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Processo n.º 656/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira 
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
             I. 
 
             Relatório:
 
  
 
             1.
 A. e outros, não se conformando com a sentença da 3ª vara Cível da Cível da 
 Comarca de Lisboa que julgou improcedente a acção por eles intentada contra B., 
 absolvendo a ré do pedido, recorreram para a Relação de Lisboa, Tribunal que por 
 acórdão de 20 de Outubro de 2005 confirmou, no entanto, a sentença recorrida e 
 julgou improcedente a apelação.
 
  
 
             Inconformados, recorreram de revista para o Supremo Tribunal de 
 Justiça apresentando, no recurso, as seguintes conclusões:
 
  
 
 “ (…) 1. 
 
 14. 
 E não existe também o direito à transmissão do arrendamento à luz da alínea f) 
 do nº1 do art. 85º do RAU, na redacção introduzida pela Lei 6/2001, não só 
 porque nos autos não foram provados factos que demonstrassem a vivência em 
 economia comum há mais de dois anos à data da morte da inquilina do andar dos 
 autos, mas também porque a aplicabilidade da Lei Nova às relações jurídicas já 
 constituídas à data da sua entrada em vigor está condicionado ao pressuposto da 
 subsistência dessas relações jurídicas à data da entrada em vigor da Lei Nova e, 
 no caso dos autos, a relação jurídica de arrendamento já cessara por morte da 
 inquilina em 9 de Janeiro de 1996, há mais de 5 anos quando entrou em vigor a 
 Lei 6/2001 — art. 12º, nº2, in fine do Código Civil e Batista Machado (in 
 
 “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1987, pág. 233; 
 
 15. 
 O Acórdão recorrido ao decidir que a R. tinha o direito à transmissão do 
 arrendamento fez pois indevida interpretação do art. 12º, nº 2, do Código Civil, 
 violando o princípio da confiança dos cidadãos no Estado de Direito Democrático 
 ofendendo claramente o art. 2º da Constituição, e é nulo nos termos do art. 
 
 668º, nº 1, d), 2º parte, do Código de Processo Civil, por se pronunciar sobre a 
 vivência em comum da R. e da inquilina do andar quando tal conclusão não se 
 podia validamente extrair de factos inexistentes nos autos e vertidos em sede de 
 matéria de facto por forma claramente conclusiva; 
 
 16. 
 E ao manter a decisão de 1ª instância admitindo a existência do direito a novo 
 arrendamento violou os arts. 90º e 94º do RAU e os art.s. 219º e 220º do Código 
 Civil. (…)”
 
  
 
             Por acórdão de 9 de Maio de 2006 o Supremo Tribunal de Justiça negou 
 a revista e confirmou o acórdão recorrido, dizendo, no que ora interessa 
 considerar, o seguinte:
 
  
 
 “[…] São, fundamentalmente duas as questões a conhecer, considerando o teor da 
 alegação de recurso: 
 a) se a recorrida viveu em economia comum com a falecida arrendatária B.; 
 b) se à situação em apreço é aplicável, atento o regime previsto no art. 12º do 
 C.Civil, o art. 85º nº 1 al. f) do R.A.U., alínea esta aditada pela Lei nº 
 
 6/2001, de 11 de Maio. 
 I- Disse-se que são, fundamentalmente duas as questões a conhecer, porquanto uma 
 terceira se encontra prejudicada – caducidade do direito ao novo arrendamento – 
 
 , caso se entenda da razão do Acórdão recorrido no que se refere à 
 aplicabilidade do aludido regime preconizado no citado art. 85º nº 1 al. f) do 
 RAU. 
 
             O Acórdão da Relação de Lisboa entendeu encontrar-se preenchido o 
 requisito da vivência em economia comum entre a recorrida e a falecida 
 arrendatária B., sufragando-se na factualidade dada como provada constante nos 
 artigos 4º, 5º e 13º. 
 
 [...] Com efeito, sufragou-se o entendimento que durante todos os assinalados 
 anos se estabeleceu entre as duas senhoras uma estreita convivência “quase 
 familiar” que se integra no conceito de economia comum. 
 Na verdade, a tese sustentada pelos recorrentes no que se refere à existência de 
 um contrato doméstico que uniria a falecida inquilina e a recorrida, não tem, no 
 suporte factual dado como provado, a mínima verosimilhança. 
 Ao invés, a convivência entre ambas sedimentou-se não a partir de um qualquer 
 tipo de consenso, com relevância do direito, leia-se contrato, mas, antes na 
 sequência de uma amizade existente entre ambas em que a inter-ajuda entre as 
 duas senhoras seria um paradigma. […]
 II- No que ora se refere à problemática da transmissão do direito ao 
 arrendamento e ao facto de no Acórdão recorrido se ter dado obediência à 
 previsão constante no art. 85º nº 1 al. f) do RAU, no aditamento que lhe foi 
 dado pela Lei nº 6/2001 de 11 de Maio, tendo em vista o que se dispõe, no que 
 tange ao direito transitório, no art. 12º do C.Civil, é de salientar o seguinte: 
 
 
 As normas de carácter geral relativas aos conflitos de leis no tempo são 
 reguladas nos arts. 12º e 13º do Código citado. A regra basilar vem contida no 
 art. 12º, cujo nº 1 reafirma o princípio da não retroactividade, esclarecendo, 
 contudo, que, mesmo na hipótese de a lei se atribuir eficácia retroactiva, se 
 presume que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se 
 destina a regular. 
 No nº 2, do mencionado art. 12º, procura-se, numa fórmula sintética, precisar o 
 princípio da não retroactividade, norma para a qual não se vislumbra qualquer 
 precedente legislativo, tendo antes como fonte inspiradora a doutrina de 
 Ennecerus-Nipperdey, que distingue entre “regulamentações de factos” e 
 
 “regulamentações de direitos”, devendo presumir-se, quanto a estas últimas leis 
 que elas abrangem também as próprias situações jurídicas já existentes, podendo 
 modificar-lhes o conteúdo, ou até suprimi-lo. No referenciado nº 2 estabelece-se 
 a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os 
 seus efeitos (e neste caso só se aplica a factos novos) ou define o conteúdo, os 
 efeitos de certa relação jurídica, independentemente dos factos que a essa 
 relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, isto é, aplica-se 
 de futuro às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua 
 entrada em vigor). 
 A razão de ser que está na base desta regra da aplicação imediata é, por um 
 lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas em 
 conta pelo legislador, face ao ajustamento devido às novas concepções e 
 valorações da comunidade e, por outro, o reduzido ou nulo valor da expectativa 
 dos indivíduos que confiaram na continuidade do regime estabelecido pela lei 
 antiga, uma vez que se trata de um regime legal e não de um regime posto na 
 dependência da vontade dos mesmos indivíduos. 
 
 É sabido que é função do direito transitório concatenar a aplicação de dois 
 sistemas jurídicos que se sucedem no tempo. Para conseguir tal objectivo terão 
 de ser sopesados os interesses que se contrapõem, apontando uns para a aplicação 
 da lei nova; outros para a aplicação da lei antiga. 
 Esses interesses são, principalmente, dois: o interesse da estabilidade e o 
 interesse na adaptação. 
 O interesse dos indivíduos na estabilidade da ordem jurídica, o que lhes 
 permitirá a organização dos seus planos de vida e lhes evitará o mais possível a 
 frustração das suas expectativas fundadas. Podem, nomeadamente surgir situações 
 jurídicas merecedoras de tutela, como o sejam aqueles que a doutrina qualifica 
 de “direitos legitimamente adquiridos”. 
 A este feixe de interesses contrapõe-se um outro — o interesse público na 
 transformação da antiga ordem jurídica e na sua adaptação a novas necessidades e 
 concepções sociais, mesmo à custa de posições jurídicas e de expectativas 
 fundadas no antigo estado de direito.
 Está-se, assim, em sede de existirem razões de ordem pública — “princípios 
 estruturadores da ordem social” — que levam a que o legislador pretenda a 
 aplicação imediata da lei nova. 
 E, para usar a terminologia já mencionada, de novo, se poderá colocar a 
 dicotomia —interesse da estabilidade/interesse da adaptação. 
 No entanto, e, segundo o ensinamento de Baptista Machado, no domínio do direito 
 civil, a resposta à questão de saber se a Lei Nova abstrai ou não dos factos que 
 dão origem às relações cujo conteúdo e efeitos essa mesma Lei disciplina, 
 implica que se tenha presente a distinção entre três áreas de problemas. 
 
 1. Questões pertinentes à determinação da existência e validade jurídicas da 
 relação contratual. 
 
 (E, neste ponto, dúvidas não subsistem que a aplicação da Lei nova implica 
 sempre retroactividade). 
 
 2. Questões pertinentes aos efeitos futuros (produzidos sobre a incidência da 
 Lei Nova) de factos ocorridos sob o âmbito da vigência da Lei Antiga, onde se 
 costumam distinguir dois tipos de situações: 
 a) normas de carácter supletivo, onde o legislador coloca na disponibilidade das 
 partes e na sua autonomia a fixação do regime do contrato e onde a aplicação da 
 Lei Nova representaria uma manifesta retroactividade; e 
 b) normas de carácter imperativo, sendo certo que se a Lei Nova se refere aos 
 efeitos do facto passado, essa referência implica retroactividade; se, ao invés, 
 aquilo que a Lei Nova tem em vista é o facto pretérito enquanto “facto de 
 produção normativa', então a aludida referência implica uma sua mera aplicação 
 imediata. 
 Desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto 
 passado, o art. 12º nº 2, na lição, ainda, de Baptista Machado, distingue dois 
 tipos de leis ou de normas: “aquelas que dispõem sobre os requisitos da validade 
 
 (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer 
 factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações 
 jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª 
 parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se 
 aplicam a situações jurídicas constituídas antes da lei nova, mas subsistentes 
 ou em curso à data do seu início de vigência”. 
 Em jeito de conclusão, afirma Baptista Machado, estatutos “pessoal” e “real” 
 estão sujeitos ao princípio da aplicação imediata da lei nova; o estatuto do 
 
 “contrato”, na parte em que não entre em conflito com regras imperativas do 
 
 “estatuto pessoal” e do “estatuto real”, seria regulado pela lei vigente ao 
 tempo da conclusão do contrato. 
 Nesta linha, facilmente se constata, na sequência da decisão proferida pelo 
 Tribunal da Relação, que a alínea f) do nº 1 do artigo 85º do RAU, na redacção 
 que lhe foi dada pela Lei nº 6/2001, de 11 de Maio, reporta-se a um estatuto 
 legal, nela tendo o legislador tido em atenção tão só a relação locatícia 
 duradoura, abstraindo dos factos que a originaram, desviando-se claramente de 
 regulamentar o conteúdo de cada específico contrato de arrendamento celebrado. 
 Conforme se decidiu no Ac. deste STJ de 23.05.2002, as normas relativas ao 
 inquilinato e arrendamento, reportam-se à estruturação básica do sistema 
 jurídico e da ordem social, e consequentemente, ao estatuto fundamental das 
 pessoas e das coisas, e que, por isso, são de interesse geral, exigindo a 
 aplicação imediata da lei nova, dado que este tipo de relações se autonomiza, 
 atento o seu estatuto legal, do seu acto criador, conforme resulta da 2ª parte 
 do nº 2 do artº 12º do C. Civil. 
 Assim, facilmente se constata que a alteração legal constante da alínea f) do nº 
 
 1 do artigo 85º do RAU se aplica mesmo às situações jurídicas em que o direito à 
 transmissão do arrendamento já estava constituído à data da sua entrada em 
 vigor, não podendo, consequentemente esse efeito imediato da lei nova, previsto 
 na segunda parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, enquanto tal, ser 
 considerado como representando um efeito retroactivo. 
 Na verdade, a aludida alínea f), dispondo directamente sobre o conteúdo da 
 relação jurídica de arrendamento urbano habitacional, abstraindo do facto 
 
 (jurídico) que lhe deu origem aplica-se às relações jurídicas já constituídas e 
 que subsistam à data da sua entrada em vigor – art. 12º nº 2 do C. Civil. 
 Assim sendo, bem andou a Relação de Lisboa em ter aplicado à situação em apreço 
 a mencionada alínea f), que entrou em vigor em 16.05.2001, já que tal 
 dispositivo aplica‑se de imediato — independentemente dos sujeitos, objecto e 
 respectivo conteúdo negocial — a todos os contratos de arrendamento 
 anteriormente celebrados, já que interpretou a lei na adequada decorrência do 
 estabelecido no citado nº 2 do art. 12º do C.Civil, não merecendo, pois, 
 censura, na economia da presente revista, nem, pelo que também se deixou já 
 reafirmado, foi, ainda, beliscado qualquer normativo constitucional, como 
 pretendem os recorrentes (…)”.
 
  
 
             
 
 2.
 Novamente inconformados, A. e outros recorreram do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
 No Tribunal Constitucional, o relator convidou o recorrente, nos termos do 
 disposto no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, a precisar o objecto do recurso 
 mediante a enunciação do 'exacto sentido da norma (ou normas) cuja conformidade 
 constitucional pretende questionar, com indicação dos preceitos legais em que a 
 mesma se contem.”
 Na sequência deste convite, os recorrentes vieram esclarecer 'que a norma em 
 causa no presente recurso é a do artigo 12º do Código Civil quando interpretada 
 no sentido de que a alteração da alínea f), do artigo 85º do R.A.U., na redacção 
 dada pela Lei 6/2001, era aplicável a um arrendamento já extinto por morte da 
 inquilina em 8 de Janeiro de 1986, ou seja, mais de cinco anos antes da entrada 
 em vigor da Lei Nova, entendimento que os recorrentes entendem violar o 
 princípio da confiança dos cidadãos no Estado de Direito Democrático, que emana 
 do art. 2º da Constituição.'
 Concluíram, depois, a sua alegação nos seguintes termos:
 
  
 
 1. A aplicabilidade da Lei Nova às relações contratuais já existentes antes da 
 sua data de entrada em vigor pressupõe que tais relações jurídicas ainda 
 subsistam à data da sua entrada em vigor; 
 
 2. No caso dos autos a questão da aplicabilidade da Lei Nova só se suscitaria se 
 
 à data da sua entrada em vigor o arrendamento não houvesse já cessado pela morte 
 da inquilina; 
 
 3. Tendo a inquilina falecido no dia 8 de Janeiro de 1996 a questão só se 
 colocava se a Lei 6/2001 tivesse entrado em vigor antes dessa data, atribuindo 
 então à R. (se tivesse uma vivência em comum há mais de dois anos) um direito 
 até então inexistente; 
 
 4. Mas das teses da aplicabilidade da Lei Nova às relações já constituídas antes 
 da sua entrada em vigor, não resulta, nem pode resultar, a sua aplicabilidade às 
 relações e situações jurídicas que já deixaram  de vigorar na ordem jurídica; 
 
 5. A menos que a Lei Nova dispusesse ela mesma sobre o alargamento e 
 perdurabilidade no tempo das relações jurídicas já extintas à luz do direito 
 anterior, o que não é manifestamente o caso da Lei 6/2001; 
 
 6. E é isso que decorre do art. 12º, nº 2, do Código Civil ao estabelecer que a 
 aplicabilidade da Lei Nova às relações jurídicas já constituídas antes da sua 
 entrada em vigor está condicionado ao pressuposto de que essas relações 
 jurídicas ainda subsistam à data da entrada em vigor da Lei Nova; 
 
 7. Deste modo, aceitando-se a tese conhecida da aplicabilidade das leis no tempo 
 de que o Acórdão recorrido se louva, entende-se sem sombra de dúvidas que tal 
 tese não tem qualquer aplicabilidade no caso dos autos pois a relação jurídica a 
 que em abstracto podia ser considerada já terminara há mais de 5 anos quando 
 entrou em vigor a Lei Nova, no caso a Lei 6/2001 — Ver no mesmo sentido ainda 
 Batista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 
 
 1987, pág. 233; 
 
 8. Tal interpretação do art. 12º, nº2, do Código Civil pelo Acórdão recorrido 
 colide necessariamente com o princípio da confiança dos cidadãos no Estado de 
 Direito Democrático ofendendo claramente o art. 2º da Constituição; 
 
 9. O Acórdão recorrido ao decidir como decidiu fez pois indevida interpretação 
 do art. 12º, nº2, do Código Civil, violando o princípio da confiança dos 
 cidadãos no Estado de Direito Democrático ofendendo claramente o art. 2º da 
 Constituição. 
 
  
 Por seu turno, a recorrida contra-alegou, pedindo a manutenção do julgado.
 
  
 
 3.
 Foi, então, proferido pelo relator o seguinte despacho: 
 
  
 
 “Os recorrentes A. e outros impugnam a norma do artigo 12º do Código Civil 
 quando interpretada no sentido de que a alteração da alínea f), do artigo 85º do 
 R.A.U., na redacção dada pela Lei 6/2001, era aplicável a um arrendamento já 
 extinto por morte da inquilina em 8 de Janeiro de 1986, ou seja, mais de cinco 
 anos antes da entrada em vigor da Lei Nova”. 
 
 É possível que se entenda que a decisão recorrida assenta, todavia, não no 
 artigo 12º do Código Civil, que é uma norma auxiliar na aplicação do direito, 
 mas na própria alínea f) do artigo 85º do RAU, que, aliás, terá sido aplicada 
 numa dimensão não coincidente com a impugnada, por o Tribunal recorrido haver 
 entendido que o arrendamento se transmitiu sem que tenha ocorrido extinção do 
 primitivo contrato, ao contrário da norma que os recorrente enunciam “aplicável 
 a um arrendamento já extinto”. 
 Tal disparidade é motivo de não conhecimento do recurso, pelo que importa dar 
 oportunidade aos recorrentes para se pronunciarem sobre a questão, no prazo de 
 
 10 dias”. 
 
  
 
             Os recorrentes responderam, dizendo:
 
  
 
 1º O Acórdão recorrido ao analisar a revista a fls. 9 do mesmo considera que: 
 
 “São fundamentalmente duas as questões a conhecer, considerando o teor da 
 alegação do recurso: 
 a) Se a recorrida viveu em economia comum com a falecida arrendatária B.; 
 b) Se à situação em preço é aplicável, atento o regime previsto no art. 12º do 
 Código Civil, o art. 85º, nº 1, f), do RAU, alínea esta aditada pela Lei nº 
 
 6/2001, de 11 de Maio.” 
 
 2º Analisando depois a primeira dessas questões o Acórdão recorrido a fls. 11 
 conclui que: 
 
 “Não merece, pois, qualquer tipo de censura a conclusão tirada pela Relação de 
 Lisboa, no sentido de que entre a recorrida e a falecida arrendatária se 
 estabeleceu uma vivência em comum que permite se conclua, dando por preenchido o 
 conceito de “economia comum”. 
 
 3º Entrando na análise da segunda das questões que colocou o Acórdão recorrido 
 após um percurso doutrinário sobre as teses da aplicação no tempo da Lei Nova e 
 do art. 12º do Código Civil, conclui a fls. 14 Verso o seguinte: 
 
 “Nesta linha facilmente se constata, na sequência da decisão proferida pelo 
 Tribunal da Relação, que a alínea f) do nº 1 do art. 85º do RAU, na redacção que 
 lhe foi dada pela Lei 6/2001, de 11 de Maio, reporta — se a um estatuto legal, 
 nela tendo o legislador tido em atenção tão só a relação locatícia duradoura, 
 abstraindo dos factos que a originaram, desviando-se claramente de regulamentar 
 o conteúdo de cada específico contrato de arrendamento celebrado.”
 
 4º E a fls. 15:
 
 “Na verdade, a aludida alínea f), dispondo directamente sobre o conteúdo da 
 relação jurídica de arrendamento urbano habitacional, abstraindo do facto 
 
 (jurídico) que lhe deu origem aplica-se às relações jurídicas já constituídas e 
 que subsistam à data da sua entrada em vigor — art. 12º, nº 2, do Código Civil.” 
 
 
 
 5º Aqui chegados cumpre salientar atentas as alegações da recorrida que os 
 recorrentes não se opuseram à tese defendida no Acórdão do Tribunal da Relação 
 de Lisboa, e subscrevem na íntegra a análise efectuada à segunda questão 
 colocada pelo Tribunal recorrido aceitando “ipsis verbis” o que se transcreveu 
 no art. anterior, pois essa é na verdade a solução doutrinariamente correcta. 
 
 6º E de onde se extrai a conclusão de que se o arrendamento urbano celebrado com 
 a arrendatária ainda subsistisse a alínea f) do nº 1 do art. 85º do RAU seria 
 aplicável à recorrida em caso de falecimento da arrendatária e por causa da 
 solução dada à primeira questão dada pelo Acórdão recorrido. 
 
 7.º E a única questão que se levanta é quanto à última parte do art. 12º, nº 2, 
 do Código Civil quando se refere à aplicabilidade da Lei Nova às relações 
 jurídicas já anteriormente constituídas e “que subsistam à data da sua (da Lei 
 Nova) entrada em vigor” 
 
 8º No entender dos recorrentes, por força do art. 1051º, nº 1, d), do Código 
 Civil, e dos nºs 1 e 4 do art. 94.º do RAU, com a morte da locatária, ocorrida 
 no dia 8 de Fevereiro de 1996, caducou o contrato de arrendamento, razão porque 
 não podia o Acórdão interpretar aquele nº 2 do art. 12º do Código Civil como se 
 o contrato de arrendamento fosse “repristinado” por força da entrada em vigor da 
 Lei 6/2001, subsistindo por força do nº 2 do art. 12º do Código Civil não 
 obstante a sua caducidade há mais de 5 anos atrás. 
 
 9º Mas foi isso que sucedeu no caso do Acórdão recorrido pois, após aquela 
 conclusão doutrinária que se transcreveu no art. 4º anterior, o Acórdão 
 recorrido a seguir (e ainda na página 15): 
 
 “Assim sendo, bem andou a Relação de Lisboa em ter aplicado à situação em apreço 
 a mencionada alínea f), que entrou em vigor em 16 de Maio de 2001, já que tal 
 dispositivo aplica — se de imediato — independentemente dos sujeitos, objecto e 
 respectivo conteúdo negocial — a todos os contratos de arrendamento 
 anteriormente celebrados, já que interpretou a lei na adequada decorrência do 
 estabelecido no citado nº 2 do art. 12º do Código Civil, não merecendo, pois, 
 censura, na economia da presente revista, nem, pelo que também se deixou já 
 reafirmado, foi, ainda beliscado qualquer normativo constitucional, como 
 pretendem os recorrentes. 
 Face ao exposto o arrendamento foi transmitido para a ora recorrida…
 
 10º Trata-se pois de interpretação cingida ao art. 12º, nº 2, do Código Civil, 
 designadamente no que refere à última parte daquele normativo e que, ao 
 contrário do entendimento do Acórdão recorrido “belisca” e viola a norma 
 constitucional invocada pelos recorrentes no presente recurso. 
 
 11º Não estando em causa nos autos, nem sequer no recurso interposto para o 
 Supremo Tribunal de Justiça a tese da aplicabilidade da alínea f) do nº 1 do 
 art. 85º do RAU aos contratos de arrendamento que ainda subsistissem após à data 
 da entrada em vigor da Lei 6/2001.
 
  
 
             
 II.
 Fundamentação.
 
  
 
 4.
 Os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional são limitados pelo pedido 
 expresso pelos requerentes no momento da interposição do recurso.
 
  
 Constitui, assim, objecto do presente recurso de constitucionalidade, conforme 
 esclareceram os recorrentes, a norma contida no artigo 12.º do Código Civil 
 
 “quando interpretada no sentido de que a alteração da alínea f), do art. 85º do 
 R.A.U., na redacção dada pela Lei 6/2001, era aplicável a um arrendamento já 
 extinto por morte da inquilina em 8 de Janeiro de 1986, ou seja, mais de cinco 
 anos antes da entrada em vigor da Lei Nova”. Entendem que tal norma viola o 
 
 'princípio da confiança dos cidadãos no Estado de Direito Democrático', 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República.
 
  
 Não se dissiparam, todavia, as dúvidas – implícitas no convite formulado aos 
 recorrentes ao abrigo do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC – quer sobre a 
 individualização do preceito em que se contém a norma sindicada, quer do seu 
 sentido normativo.
 
  
 Na verdade, o conhecimento do presente recurso está dependente, por um lado, da 
 estrutura da norma contida no artigo 12.º do Código Civil, que funciona como 
 mecanismo interpretativo na aplicação do direito e, por outro lado, da dimensão 
 com que foi aplicada, na decisão recorrida, a regra constante da alínea f), do 
 n.º 1 do artigo 85.º do Regime do Arrendamento Urbano (doravante, RAU).
 
  
 
 5.
 Identificando os recorrentes como objecto do recurso a norma constante do artigo 
 
 12.º do Código Civil – por entenderem que a decisão recorrida nela assenta o seu 
 fundamento – passariam a constituir objecto de análise os cânones 
 interpretativos que levaram o Tribunal a definir o sentido da norma substantiva 
 efectivamente aplicada na resolução jurídica da questão – e que, no caso, é a da 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 85.º do RAU; o que impõe a conclusão de que a 
 questão de constitucionalidade não é, afinal, imputada ao preceito legal que 
 contém a norma que constitui fundamento decisório do aresto em causa. 
 
  
 A questão submetida a apreciação foi, assim, deslocada para um âmbito não 
 susceptível de controlo de constitucionalidade, na medida em que o recurso se 
 circunscreveu apenas ao critério interpretativo do artigo 12.º do Código Civil, 
 cuja concretização – assim isolado da norma fundamento – se integra 
 indubitavelmente na própria decisão recorrida. 
 
  
 A convocação da norma contida no artigo 12.º do Código Civil na decisão 
 recorrida ocorre como norma que disciplina apenas indirectamente a situação, 
 pois constitui o mecanismo interpretativo a que se recorre para aplicar, em 
 determinado sentido, a norma que directamente regula o caso sub judice – no caso 
 a nova alínea f) do n.º 1 do artigo 85.º do RAU, aditada pela Lei n.º 6/2001 de 
 
 11 de Maio. 
 
  
 
             6.
 
             O objecto da fiscalização de constitucionalidade só poderá 
 centrar-se, atentos os poderes cometidos ao Tribunal Constitucional, na norma 
 efectivamente aplicada na decisão de que se recorre: ora, a norma aplicada pela 
 decisão recorrida, enquanto seu fundamento decisório, não é unicamente o 
 mecanismo previsto no artigo 12.º do Código Civil, mas também a regra constante 
 do n.º 1, alínea f) do artigo 85.º do RAU. Disse, com efeito o Supremo Tribunal 
 de Justiça: 
 
  
 Na verdade, a aludida alínea f), dispondo directamente sobre o conteúdo da 
 relação jurídica de arrendamento urbano habitacional, abstraindo do facto 
 
 (jurídico) que lhe deu origem aplica-se às relações jurídicas já constituídas e 
 que subsistam à data da sua entrada em vigor – art. 12º nº 2 do C. Civil.
 
  
 Constitui, na verdade, pressuposto do recurso de constitucionalidade interposto 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a questão de 
 constitucionalidade suscitada tenha por base a norma que a decisão recorrida 
 tenha efectivamente aplicado, enquanto ratio decidendi da solução encontrada. 
 
  
 Ora, a norma aplicada pela decisão recorrida, enquanto seu fundamento normativo 
 
 [transmissão do arrendamento por morte da arrendatária à Ré, ora recorrida, em 
 virtude de com aquela ter vivido em economia comum há mais de dois anos] é a do 
 artigo 85.º n.º 1 alínea f) do RAU, aplicável ao caso por força do artigo 12º 
 n.º 2 do Código Civil.
 
  
 Todavia, comparado o sentido com que foi aplicada, na decisão recorrida, a norma 
 constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 85.º do RAU e a dimensão efectivamente 
 impugnada pelos recorrentes, não se verifica a identidade substancial que é 
 imposta  nos artigos 72.º n.º 2 da LTC e 280.º n.º 4 da Constituição da 
 República.
 
  
 Na verdade, a decisão recorrida não aplica a norma constante da alínea f), do 
 n.º 1 do artigo 85.º do RAU na dimensão que os recorrentes aqui questionam: como 
 já se referiu, o Tribunal interpretou e aplicou a norma constante da alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 85.º do RAU com o sentido de que a relação jurídica 
 constituída era subsistente à data da entrada em vigor da nova lei.
 
  
 Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, entendeu, na verdade, o 
 Supremo Tribunal de Justiça considerar à luz do artigo 12.º, n.º 2 do Código 
 Civil, que o prescrito na alínea f), do n.º 1 do artigo 85.º do RAU se aplica às 
 relações jurídicas já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em 
 vigor, concluindo, assim, que o arrendamento se transmitiu à ré, ora recorrida.
 
  
 Por seu lado, os recorrentes questionam uma norma 'interpretada no sentido de 
 que a alteração da alínea f) do art. 85º do R.A.U., na redacção dada pela Lei 
 
 6/2001, era aplicável a um arrendamento já extinto por morte da inquilina em 8 
 de Janeiro de 1986'.
 
  
 Ou seja, o acórdão recorrido interpretou o preceito no sentido de que o 
 arrendamento se transmitiu sem que tenha ocorrido qualquer extinção do primitivo 
 contrato, ao contrário da dimensão normativa que os recorrentes enunciam, que 
 seria a aplicada a um arrendamento já extinto.
 
  
 O que, aliás, significa que a norma que os recorrentes visam sindicar, ainda que 
 pudesse ser reportada ao verdadeiro preceito legal de que se extrai, não foi 
 aplicada, pela decisão recorrida, com o exacto sentido que é questionado pelos 
 recorrentes.
 
  
 Em consequência, também por esta razão não poderia o Tribunal conhecer do 
 objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 III.
 Decisão.
 
  
 
 7.
 Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do 
 objecto do recurso.
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
 
  
 Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes 
 Gil Galvão 
 Rui Manuel Moura Ramos