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Processo n.º 297/09
 Plenário
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 No processo n.º 3665/08.1 BPTM – B, do 3.º Juízo Cível do Tribunal de Portimão, 
 em despacho proferido no dia 25-3-2009, após se efectuar uma análise crítica do 
 novo sistema de tramitação electrónica dos processos civis, decidiu-se o 
 seguinte:
 
 “…ao abrigo do disposto do art. 204.º, da CRP, recuso a aplicação das normas que 
 a seguir se referem com fundamento na respectiva inconstitucionalidade e 
 ilegalidade nos termos infra enunciados: 
 
 – inconstitucionalidade orgânica e material da norma constante do art. 17.º, n.º 
 
 1, da Portaria n.º 114/2008 (alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de 
 Junho, 1538/2008, de 30 de Dezembro) por violação do disposto nos art. 164.º, 
 al. m) (reserva legislativa absoluta da AR), art. 215º, n.º 1 (unidade do EMJ), 
 art. 2.º (separação de poderes) e 203.º (independência dos tribunais e dos 
 juízes), todos da CRP; 
 
 – inconstitucionalidade material da norma constante do art. 138.º A do CPC 
 interpretada no sentido de que a mesma remete para Portaria do Ministro da 
 Justiça a regulação das disposições processuais relativas a actos dos 
 magistrados nos termos depois regulados no art. 17.º, n.º 1, da Portaria n.º 
 
 114/2008, por violação do disposto nos arts. 112º, n.º 5 (tipicidade) da CRP. 
 
 – ilegalidade da norma constante do art. 17º, n.º 3, da Portaria n.º 114/2208, 
 interpretada à luz do art. 2.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de 
 Agosto (substituição da assinatura autógrafa pela assinatura electrónica), por 
 violação do disposto no art. 157.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.
 Notifique as partes com cópia, sendo ainda o Ministério Público para os efeitos 
 do disposto no art. 280º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da CRP. 
 Com os fundamentos expostos, consigno que este despacho e os subsequentes serão 
 proferidos e remetidos à secção em folha impressa ou manuscrita. 
 Com vista a garantir a integralidade do processo, proceda-se à impressão e 
 junção aos autos dos elementos que daí não constem e que se encontrem apenas no 
 
 “processo electrónico” e coloque-os no processo físico por ordem cronológica, 
 antes deste despacho, disso fazendo menção.”
 
  
 Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos:
 
 “O presente recurso tem em vista a apreciação da inconstitucionalidade: 
 
 - Do artigo 17.º, n.º 1 da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (alterada 
 pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho e n.º 1538/2008, de 30 de 
 Dezembro), cuja aplicação foi recusada no referido despacho com fundamento na 
 violação dos artigos 2.º, 164.º, alínea m), 203.º e 215.º, n.º 1, todos da 
 Constituição da República Portuguesa; 
 
 - Do artigo 138.º- A do Código de Processo Civil, na parte em que remete para 
 portaria a regulação das disposições processuais relativas a actos dos 
 magistrados, cuja aplicação foi, recusada no referido despacho com fundamento 
 na violação do disposto no artigo 112.º, n.º 5 da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 O presente recurso tem ainda em vista a apreciação da legalidade da norma 
 constante do art. 17º nº 3, da Portaria nº 114/2008, interpretada à luz do art. 
 
 2º, al. e), do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto – substituição da 
 assinatura autografa pela assinatura electrónica – por violação do disposto no 
 art. 157º nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.”
 
  
 O recorrente apresentou alegações em que, após abandonar a questão de 
 ilegalidade colocada no requerimento de interposição, concluiu do seguinte modo:
 
 “1.º A norma constante do artigo 138º-A, do Código de Processo Civil, ao admitir 
 que constem de diploma meramente regulamentar – portaria do Ministério da 
 Justiça – aspectos atinentes ao regime dos actos processuais, nomeadamente a 
 previsão da sua prática em suporte electrónico e a respectiva regulamentação 
 adjectiva, não viola o princípio constante do artigo 112º, nº 5, da Constituição 
 da República Portuguesa.
 
 2º A norma constante do nº 1 do artigo 17º da Portaria nº 114/08, alterada pelas 
 Portarias nºs 457/08 e 1538/08, ao prever que os actos dos magistrados devam ser 
 praticados em suporte electrónico, através  do sistema CITIUS (sem, 
 naturalmente, precludir ou pôr em causa os princípios estruturante, afirmados, 
 nomeadamente, pelos artigos 265º e 265º-A do Código de Processo Civil) não tem 
 natureza estatutária, versando apenas sobre a matéria da forma de actos 
 processuais, não pondo em causa os princípios constitucionais da independência 
 dos tribunais, da separação de poderes e da unidade estatutária dos juízes dos 
 tribunais judiciais.
 
 3º Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso
 No requerimento de interposição de recurso afirmou-se que se pretendia ver 
 apreciada a ilegalidade “da norma constante do artigo 17º, nº 3, da Portaria nº 
 
 114/2008, interpretada à luz do artigo 2º, alínea c), do Decreto-Lei nº 
 
 290-D/99, de 2 de Agosto (substituição de assinatura autografa pela assinatura 
 electrónica), por violação do disposto no artigo 157º, nºs 1 e 3 do Código de 
 Processo Civil”.
 Contudo, nas suas alegações, o recorrente pronunciou-se pela inadmissibilidade 
 do recurso relativamente a esta questão, restringindo, assim, o seu objecto, o 
 qual passou a abranger apenas as questões de constitucionalidade colocadas.
 
  
 
 2. Da constitucionalidade da norma constante do artigo 138º - A, do C.P.C.
 A decisão recorrida recusou a aplicação do disposto no artigo 138.º- A, do 
 C.P.C., na parte em que remete para portaria a regulação das disposições 
 processuais relativas a actos dos magistrados, com fundamento na violação do 
 disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa 
 
 (C.R.P). 
 O artigo 138.°- A, do Código de Processo Civil, introduzido neste diploma pelo 
 artigo 2.º, da Lei n.º 14/2006, com a redacção resultante do Decreto-lei n.º 
 
 303/2007, de 24 de Agosto, passou a dispor no seu n.º 1, que “a tramitação dos 
 processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do 
 Ministro da Justiça”.
 Este novo dispositivo consagrou uma importante mudança na forma de registo dos 
 actos praticados em processo civil, preterindo-se o suporte em papel, em favor 
 de um sistema informático, denominado CITIUS, no prosseguimento duma política 
 visando uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais.
 Conforme se explicou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, 
 
 “…estabelece ainda o Programa do XVII Governo Constitucional, enquanto objectivo 
 fundamental, a inovação tecnológica da justiça, para a qual é essencial a 
 adopção decisiva dos novos meios tecnológicos. No âmbito da promoção desta 
 
 «utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma 
 de assegurar serviços mais rápidos e eficazes», define-se como objectivo «a 
 progressiva desmaterialização dos processos judiciais» e o desenvolvimento «do 
 portal da justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial 
 digital». Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática 
 de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando-se a sua 
 reprodução em papel e promovendo a celeridade e eficácia dos processos.”
 No seguimento do disposto no artigo 138.º - A, do C.P.C., veio a ser aprovada a 
 Portaria n.° 114/2008, de 6 de Fevereiro - entretanto, já alterada pelas 
 Portarias n.° 457/2008, de 20 de Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro -, a 
 qual veio dispor sobre várias matérias atinentes à tramitação electrónica dos 
 processos civis, nomeadamente: apresentação de peças processuais e documentos 
 por transmissão electrónica de dados (artigos 3.° a 14.° - C); distribuição por 
 meios electrónicos (artigos 15.° e 16°); actos processuais de magistrados e 
 funcionários em suporte informático (artigos 17.° a 21.º); notificações 
 
 (artigos 21.º - A a 21.º - C); consulta electrónica de processos (artigo 22.°); 
 organização do processo (artigo 23.º); e comunicações entre tribunais (artigos 
 
 24.° e 25.°).
 A decisão recorrida recusou a aplicação da norma contida no n.º 1, do artigo 
 
 138.º - A, do C.P.C., no segmento em que remete para portaria do Ministério da 
 Justiça a regulamentação da prática dos actos dos magistrados judiciais na 
 tramitação electrónica dos processos civis, por entender que se trata de 
 matéria que é obrigatoriamente conformada por lei.
 Invoca a decisão recorrida que se trata de matéria pertencente ao estatuto dos 
 Magistrados Judiciais, pelo que está sujeita à reserva absoluta de competência 
 legislativa da Assembleia da República (artigo 164º, m), da C.R.P.).
 O estatuto dos Magistrados Judiciais constitui um instrumento legislativo 
 material concretizador do princípio do Estado de direito, na medida em que se 
 destina a garantir a independência e a imparcialidade dos juízes no exercício da 
 função jurisdicional.
 Por isso devem aí constar as normas relativas às condições de exercício do cargo 
 de juiz, com influência na sua independência e imparcialidade, nomeadamente as 
 que definem os respectivos deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, 
 forma de provimento e de progressão na carreira, assim como as regras relativas 
 ao procedimento disciplinar e cessação de funções.
 Ora, a forma que devem revestir os actos escritos praticados pelos magistrados 
 judiciais nos processos civis tramitados electronicamente não é matéria que 
 integre as condições de exercício do cargo de juiz com influência na sua 
 independência e imparcialidade, pelo que não é matéria que deva integrar o seu 
 estatuto. 
 Não se incluindo a matéria em causa na normação obrigatoriamente estatutária dos 
 magistrados judiciais, não se vê razão para estar abrangida pela reserva de lei, 
 pelo que a sua remissão para portaria, não constitui um acto de 
 
 “deslegalização” proibido pelo artigo 112.º, n.º 5, da C.R.P.
 
  
 
 3. Da constitucionalidade da norma constante do nº 1, do artigo 17.º, da 
 Portaria n.º 114/2008
 O artigo 17.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/08, de 6 de Fevereiro, dispõe que “os 
 actos dos magistrados judiciais são sempre praticados em suporte informático 
 através do sistema informático CITIUS – Magistrados Judiciais, com aposição de 
 assinatura electrónica qualificada ou avançada”.
 Tendo o artigo 138.º - A, do C.P.C., determinado que a tramitação dos processos 
 civis é efectuada electronicamente, este preceito regulamentador dessa forma de 
 tramitação veio impor que os juízes praticassem os actos escritos nesses 
 processos em suporte informático, através de uma determinada aplicação 
 informática.
 A decisão recorrida recusou aplicar esta norma, invocando que a mesma não pode 
 constar de portaria, por respeitar a matéria reservada ao Estatuto dos 
 magistrados judiciais e ainda pelo seu conteúdo violar o princípio da separação 
 de poderes e a garantia da independência dos juízes.
 Como já acima se concluiu, a forma pela qual os juízes devem praticar os seus 
 actos nos processos civis não é matéria estatutária, pelo que a sua inclusão em 
 portaria não resulta em qualquer inconstitucionalidade orgânica.
 O princípio da separação dos poderes que preside ao modelo de organização do 
 Estado na nossa República (artigo 2.º, da C.R.P.) caracteriza-se pela reserva de 
 competência dos vários órgãos de soberania perante os outros, nomeadamente pela 
 reserva de competência jurisdicional atribuída em exclusivo aos tribunais 
 
 (reserva de jurisdição) e pela liberdade do acto de julgar (independência dos 
 juízes).
 Não se vê como a imposição aos juízes de praticarem os seus actos escritos em 
 processos civis em suporte informático, através de uma determinada aplicação 
 informática, possa comprometer o princípio da separação de poderes ou a 
 liberdade do acto de julgar, na medida em que se limitam a indicar o meio 
 técnico através do qual os juízes devem realizar as suas intervenções escritas 
 no processo, sem qualquer influência no seu sentido e conteúdo.
 Nem a definição dos meios que devem ser utilizados para os juízes praticarem os 
 seus actos no processo civil se insere na área reservada à função 
 jurisdicional, nem essa definição pelo poder legislativo é susceptível de 
 afectar a independência dos juízes.
 Argumenta ainda a decisão recorrida que o princípio da separação de poderes e a 
 independência dos juízes é posto em causa, uma vez que o administrador da rede 
 onde opera a aplicação informática que os juízes estão obrigados a utilizar para 
 praticarem os seus actos escritos no processo civil é o ITIJ, IP.
 O Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, abreviadamente designado 
 por ITIJ, I.P., é um instituto público integrado na administração indirecta do 
 Estado, dotado de autonomia administrativa e património próprio (artigo 1.º, n.º 
 
 1, do Decreto-Lei n.º 130/2007, de 27 de Abril).
 O ITIJ, I.P., prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob 
 superintendência e tutela do respectivo Ministro (artigo 1.º, n.º 2, do mesmo 
 diploma).
 O controlo da rede onde opera a aplicação informática através da qual os juízes 
 praticam os seus actos no processo civil, ainda que possa ter influência na 
 maior ou menor eficácia ou segurança da tramitação electrónica dos processos, 
 não se traduz em qualquer interferência na área reservada ao poder 
 jurisdicional, uma vez que não estamos perante uma actividade materialmente 
 jurisdicional, nem é susceptível de por em risco a independência dos juízes, uma 
 vez que esse controle em nada condiciona ou interfere com a liberdade de julgar. 
 
  
 Pelas razões explicitadas também não se verifica que o artigo 17.º, n.º 1, da 
 Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, ao determinar a obrigatoriedade de os 
 juízes praticarem os seus actos escritos em processo civil através do sistema 
 informático CITIUS – Magistrados Judiciais viole qualquer parâmetro 
 constitucional.
 
  
 
                                                     *
 
  
 Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 138.º- A, do Código 
 de Processo Civil, com a redacção resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 
 de Agosto, na parte em que remete para portaria a regulação das disposições 
 processuais relativas a actos dos magistrados;
 b) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da 
 Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro;
 e, em consequência, 
 c) julgar procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, 
 em conformidade com o presente julgamento.
 
  
 
                                                     *
 Sem custas.
 Lisboa, 17 de Junho de 2009
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Mário José de Araújo Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 Rui Manuel Moura Ramos