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Processo nº 750/2008
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrentes A. e B., foi 
 proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com o 
 seguinte fundamento:
 
  
 
 (…)
 Como bem se sabe, o controlo de constitucionalidade em direito português incide 
 sempre sobre normas e nunca sobre decisões judiciais. Como disse o Tribunal 
 Constitucional no Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma era ou não aplicável ao 
 caso, ou se foi ou não bem aplicada – isso é da competência dos tribunais 
 comuns, e não do Tribunal Constitucional” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 5, 1985, p. 408). 
 Sendo ainda jurisprudência constante deste Tribunal a de que não pode ser 
 conhecida, por não estar consagrado entre nós um recurso de amparo, a impugnação 
 de constitucionalidade imputada à decisão proferida pelo tribunal a quo (Cfr. 
 entre outros, Acórdãos n.º 595/97, de 14 de Outubro; n.º 520/99, de 28 de 
 Setembro e n.º 232/02, de 28 de Maio, todos disponíveis para consulta em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Semelhante jurisprudência não pode deixar de se manter intacta nos casos em que 
 se considera que o objecto do controlo de constitucionalidade não é tanto “a 
 norma” em si – ou seja, a regra de conduta ou o padrão de valoração de 
 comportamentos tomados independentemente do modo da sua aplicação ao caso 
 concreto – quanto a interpretação normativa de tal regra ou padrão – ou seja, o 
 modo como, nos processos de fiscalização concreta, a norma é interpretada pelo 
 julgador.
 
 É evidente que, também em tais casos, terá o objecto do controlo de 
 constitucionalidade que ter natureza normativa, desde logo face ao disposto no 
 n.º 1 do artigo 277.º da Constituição.
 Neste sentido, é uma tal natureza normativa que falta sempre que o pretenso 
 recurso de constitucionalidade for interposto, não tendo em conta o critério 
 normativo que orientou a decisão judicial – critério esse que há-de ser 
 identificado e enunciado sem necessidade de referência às circunstâncias únicas 
 e irrepetíveis do caso concreto –, mas tendo em conta, somente, a “concreta e 
 casuística valoração das circunstâncias próprias e específicas de um caso 
 concreto, em boa medida indissociáveis da matéria de facto e das «presunções 
 naturais» em que se alicerça a conclusão do tribunal” (Acórdão n.º 81/2001, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 
 3. Ora, no requerimento de interposição de recurso, é bem evidente que A. e B. 
 não identificam nem enunciam o critério normativo que, no seu entender, orientou 
 o acórdão recorrido em desconformidade com o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição 
 da República. 
 Com efeito, tanto no recurso de constitucionalidade como nas motivações do 
 pedido de aclaração formulado junto do Supremo Tribunal de Justiça (e nas quais 
 poderiam eventualmente as recorrentes ter suscitado a questão de 
 constitucionalidade em termos adequados), as recorrentes referem, de forma 
 expressa, que a inconstitucionalidade que alegam é por estas imputada à decisão 
 de que recorrem e não a uma qualquer norma ou, eventualmente, a uma específica 
 dimensão interpretativa.
 Nesta linha, sendo o contencioso de constitucionalidade sempre dirigido a normas 
 em que se fundam as decisões recorridas e não dirigido às decisões, como seria o 
 presente caso, proferidas pelo tribunal a quo, não pode o Tribunal tomar 
 conhecimento do presente recurso.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se proferir para este caso decisão sumária, nos termos do 
 n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, por se entender que, 
 nele, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, e 
 condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades 
 de conta.
 
  
 
  
 
 2.  Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o 
 seguinte: 
 
  
 I
 Os n°s 5 e 6 do artigo 75-A da Lei do Tribunal Constitucional, determinam, no 
 caso de no recurso não se achar indicado algum dos elementos previstos no 
 artigo, o juiz ou/e o relator no Tribunal constitucional, convidam o requerente 
 a prestar essas indicações no prazo de 10 dias. 
 II
 A requerente não foi, para tal, convidada por nenhum dos insignes Magistrados. 
 
  
 
  
 III
 Ao invés, surge uma decisão sumaríssima na qual se rejeita o conhecimento do 
 conteúdo da questão de direito levantada e cujo estudo debate e decisão se 
 requereu. 
 IV
 Na douta decisão sumária refere-se que a requerente não enunciou o critério 
 normativo que orientou o acórdão recorrido em desconformidade com o artigo 32 n° 
 
 1 da C.R.P. 
 Ora, é facto que a inconstitucionalidade alegada pela requerente foi imputada à 
 decisão que recorre. 
 Aliás, foi imputada TAMBÉM à decisão de que recorreu. 
 MAS NÃO SÓ. Com efeito, o critério normativo que fundamentou a decisão concreta 
 do Tribunal Judicial encontra-se também BEM PATENTE, quer no recurso quer na 
 fundamentação do acórdão de primeira instância. 
 Isto é, a requerente não pode dissociar o critério normativo aplicado no 
 Tribunal Constitucional que redundou no não provimento do seu recurso. Tal não 
 seria possível, nem sequer útil para ninguém. 
 Ademais, nem o Tribunal Constitucional se pode auto-limitar a órgão de consulta. 
 
 
 A referência ao caso concreto haverá sempre, pois, de ser cabalmente enunciada, 
 uma vez que é do caso concreto que sobressai um critério normativo nele, BEM ou 
 MAL, aplicado. 
 Quando o critério normativo aplicado viola, manifestamente, o estatuído na 
 C.R.P., como aconteceu, a requerente volta-se para o órgão competente – o 
 Tribunal Constitucional. 
 V
 No caso vertente, a requerente descreveu sucintamente as circunstâncias do caso 
 concreto, enunciou as disposições legais utilizada pelo Venerando Desembargador 
 do Tribunal da Relação de Coimbra quando decide pela aplicação de nova redacção 
 dada à alínea f) do n° 1 do artigo 400 do C.P.P. 
 O critério normativo aplicado pelos Tribunais Judiciais e de que ora se recorre, 
 apresenta-se MANIFESTO, no seu indeferimento. 
 O que aconteceu, neste recurso, foi uma descrição de matéria de facto 
 INDISSOCIÁVEL da concreta e casuística valoração das circunstancias próprias e 
 especificas de um caso concreto e das presunções materiais em que se alicerça a 
 conclusão do Tribunal. (Acórdão citado n° 81/2001). 
 
  
 Nestes termos, requer ao Colendo Tribunal Constitucional a realização de 
 CONFERÊNCIA, ordenando-se a efectivação do convite a que se referem os nºs 5 e 6 
 do artigo 75-A da Lei do Tribunal Constitucional, ou conhecendo-se das questões 
 levantadas.
 
  
 
  
 
  
 
 3.  Também a recorrente B. reclamou para a conferência com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 1.  É certo que no requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante (e 
 a outra que, representada pelo mesmo Ilustre Advogado, interpuseram o dito 
 recurso de constitucionalidade) não enunciaram expressamente o critério 
 normativo que no entender dela(s) orientou o (também muito douto) Acórdão 
 recorrido. 
 
 2.  No entanto, e salvo o muito respeito devido, não é certo que tenha(m) 
 imputado a inconstitucionalidade que invocou(aram) a essa decisão, 
 
 3.  Mas, embora de forma (talvez) deficientemente expressa, à norma que a 
 baseou. 
 Com efeito, objecto do recurso foi a norma do artigo 405° do Código de Processo 
 Penal (cuja indicação foi, não obstante, e porventura indevidamente, omitida no 
 citado recurso) interpretada, como o foi objectiva e manifestamente no Acórdão 
 recorrido, no sentido de que a arguida recorrente que em processo penal reagiu 
 por via de recurso contra decisão que a condenou, ou manteve condenação sua, em 
 
 6 anos de prisão, e cujo recurso não foi admitido, não tendo deduzido reclamação 
 contra essa decisão que recusou esse recurso, não pode beneficiar da decisão 
 proferida em sede de reclamação contra a não admissão desse mesmo recurso por 
 co-arguido que, na mesmíssima situação substantiva e/ou processual, deduziu essa 
 reclamação e beneficiou da decisão de admissão de recurso que nessa sede veio a 
 ser proferida. 
 Justificando-se o recurso de constitucionalidade, para Vossas Excelências, por 
 isso que se entendeu – e continua à Recorrente a parecer que bem – que tal norma 
 desse artigo 4O5, assim interpretada, violaria o disposto no artigo 32° da 
 Constituição e o princípio da igualdade.
 
 4.  Ora, entende a Reclamante que não devia ter sido prejudicada pelo facto de 
 esse seu entendimento ter sido deficientemente expresso (pelo Ilustre Advogado 
 que a representava na altura), e que sempre lhe haveria de ter sido dada a 
 possibilidade de melhor explanar tal entendimento – nomeadamente, sendo 
 convidada a indicar o critério normativo (a norma em concreto aplicada e cuja 
 conformidade à Constituição a ora Reclamante pretendia ver sindicada) que, no 
 seu entender, orientou o Acórdão recorrido. 
 TERMOS EM QUE SE REQUER A VOSSAS EXCELÊNCIAS 
 SE DIGNE REVOGAR A DECISÃO SUMÁRIA RECLAMADA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE 
 ADMITA O RECURSO OU CONVIDE A RECLAMANTE A ESCLARECER O CRITÉRIO NORMATIVO (A 
 NORMA EM CONCRETO APLICADA E CUJA CONFORMIDADE À CONSTITUIÇÃO PRETENDIA VER 
 SINDICADA) QUE, NO SEU ENTENDER, ORIENTOU O ACÓRDÃO RECORRIDO, 
 COMO É DE JUSTIÇA!
 
  
 
  
 
 4.  O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu à 
 reclamação nos termos seguintes:
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 5.  Apesar de o recurso de constitucionalidade vir interposto junto do Tribunal 
 por ambas recorrentes num só requerimento de recurso, é manifesto que as 
 recorrentes figuram como “parte” no processo constitucional.
 Assim sendo, as recorrentes podem, de forma isolada, se assim o entenderem, 
 exercer o direito que lhes assiste de reclamar para a conferência na 
 eventualidade de, como sucede no presente caso, discordarem da decisão sumária 
 proferida pelo relator.
 Nesta linha, o Tribunal conhecerá de ambas reclamações apresentadas conforme se 
 segue.
 
  
 
 6.  A decisão sumária reclamada foi no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso por as recorrentes não terem suscitado, no âmbito do processo, uma 
 questão de constitucionalidade em termos tais que pudesse ser conhecida pelo 
 Tribunal.   
 Nesta linha, faz-se nota de que, no recurso de constitucionalidade (como nas 
 motivações do pedido de aclaração e de arguição de nulidade formulados junto do 
 Supremo Tribunal de Justiça), as recorrentes referiram, de forma expressa, que a 
 inconstitucionalidade alegada era por estas imputada à decisão recorrida e não a 
 uma qualquer norma ou, eventualmente, a uma específica dimensão interpretativa, 
 aplicada pela decisão recorrida. Foi esta simples mas decisiva razão que 
 determinou que o recurso em análise não fosse conhecido.
 Apontava neste sentido, de forma expressiva e não dando lugar a dúvidas, o 
 requerimento de recurso apresentado junto do Tribunal.
 Isso mesmo decorrendo, agora, do teor das reclamações aduzidas.
 Assim, no caso da reclamante B., pode ler-se na motivação da sua reclamação que:
 
  
 
 1.  É certo que no requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante (e 
 a outra que, representada pelo mesmo Ilustre Advogado, interpuseram o dito 
 recurso de constitucionalidade) não enunciaram expressamente o critério 
 normativo que no entender dela(s) orientou o (também muito douto) Acórdão 
 recorrido. 
 
  
 E no caso da reclamante A.:
 
  
 Ora, é facto que a inconstitucionalidade alegada pela requerente foi imputada à 
 decisão que recorre. 
 Aliás, foi imputada TAMBÉM à decisão de que recorreu. 
 MAS NÃO SÓ. Com efeito, o critério normativo que fundamentou a decisão concreta 
 do Tribunal Judicial encontra-se também BEM PATENTE, quer no recurso quer na 
 fundamentação do acórdão de primeira instância. 
 Isto é, a requerente não pode dissociar o critério normativo aplicado no 
 Tribunal Constitucional que redundou no não provimento do seu recurso. Tal não 
 seria possível, nem sequer útil para ninguém. 
 Ademais, nem o Tribunal Constitucional se pode auto-limitar a órgão de consulta. 
 
 
 A referência ao caso concreto haverá sempre, pois, de ser cabalmente enunciada, 
 uma vez que é do caso concreto que sobressai um critério normativo nele, BEM ou 
 MAL, aplicado. 
 
  
 
 7.  Vêm porém as reclamantes sustentar, agora, que do que se trata é, apenas e 
 tão só, de uma mera irregularidade do seu requerimento de recurso, 
 irregularidade essa que poderia ser ultrapassada através da formulação de um 
 convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso, conforme dispõe o artigo 
 
 75.º -A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional.
 Ora, de uma análise atenta dos autos retira-se, com manifesta evidência, que em 
 momento algum vieram as reclamantes suscitar qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa.
 Com efeito, na sua motivação do pedido de aclaração e de arguição de nulidade da 
 decisão do Tribunal a quo as ora reclamantes imputam, de forma expressa, a 
 inconstitucionalidade à decisão recorrida e não a qualquer norma. Destas 
 motivações, sendo que o requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade mais não é do que uma repetição da motivação apresentada em 
 sede de aclaração, se extrai, com maior relevância para a questão sub judice, o 
 seguinte parágrafo:
 
  
 VI
 Entende pois, a Defesa dos arguidos que o Acórdão recorrido, ao não conhecer dos 
 recursos das arguidas com base num despacho de não admissão que se veio a 
 revelar errado e já que o raciocínio do Juiz Conselheiro Presidente do S.TJ. 
 APROVEITA às arguidas A. e B., violou o art° 32° n° 1 da Constituição da 
 República Portuguesa porquanto não interpretou correctamente o art° 402º nº 2 
 alínea a) e art° 400º al. f) na redacção anterior à Lei 48/2007 de 29 de Agosto, 
 aplicável por efeito do art° n° 5 do C.P.P.
 
  
 Por outras palavras, nos presentes autos, a motivação do pedido de aclaração e 
 arguição de nulidade, no que respeita a questão de constitucionalidade, 
 configura, de forma evidente, um verdadeiro recurso de amparo. 
 Em consequência, e relembrando agora o ‘dito’ da decisão sumária sob reclamação, 
 sempre se há-de dizer que o nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade não atribui competência ao Tribunal 
 Constitucional para controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos 
 tribunais recorridos, nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si 
 mesma, ou, sequer, apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao 
 melhor direito. 
 No recurso de constitucionalidade, tal como foi delineado pela Constituição da 
 República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal é apenas um órgão 
 de fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida (cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 199/88, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1989 e Acórdão n.º 
 
 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995). 
 
  
 
 8.  Assim sendo, o convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso não 
 encontra ‘lugar’ nos autos. Com efeito, este convite só é possível quando 
 ocorra, apenas, uma deficiência no próprio requerimento e não quando, como é o 
 caso, haja a falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso (aqui, a não 
 suscitação da questão de constitucionalidade de forma a que o Tribunal dela deva 
 conhecer). 
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades 
 de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão