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Processo n.º 820/08 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 
 1.  Por acórdão de 15 de Agosto de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou 
 o recurso interposto pela recorrente A. do acórdão condenatório proferido pela 
 Relação do Porto. Notificada, a recorrente reclamou daquele aresto, pedindo 
 pronúncia – que, em seu entender, fora omitida – sobre a questão da 
 
 “inconstitucionalidade da interpretação do artigo 374º n.º 2 do Código de 
 Processo Penal”. Em acórdão de 2 de Outubro de 2008 o Supremo Tribunal de 
 Justiça apreciou a reclamação da recorrente, indeferindo-a. A recorrente 
 recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: 
 
  
 
 “Notificada do douto Acórdão, dele vem interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos: 
 
 - A recorrente tem legitimidade para tal, 
 
 - A decisão recorrida não admite qualquer outro recurso que não seja para o 
 Tribunal Constitucional. 
 
 - Pretende-se que o T.C. aprecie a inconstitucionalidade da interpretação feita 
 pelas instâncias, da norma constante no nº 2 do art. 374º do CPP. 
 
 - Considera a recorrente violados os artigos 32º nº 1 e 205º da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 
 - A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade anteriormente, quer 
 perante o Tribunal da Relação quer perante o Supremo Tribunal de Justiça.” 
 
  
 
  
 Foi, no entanto, proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “ […] A recorrente A. pretende que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade 
 
 “da interpretação feita pelas instâncias” da norma constante no nº 2 do artigo 
 
 374º do CPP, conforme suscitara “perante o Tribunal da Relação quer perante o 
 Supremo Tribunal de Justiça.” Efectivamente, cabe ao recorrente o ónus de 
 suscitação prévia, perante o tribunal recorrido, da questão que pretende ver 
 julgada no Tribunal Constitucional (artigo 72º n.º 2 da LTC). E, na verdade, a 
 recorrente reclamou perante o Supremo Tribunal de Justiça insistindo no 
 julgamento da questão de inconstitucionalidade que colocara e que, em seu 
 entender, não fora tratada, atinente à aplicação da aludida norma com o sentido 
 de que “a fundamentação da decisão se basta com a enumeração das provas, 
 dispensando o tribunal de proceder à sua análise crítica e da exposição de 
 motivos que levaram o tribunal a formar determinada convicção, em detrimento de 
 outra”. 
 Ora, seja qual for a verdadeira natureza desta formulação normativa, o certo é 
 que o Supremo Tribunal não adoptou tal regra na sua decisão, conforme, aliás, 
 explicitou ao ponderar que a norma não fora aplicada com o impugnado sentido. 
 Conclui-se, portanto, que a recorrente enunciou como objecto do recurso uma 
 norma que o Tribunal recorrido não aplicou, circunstância que impede que o 
 Tribunal Constitucional dele possa conhecer. [...]'
 
  
 
 2.  Inconformada a recorrente reclamou, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º da LTC, nos termos que, em suma, se transcrevem:
 
  
 
 “Com o fundamento de que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou a norma no 
 sentido cuja inconstitucionalidade é posta em causa, e que o objecto do recurso 
 enunciado pela ora recorrente era uma norma que o tribunal recorrido não 
 aplicou, foi decidido não tomar conhecimento do presente recurso. 
 
 É com esta decisão sumária que a recorrente não concorda e, por isso, pretende 
 que a sua pretensão seja apreciada por este Alto Tribunal. 
 Na verdade, 
 A arguida/recorrente suscitou, perante o Tribunal da Relação e o Supremo 
 Tribunal de Justiça a questão da nulidade da decisão proferida pelo Tribunal de 
 Santo Tirso, por falta de fundamentação, com os seguintes fundamentos: [...] 
 
 À questão da suscitada inconstitucionalidade não foi (segundo a recorrente), 
 numa primeira fase, dada qualquer resposta pelo acórdão do STJ. 
 Todavia, depois de suscitada a nulidade do acórdão do STJ, por omissão de 
 pronúncia, veio aquele Tribunal Supremo decidir que: como se entendeu que não 
 tinha havido violação do preceito, interpretado exactamente como a recorrente 
 pretendia, não interessava para nada analisar a inconstitucionalidade de uma 
 interpretação que afinal ninguém seguira. E, 
 
  
 
 “Portanto, este STJ abordou a questão da omissão de pronúncia imputada à 
 Relação. Poderá não se concordar com a posição que tomou. Mas o que se não vê é 
 como é que se pode acusar o acórdão aqui proferido, também ele, de omissão de 
 pronúncia.” 
 
  
 
 É bom que se saliente, desde já, que não é o facto de a recorrente não concordar 
 com a convicção que os Tribunais de Santo Tirso e da Relação formaram que a traz 
 perante esta Tribunal. 
 O que a recorrente entende, e vem entendendo desde o acórdão proferido pelo 
 Tribunal de Santo Tirso, é que a convicção e decisão não se encontra devida e 
 legalmente fundamentada – como o exige o artº 374º nº 2 do CPP.
 Ao considerar-se, como o fez o Tribunal da Relação e o Supremo Tribunal, que a 
 fundamentação constante do acórdão proferido pelo Tribunal de Santo Tirso é 
 suficiente está, inevitavelmente, a seguir-se uma interpretação do normativo 
 contido no nº2 do artº 374º do CPP. 
 Qualquer fundamentação tem subjacente uma interpretação do quanto vem vertido no 
 artº 374 nº 2 do C.P.P. 
 Ao considerar-se que a fundamentação da decisão “ é suficientemente crítica para 
 não merecer reparos “ está a seguir-se uma interpretação do referido normativo. 
 A entender-se, como entende o Supremo de que não interessa analisar a 
 inconstitucionalidade da interpretação de uma norma que ninguém seguiu está, de 
 uma forma mais ou menos evidente, a coarctar-se e limitar-se o “trabalho” e 
 razão de existência do Tribunal Constitucional. 
 Expliquemos: bastaria ao tribunal recorrido dizer que não seguiu determinada 
 interpretação para que nunca fosse possível suscitar a inconstitucionalidade de 
 uma norma perante o T.C.
 A recorrente entende que, a interpretação dada ao nº 2 do art. 374º do CPP pelo 
 Tribunal de Santo Tirso, pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, é inconstitucional. 
 Salvo o devido respeito por melhor opinião, não é pelo simples facto de se dizer 
 que o normativo não foi interpretado no sentido indicado pela recorrente que 
 afasta e impede este Tribunal Constitucional de aferir do sentido com que tal 
 norma foi aplicada e, se tal interpretação é ou não constitucional. 
 Cremos que, a pretensão da recorrente deverá levar a que o Tribunal 
 Constitucional afira da interpretação dada pelas instâncias à norma contida no 
 nº 2 do n.º 374º do CPP.”
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do teor 
 da reclamação apresentada, pronunciou-se no sentido de “a mesma ser 
 manifestamente improcedente”.
 
  Cumpre decidir. 
 
  
 
 3. A argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada. 
 Pretende a reclamante impugnar, por inconstitucional, a norma, que retira do  
 n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que “a 
 fundamentação da decisão se basta com a enumeração das provas, dispensando o 
 tribunal de proceder à sua análise crítica e da exposição de motivos que levaram 
 o tribunal a formar determinada convicção, em detrimento de outra”. 
 Ora, parece inequívoco que um recurso de carácter normativo, como o presente, 
 exige perfeita coincidência entre a norma nele impugnada e aquela que o Tribunal 
 recorrido aplicou na decisão recorrida, pois só assim a eventual procedência do 
 recurso terá utilidade, determinando a reformulação dessa decisão. É igualmente 
 manifesto que o recurso não pode ter por objecto a própria decisão recorrida em 
 si mesmo considerada, por nele não ser admissível a sindicância dos juízos 
 jurisdicionais de subsunção ao direito aplicável. 
 A presente reclamação revela agora, com total clareza, o equívoco da reclamante 
 ao pretender impugnar o juízo adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça na 
 subsunção do caso à doutrina do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo 
 Penal. Com efeito, ao pretender que na decisão daquele Tribunal fora adoptado um 
 critério normativo segundo o qual se dispensava o tribunal de proceder à análise 
 crítica da prova e de revelar os motivos que conduziam a determinada convicção, 
 a reclamante está a tecer directamente uma crítica à decisão e não à norma que 
 ela aplicou, pois não há dúvida de que entende que a decisão não aplicou 
 correctamente o referido preceito do Código de Processo Penal. Isto é: a 
 discordância manifestada pela reclamante revela-se unicamente quanto ao juízo – 
 este sim, claramente adoptado – de que a decisão então recorrida teria procedido 
 
 à análise crítica da prova, revelando ainda os motivos que orientaram a 
 convicção do tribunal, pois o que a reclamante defendia no recurso era 
 precisamente o oposto. É, assim, patente que, em ordem a fiscalizar tal critério 
 normativo, o Tribunal Constitucional teria que radicar as suas ponderações numa 
 análise que permitisse concluir que, ao contrário do que afirmava o Tribunal 
 recorrido, foram omitidos fundamentos na decisão então em análise; ou seja, o 
 Tribunal teria que sindicar directamente a decisão do Tribunal recorrido, o que, 
 neste âmbito, é inadmissível. 
 Torna-se, por isso, evidente a sem razão da reclamante. 
 
  
 
 4. Em face do exposto, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão sumária 
 de não conhecimento do recurso.  Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de 
 justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 9 de Dezembro de 2008.
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão