspedes estão intimamente ligadas ao turismo de habitação, que 
 desde há uns anos atrás pretendeu fazer concorrência a outras unidades 
 hoteleiras, precisamente pelo facto de permitirem um contacto mais próximo com 
 a natureza, vegetação, animais e cursos de água, e com determinado aglomerado 
 populacional, inserido em meios rurais ou pelo menos no interior do país, 
 funcionando o seu incremento como um dos incentivos financeiros (quer nacional 
 quer comunitário) para impedir a desertificação de algumas zona do interior do 
 país, beneficiando por isso de subsídios financeiros ou créditos a baixo custo.
 No entanto, é evidente que um hotel, uma residencial, uma hospedaria, estalagem 
 ou casa de hóspedes, visam todos, numa primeira linha, a habitação daqueles que 
 procuram estas unidades hoteleiras, variando depois os serviços, instalações e 
 actividades, em função das aptidões que cada uma destas unidades pode oferecer, 
 quer pela sua localização, quer pela sua qualidade e finalidade de prestação de 
 serviços.
 Ou seja: não é correcto pretender como faz o recorrente equiparar casa de 
 habitação a casa de hóspedes, pois esta caracteriza-se como uma verdadeira 
 unidade hoteleira de prestação de serviços e não como uma mera casa de 
 habitação, independentemente do nº do agregado familiar e das actividades que 
 cada membro da família lá desenvolve, ou até de eventual remuneração se o dono 
 da casa assim o entender no seio familiar ou nos termos legalmente previstos na 
 Lei do Arrendamento Urbano.
 Há, pois, que ter em consideração que uma coisa é construir, reconstruir ou, 
 ampliar uma habitação unifamiliar e, outra bem distinta é a construção, 
 reconstrução ou ampliação de uma casa unifamiliar a que se pretende dar um uso 
 hoteleiro, com aptidão para receber hóspedes em contrapartida de um serviço 
 complementar de alimentação e actividades lúdicas/lazer remuneradas; e nem se 
 diga que numa habitação unifamiliar também se recebem pessoas, familiares, 
 amigos ou não, a quem igualmente são servidas refeições e a quem se permite a 
 utilização de todos os espaços e actividades que o dono da casa puder 
 proporcionar, uma vez que, falar assim é tentar confundir conceitos linguísticos 
 que neste caso concreto, são bem distintos. 
 Uma coisa é uma habitação unifamiliar, outra é uma indústria ou empreendimento 
 de cariz turístico/hoteleiro. 
 E a “casa de hóspedes” que o recorrente pretendia ver construída, inserida num 
 terreno abrangido por REN significa efectivamente alteração ao uso (até porque 
 resulta da matéria de facto provada que a casa. cuja ampliação se pretende, nem 
 estava sequer a ser habitada). 
 Deste modo, a sentença recorrida não incorreu em nenhum erro de julgamento, nem 
 se mostram violadas as disposições legais alegadas pelo recorrente, pois, outra 
 não podia ser a interpretação e, deste modo, o enquadramento jurídico. 
 Com efeito, só a interpretação que supra se deixou exposta, se enquadra no 
 disposto no artº 9º do Cód. Civil que prevê expressamente que se tenha em 
 conta, na reconstituição do pensamento legislativo, a unidade do sistema 
 jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições 
 específicas do tempo em que é aplicada. Refira-se inclusive, que a “troca” de 
 vocábulos de que o recorrente se socorre, é que levaria a uma interpretação 
 descontextualizada e sem um mínimo de correspondência na letra e espírito da 
 lei. 
 Na verdade se o legislador não quisesse distinguir habitação unifamiliar de casa 
 de hóspedes, não teria procedido à definição desta e à sua autonomização no 
 
 âmbito do regulamento do PDM. 
 Igualmente não se verifica violação do direito de propriedade privada e da 
 iniciativa económica, nem violação dos princípios da confiança, nos termos 
 alegados pelo recorrente, dado que, o seu direito de propriedade continua 
 inatacável no seu conteúdo mais específico, sem qualquer restrição; o que já não 
 sucede quando se pretende fazer uso deste direito de propriedade para pôr em 
 causa normas de ordenamento do território, de ocupação, uso e transformação dos 
 solos urbanos, que visam um desenvolvimento equilibrado em termos paisagísticos 
 e socio-económicos. 
 A tudo isto acresce que a consagração de que o direito constitucional da 
 propriedade privada e suas decorrências como sejam o direito à habitação que 
 preserve a utilização e uso da mesma garantido pela Constituição não têm 
 natureza de um direito absoluto, devendo, antes, sofrer as restrições 
 necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também 
 constitucionalmente garantidos, como sejam o direito a um ambiente de vida 
 humano sadio e ecologicamente equilibrado que o direito urbanístico visa 
 salvaguardar. 
 E, não sendo o direito de propriedade absoluto e irrestrito, podendo estes 
 sofrer condicionamentos, designadamente, em matéria de urbanismo e construção, 
 resulta evidente que não assiste razão ao recorrente nos vícios que imputa à 
 decisão recorrida, improcedendo por isso o recurso, em todas as suas vertentes – 
 cfr. entre muitos outros, os Acs. do STA de 02-07-2002, in rec. nº 048390, de 
 
 03-12-2002, in rec. no 047859, de 11-01-2005, in rec. nº 0528/03, de 02-03-2004, 
 in rec. nº 048296, referindo-se neste último expressamente: “O direito de 
 propriedade não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições 
 ou condicionamentos, particularmente importantes no domínio do urbanismo e do 
 ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem é sobrelevar o 
 do indivíduo”.(...)».
 
                                                                                  
 
  
 O Autor interpôs então recurso desta última decisão para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 70.º, da 
 Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), 
 requerendo – após ter havido lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento 
 de interposição de recurso –, a fiscalização concreta da constitucionalidade da 
 norma constante do art. 68.º, alínea a), do Regulamento do Plano Director 
 Municipal de São Pedro do Sul, aprovado pela Assembleia Municipal de São Pedro 
 do Sul em 23 de Fevereiro de 1995 e ratificado pela Resolução do Conselho de 
 Ministros n.º 105/95, de 13 de Outubro, na interpretação segundo a qual a 
 utilização de uma casa de habitação, existente em área incluída na Reserva 
 Ecológica Nacional, como casa de hóspedes, consubstancia uma alteração de uso 
 para efeito de proibição de realização de obras de reconstrução e ampliação na 
 casa em questão.
 Posteriormente, o Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as 
 mesmas com a formulação das seguintes conclusões:
 
 “(...) 1/ A norma do artigo 68.º alínea a) do Regulamento do PDM de S. Pedro do 
 Sul é inconstitucional por violação dos artigos 165.º n.º 1 alínea b) e g) e 
 
 198.º n.º 1 alínea c), ambos da CRP dado que compete à Assembleia ou ao Governo, 
 conforme os casos, legislar sobre as restrições ou proibições impostas aos 
 imóveis situados em área da REN e da RAN.
 
 2/ A entender-se que era legítimo ao Município de S. Pedro do Sul a aprovação de 
 tal norma sempre a mesma seria inconstitucional por violação dos artigos 18.º, 
 
 61.º e 62.º da CRP por restringir de forma desproporcionada a faculdade de 
 fruição do edifício que faz parte integrante do conteúdo do direito de 
 propriedade deste.
 
 3/ Seria, ainda, inconstitucional por violação das mesmas normas 
 constitucionais, a norma do artigo 68.º alínea a) do mesmo regulamento na 
 interpretação dada pelo Tribunal Central Administrativo do Norte no sentido de 
 que não é permitido efectuar obras de reparação e ampliação em edifício quando 
 destas resulte a alteração de uso de habitação unifamiliar para habitação de 
 hóspedes.”
 
                                                     
 O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo que o recurso deve ser 
 julgado improcedente, por não se verificar qualquer violação do disposto nos 
 artigos 165.º, nº 1, alíneas b), e g), 198.º, nº 1, alínea c), 18.º, 61.º e 62.º 
 da CRP.
 
                                                     
 
                                                     *          
 Fundamentação
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso
 O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria delicada das 
 restrições existentes em sede de construção imobiliária nas áreas incluídas na 
 Reserva Ecológica Nacional, nomeadamente as restrições existente nessa matéria 
 que derivam do poder regulamentar autárquico.
 A alínea a), do artigo 68.º, do Regulamento do Plano Director Municipal de São 
 Pedro do Sul, aprovado pela Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de 
 Fevereiro de 1995 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 
 
 105/95, de 13 de Outubro, dispõe que “as construções existentes em áreas de RAN 
 ou REN poderão ser objecto de obras de reparação, reconstrução e ampliação desde 
 que não haja alteração de uso”.
 Esta norma foi aplicada como ratio decidendi pelo tribunal a quo na 
 interpretação segundo a qual a utilização de uma casa de habitação, existente em 
 
 área incluída na Reserva Ecológica Nacional, como casa de hóspedes, 
 consubstancia uma alteração de uso para efeito de proibição de realização de 
 obras de reconstrução na casa em questão.
 No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o Recorrente 
 requereu a fiscalização concreta da constitucionalidade material da referida 
 norma na sua dimensão total, isto é, sem quaisquer restrições de ordem 
 hermenêutica.
 Contudo, como o Recorrente tinha anteriormente suscitado, nas alegações 
 oferecidas junto do tribunal a quo, a inconstitucionalidade material da aludida 
 dimensão interpretativa da mesma norma, e apenas dessa interpretação normativa, 
 houve lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de 
 recurso com vista à concretização inequívoca do objecto normativo a fiscalizar 
 em sede de recurso de constitucionalidade.
 Na sequência desse convite, o Recorrente veio oportunamente esclarecer que 
 pretendia apenas a fiscalização da norma constante do artigo 68.º, alínea a), do 
 Regulamento do Plano Director Municipal de São Pedro do Sul, aprovado pela 
 Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de Fevereiro de 1995 e ratificado 
 pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 105/95, de 13 de Outubro, na 
 interpretação segundo a qual a utilização de uma casa de habitação, existente em 
 
 área incluída na Reserva Ecológica Nacional, como casa de hóspedes, 
 consubstancia uma alteração de uso para efeito de proibição de realização de 
 obras de reconstrução e ampliação na casa em questão.
 As dúvidas existentes ficaram esclarecidas e os autos prosseguiram para a fase 
 de produção das pertinentes alegações.
 Todavia, ao concluir as respectivas alegações, nos precisos termos acima 
 transcritos, a verdade é que o Recorrente viria a ampliar o objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade, ao recuperar o pedido de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade material da referida norma na sua dimensão total.
 Esta ampliação, obviamente, não será conhecida na medida em que o objecto do 
 recurso cristaliza-se no requerimento de interposição ou no de correcção deste, 
 ficando, assim, aquele objecto circunscrito à apreciação da constitucionalidade 
 da referida interpretação normativa, isto é, da norma constante do artigo 68.º, 
 alínea a), do Regulamento do Plano Director Municipal de São Pedro do Sul, 
 aprovado pela Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de Fevereiro de 
 
 1995 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 105/95, de 13 de 
 Outubro, na interpretação segundo a qual a utilização de uma casa de habitação, 
 existente em área incluída na Reserva Ecológica Nacional, como casa de hóspedes, 
 consubstancia uma alteração de uso para efeito de proibição de realização de 
 obras de reconstrução e ampliação na casa em questão.            
 
  
 
 2. Do conhecimento das questões de constitucionalidade
 
 2.1. Da inconstitucionalidade orgânica
 Conforme acabou de se escrever, a alínea a), do artigo 68.º, do Regulamento do 
 Plano Director Municipal de São Pedro do Sul (RPDM/SPS), aprovado pela 
 Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de Fevereiro de 1995 e 
 ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 105/95, de 13 de 
 Outubro, dispõe que “as construções existentes em áreas de RAN ou REN poderão 
 ser objecto de obras de reparação, reconstrução e ampliação desde que não haja 
 alteração de uso”.
 Esta norma foi aplicada como ratio decidendi pelo tribunal a quo, na 
 interpretação segundo a qual a utilização de uma casa de habitação, existente em 
 
 área incluída na Reserva Ecológica Nacional, como casa de hóspedes, 
 consubstancia uma alteração de uso para efeito de proibição de realização de 
 obras de reconstrução e ampliação na casa em questão.
 O recorrente entende que a referida norma constante do RPDM/SPS – e, por 
 consequência, a respectiva interpretação, que aqui é directamente posta em crise 
 
 – se encontra ferida de inconstitucionalidade orgânica na medida em que estão em 
 causa matérias que integram a reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República, nomeadamente as previstas nas alíneas b) e g), do n.º 
 
 1, do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), ou, pelo 
 menos, a reserva de competência legislativa dependente do Governo, desta feita a 
 prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 198.º, da C.R.P.
 A alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., dispõe que, salvo autorização 
 ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre 
 direitos, liberdades e garantias.
 A alínea g), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., dispõe que, salvo autorização 
 ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre 
 as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do 
 património cultural.
 Por seu turno, a alínea c), do n.º 1, do artigo 198.º, da C.R.P., dispõe que 
 compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis de 
 desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes contidos em leis 
 que a eles se circunscrevam.
 Quando o regulamento em apreço foi ratificado pelo Governo, estava em vigor a 
 Constituição da República Portuguesa com a redacção introduzida pela Lei 
 Constitucional n.º 1/92, e as referidas normas constitucionais constavam, 
 respectivamente, com a mesma redacção, da al. b), do n.º 1, do artigo 168.º, da 
 C.R.P. (renumerado para artigo 165.º com a Revisão Constitucional de 1997), da 
 al. g), do n.º 1, do artigo 168.º, da C.R.P. (renumerado para artigo 165.º com a 
 Revisão Constitucional de 1997) e da al. c), do n.º 1, do artigo 201.º da CRP 
 
 (renumerado para artigo 198.º com a Revisão Constitucional de 1997).
 Assim sendo, e devendo a inconstitucionalidade orgânica ser aferida em função 
 das normas constitucionais em vigor ao tempo em que foram editadas as normas 
 que, porventura, padeçam desse vício (princípio do tempus regit actum), 
 importará apreciar a inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas à 
 luz do regime constante da Constituição da República Portuguesa com a redacção 
 introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/92.
 Todavia, note-se que não se está propriamente perante um problema de 
 inconstitucionalidade pretérita pós-constitucional na medida em que os 
 parâmetros constitucionais não chegaram a ser revogados e mantiveram-se na 
 Constituição com a mesmíssima redacção não obstante a alteração da numeração dos 
 artigos em questão.
 Antes de apreender o alcance das referidas normas constitucionais sobre reserva 
 de competência legislativa e mesmo de outras que o caso concreto convoque, 
 importa começar por recuperar o contexto normativo infraconstitucional em que 
 emergiu a norma fiscalizada.
 A norma sob apreciação consta do Regulamento do Plano Director Municipal de São 
 Pedro do Sul, aprovado pela Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de 
 Fevereiro de 1995 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 
 
 105/95, de 13 de Outubro.
 O regime legal então vigente sobre elaboração, aprovação e ratificação dos 
 planos municipais de ordenamento do território constava essencialmente do 
 Decreto-lei n.º 69/90, de 2 de Março, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 
 
 211/92, de 8 de Outubro (posteriormente revogado pelo Decreto-lei n.º 380/99, de 
 
 22 de Setembro, actual regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial). 
 Nos termos do referido diploma legal, os planos directores municipais, que devem 
 abranger todo o território municipal, são elaborados pela Câmara Municipal, 
 aprovados pela assembleia municipal e ratificados pelo Governo mediante 
 resolução do Conselho de Ministros (artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 3.º, n.º 1, 2 
 e 3).     
 A elaboração, aprovação e execução dos planos municipais em geral são operadas 
 por forma a garantir, inter alia, a aplicação das disposições legais e 
 regulamentares vigentes e dos princípios gerais de disciplina urbanística e de 
 ordenamento do território (artigo 5.º, n.º 1, al. a)), a compatibilização da 
 protecção e valorização das zonas agrícolas e florestais e do património natural 
 e edificado, com a previsão de zonas destinadas a habitação, indústria e 
 serviços (artigo 5.º, n.º 1, al. c) e a salvaguarda dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 5.º, n.º 1, al. e)).
 
  Sem perder de vista esses princípios legais norteadores, os planos municipais 
 têm de definir e estabelecer os princípios e regras para a ocupação, uso e 
 transformação do solo na área abrangida (artigos 5.º, n.º 2, al. a), e 9.º, n.º 
 
 1). Em especial, o plano director municipal, enquanto regulamento 
 administrativo, estabelece uma estrutura espacial para o território do 
 município, a classificação dos solos, os perímetros urbanos e os indicadores 
 urbanísticos, tendo em conta os objectivos de desenvolvimento, a distribuição 
 racional das actividades económicas, as carências habitacionais, os 
 equipamentos, as redes de transportes e de comunicações e as infra-estruturas 
 
 (artigos 4.º e 9.º, n.º 2).  
 A norma do RPDM/SPS sob apreciação respeita à construção imobiliária em áreas de 
 RAN ou REN, o que, desde logo, coloca em evidência a questão da necessidade da 
 conformidade formal desse plano municipal com as disposições legais e 
 regulamentares das Reservas Agrícolas e Ecológica Nacionais, recaindo, 
 obviamente, neste momento, a atenção deste Tribunal exclusivamente no regime 
 jurídico da REN.
 Quando o plano municipal dos autos foi aprovado, o regime jurídico da REN 
 constava do Decreto-lei n.º 93/90, de 19 de Março, na redacção dada pelos 
 Decretos-lei n.º 316/90, de 13 de Outubro, e n.º 213/92, de 12 de Outubro. 
 Nos termos do referido diploma legal, a REN constitui uma estrutura biofísica 
 básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com 
 características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a 
 permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao 
 enquadramento equilibrado das actividades humanas (artigo 1.º).
 Com relevância para o caso concreto, importa ter presente que a REN abrange as 
 zonas costeiras e ribeirinhas, águas interiores, áreas de infiltração máxima e 
 zonas declivosas, competindo a determinados membros do Governo a aprovação, por 
 portaria conjunta, das áreas a integrar e a excluir da REN (artigos 2.º e 3.º, 
 n. 1). Posteriormente, as áreas integradas na REN são especificamente demarcadas 
 em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação 
 física do solo, designadamente planos regionais e municipais de ordenamento do 
 território (artigo 10.º).
 
  A integração de certa área na REN é acompanhada de consequências jurídicas nada 
 despiciendas no plano da ocupação, uso e transformação do solo na área 
 abrangida.
 Na verdade, nas áreas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa 
 pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de 
 urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, 
 aterros, escavações e destruição do coberto vegetal (artigo 4.º, n.º 1).
 Todavia, esta proibição não é absoluta na medida em que o regime jurídico da 
 REN continua a permitir nas aludidas áreas: a) a realização de acções já 
 previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria conjunta de 
 delimitação das áreas a integrar na REN; b) as instalações de interesse para a 
 defesa nacional como tal reconhecidas pelos membros do Governo competentes; c) 
 e a realização de acções de interesse público como tal reconhecidas pelos 
 membros do Governo competentes (artigo 4.º, n.º 2).
 Após este breve excurso pelo quadro legal infraconstitucional existente no 
 momento da aprovação do RPDM/SPS, interessa agora verificar se o Município de 
 São Pedro do Sul invadiu a esfera de reserva de competência legislativa de 
 qualquer órgão de soberania.
 A norma sobre a qual recaiu a interpretação a fiscalizar, aprovada pela 
 Assembleia Municipal de São Pedro do Sul, dispõe que “as construções existentes 
 em áreas de RAN ou REN poderão ser objecto de obras de reparação, reconstrução e 
 ampliação desde que não haja alteração de uso”.
 Não restam dúvidas de que quando o referido órgão autárquico emitiu a referida 
 norma, fê-lo ao abrigo das normas de competência previstas na Lei 69/90, que 
 atribuem competência à assembleia municipal para definir e estabelecer os 
 princípios e as regras para a ocupação, uso e transformação do solo na área do 
 município (artigos 3.º, n.º 2, 5.º, n.º 2, al. a), e 9.º, n.º 1).
 Contudo, não obstante o aludido regime jurídico ditado pela lei ordinária, o 
 problema situa-se precisamente no plano constitucional, devendo a questão a 
 resolver ser formulada nos seguintes termos: as assembleias municipais têm 
 competência, à luz da Constituição, para definir e estabelecer regras para a 
 ocupação, uso e transformação do solo na área dos respectivos municípios, como 
 efectuou a Assembleia Municipal de São Pedro do Sul no caso sub iudice ?
 As matérias respeitantes ao poder local e ao urbanismo são obviamente 
 merecedoras de tratamento constitucional.
 De acordo com a Lei Fundamental, a organização democrática do Estado compreende 
 a existência de autarquias locais, as quais visam a prossecução de interesses 
 próprios das populações respectivas (artigo 237.º, da C.R.P./92).
 Efectivamente, não obstante ser unitário, o Estado não pode deixar de respeitar 
 na sua organização o princípio da autonomia das autarquias locais (artigo 6.º, 
 n.º 1, da C.R.P./92).
 As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos 
 seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da 
 descentralização administrativa (artigo 239.º, da C.R.P./92).
 Para assegurar a prossecução das atribuições das autarquias locais, a Lei 
 Fundamental atribuiu-lhes poder regulamentar próprio nos limites da 
 Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau 
 superior ou das autoridades com poder tutelar (artigo 242.º, da C.R.P./92).
 Vejamos, sucessivamente, cada um dos alegados fundamentos de 
 inconstitucionalidade orgânica.  
 Nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 168.º, da C.R.P./92, salvo 
 autorização ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República 
 legislar sobre as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio 
 ecológico e do património cultural.
 
 É verdade que a matéria respeitante à “definição e estabelecimento de regras 
 para a ocupação, uso e transformação do solo” pode integrar a referida 
 competência legislativa parlamentar, na parte em que aquele sistema de protecção 
 ambiental e cultural necessite de introduzir constrangimentos aos poderes 
 inerentes ao direito de propriedade sobre imóveis.
 Porém, nesta situação de reserva de lei está apenas em causa uma reserva de 
 densificação parcial, na medida em que a lei apenas tem de definir as “bases”, 
 daquele sistema de protecção, consentindo o seu desenvolvimento quer através de 
 decreto-lei, quer através de actos regulamentares (vide J. GOMES CANOTILHO, em 
 
 “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, pág. 728, da 7.ª Edição, da 
 Almedina).
 Apenas está reservado à Assembleia da República estabelecer as opções 
 político-legislativas fundamentais, o quadro dos princípios básicos que 
 presidirão à disciplina jurídica daquela matéria, cuja conformação e 
 desenvolvimento competirá a outros órgãos constitucionais.
 A norma do RPDM/SPS sob apreciação no presente recurso estabelece uma 
 determinada limitação para a realização de obras em construções existentes nas 
 
 áreas de RAN e REN situadas no território do município de São Pedro do Sul, pelo 
 que tem um tal nível de concretização que manifestamente a exclui do campo dos 
 grandes princípios e das directrizes fundamentais das políticas de protecção da 
 natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural, pelo que não 
 apresenta vocação para constar da lei de bases do ambiente.
 Assim sendo, torna-se evidente que a Assembleia Municipal de São Pedro do Sul 
 não invadiu nesta parte a reserva relativa de competência legislativa prevista 
 na alínea g), do n.º 1, do artigo 168.º, da C.R.P./92.
 Importa agora verificar se a Assembleia Municipal de São Pedro do Sul aprovou 
 uma norma em matéria de direitos, liberdades e garantias, em termos de ofender a 
 reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República imposta 
 na alínea b), do n.º 1, do artigo 168.º, da C.R.P./92.
 O tipo de prescrições em que se insere a norma aqui em análise coloca 
 necessariamente em evidência a função de conformação do direito à propriedade do 
 solo que é associada por alguns autores aos planos territoriais quando estes 
 apresentam suficiente especificidade para conterem indicações sobre o destino 
 das áreas singulares, como sucede no caso dos planos municipais, nos quais se 
 encontra a resposta à questão de saber se, numa concreta parcela de terreno, é 
 possível construir (vide ALVES CORREIA, em “Manual de Direito do Urbanismo”, 
 pág. 330-331, do volume I, 3.ª Edição, da Almedina).
 O artigo 62.º, n.º 1, da C.R.P., consagra precisamente a garantia da propriedade 
 privada, ao estabelecer que “a todos é garantido o direito à propriedade privada 
 e à sua transmissão em vida ou por morte nos termos da Constituição”.
 Apesar do direito à propriedade privada ser considerado um direito fundamental 
 de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 
 
 17.º, da C.R.P., mesmo admitindo que esta equiparação abrange as regras 
 orgânicas (vide, negando essa possibilidade, JORGE MIRANDA, em “Constituição 
 Portuguesa anotada”, tomo I, pág. 146, da ed. de 2005, da Coimbra Editora)  e 
 ainda que o ius aedificandi, incluindo o direito de realizar obras de alteração 
 em construção já existente,  constitui parte componente do direito 
 constitucional à propriedade privada por ser um dos poderes em que tal direito 
 se desdobra (vide, opinando em sentido contrário, ROGÉRIO SOARES, em “Direito 
 Administrativo (Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da 
 Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/1978), pág. 116-117, 
 ALVES CORREIA, em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 348 e 
 seg., da ed. de 1989, da Almedina, e em “Manual de direito do urbanismo”, vol. 
 I, pág. 697, da 3ª ed., da Almedina, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em 
 
 “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. 1º, pág. 804, da 4ª ed., da 
 Coimbra Editora, e JORGE MIRANDA, na ob. cit., pág. 627-628), daí não resulta 
 que toda a normação reguladora do direito de propriedade haja de ser produzida 
 ou autorizada pela Assembleia da República. 
 Na verdade, só se justifica que integrem a reserva parlamentar as intervenções 
 legislativas que respeitem às dimensões do direito de propriedade que tiverem 
 uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pois só nessas 
 matérias tem pertinência a aplicação do regime destes.
 Ora, conforme se afirmou nos acórdãos deste Tribunal nº 329/99 e 544/2001 
 
 (publicados, respectivamente, no B.M.J. n.º 488, pág. 57, e em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 51.º vol., pág. 561), se o direito duma pessoa não ser 
 privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública e mediante o 
 pagamento de uma justa indemnização, integra essa dimensão nuclear do direito de 
 propriedade, já as diversas faculdades integrantes do chamado ius aedificandi, 
 por não serem essenciais à realização do Homem como pessoa, não têm uma natureza 
 análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
 Por isso a norma aqui em questão, limitativa do direito do proprietário em 
 realizar obras de alteração em construções que lhe pertencem, não se pode 
 considerar abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República imposta na alínea b), do n.º 1, do artigo 168.º, da 
 C.R.P./92.
 O recorrente fundamenta ainda a invocada inconstitucionalidade orgânica numa 
 reserva legislativa do Governo resultante do disposto no artigo 201º, n.º 1, c), 
 da C.R.P./92 (actual 198.º).
 Estabelece este artigo que compete ao Governo, no exercício de funções 
 legislativas fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases 
 gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam.
 Estamos perante uma competência dependente, cujo exercício está condicionado 
 pela existência duma lei de bases que careça de desenvolvimento legislativo, 
 sendo certo que quando o RPDM/SPS foi aprovado, encontrava-se em vigor uma lei 
 de bases do ambiente (a Lei n.º 11/87, de 7 de Abril).
 Nos termos da referida lei, “a defesa e valorização do solo como recurso natural 
 determina a adopção de medidas conducentes à sua racional utilização, a evitar a 
 sua degradação e a promover a melhoria da sua fertilidade e regeneração, 
 incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que 
 salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção” (artigo 
 
 13.º, n.º 1).
 Mais ali se prescreve que “a utilização e a ocupação do solo para fins urbanos e 
 industriais ou implantação de equipamentos e infra-estruturas serão 
 condicionadas pela sua natureza, topografia e fertilidade” (artigo 13.º, n.º 5).
 Para prosseguir esses fins, a reserva ecológica nacional e os planos directores 
 municipais – acima descritos nos seus traços essenciais – constituem 
 instrumentos da política de ambiente e do ordenamento do território, devendo o 
 Governo e a administração regional e local articular entre si a implementação 
 das medidas necessárias no âmbito das respectivas competências (artigo 27.º, 
 n.º 1, alíneas d), e)).
 Segundo o legislador constituinte, para além do Estado, compete também às 
 regiões autónomas e às autarquias locais exercer o efectivo controlo do parque 
 imobiliário, proceder às expropriações dos solos urbanos que se revelem 
 necessárias e definir o respectivo direito de utilização (artigo 65.º, n.º 4, da 
 C.R.P./92).
 A problemática da repartição de competências normativas entre os órgãos de 
 soberania com competência legislativa e as autarquias locais é resolvida através 
 da ideia da intervenção concorrente do Estado, das regiões autónomas e das 
 autarquias locais (vide ALVES CORREIA, em “Manual de Direito do Urbanismo”, 
 volume I, pág. 131 e seg., da 3ª ed., da Almedina). 
 As razões para este condomínio de interesses estaduais e locais em matéria de 
 urbanismo são fáceis de entender.
 Como observa ALVES CORREIA – inspirado nas reflexões de VIEIRA DE ANDRADE 
 
 (expostas em “Autonomia regulamentar e reserva de lei – Algumas reflexões acerca 
 da admissibilidade de regulamentos das autarquias locais em matéria de 
 direitos, liberdades e garantias”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor 
 Afonso Rodrigues Queiró, vol. I, BFDUC, 1984, pp. 1 e ss.) sobre a autonomia 
 regulamentar autárquica –, “um entendimento rígido de reserva de lei no campo da 
 delimitação do direito de propriedade do solo, no sentido de aí ser proibida 
 qualquer intervenção normativa da Administração, conduziria a resultados 
 absurdos, dada a manifesta impossibilidade de a lei definir o destino, o uso e 
 regime de transformação de todas as porções concretas do território nacional, 
 tendo em conta os múltiplos condicionalismos e especificidades locais, 
 relacionados com o desenvolvimento e expansão dos aglomerados urbanos, a 
 necessidade da criação de zonas verdes, a definição de áreas destinadas a 
 arruamentos e sistemas de saneamento básico, a tipologia das construções, etc. 
 Tudo isto significa que, pelo menos no domínio do direito de propriedade do 
 solo, não pode aplicar-se um princípio rígido de reserva de lei e que a 
 disciplina do destino e das formas de utilização do solo terá de caber 
 inevitavelmente aos planos urbanísticos municipais” (em “O plano urbanístico e 
 o princípio da igualdade”, pág. 340-341) .
 
 É esta concepção dos interesses urbanísticos que está na base da confiança aos 
 municípios da gestão urbanística no seu território, nomeadamente da elaboração e 
 aprovação dos planos municipais, sujeita a ratificação do Governo de modo a 
 assegurar a sua compatibilidade com planos, critérios e normas de natureza 
 geral, conforme então determinava o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março.
 Segundo o artigo 4.º deste diploma os planos municipais têm a natureza de 
 regulamento administrativo.
 Aprofundando a classificação legal do acto normativo em presença, a doutrina 
 teve a oportunidade de concretizar que os planos urbanísticos municipais são 
 
 “regulamentos autorizados das autarquias locais, produto de uma remissão 
 legislativa, que visam completar ou integrar as leis respeitantes ao sistema de 
 planificação urbanística”, preenchendo, “assim, os requisitos que o n.º 7 do 
 art. 115.º da Constituição prescreve para este tipo de regulamentos: a 
 precedência de uma lei definidora da competência subjectiva e objectiva para a 
 sua emissão e o dever de citação da lei habilitante por parte daqueles 
 instrumentos normativos” (Alves Correia, em “O plano urbanístico e o princípio 
 da igualdade”, pág. 342).
 Ora, integrando a norma regulamentar autárquica sob apreciação o Regulamento do 
 Plano Director Municipal de São Pedro do Sul (RPDM/SPS), aprovado pela 
 Assembleia Municipal de São Pedro do Sul em 23 de Fevereiro de 1995 e 
 ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 105/95, de 13 de 
 Outubro, ao abrigo de norma de competência especificamente habilitadora para 
 esse efeito constante do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei nº 69/90, de 2 de 
 Março, não há na emissão daquela norma qualquer invasão da competência 
 legislativa do Governo.
 
  
 
 2.2. Da inconstitucionalidade material
 Questão diversa da inconstitucionalidade orgânica que se acabou de analisar, 
 consiste em saber se o conteúdo da interpretação da referida norma regulamentar 
 constitui uma limitação ou uma restrição inadmissível aos direitos fundamentais 
 da livre iniciativa privada (artigo 61.º, da C.R.P.) e do direito à propriedade 
 privada (artigo 62.º, da C.R.P.), tal como defende o recorrente.
 Será este exercício de análise que nos vai ocupar de seguida, desta feita à luz 
 da redacção actualmente em vigor da Constituição, uma vez que a 
 inconstitucionalidade material tem apenas por referência o momento da aplicação 
 das normas infraconstitucionais, não estando, assim, sujeita ao princípio do 
 tempus regit actum.
 O disposto na alínea a), do artigo 68.º, do Regulamento do Plano Director 
 Municipal de São Pedro do Sul (RPDM/SPS), foi aplicado como ratio decidendi pelo 
 tribunal a quo na interpretação segundo a qual a utilização de uma casa de 
 habitação, existente em área incluída na Reserva Ecológica Nacional, como casa 
 de hóspedes, consubstancia uma alteração de uso para efeito de proibição de 
 realização de obras de reconstrução e ampliação na casa em questão.
 Não compete ao Tribunal Constitucional aferir da bondade dessa interpretação 
 adoptada pelo tribunal a quo, apresentando-se a mesma como um dado que apenas 
 importa aqui apreciar no plano jurídico-constitucional.
 O artigo 61.º, da C.R.P., ao falar da liberdade de iniciativa privada, 
 refere-se, em primeira linha, ao direito de qualquer um iniciar uma actividade 
 económica, individualmente ou em sociedade.
 Este direito não é absoluto, estando sujeito aos quadros definidos pela 
 Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral (artigo 61.º, n.º 1, 
 
 2.ª parte, da C.R.P.).
 Também o direito constitucional à propriedade privada apenas é garantido nos 
 termos da Constituição, pelo que o seu conteúdo pode ser comprimido por outros 
 direitos com consagração constitucional (artigo 62.º, n.º 1, da C.R.P.).
 Sendo ambos direitos relativos, o seu conteúdo pode sofrer limitações 
 resultantes da adopção de medidas de protecção do direito ao ambiente consagrado 
 no artigo 66.º, da C.R.P. (vide, neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, 
 na ob. cit., pág. 846-847), assim como da definição das regras de ocupação, uso 
 e ocupação dos solos efectuada pelo Estado, regiões autónomas e autarquias 
 locais, através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes 
 ao ordenamento do território, imposta pelo n.º 4, do artigo 65.º, da C.R.P. 
 
 (vide, neste sentido, ALVES CORREIA, em “Manual de direito do urbanismo”, vol. 
 I, pág. 674-677, da 3ª ed.).
 A protecção do direito ao ambiente pode exigir limitações quer à liberdade de 
 localização de estabelecimento (artigo 66.º, n.º 2, b), da C.R.P.), quer à 
 liberdade de edificação, mesmo quando se admite que esta é uma componente do 
 direito constitucional à propriedade privada, incluindo a realização de obras de 
 alteração a edifício já construído (artigo 66.º, n.º 2, b) e c), da C.R.P.), o 
 mesmo sucedendo com os instrumentos de planeamento elaborados no quadro das 
 leis respeitantes ao ordenamento do território, cumprindo o ditame do n.º 4, do 
 artigo 65.º, da C.R.P..
 Daqui resulta que o legislador, quer no domínio da elaboração dos instrumentos 
 de planeamento, quer no domínio da adopção de medidas de protecção do ambiente, 
 tem liberdade de conformação dos direitos de iniciativa e propriedade privada, 
 podendo estabelecer limites aos diferentes poderes componentes destes direitos, 
 desde que não fira o seu núcleo essencial.
 
 É precisamente neste âmbito conformador daqueles direitos, permitido pela 
 Constituição, que se situa a interpretação normativa questionada, uma vez que 
 procede à leitura de instrumento de planeamento elaborado no quadro das leis 
 respeitantes ao ordenamento do território e visa prosseguir política de 
 preservação da paisagem natural.
 Na verdade, por um lado, a proibição de realização de obras de alteração de 
 construção existente em área REN, visando modificar a sua utilização de casa de 
 habitação para casa de hóspedes, é extraída de dispositivo integrante de plano 
 director municipal, que tem por objectivo a protecção das áreas REN, enquanto 
 estrutura biofísica básica e diversificada, através da imposição de 
 condicionamentos à sua utilização de forma a garantir a defesa de ecossistemas e 
 a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao 
 enquadramento equilibrado das actividades humanas (artigo 1.º, do Decreto-lei 
 n.º 93/90).
 Por outro lado, esta limitação apenas impede o estabelecimento da actividade 
 económica de hospedagem em edifício situado em determinada área protegida e 
 condiciona o poder de utilização do proprietário sobre esse edifício, não 
 atingindo o núcleo essencial da liberdade de iniciativa privada (artigo 61.º, da 
 C.R.P.) e do direito à propriedade (artigo 62.º, da C.R.P.), nem limitando de 
 forma inadequada e excessiva tais direitos.
 Deste modo, por integrar uma limitação constitucionalmente admissível à 
 liberdade de iniciativa privada e ao direito à propriedade privada, a 
 interpretação normativa questionada também não sofre do vício da 
 inconstitucionalidade material, pelo que o recurso interposto deve ser julgado 
 improcedente.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto julga-se improcedente o recurso interposto por A. do acórdão do 
 Tribunal Central Administrativo Norte proferido nestes autos em 28 de Fevereiro 
 de 2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/2008, de 7 de Outubro (artigo 6º, n.º 1, do mesmo diploma).
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos