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Processo n.º 869/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 Acordam, em conferência no Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 No âmbito do processo de impugnação judicial de liquidação de tributos n.º 
 
 313/04.2 BEBJA, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, mediante sentença 
 proferida em 28 de Março de 2007, manteve a liquidação da contribuição 
 autárquica impugnada pela sociedade impugnante BANCO A., S.A..
 
  
 Após interposição de recurso, tal decisão viria a ser confirmada pela Secção de 
 Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo mediante acórdão 
 proferido em 16 de Janeiro de 2008.  
 A sociedade impugnante interpôs então recurso desta decisão para o Pleno da 
 Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo 
 do disposto no artigo 284.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário 
 
 (CPPT), e no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais (ETAF), na redacção da Lei n.º 13/2002, de 19 de 
 Fevereiro, com fundamento em alegada oposição de julgados.
 
  
 Após este recurso ter sido liminarmente admitido pelo Juiz Conselheiro Relator 
 do referido acórdão, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal 
 Administrativo veio a proferir decisão, datada de 10 de Setembro de 2008, nos 
 termos da qual concluiu que o recurso em questão não era admissível e não tomou 
 conhecimento do mesmo, apresentando para o efeito a seguinte fundamentação:
 
 “(…) O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de o 
 recurso ser dado por findo, dada a sua inadmissibilidade, uma vez que o novo 
 ETAF apenas prevê a competência do Plenário do STA para conhecer dos conflitos 
 de jurisdição entre os tribunais administrativos de círculo e tribunais 
 tributários.
 Ouvido o recorrente, veio, em síntese, sustentar a “manifesta improcedência 
 deste entendimento” pois que, sempre em síntese e por um lado, a perfilhada 
 interpretação restritiva não tem um mínimo de correspondência na letra da lei e, 
 por outro, contraria frontalmente o direito de acesso aos tribunais, 
 impossibilitando o recorrente de obter a tutela jurisdicional efectiva 
 consagrada na Constituição.
 Pelo que há que apreciar, desde já, a admissibilidade do recurso.
 O presente processo iniciou-se depois de 1 de Janeiro de 2004 pelo que lhe é 
 aplicável o novo ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, 
 da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 
 de Dezembro.
 E o seu artigo 27.º, n.º 1, alínea b), dispõe que cabe, ao Pleno da Secção do 
 Contencioso Tributário do STA, conhecer de “recursos para uniformização de 
 jurisprudência”.
 Actualmente, a lei prevê dois tipos de recursos para o efeito: no artigo 152.º 
 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “recurso 
 para uniformização de jurisprudência”, e no artigo 284.º do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário, versando “oposição de acórdãos”.
 E, embora sob diversa epígrafe, não pode duvidar-se que este último normativo 
 visa aquela uniformização, como logo resulta do respectivo conteúdo legal.
 Não elenca, todavia, os respectivos pressupostos substanciais, por modo que logo 
 surge a questão de saber quais eles sejam ou em que consistem.
 Ora, a resposta é justamente dada por aquele artigo 152.º, a que devemos 
 recorrer, face ao disposto no artigo 2.º do dito CPPT, de acordo, aliás, com a 
 natureza do caso omisso – alínea c).
 Por outro lado, o artigo 29.º do mesmo ETAF estabelece a competência do 
 Plenário: “conhecer dos conflitos de jurisdição entre tribunais administrativos 
 de círculo e tribunais tributários ou entre as secções de contencioso 
 administrativo e do contencioso tributário”.
 Temos, assim, que o novo ETAF não prevê qualquer competência para conhecer de 
 recursos, por oposição de acórdãos, das secções do contencioso tributário e 
 administrativo, do STA.
 Na verdade, estando em causa acórdãos das duas secções, a respectiva oposição só 
 podia ser equacionada por uma formação mista, integrando elementos das secções 
 tributária e administrativa já que, na circunstância, o tribunal se pronuncia 
 
 “sobre a mesma questão fundamental de direito” pelo que a respectiva competência 
 só podia ser do plenário – cfr. artigo 28.º do ETAF.
 Como acontecia com o ETAF de 1984, na redacção do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 
 de Novembro, pois que o seu artigo 22.º, alínea a), justamente previa recurso 
 para o Plenário, nomeadamente de acórdãos das secções, proferidos ao abrigo das 
 alíneas a) dos artigos 24.º e 30.º, isto é, das secções do contencioso 
 administrativo e tributário.
 Verifica-se, assim, não ser admissível recurso por oposição de julgados da 
 secção do contencioso tributário e do contencioso administrativo do STA, como é 
 o caso em que é interposto recurso do aresto de fls. 218, daquela primeira 
 secção, por oposição com dois acórdãos da secção do contencioso administrativo.
 
 À tese exposta, objecta, porém, o recorrente com duas ordens de considerações.
 Desde logo, que a apontada interpretação restritiva não tem, na letra da lei, a 
 mínima correspondência.
 Mas nem o podia ter, logo por definição conceitual.
 Ali, o intérprete chega à conclusão que o legislador minus dixit quam voluit: o 
 texto atraiçoa o seu pensamento pois que diz mais do que aquilo que pretendia 
 dizer. Aí, deverá o intérprete restringir o alcance aparente do texto, de modo a 
 torná-lo compatível com a ratio legis, pois que cessante ratione legis, ejus 
 disposito cessat (onde termina a razão de ser da lei, assim termina o seu 
 alcance) (Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso 
 Legitimador, p. 186.)
 Em tal circunstancialismo, pois, a operação que o intérprete faz é justamente 
 introduzir um elemento restritivo, colocando o texto de acordo com a ratio do 
 preceito; se este dali constasse, estaria em causa uma interpretação 
 declarativa, não restritiva (Cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
 E, “por outro lado, é também manifesto que a interpretação da referência a 
 
 “acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo”, feita na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 152.º do CPTA, como reportando-se, no contencioso administrativo, a 
 
 “acórdão proferido pela secção do contencioso administrativo do STA” e, na 
 adaptação ao direito tributário, como significando “acórdão proferido pela 
 secção do contencioso tributário do STA” tem, no texto daquela norma, muito mais 
 do que um mínimo de correspondência verbal: na verdade, é inquestionável que os 
 acórdãos proferidos pela secção do contencioso administrativo e pela secção do 
 contencioso tributário do STA são “acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo”, 
 como se refere naquela alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º e são “acórdãos”, como 
 se exige no artigo 284.º do CPPT” (Cfr. o recente acórdão do STA de 14 de Julho 
 de 2008 – recurso n.º 764/07, versando a mesma problemática e em relação, aliás, 
 ao mesmo impugnante, ora recorrente).
 E pretende este, bem assim, que a predita interpretação, sem qualquer apoio na 
 letra lei, constitui restrição sem qualquer fundamento válido do direito de 
 acesso aos tribunais, de consagração constitucional, com prejuízo da tutela 
 judicial efectiva constitucionalmente prevista – artigo 20.º e 268.º, n.º 4, da 
 Constituição.
 Não é, todavia, o que mostram os autos.
 Na verdade, o recorrente deduziu impugnação judicial e, inconformado com a 
 respectiva sentença, recorreu para o STA onde viu novamente apreciada a sua 
 pretensão.
 Viu assim materializado o seu direito à pretendida tutela.
 Na verdade, a Constituição não consagra, hic et semper, a existência, sequer, de 
 um segundo grau de jurisdição, quanto mais de um terceiro.
 Mesmo aquele apenas aparece consagrado em determinadas matérias de natureza 
 penal e processual penal, como é jurisprudência constante do Tribunal 
 Constitucional: sentenças condenatórias e outros actos que tenham como efeito a 
 privação ou restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais (Cfr., por 
 todos, os acórdãos de 7 de Novembro de 2007 – recurso n.º 549/07, e de 23 de 
 Janeiro de 2008 – recurso n.º 40/08).
 
 “De um modo geral pode afirmar-se que, fora do domínio penal, o princípio da 
 efectividade do direito ao recurso, a implicar duplo grau de recurso, não 
 constitui garantia constitucional, tendo apenas (…) o alcance de uma proibição 
 ao legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e 
 qualquer caso ou de a inviabilizar na prática”.
 Pelo que se não mostra violado o direito de acesso aos tribunais (…)”.
 
  
 A sociedade impugnante recorreu desta última decisão para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos:
 
 “(...) BANCO A.. S.A. (...) vem, ao abrigo do disposto nos arts. 70º/1/b) e 
 
 70º/2/3/4 e 6 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas 
 pela Lei 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 
 
 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, recorrer do 
 referido acórdão para o Venerando Tribunal Constitucional (v. Ac. TC n.º 
 
 331/2005, Proc. 396/05 in www.tribunalconstitucional.pt), com fundamento na 
 inconstitucionalidade da norma do art. 152º do CPTA, face às normas e princípios 
 constitucionais consagrados nos arts. 20.º e 268.º da CRP, quando interpretada e 
 aplicada com a dimensão e sentido normativo que lhe foi atribuído, na parte em 
 que se considerou que, aplicando-se “aquele artigo 152º, a que devemos recorrer, 
 face ao disposto no artigo 2º do dito CPPT, de acordo, aliás, com a natureza do 
 caso omisso – alínea c) (...) não (é) admissível recurso por oposição de 
 julgados da Secção do Contencioso Tributário e do Contencioso Administrativo do 
 STA, como é o caso em que é interposto recurso do aresto de fls. 218, daquela 1ª 
 Secção, por oposição com dois acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo”.
 Em 25 de Novembro de 2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso com a seguinte fundamentação:
 
 “O presente recurso versa a matéria do direito de acesso dos cidadãos aos 
 tribunais para defesa dos seus direitos, em especial o acesso ao Pleno da Secção 
 de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo mediante 
 interposição de recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência.
 A sociedade recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência de 
 um acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal 
 Administrativo com fundamento na oposição de julgados existente entre esse mesmo 
 acórdão e dois outros acórdãos anteriormente proferidos pela Secção de 
 Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tudo ao abrigo do 
 disposto no artigo 284.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário 
 
 (CPPT), e no art. 27.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais (ETAF), na redacção da Lei n.º 13/2002, de 19 de 
 Fevereiro.
 Porém, o tribunal recorrido viria a rejeitar esse recurso ao abrigo da aplicação 
 subsidiária da norma contida no artigo 152.º, n.º 1, al. b), do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 
 
 22 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para 
 uniformização de jurisprudência fundado em contradição existente entre um 
 acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA e um acórdão da Secção de 
 Contencioso Administrativo do STA.
 A sociedade recorrente entende que tal interpretação normativa viola as normas e 
 os princípios constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 268.º da 
 Constituição.
 O n.º 1 do art. 20.º da Constituição prescreve, com relevância para o caso 
 concreto, que “a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (...)”, 
 especificando o n.º 4 do art. 268.º, por referência à justiça administrativa e 
 tributária, que “é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos 
 seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o 
 reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos 
 administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da 
 prática de actos administrativos devidos e a adopção de medidas cautelares 
 adequadas”.
 A sociedade recorrente entende que a referida interpretação normativa viola o 
 direito constitucional de acesso aos tribunais e o princípio da plenitude da 
 garantia jurisdicional administrativa.
 O Tribunal Constitucional já se debruçou amiúde sobre o fulcro da questão da 
 inconstitucionalidade dos presentes autos – direito ao terceiro grau de 
 jurisdição – e concluiu invariavelmente que o direito de acesso à justiça não 
 comporta um irrestrito direito a aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, muito 
 menos por via de recurso extraordinário.
 Fê-lo, por exemplo, através do acórdão n.º 247/97, quando emitiu um juízo 
 negativo de inconstitucionalidade a respeito da interpretação normativa que, 
 mesmo em sede de processo criminal, vedava ao arguido o direito ao recurso 
 extraordinário de fixação de jurisprudência em caso de oposição de julgados 
 existente entre um acórdão do Tribunal da Relação e um acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça (DR II Série, 17-5-1997).
 Foi então avançado que o princípio constitucional da plenitude das garantias de 
 defesa do arguido, ainda que esteja em causa arguido condenado com uma pena 
 privativa de liberdade, se basta com a garantia de um segundo grau de 
 jurisdição, e que a mera oposição de julgados relativamente à mesma questão de 
 direito não constitui motivo suficiente para impor ao legislador a previsão de 
 um recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência em todas as hipóteses 
 possíveis, a nível de tribunais superiores, de oposição de decisões.
 Esse juízo negativo de inconstitucionalidade foi reiterado pelo Tribunal 
 Constitucional a respeito de outras situações de inadmissibilidade de recurso 
 extraordinário para a uniformização de jurisprudência, nomeadamente, nos 
 acórdãos n.º 571/98 (DR II Série, 26-11-1999) e 168/2003 (DR II Série, 
 
 26-5-2003).
 
           Esta orientação do Tribunal Constitucional sobre a extensão do direito 
 de acesso aos tribunais e do direito de recurso em processo criminal não sofreu 
 alterações até aos nossos dias, conforme se alcança da leitura do seu recente 
 acórdão n.º 40/2008 (DR II Série, 28-2-2008), em especial da parte em que se 
 reiterou que:
 
           «Ora, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui 
 reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP 
 não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição, como já se 
 explicitou nos atrás parcialmente transcritos Acórdãos n.ºs 489/95 e 1124/96. 
 Como se referiu no Acórdão n.º 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos 
 Acórdãos n.ºs 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 715/96, 
 
 328/97, 234/98 e 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em 
 numerosos arestos, designadamente nos Acórdãos n.ºs 202/99, 373/99, 415/2001, 
 
 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
 
           “7. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos «o acesso 
 ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos».
 
           Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, 
 segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e 
 independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena 
 igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista 
 
 (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal 
 possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral 
 de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
 
           Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, 
 incluindo‑se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de 
 jurisdição?
 
           A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao 
 recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo 
 civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante 
 da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 
 
 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim 
 consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e 
 segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria 
 penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse 
 núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º
 
           Para além disso, algumas vozes têm considerado como 
 constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o 
 direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este 
 respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António 
 Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16.º, p. 
 
 505).
 
           Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não 
 poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
 
           Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. 
 Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, 
 p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais 
 
 (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria 
 do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de admitir‑se que «o legislador 
 ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios 
 recursos» (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol.  9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17.º, p. 349).
 
           Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, 
 pode concluir‑se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente 
 a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na 
 prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de 
 liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os 
 citados Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol.. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, 
 ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 
 
 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 
 
 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307).
 
           O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões 
 penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões 
 que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla 
 margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não 
 suprima em globo a faculdade de recorrer.”
 Não se vislumbra nenhuma razão para abandonar aqui a referida jurisprudência, 
 mesmo que esteja em causa um alegado caso de oposição de julgados existente 
 entre acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Administrativo e pela 
 Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
 Mesmo na jurisdição administrativa e tributária, até por força de um argumento a 
 fortiori, o direito de acesso aos tribunais e a garantia jurisdicional 
 administrativa não vão além de um segundo grau de jurisdição, conforme já foi 
 reconhecido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 520/2007 (DR II Série, 
 
 5-12-2007).
 No caso concreto, a sociedade recorrente viu a sua pretensão de impugnação de 
 liquidação tributária ser sucessivamente apreciada e julgada pelo Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Beja e pela Secção de Contencioso Tributário do 
 Supremo Tribunal Administrativo.
 
 É assim possível concluir que o direito de acesso aos tribunais e o princípio da 
 plenitude da garantia jurisdicional administrativa foram adequadamente 
 assegurados pelo legislador ordinário e efectivamente gozados pela sociedade 
 recorrente para defesa dos seus direitos.
 Deste modo, por ser manifesta a falta de razão da sociedade recorrente, deve o 
 presente recurso de constitucionalidade ser julgado improcedente proferindo-se 
 decisão sumária nesse sentido, nos termos do n.º 1 do art.º 78.º - A, da LTC.”
 
  
 O recorrente reclamou desta decisão, apresentando as seguintes razões:
 
 “1. Conforme resulta do requerimento apresentado, em 2008.09.23, a recorrente 
 interpôs recurso para este Venerando Tribunal Constitucional do douto acórdão do 
 STA de 2008.09.10, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do art. 152º 
 do CPTA, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 20° e 
 
 268° da CRP, quando interpretada e aplicada com a dimensão e sentido normativo 
 que lhe foi atribuído pela referida decisão, na parte em que se considerou que, 
 nos termos do 'artigo 152°, a que devemos recorrer, face ao disposto no artigo 
 
 2° do dito CPPT, de acordo, aliás, com a natureza do caso omisso - alínea c) ( 
 
 ... ) não (é) admissível recurso por oposição de julgados da Secção do 
 Contencioso Tributário e do Contencioso Administrativo do STA, como é o caso em 
 que é interposto recurso do aresto de fls. 218, daquela Secção, por oposição com 
 dois acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo'. 
 A douta decisão sumária considerou que 'o direito de acesso aos tribunais e a 
 garantia jurisdicional administrativa não vão além de um segundo grau de 
 jurisdição ( ... ) efectivamente gozados pela sociedade recorrente para defesa 
 dos seus direitos', tendo concluído que 'por ser manifesta a falta de razão da 
 sociedade recorrente, deve o presente recurso de constitucionalidade ser julgado 
 improcedente' . 
 Salvo o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, cremos que o recurso em 
 causa deverá ser admitido, pois não é admissível a interpretação restritiva do 
 art. 152° do CPTA, nos termos constantes das decisões em análise. 
 
 2. Em primeiro lugar, a interpretação perfilhada no douto despacho em análise 
 não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (v. art. 9°/2 do C. 
 Civil). 
 O art. 152° do CPTA dispõe o seguinte: 
 
 ' 1 - As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal 
 Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão 
 impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, 
 quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição: ( ... 
 
 ) 
 b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo'. 
 Por seu turno, o art. 284°/1 do CPPT estatui: 
 
 'Caso o fundamento for a oposição de acórdãos, o requerimento da interposição do 
 recurso deve indicar com a necessária individualização os acórdãos anteriores 
 que estejam em oposição com o acórdão recorrido, bem com o lugar em que tenham 
 sido publicados ou estejam registados, sob pena de não ser admitido o recurso'. 
 Conforme bem se salientou no douto parecer da Procuradoria Geral da República 
 nº. 41/94, de 12 de Maio de 1994, na esteira de doutrina pacífica: 
 
 'O limite da interpretação é a letra, o texto de norma, cabendo-lhe desde logo 
 uma função negativa - a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer 
 apoio, ou pelo menos uma quaisquer correspondência ou «ressonância» nas palavras 
 da lei ( ... ) 
 Como bem sublinha Oliveira Ascensão, 'a letra não é só o ponto de partida, é 
 também um elemento irremovível de toda a interpretação' (V. O Direito - 
 Introdução e Teoria Geral, 1978, p.p. 350; cfr. O Direito, 6ª ed., 1991, p.p. 
 
 3687), sendo certo que 'interpretar uma lei não é mais do que fzxar o seu 
 sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e 
 alcance decisivos' (v. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação 
 das Leis, p.p. 21 a 262), por forma a 'não só descobrir o sentido que está por 
 detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão 
 cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva' (v. Pires de Lima e 
 Antunes Varela, Noções Fundamentais, II, 5ª ed., p.p. 130)'. 
 Ora, a interpretação restritiva do art. 152° do CPTA constante da douta decisão 
 sumária em análise, no sentido de que 'não é admissível recurso para 
 uniformização de jurisprudência fundado em contradição existente entre um 
 acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA e um acórdão da Secção de 
 Contencioso Administrativo do STA', não tem um mínimo de correspondência verbal 
 na letra do referido normativo, nem na letra do art. 284° do CPPT, que regula o 
 recurso por oposição de acórdãos no processo tributário (v. art. 9°/2 do C. 
 Civil). 
 
 3. Em segundo lugar, a interpretação restritiva do art. 152° do CPTA, nos termos 
 definidos pela douta decisão sumária em análise, sem qualquer apoio na letra da 
 lei, sempre constituiria uma restrição, sem qualquer fundamento, ao direito de 
 acesso aos Tribunais da ora reclamante. constitucionalmente consagrado, 
 impossibilitando-a de obter tutela judicial efectiva (v. arts. 20° e 268°/4 da 
 CRP). Com efeito, o artigo 20°/1 da CRP determina: 
 
 ' A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por 
 insuficiência de meios económicos'. 
 A garantia da via judiciária impõe-se, como direito de natureza análoga aos 
 direitos, liberdades e garantias, a todas as entidades públicas e privadas (v. 
 arts. 17° e 18°/1 da CRP) e naturalmente, também aos Tribunais, sujeitos à 
 Constituição e à lei (v. arts. 203° e 204° da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., p.p. 161 e segs.; Jorge Miranda, Manual de Direito 
 Constitucional, 1988, IV/251 e segs.; Mário de Brito, Acesso ao Direito e aos 
 Tribunais, in O Direito, 1995, III - IV/351-353; Carlos Lopes do Rego, Acesso ao 
 Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, 1993, p.p. 45 e segs.). 
 Por seu turno, como bem escreveu Garcia de Enterria: 
 
 'La jurisprudência no puede emplearse en crear impedimentos o limitaciones a los 
 derechos fundamentales, y menos aún derecho a la tutela judicial efectiva, de 
 cuyo ejercicio resulta justamente la possibilidade misma de que las decisiones 
 judiciales se produzean' . . . 'y lo que es inconstitucional, en efecto, es 
 utilizar los poderes interpretativos y aplicativos de las leys para crear 
 impedimentos o limitaciones a los derechos fundamentales, y en particular al 
 derecho de libre acesso de los ciudadanos a la justicia para obtener de ella una 
 tutela efectiva a los derechos e intereses legítimos' (v. Revista Espanola de 
 Derecho Administrativo, nº  46, p.p. 177). 
 O reputado administrativista espanhol refere ainda que 'lo esencial es llegar al 
 fondo de los recursos, a lo que deben subordinarse las formalidades procesales, 
 evitando su sustantivización; que las excepciones a la admisión de los recursos 
 son de interpretación, no ya enunciativa o declarativa, sino positivamente 
 restrictiva, en cuanto reglas odiosas por contradecir o limitar esse derecho 
 fundamental y natural; que lo esencial es hacer posible el ejercicio de dicho 
 derecho, para lo cual debe buscarse siempre en toda cuestión disputada sobre la 
 materia la interpretación precisamente más favorable a este efecto' (v. Eduardo 
 Garcia de Enterria citado in Juán Maria Pemán Gavin, Algunas Manifestaciones dei 
 principio «Pro Actione» en la reciente Jurisprudencial dei Tribunal Supremo, 
 Revista de Administración Pública, Madrid, n.º 104, p.p. 252). 
 O referido ensinamento foi acolhido e já por diversas vezes reiterado pela 
 jurisprudência espanhola, referindo-se que 'la Sala no puede dejar de apuntar la 
 también reciente doctrina jurisprudencial ( ... ) que insiste en la necesidad de 
 mantener que en la materia de los requisitos o presupuestos procesales 
 
 (inadmisibilidad) los criterios informantes del sistema - art. 24.1 de la 
 Constitución y Exposición de Motivos de la Ley - son los de f1exibilidad y 
 apertura com la finalidad de lograr una completa o plena garantía jurisdiccional 
 por parte de todos los litigantes (ya sean personas físicas ou jurídicas) y que 
 sólo se logra si el Tribunal da una respuesta adecuada y congruente com la 
 temática planteada sin escudarse en razones formales que en la mayoría de los 
 casos - y por las especialidades del proceso contencioso - suponen auténticas 
 denegaciones de justicia (S. de febrero 1982, Arz. 931, Ponente: Martin Martín)' 
 
 (Juán María Pemán Gavín, obra citada, pág. 258). 
 Ora, conforme se refere na decisão sumária em análise 'o legislador está 
 impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e 
 qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém impedido de 
 regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a 
 recorribilidade das decisões'. 
 No âmbito da 'larga margem de liberdade' na conformação concreta do direito ao 
 recurso, o legislador ordinário 'íntroduz(iu) um novo recurso para uniformização 
 de jurisprudência, dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, que, embora 
 estruturado em moldes claramente distintos daqueles que caracterizavam o 
 clássico recurso de oposição de acórdãos, vem suceder àquele na resolução de 
 conflitos resultantes da verificação da existência de contradições, sobre a 
 mesma questão fundamental de direito, entre dois acórdãos do Supremo Tribunal 
 Administrativo ou entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo e um 
 acórdão anteriormente proferido pelo mesmo tribunal ou pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo' (v. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos 
 Tribunais Administrativos, 2.8 edição, 2003, p.p. 325). 
 
 É inquestionável que os acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso 
 Administrativo e pela Secção do Contencioso Tributário do STA são acórdãos do 
 Supremo Tribunal Administrativo. 
 A tese perfilhada pelo STA e por este Venerando Tribunal Constitucional poderia 
 conduzir a hipóteses ad absurdum: imagine-se que o legislador, na sequência do 
 que vem sendo defendido por alguma doutrina (v.g. Vasco Pereira da Silva, Ventos 
 de Mudança no Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2000, p.p. 15 e 
 
 104), criava tribunais especializados em função da matéria (Direito do Ambiente, 
 do Urbanismo, da Função Pública, etc.), de forma semelhante ao que ocorre na 
 
 'Sala Tercera de lo Contencioso-Administrativo' do Tribunal Supremo de Espanha, 
 dividida em 7 secções.
 Nestas situações poderia ou não o particular lesado invocar contradição entre 
 acordãos de diferentes secções? 
 
 4. Do exposto resulta claramente que nunca poderia ser aplicável in casu o 
 disposto no art. 152° do CPTA, com a interpretação restritiva e desconforme à 
 Constituição que lhe foi atribuída pela douta decisão sumária em causa (v. arts. 
 
 20° e 268°/4 da CRP).
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 Na reclamação apresentada questiona-se criticamente a bondade da interpretação 
 normativa que é objecto do            presente recurso, pretendendo-se que o 
 alegado erro de interpretação corresponda a uma inconstitucionalidade.
 Não cabe a este tribunal ajuizar da correcção da aplicação do direito 
 infraconstitucional, mas apenas verificar se a interpretação sustentada na 
 decisão recorrida viola algum parâmetro constitucional.
 Ora, conforme a decisão reclamada bem explica, após a pretensão do recorrente já 
 ter sido apreciada por duas instâncias, a mera oposição de julgados 
 relativamente à mesma questão de direito, não constitui motivo suficiente para 
 que se considere que o direito ao acesso aos tribunais, nomeadamente o direito à 
 impugnação jurisdicional dos actos da Administração, imponha ao legislador a 
 previsão de um recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência em todas 
 as hipóteses possíveis, a nível de tribunais superiores, de oposição de 
 decisões.
 A possibilidade de previsão e conformação de um recurso deste tipo situa-se na 
 ampla margem de manobra que assiste ao legislador nesta temática processual, 
 pelo que a interpretação questionada não viola qualquer parâmetro 
 constitucional.
 Por este motivo deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 
  
 Decisão
 Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo BANCO A., S.A., da 
 decisão sumária proferida nestes autos em 25 de Novembro de 2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos