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Processo nº 937/2008
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira  Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., S.A. vem reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho do Juiz 
 Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Évora, de 22 de Outubro de 2008, 
 que não admitiu o recurso interposto do acórdão daquele Tribunal (acórdão datado 
 de 24 de Junho de 2008). No entendimento do Juiz Desembargador Relator no 
 Tribunal da Relação de Évora, o recurso interposto imputava 
 inconstitucionalidades à decisão recorrida e não a uma qualquer norma ou 
 dimensão interpretativa.
 
  
 
 2.  Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, os reclamantes alegam que:
 
  
 I
 Previamente e para enquadramento das questões ora suscitadas, permite-se a 
 recorrente transcrever parte da sua alegação de recurso para o Venerando 
 Tribunal da Relação de Évora: 
 
  
 I
 Recurso interlocutório
 Não adiamento, invocado nos termos do Art.155° do CPC, da diligência de 
 inquirição de testemunhas
 
  
 A) 
 Reconhecendo que 
 
 “...na fase administrativo do processo de contra ordenação o arguido tem o 
 direito de se fazer acompanhar de advogado – art.53° n°1 do RGCO” 
 conclui a douta sentença 
 
 “Logo, julga-se improcedente este recurso por não ser obrigatória a presença do 
 mandatário da arguida na diligência em causa” 
 
  
 B) 
 No entender da recorrente, reconhecido o “direito” de ser representada por 
 advogado, a partir do momento em que o exerce, é devida obediência às normas que 
 o enquadram. 
 Outro entendimento, como o de considerar que ao longo do processo a arguida 
 
 “poderia” ter constituído mandatário, bem sabendo o senhor Instrutor que tal 
 mandato existia, converteria o reconhecimento de direito em simples “faculdade”. 
 
 
 Por seu turno, a douta sentença, ao fundamentar o indeferimento do recurso no 
 simples entendimento de “... não ser obrigatória a presença do mandatário da 
 arguida na diligência em causa” e não apreciar os fundamentos alegados, 
 incluindo Jurisprudência dos Altos Tribunais, também gera omissão de pronúncia. 
 
  
 C) 
 Para completo esclarecimento, permite-se a recorrente reproduzir, as alegações 
 por si apresentadas sobre esta matéria: 
 
 “1° - Como do processo resulta, por douto despacho datado de 29.4.2005 
 
 (sexta-feira e com dia 1 de Maio feriado), pelo Senhor Instrutor doutamente foi 
 decidido marcar para dia 9.5.2005 a audição das arroladas testemunhas. 
 
 2° - Tendo presente tratar-se de correspondência remetida sem urgência e não 
 registada logo que da mesma foi notificado, o mandatário da arguida remeteu, 
 imediatamente por Fax e por carta registada, requerimento de fls ..., 
 solicitando adiamento da diligência, invocando a aplicação do Art. 155° do CPC. 
 
 3° - Tal solicitação foi indeferida, por ofício do qual não consta qualquer 
 data, remetido via fax no dia 06-05-2005, sexta‑feira, confirmando que se 
 deveria proceder à mencionada diligência na segunda‑feira seguinte, sendo, em 
 síntese, invocado: 
 
 – O artigo 155°, do Código de Processo Civil, só tem aplicação no que concerne a 
 diligências “a que devem comparecer os Mandatários Judiciais” 
 e 
 
 – “...Atendendo ao curto espaço de tempo que nos separa do momento da prescrição 
 do presente procedimento, indefere-se o requerido...” 
 
 4° - Ora, e no que concerne à primeira questão, afigura-se ser feita desconforme 
 interpretação sobre o papel do Advogado e, nomeadamente, dos deveres que lhe 
 competem. 
 Na verdade, e como forma de assegurar a mais completa defesa dos interesses do 
 arguido, prescreve o Art. 32° n° 3 da Constituição da República Portuguesa, 
 
 “O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os 
 actos do processo, especjficando a lei os casos e as fases em que essa 
 assistência é obrigatória”. 
 
 5° - Toda a evolução havida se encaminhou para realçar o papel essencial do 
 acompanhamento da parte pelo seu Advogado. 
 Recorda-se que é o relacionamento pessoal do Advogado com o cliente que é a 
 característica mais marcante do mandato forense, mais se permitindo invocar o 
 disposto no Art. 62°, n° 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 
 n° 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005, segundo o qual 
 
 «o mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou 
 acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo 
 mandante» 
 
 É esta particular relação de confiança que existe entre o mandante e mandatário, 
 que leva a, por exemplo, na legislação processual civil as diligências deverem 
 ser marcadas ouvindo, previamente, os mandatários das partes. 
 
 6° - Mais se refere que a evolução jurisprudencial bem demonstra o recurso feito 
 ao processo civil, nomeadamente quando se trata de actos reguladores da evolução 
 processual do regime contra‑ordenacional. 
 A título de exemplo se cita o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 
 
 4.2.1998, Colectânea de Jurisprudência – 1998, Tomo 1, Pág. 152, que fixou o 
 entendimento que 
 
 «O disposto na segunda parte do nº 1 do art. 150° do C.P. C. é aplicável ao 
 envio pelo correio sobre registo aos cuidados administrativos de requerimentos 
 de impugnação judicial» 
 da mesma forma que, sobre a conjugação dos regimes do C.P.C. e do C.P.P. também, 
 para tais efeitos, o Assento do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, n° 1 de 
 
 2001 de 8.3.2001 publicado no Diário da República de 20.4.2001, Série 1-A, fixou 
 qual que a data a considerar como apresentação da impugnação judicial. 
 
 7° - Nos termos do Art. 41° n° 1 do Decreto lei n° 433/82, de 27 de Outubro 
 
 “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente 
 adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.” 
 
 8° - Mais se prescrevendo no Art. 4° do C.P.P que, nos casos omissos, quando as 
 disposições do presente código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se 
 as normas de processo civil que se harmonizem com o processo penal. 
 
 9° - Mesmo no âmbito penal há uma procura constante para que os actos devidos 
 sejam realizados e, nessa medida, o princípio da legalidade seja completamente 
 aplicado. 
 
 10° - Mas decisivo se afigura, para completa elucidação do presente caso, o 
 disposto no Art. 312°, n°4 do C.P.P. 
 
 «Se no processo existir advogado constituído, o Tribunal deve diligenciar pela 
 concertação da data para a audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação 
 da audiência, por acordo feito ao abrigo do Art. 155° do C.P.C.». 
 Ora, foi precisamente ao abrigo desta norma do CPC que foi formulado o pedido de 
 adiamento, sendo que competia à Inspecção Geral do Trabalho, verificando que no 
 processo existia Procuração, concertar datas com o mandatário. 
 
 11° - Quanto à segunda questão afigura-se não poder ser a arguida prejudicada 
 pela demora da Inspecção Geral do Trabalho em deduzir acusação, sendo que nos 
 termos do já referido Art. 32° n° 2 da C.R.P, 
 
 “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de 
 condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias 
 de defesa”. 
 
  
 D) 
 Reafirmando tudo quanto acima alegou, mais considera a recorrente que o, aliás 
 douto, entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” de concordância com a posição da 
 entidade administrativa, peca do vício de inconstitucionalidade, que para todos 
 os devidos e legais efeitos se argui, em especial para interposição de recurso 
 para o Venerando Tribunal Constitucional. 
 Na verdade, impor limitação processual – a pretexto de constituição facultativa 
 de mandatário ou proximidade do prazo de prescrição, seria uma violação, ainda 
 que indirecta, do pleno direito à defesa da arguida. 
 
  
 II
 Sobre esta questão, devidamente incorporada nas suas conclusões de recurso, 
 pronunciou-se o Douto Acórdão nos seguintes termos que, com a devida vénia e na 
 
 íntegra, se transcrevem: 
 
 “1. Comecemos precisamente por esta última questão, a que a recorrente dedica as 
 conclusões 25° a 32° da respectiva motivação de recurso. 
 
 É, certo que a arguida interpôs recurso, quer neste processo quer no processo 
 Apensado, do despacho proferido pelo instrutor na fase administrativa do 
 processo que indeferiu o requerimento apresentado pela arguida pedindo o 
 adiamento da inquirição das testemunhas que arrolou. 
 Como se vê da sentença recorrida (vide § 1° de fls 10 da sentença recorrida) o 
 senhor juiz conheceu desse recurso pronunciando-se no sentido da respectiva 
 improcedência. 
 A lei admite recurso de impugnação judicial das decisões interlocutórias tomadas 
 pela autoridade administrativa (art° 55°, n°1 do DL no 433/82 de 27/10), porém, 
 o conhecimento desses recursos esgota-se em uma única instância (vide n° 3 do 
 referido art° 55°). Como o tribunal recorrido se pronunciou sobre esse recurso e 
 no sentido do respectivo indeferimento, ficou esgotada a possibilidade de esta 
 Relação reapreciar a questão já que da decisão proferida pela 1° instância não 
 cabe recurso. 
 Não se conhece, pois, da matéria que a recorrente transporta para as conclusões 
 
 25° a 32° da respectiva motivação de recurso.” 
 
  
 III
 Assim, a recorrente, pelos motivos já expostos ao longo dos apensados processos, 
 considera existir violação da Constituição da República Portuguesa por 
 desrespeito das basilares garantias que decorrem do princípio da legalidade e da 
 presunção de inocência. 
 Por seu turno, com o devido respeito por entendimento contrário, mais entende a 
 recorrente que o Douto Acórdão, ao decidir que 
 
 “... porém, o conhecimento desses recursos esgota-se em uma única instância 
 
 (vide n° 3 do referido art° 55°)” 
 concluindo que não existe recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância, 
 violou o princípio do “duplo grau de jurisdição”. 
 A este propósito permite-se invocar o entendimento de Gomes Canotilho, “Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª Edição, pág.667, segundo o qual 
 
 “...a existência de um duplo grau impõe-se em matéria penal (CRP, artigo 32°/1) 
 como exigência ineliminável da garantia dos cidadãos “. 
 
  
 IV
 Especificamente sobre o entendimento relacionado com a (im)possibilidade 
 constitucional de recurso no âmbito das contra-ordenações, citam Manuel Simas 
 Santos e Jorge Lopes de Sousa “Contra-Ordenações”, Anotações ao Regime Geral 4ª 
 Edição, Fev. 2007, Ed. Vislis, pág. 529, em comentário ao Art. 73°, 
 
 “No sentido da inconstitucionalidade da inexistência de possibilidade de recurso 
 em processos de transgressões, pode ver-se o Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n°351/91 de 4-7-199], proferido no processo n°141/90, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 3-12-199] “. 
 
  
 V
 Nos termos e para os efeitos do Art.70° da Lei n°28/82, 15 de Dezembro, que 
 regula o Regime Jurídico da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, o Acórdão da Relação de Évora ora em causa, não admite recurso e 
 as referidas razões de inconstitucionalidade foram devidamente invocadas durante 
 o processo. 
 Mais se esclarece que a Ré requer seja declarada inconstitucional 
 
 – por violação do princípio da legalidade e da presunção de inocência, a decisão 
 da douta sentença do Tribunal do Trabalho de Setúbal, confirmada pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Évora, que aderiu ao entendimento do Instrutor dos 
 Processos de Contraordenação, segundo o qual, não aplicou o disposto no Artigo 
 
 155°, do Código de Processo Civil, porquanto o interpretou no sentido de que só 
 tem aplicação no que concerne a diligências “a que devem comparecer os 
 Mandatários Judiciais” e “...Atendendo ao curto espaço de tempo que nos separa 
 do momento da prescrição do presente procedimento, indefere-se o requerido” 
 
 – Por seu turno, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, que 
 entendeu não indeferir, nesta parte, o recurso por considerar que o seu 
 conhecimento “...esgota-se em uma única instância “, violou o disposto no Art. 
 
 32°, n° 1 da CRP e não obediência ao princípio de duplo grau de jurisdição. 
 O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n°1, do Artigo 70°, da 
 mencionada Lei n° 28/82 de 15 de Novembro e, nos termos do Art.78° deste 
 diploma, deverá o presente recurso subir imediatamente e com efeito suspensivo.
 
  
 
  
 
 3.  O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, analisando a 
 reclamação sub judice, veio dizer o seguinte:
 
  
 A presente reclamação é manifestamente improcedente: na verdade, o acórdão 
 proferido pela Relação não aplicou, como é evidente, a norma constante do art. 
 
 155º do CPC, face ao entendimento de que não cabe recurso, em processo 
 contraordenacional, de questões fundamentais, dirimidas em despachos 
 interlocutórios da 1ª instância.
 Não se mostra, por outro lado, suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa referentemente a tal limite ao exercício de um 
 duplo grau de jurisdição, em processo contraordenacional.
 
  
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 4.  O recurso de constitucionalidade foi intentado ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos do 
 qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma 
 cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 Por outras palavras, sempre se há-de dizer que o nosso sistema de fiscalização 
 concentrada e incidental da constitucionalidade não atribui competência ao 
 Tribunal Constitucional para controlar o modo como a matéria de facto foi 
 apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer controlar o mérito da decisão 
 recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as normas nela aplicadas 
 correspondem ou não ao melhor direito. 
 No recurso de constitucionalidade, tal como foi delineado pela Constituição da 
 República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal é apenas um órgão 
 de fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida (Cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 199/88, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1989 e Acórdão n.º 
 
 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995). 
 
  
 
 5. A resposta à questão de saber se a suscitação da inconstitucionalidade 
 normativa, perante o tribunal recorrido, ocorreu, no caso dos autos, durante o 
 processo e de forma processualmente adequada, encontra-se nas alegações do 
 recurso interposto perante o tribunal agora recorrido, que o reclamante 
 concluiu, quando invoca normas que integram a Constituição da República 
 Portuguesa, do seguinte modo:
 
  
 
 32° - Por outro lado, a invocação feita sobre proximidade de prazos de eventual 
 prescrição não se afigura ser motivo fundamentador da violação da lei e não 
 cumprimento dos deveres constitucionalmente garantidos – ora se invocando para 
 todos os devidos e legais efeitos a sua inconstitucionalidade, para exercício 
 dos direitos de defesa da arguida. 
 
  
 
 6.  Ora, não pode deixar de concluir-se que, perante o Tribunal a quo, a 
 reclamante não enunciou, ou sequer impugnou com clareza, como inconstitucional, 
 um determinado sentido ou interpretação de uma norma, tendo-se limitado, no 
 fundo, a discutir a correcção da decisão recorrida. 
 Não causa, aliás, surpresa que o Tribunal da Relação de Évora não tenha 
 apreciado qualquer questão de constitucionalidade normativa (Cfr. fls. 36). Com 
 efeito, perante a inexistência de um mínimo de substanciação da questão de 
 constitucionalidade, o Tribunal a quo não foi sequer chamado a exercer o poder 
 que lhe confere o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 7.  O simples cotejo das conclusões das alegações de recurso, que se transcreveu 
 na parte relevante, revelam que a ora reclamante não suscitou de modo 
 processualmente adequado, perante o órgão jurisdicional que proferiu a decisão 
 recorrida, a questão da inconstitucionalidade das normas adoptadas pelo Tribunal 
 a quo enquanto ratio decidendi. Não tendo a reclamante cumprido devidamente o 
 
 ónus de suscitação de uma verdadeira questão de constitucionalidade de norma 
 durante o processo (pressuposto cuja falta já não poderia ser suprida mediante 
 qualquer convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição do 
 recurso), não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão reclamada não tomando, por isso, 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão