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Processo n.º 569/05
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
 1. A. foi condenada no Tribunal Judicial da Comarca de Loures pela prática em 
 co-autoria material de um crime de rapto agravado, pp pelo artigo 160º n.º 1 
 alínea a) e n.º 2 alínea a) com referência ao artigo 158º n.º 2 alínea a), ambos 
 do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Pretendeu recorrer desta 
 decisão para a Relação de Lisboa, o que lhe não foi admitido por aquele Tribunal 
 ter entendido, com fundamento nos artigos 411º n.º 1 e 414º n.ºs 1 e 2 do Código 
 de Processo Penal, que o recurso era extemporâneo. Inconformada, reclamou para o 
 Presidente da Relação de Lisboa, mas a reclamação não foi atendida. A decisão é 
 do seguinte teor:
 
  
 
 'A arguida A., vem reclamar do despacho que, por ter sido considerado 
 manifestamente intempestivo, não lhe admitiu o recurso interposto de fls. 2627 a 
 
 2665.
 A ora reclamante defende que o recurso deve ser admitido porque 'ao impugnar a 
 decisão sobre a matéria de facto tendo por objecto a reapreciação da prova 
 gravada (...) deve beneficiar do acréscimo do prazo de dez dias para apresentar 
 as motivações de recurso, previsto no aludido n.º 6 do art. 698° do Código de 
 Processo Civil (CPC), ex vi art. 4º do Código de Processo Penal (CPP)'.
 O despacho reclamado foi circunstanciadamente mantido.
 A questão colocada é a de saber se é aplicável à impugnação da decisão sobre a 
 matéria de facto, tendo por objecto a reapreciação da prova produzida, um prazo 
 mais dilatado para a interposição do recurso. Com interesse, e para além do que 
 fica descrito, os autos mostram:
 
 - O Acórdão foi depositado em 08/07/2004.
 
 - O requerimento de interposição do recurso deu entrada no tribunal em 
 
 28/09/2004.
 O art. 411 ° n.º1 do CPP estabelece que o prazo para interposição de recurso, 
 tratando-se de sentença, é de 15 dias e conta-se a partir do respectivo depósito 
 da sentença. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a 
 partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver (...) 
 presente.
 O art. 412° nos 3 e 4 do CPP prevê a impugnação da decisão sobre a matéria de 
 facto e regula os termos a que tal impugnação deve obedecer, mas nem aqui, nem 
 noutro local do mesmo diploma legal, é estabelecido um prazo mais dilatado para 
 a interposição do recurso e apresentação da motivação quando o recurso versa 
 sobre a matéria de facto e há lugar a transcrição da prova gravada.
 O propósito de celeridade que enforma a legislação processual penal aponta para 
 que o legislador não queira um prazo maior para o recurso quando neste haja que 
 proceder à transcrição de declarações orais produzidas na audiência.
 Isso resulta logo do confronto com o sistema em referência, que é o sistema da 
 lei processual civil, em que, diferentemente do que é regra no processo penal, o 
 prazo para as alegações só começa a correr após a notificação do despacho de 
 admissão do recurso. De resto, dada a autonomia e diferença entre os dois 
 sistemas, a aceitação da existência de uma lacuna nesta matéria, a ser integrada 
 com a aplicação de uma norma de processo civil - a do art. 698° n.º 6 do CPC -, 
 depara com a dificuldade decorrente da condição imposta no art. 4° do CPP, que é 
 a da harmonização das normas de processo civil com o processo penal.
 Assim, obviamente, porque a lei é muito clara nesta matéria, o recurso não pode 
 ser admitido se não for apresentado no prazo de quinze dias a contar do depósito 
 do acórdão, nos termos do art. 411° n.º 1 do CPP.
 O prazo de interposição de recurso iniciou-se em 08/07/2004, mas atendendo às 
 férias judiciais e não estarmos perante um processo urgente, o prazo de 
 interposição de recurso interrompe-se a 15/07/2004 e reinicia-se em 15/09/2004 
 terminando em 22/09/2004 nos termos consagrados nos art. 103° e 104° do CPP . 
 Assim, o recurso, apresentado em 28/09/2004 é manifestamente extemporâneo, como 
 muito bem decidiu o Tribunal a quo.
 Pelo exposto, indefere-se a Reclamação em apreço.'
 
  
 A interessada solicitou esclarecimentos sobre o teor do transcrito despacho, que 
 lhe foram negados e, depois, quis recorrer para o Tribunal Constitucional ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC) 
 invocando querer ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art. 411º, 
 n° 1, 412°, n° 3 e 4 do Código de Processo Penal 'com a interpretação com que 
 foram aplicadas no despacho recorrido'. Esclareceu que a questão de 
 inconstitucionalidade 'fora suscitada nos autos no pedido de aclaração do 
 despacho proferido a fls. 125'. Mas também este recurso lhe não foi admitido por 
 despacho assim fundamentado:
 
  
 
 '[...] Uma simples leitura da decisão fls. 133 mostra que aí não se fez qualquer 
 aplicação das normas dos art. 411 ° n.º 1 e 412° nos 3 e 4 do Código de Processo 
 Penal. Na verdade, esse despacho, que se debruça sobre o requerimento a fls. 127 
 e segs., limita-se a dizer que o Tribunal não tem de responder a perguntas de 
 natureza jurídica ou outra, o que é de todo em todo estranho ao normativo 
 invocado.
 Assim, não sendo a situação subsumível ao art. 70° n.º 1, alínea b), da lei n.º 
 
 28/82, e na falta de outro fundamento legal, conclui-se que o recurso interposto 
 
 é manifestamente infundado.
 Consequentemente, face ao art. 76° n.º 2 da lei n.º 28/82, não admito o 
 recurso.'
 
  
 Inconformada, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 76º 
 n.º 4 da LTC, pretendendo ver admitido o recurso que interpôs da decisão do 
 Presidente da Relação de Lisboa. Diz o seguinte:
 
  
 
 [...] O recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70º do 
 referido diploma legal, pretendendo a recorrente ver apreciada a 
 inconstitucionalidade das normas dos art. 411°, n° 1, 412°, n° 3 e 4 do Código 
 de Processo Penal com a interpretação com que foram aplicadas na decisão 
 recorrida.
 Refere o despacho ora reclamado que o despacho de fls. 133 dos autos não faz 
 qualquer aplicação das mencionadas normas
 De facto, esta decisão não esclarece sobre a aplicação das referidas normas, 
 muito embora o devesse ter feito, dado ter sido suscitada a questão da sua 
 inconstitucionalidade questão à qual inusitadamente o Tribunal 'a quo' não 
 respondeu, por considerar não ser 'um consultório jurídico”.
 Acontece, porém, que essa mesma decisão se compreende, afinal, num conjunto de 
 decisões que recaíram sobre a mesma e exclusiva pretensão da ora recorrente em 
 ver admitido o recurso por si interposto do acórdão proferido pela 2.ª Vara de 
 Competência Mista de Loures, pretensão que o Tribunal 'a quo' indeferiu por 
 despacho proferido em 8 de Março do corrente ano, tendo esta mesma decisão sido 
 objecto de sucessivos pedidos de aclaração não satisfeitos, a fls. 125 e 133 dos 
 autos.
 Inconformada e não esclarecida sobre os fundamentos de uma decisão que lhe nega 
 o direito ao recurso, recorreu a ora recorrente para esse Tribunal 
 Constitucional esclarecendo no correspondente requerimento que a questão da 
 inconstitucionalidade havia sido suscitada nos autos num dos referidos pedidos 
 de aclaração, concretamente, na sequência do despacho proferido a fls. 125 dos 
 autos.
 O que está em causa é, por consequência, a aplicação das referidas normas 
 processuais penais feita na decisão que a ora recorrente, mau grado os esforços 
 desenvolvidos, não viu por duas vezes esclarecida, decisão proferida na 
 sequência da reclamação apresentada no Tribunal 'a quo' nos termos e para os 
 efeitos previstos no art. 405° do Código de Processo Penal, 'completada' nos 
 sucessivos e referidos despachos, o último dos quais, o proferido a fls. 133 dos 
 autos, na sequência do qual se recorre agora.
 A simples leitura de tal decisão mostra terem sido aí aplicadas as normas em 
 causa, interpretadas num sentido que a recorrente, mau grado não ter sido 
 esclarecida em decisivos aspectos da respectiva fundamentação, entende 
 inconstitucional, interpretação 'em si mesma contrária aquilo a que se designa 
 por justiça material e está ferida de inconstitucionalidade por violação do 
 disposto no n.º 1 do ano 32º da Constituição', conforme alegou, sem obter 
 resposta, no já referido pedido de aclaração do despacho proferido a fls. 125 
 dos autos,
 Concluindo:
 a) o recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70° da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 b) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada de modo processualmente 
 adequado perante o Tribunal 'a quo', em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer. (n.º 2 do art. 72° da mesma Lei)
 c) O que o Tribunal 'a quo' não fez, fundamentando nessa sua omissão a rejeição 
 do recurso.
 Termos em que o recurso para esse Tribunal Constitucional deverá ser admitido.
 
  
 Sobre esta reclamação foi ouvido o representante do Ministério Público que 
 responde:
 
  
 
 'A presente reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade, fundando-se o 
 presente recurso na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, cabia ao 
 recorrente ónus de ter suscitado, durante o processo, a questão de 
 constitucionalidade a que tratou de reportar o recurso, cabendo naturalmente 
 fazê-lo no âmbito da reclamação deduzida perante o Presidente da Relação, 
 incidente precisamente sobre a matéria da tempestividade do recurso. O 
 recorrente não aproveitou, porém, tal oportunidade processual, apenas levantando 
 a questão de constitucionalidade após ter sido proferida decisão na reclamação 
 atrás referida, servindo-se de um ulterior pedido de aclaração de pretensas 
 
 “obscuridades” – momento obviamente inadequado para colocar, pela primeira vez, 
 a dita questão de inconstitucionalidade.'
 
  
 
 2. Cumpre decidir.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões 
 que apliquem norma anteriormente acusada, pelo recorrente, de inconstitucional 
 
 (artigo 72º n.º 2 da LTC). 
 A suscitação da questão de inconstitucionalidade deve ocorrer 'de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer' – citado n. 2 do artigo 72º da 
 LTC.
 
  
 Acontece que a recorrente não suscitou a questão de modo processualmente 
 adequado. 
 
  
 De facto, a recorrente não invocou a desconformidade constitucional das normas 
 questionadas na reclamação que dirigiu ao Presidente da Relação de Lisboa, não 
 facultando ao Tribunal recorrido oportunidade processual para apreciar a dita 
 questão na decisão que viesse a proferir; em vez disso, a recorrente optou por 
 apenas levantar essa questão em posterior pedido de esclarecimento, e logo no 
 pedido processualmente inadmissível por se tratar de uma duplicação do anterior. 
 
 
 Isto é: a recorrente suscitou a questão quando estava já esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal comum para conhecer da questão (artigo 666º n.º 1 do 
 Código de Processo Civil), razão pela qual se há-de entender que aquele tribunal 
 não teve oportunidade para conhecer dessa matéria. 
 Em consequência, não se verificam os requisitos do recurso previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da LTC que a recorrente pretende interpor.
 
  
 
 3. Em face do exposto, indeferindo a reclamação, decide-se não admitir o recurso 
 para o Tribunal Constitucional.
 Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Setembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos