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Processo n.º 533/08                                                     
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 (Conselheiro João Cura Mariano)
 
 
 
                    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I-                   Relatório   
 
  
 No âmbito do processo penal comum, com intervenção de tribunal colectivo, que 
 correu os seus termos sob o n.° 267/02.1IDBRG, no 1.º Juízo Criminal do Tribunal 
 Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, o arguido A. foi condenado, por 
 acórdão proferido em 27 de Junho de 2007, como autor material, inter alia, de um 
 crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social, p. e p. pelo 
 artigo 105.°, n.° 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), 
 aplicável por força do disposto no artigo 107.° do mesmo diploma legal, na pena 
 de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 5 anos, sob 
 condição de pagamento do valor das prestações tributárias em dívida e acréscimos 
 legais em cinco prestações anuais e sucessivas de igual montante.
 Na sequência de recurso interposto pelo arguido, o Tribunal da Relação do Porto, 
 mediante acórdão proferido em 26 de Março de 2008, viria a confirmar essa 
 condenação, excepto na parte respeitante ao período de suspensão condicionada da 
 execução da referida pena de prisão, o qual passou a ficar fixado em 1 ano e 6 
 meses.
 Para tanto, o Tribunal da Relação do Porto fundamentou essa alteração da 
 seguinte forma:
 
 «…Após a prolação da decisão recorrida entraram em vigor as alterações 
 introduzidas ao CP pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, sendo o n° 5 do art° 
 
 50º uma das normas alteradas, de tal modo que actualmente “o período de 
 suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas 
 nunca inferior a um ano”.
 Na decisão recorrida foi aplicada ao recorrente, pela prática do crime de abuso 
 de confiança contra a segurança social, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, 
 cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos, sob a condição de pagar, 
 nesse período, as prestações em dívida e acréscimos legais.
 A lei nova será aplicável se for mais favorável ao arguido — n°s 1 e 4 do art° 
 
 2° do CP.
 O período de suspensão, à luz da lei actual, é, de acordo com aquela norma, de 1 
 ano e 6 meses.
 Este período é mais curto que o fixado na decisão recorrida, à luz da lei 
 anterior.
 Mas, por outro lado, porque a condição a que ficou subordinada a suspensão deve 
 ser cumprida dentro do período desta, pois só assim a suspensão ficará 
 condicionada ao pagamento, um período de suspensão mais curto significa um prazo 
 mais curto para cumprir a condição.
 Numa tal situação coloca-se a questão de saber qual a lei mais favorável ao 
 arguido: A lei antiga que, se determina um prazo de suspensão mais alargado, 
 também confere um prazo maior para o cumprimento da condição a que está 
 subordinada a suspensão? Ou a lei nova, com período de suspensão 
 substancialmente mais curto, mas também com prazo muito menor para cumprir a 
 condição?
 Mas, tendo em conta que o que há de penalizador na suspensão da pena de prisão é 
 a possibilidade de esta ser revogada, nomeadamente pela prática de outros 
 crimes no respectivo período, e que o não cumprimento da condição a que fica 
 subordinada a suspensão não leva à revogação desta se não for culposo, é de 
 concluir que nesta matéria o regime concretamente mais favorável ao arguido é 
 aquele que determina o período de suspensão mais curto.
 Deste modo, o período de suspensão da pena aplicada pelo crime de abuso de 
 confiança contra a segurança social deve ser fixado, por aplicação da nova 
 redacção do n° 5 do art° 50º do CP, em 1 ano e 6 meses, mantendo-se a 
 subordinação da suspensão ao pagamento, agora nesse período, do valor das 
 prestações em dívida e acréscimos legais…».
 
  
 O arguido interpôs então recurso desta última decisão, insusceptível de recurso 
 ordinário, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), 
 do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), dizendo apenas o seguinte no requerimento de 
 interposição de recurso: «o Acórdão proferido ao aplicar o artigo 50.º, n.º 5, 
 do Código Penal, na versão resultante da Lei 59/2007, é inconstitucional, por 
 ofensa do artigo 29.º, n.º 1 e 4, CRP.»
 Após o recurso ter sido admitido no Tribunal da Relação do Porto, mas antes do 
 processo ter sido remetido para o Tribunal Constitucional, o recorrente 
 apresentou antecipadamente alegações em que esclareceu que pretendia a 
 fiscalização concreta da constitucionalidade do «conjunto normativo formado 
 pelas disposições conjugadas do art. 24.º do RJIFNA e do artigo. 50º, n° 5, do 
 Código Penal, na versão resultante da Lei 59/2007, se interpretado no sentido 
 de que a segunda norma é aplicável aos factos praticados antes da sua entrada em 
 vigor ainda que daí resulte que o prazo para o cumprimento da condição a que 
 está sujeita a suspensão tenha de ser igual ao prazo de duração da suspensão da 
 pena e, portanto, muito inferior ao prazo que resultaria da aplicação da lei 
 velha».
 
  
 Tendo-se considerado completado o requerimento de interposição de recurso pelas 
 mencionadas alegações antecipadas, entendeu-se desnecessário dar cumprimento ao 
 disposto no artigo 75.º - A, n.º 5, da LTC, no sentido do recorrente explicitar 
 a interpretação normativa questionada, e não se vislumbrando então fundamento 
 para não conhecer do recurso, foi determinada a produção de alegações, tendo o 
 recorrente apresentado novas alegações com as seguintes conclusões:
 
 «…A decisão recorrida, refere que um período de suspensão menor é favorável ao 
 arguido, considerando que quanto menor for esse período, menor é a possibilidade 
 de revogação motivada pela prática de crimes.
 
 É certo que a falta de cumprimento da condição só implica a revogação se for 
 culposa e que quanto menor for o período para cumprir a condição, menor será a 
 culpa do arguido se a não cumprir por dificuldades económicas.
 Porém, o problema é que estando o Arguido empenhado em cumprir, uma coisa é um 
 prazo de 5 (cinco) anos para tal, outra bem diferente é um prazo de 1 (um) ano.
 Ao ser reduzido o prazo para 1 (um) ano, pela aplicação da lei nova coloca, fica 
 o mesmo colocado numa situação de desvantagem.
 Existe, assim, uma inconstitucionalidade, por aplicação retroactiva da lei nova 
 
 (50°, n° 5) em prejuízo efectivo do arguido.
 O conjunto normativo formado pelas disposições conjugadas do art° 24° do RJIFNA 
 e do 50.º n° 5, do Código Penal, na versão resultante da Lei 59/2007, é 
 inconstitucional, por ofensa do art° 29°, n°s 1 e 4, CRP, se interpretado no 
 sentido de que a segunda norma é aplicável aos factos praticados antes da sua 
 entrada em vigor ainda que daí resulte que o prazo para o cumprimento da 
 condição a que está sujeita a suspensão tenha de ser igual ao prazo de duração 
 da suspensão da pena e, portanto, muito inferior ao prazo que resultaria da 
 aplicação da lei velha…».
 
  
 Por seu turno, o Ministério Público concluiu as suas alegações nos seguintes 
 termos:
 
 «O recurso de constitucionalidade não pode ter por objecto a alegada 
 inconstitucionalidade da decisão recorrida enquanto acto de aplicação do 
 direito, mas apenas normas — ainda que numa determinada dimensão ou 
 interpretação — que tenham sido aplicadas como ratio decidendi do respectivo 
 juízo decisório.
 Não pode, assim, conhecer-se o objecto do recurso relativamente á norma do 
 artigo 50°, n° 5 do Código Penal, na actual versão, que foi aplicado de acordo 
 com o critério normativo da aplicação do regime mais favorável.»
 
  
 Por Acórdão n.º 558/2008, proferido a fls. 738, foi determinada a notificação do 
 recorrente para se pronunciar sobre a eventualidade de o Tribunal não vir a 
 conhecer da questão de constitucionalidade, pelas razões constantes das 
 contra-alegações do Ministério Público.
 O recorrente nada disse.
 
  
 Após mudança de relator, por vencimento, cumpre apreciar e decidir.
 
                                                            
 II- Fundamentação
 
  
 Impõe-se, antes do mais, apreciar a questão prévia da idoneidade do objecto do 
 recurso.
 O recorrente pretende a fiscalização da constitucionalidade do «conjunto 
 normativo formado pelas disposições conjugadas do artigo 24º, do RJIFNA e do 
 artigo 50.º, n.° 5, do Código Penal, na versão resultante da Lei n.º 59/2007, se 
 interpretado no sentido de que a segunda norma é aplicável aos factos praticados 
 antes da sua entrada em vigor ainda que daí resulte que o prazo para o 
 cumprimento da condição a que está sujeita a suspensão tenha de ser igual ao 
 prazo de duração da suspensão da pena e, portanto, muito inferior ao prazo que 
 resultaria da aplicação da lei velha».
 Pode constatar-se, pela simples leitura do excerto da decisão recorrida acima 
 transcrito, que o objecto assim configurado pelo recorrente não corresponde 
 integralmente à interpretação normativa que serviu efectivamente de critério 
 material de decisão no caso concreto.
 Na verdade, resulta, à saciedade, da decisão recorrida que o recorrente não foi 
 condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo 
 artigo 24.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), 
 aprovado pelo Decreto-lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, mas sim pela prática de 
 um crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social, p. e p. 
 pelo artigo 105.º, n.° 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), 
 aplicável por força do disposto no artigo 107.º do mesmo diploma legal.
 Por outro lado — e sem prejuízo da eventual rectificação a que houvesse lugar 
 nessa parte por lapsus calami —, o certo é que, uma vez aprofundada a própria 
 fórmula semântica concretamente utilizada pelo recorrente para efeito de 
 indicação da interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver 
 apreciada, é possível verificar que a alusão à referida norma do RJIFNA é 
 totalmente supérflua na economia do presente recurso, e, por conseguinte, 
 dever-se-á concluir que o recorrente, afinal, pretende apenas e tão-só a 
 fiscalização da constitucionalidade da interpretação normativa do segundo 
 dispositivo indicado, isto é, do n.° 5 do artigo 50.º do Código Penal de 1982, 
 na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, no sentido de ser 
 aplicável a factos praticados antes da sua entrada em vigor, mesmo que daí 
 resulte a redução simultânea, e em igual medida, do período de suspensão da 
 execução da pena de prisão e do prazo fixado para efeito de cumprimento do 
 dever de pagar as prestações tributárias e acréscimos legais em dívida, a que 
 ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, que resultavam da 
 aplicação da lei antiga.
 Na primeira instância, o recorrente foi condenado como autor material de um 
 crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social, p. e p. pelo 
 artigo 105.°, n.° 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), 
 aplicável por força do disposto no artigo 107.° do mesmo diploma legal, na pena 
 de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 5 anos, sob 
 condição de pagamento do valor das prestações tributárias em dívida e acréscimos 
 legais em cinco prestações anuais e sucessivas de igual montante.
 Tal suspensão condicionada da execução da pena de prisão foi decidida ao abrigo 
 do disposto no artigo 50.°, n.° 5, do Código Penal, na redacção introduzida pelo 
 Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março, e no artigo 14.°, n.° 1, do RGIT.
 O n.° 5, do artigo 50.º, do Código Penal, na referida redacção, dispunha que «o 
 período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado 
 da decisão».
 Por seu turno, o n.° 1, do artigo 14.° do RGIT, prescreve que «a suspensão da 
 execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo 
 a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação 
 tributária e acréscimos legais (...)».
 Na pendência do recurso interposto desta condenação, entrou em vigor a Reforma 
 Penal de 2007, a qual se traduziu, além do mais, na alteração da redacção do 
 referido n.° 5 do artigo 50.º do Código Penal, o qual passou a dispor que «o 
 período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na 
 sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da 
 decisão».
 O tribunal recorrido manteve a referida condenação, excepto na parte 
 respeitante ao período de suspensão condicionada da execução da referida pena 
 de prisão, o qual passou a ficar fixado em 1 ano e 6 meses, com fundamento 
 explícito na aplicação retroactiva da referida nova redacção do n.° 5, do artigo 
 
 50.°, do Código Penal. Fê-lo por entender que a norma, na nova redacção, se 
 apresentava mais favorável ao arguido.
 Tanto na primeira instância, como em sede de recurso, a pena de suspensão de 
 execução da prisão em questão foi subordinada ao cumprimento pelo recorrente de 
 um dever de conteúdo económico, traduzido no dever de reposição da verdade 
 fiscal num prazo totalmente coincidente com o período de suspensão da execução 
 da pena de prisão. 
 A diferença está em que o tribunal recorrido, mantendo essa exigência, decidiu 
 reduzir o período inicialmente fixado para a suspensão da execução da pena de 
 prisão — que se encontrava fixado em 5 anos — para 1 ano e 6 meses, apenas por 
 força da aplicação retroactiva da nova redacção do n.° 5, do artigo 50.°, do 
 Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
 Essa redução – em si mesma favorável ao arguido, pois, quanto menor o período de 
 suspensão, menor a possibilidade de revogação da medida – acarreta, no caso 
 concreto, o efeito colateral desfavorável da diminuição do prazo de pagamento 
 das prestações tributárias em dívida.
 A sucessão no tempo de leis penais em casos em que, como no dos autos, a lei 
 nova produz efeitos de sinal contrário dificulta, sobremaneira, o juízo de 
 determinação da lei mais favorável. 
 Da conjugação das normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 29.º da CRP apenas 
 resulta a imposição do princípio de que, na hipótese de se verificar uma 
 alteração da medida da pena, se deve aplicar aquela que se mostrar mais 
 favorável ao arguido. Nem a Constituição, nem a lei, fornecem qualquer critério 
 auxiliar, formulado em abstracto, de identificação do regime mais favorável.
 Na realização dessa tarefa, cabe, pois, ao intérprete aplicar directamente o 
 parâmetro constitucional à situação sub juditio, na sua configuração 
 casuisticamente concreta. É essa, aliás, a injunção contida no artigo 2.º, n.º 
 
 4, do Código Penal, ao dispor que “(…) é sempre aplicável o regime que 
 concretamente se mostrar mais favorável ao agente;” [itálico nosso].
 Foi esse juízo de aplicação do critério constitucional, de forma contextualizada 
 ao concreto conteúdo penalizador das normas em disputa, que o Tribunal da 
 Relação do Porto fez, ao enunciar:
 
 «Mas, tendo em conta que o que há de penalizador na suspensão da pena de prisão 
 
 é a possibilidade de esta ser revogada, nomeadamente pela prática de outros 
 crimes no respectivo período, e que o não cumprimento da condição a que fica 
 subordinada a suspensão não leva à revogação desta se não for culposo, é de 
 concluir que nesta matéria o regime concretamente mais favorável ao arguido é 
 aquele que determina o período de suspensão mais curto.»
 Estamos perante um acto decisório, de aplicação, em concreto, do critério 
 constitucional. Ora, como é sabido, no sistema português de fiscalização de 
 constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional 
 cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões 
 de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a 
 interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade 
 imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. 
 Daí que, tal como entende o Ministério Público, o presente recurso de 
 constitucionalidade não possa ser conhecido, por falta de idoneidade do seu 
 objecto. 
 
  
 III- Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano (vencido conforme declaração que anexo).
 Rui Manuel Moura Ramos
 
 
 
  DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido por entender que o objecto do recurso era idóneo, pelo que o 
 tribunal deveria apreciar o seu mérito.
 
  A interpretação normativa cuja constitucionalidade foi questionada pelo 
 recorrente, segundo a qual o disposto no n.º 5, do artigo 50.º, do C.P., na 
 redacção da lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é aplicável a factos praticados 
 antes da sua entrada em vigor, mesmo que daí resulte a redução simultânea, e em 
 igual medida, do período de suspensão da execução da pena de prisão e do prazo 
 fixado para efeito de cumprimento do dever de pagar as prestações tributárias e 
 acréscimos legais em dívida, a que ficou subordinada a execução da pena de 
 prisão, que resultavam da aplicação da lei antiga, serviu como critério decisivo 
 de determinação da lei penal mais favorável na decisão recorrida, podendo este 
 critério ser perfeitamente autonomizado do caso concreto, em virtude de 
 assumir, pelo seu cariz geral e abstracto, aptidão normativa suficiente para ser 
 aplicado como solução para outros casos.
 Na verdade, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 Embora a averiguação do regime mais favorável para solucionar um caso de 
 sucessão de leis penais pressuponha que o tribunal realize todo o processo de 
 determinação da pena concreta face a cada uma das leis em conflito, num juízo 
 subsuntivo, isso não impede que nele intervenham critérios gerais e abstractos 
 formulados pelo tribunal para achar a pena mais favorável, como ocorreu no 
 presente caso.
 Esses critérios não tem a sua eficácia limitada ao caso concreto, tendo aptidão 
 normativa suficiente para voltarem a ser utilizados para solucionarem outros 
 casos de sucessão de leis no tempo, pelo que se justifica que a sua 
 constitucionalidade possa ser fiscalizada por este Tribunal.
 Por estas razões teria conhecido do mérito do recurso interposto, negando-lhe, 
 contudo, provimento, uma vez que a interpretação normativa questionada não 
 violava qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente o disposto no artigo 
 
 29.º, n.º 4, da C.R.P..
 
  
 João Cura Mariano