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Processo n.º 770/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC) da 
 decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu 
 não conhecer do recurso.
 
  
 
             2 – Fundamentando a sua reclamação, aduz o reclamante o seguinte:
 
  
 
    
 
 «1º
 
 É verdade que o recorrente omitiu o prescrito na LOFPTC art. 75.°-A, n.º 1, não 
 indicando, como formalmente lhe cumpria fazer, a alínea do n.º 1 do artigo 70.° 
 daquele diploma, ao abrigo da qual foi interposto o recurso. 
 
  
 
 2.º
 O recorrente, sem com isso se sentir completamente justificado, só consegue 
 explicar esta falha, alegando que era notória a alínea que ficou omissa. 
 
  
 
 3.º
 Isto mesmo parece ter reconhecido a própria decisão ora reclamada, ao considerar 
 que «não se olvida que o recurso foi admitido como interposto nos termos da 
 alínea b) do n.°1 do artigo 70.º da LTC (...)», suprindo assim o vício existente 
 no requerimento apresentado pelo recorrente. 
 
  
 
 4.º
 Afigura-se, pois, que não foi com fundamento nesta falta do recorrente que o 
 recurso foi rejeitado. 
 
  
 
 5.º
 De facto, isso constituiria um excesso de rigidez formal, tanto mais duro e 
 severo quanto é certo que, se nunca deve o direito material sair prejudicado por 
 questões processuais, ainda menos isso se deve consentir numa causa criminal. 
 
  
 
 6.°
 Portanto, a decisão do Tribunal de não tomar conhecimento do objecto do recurso 
 encontrar-se-á noutros pressupostos processuais que a decisão aqui reclamada 
 desenvolve em seguida. 
 
  
 
 7.º
 Proclamando a necessidade de que «cabe ao recorrente a delimitação do objecto do 
 recurso em termos de indicar clara e adequadamente a norma cuja 
 constitucionalidade deseja ver fiscalizada pelo tribunal (...), a decisão 
 reclamada considera que «o recorrente não indicou de modo processualmente 
 adequado quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas», 
 para concluir que «não se encontram cumpridos os ónus processuais determinantes 
 para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso.» 
 
  
 
 8.°
 Contra isto, reage o recorrente vivamente. 
 
  
 
 9.º
 Aquilo que a decisão diz faltar no requerimento, parte encontra-se lá e o 
 restante não tem de estar naquela peça. 
 
  
 
 10.º
 Assim, o recorrente, antes de cada preceito constitucional violado, que vai 
 perfeitamente identificado, indica também quais as normas ordinárias que foram 
 aplicadas e que ofenderam aqueles preceitos. 
 
  
 
 11.º
 De modo que, por aqui, ficaram bem delimitados os poderes de cognição do 
 Tribunal: recai sobre as normas jurídicas ordinárias e só sobre essas, uma vez 
 que, quanto aos preceitos constitucionais violados, o Tribunal guarda plena 
 liberdade para, em caso de achar procedente a inconstitucionalidade suscitada, o 
 fazer com base em normas diferentes das invocadas pelo recorrente (LOFPTC 
 art.79.°-C). 
 
  
 
 12.°
 Salvo melhor opinião, nesta fase, o recorrente nada mais tinha a acrescentar. 
 
  
 
 13.º
 Expor os motivos da inconstitucionalidade, que suscitou, é tarefa reservada para 
 as alegações».
 
  
 
             3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 respondeu dizendo que “a reclamação carece manifestamente de fundamento”, 
 porquanto “o reclamante não apresenta qualquer razão que o iniba de suportar as 
 consequências legais do inadequado conjunto dos ónus impostos ao recorrente”. 
 
  
 
             4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
             «1 – a:, melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional, mediante requerimento com o seguinte teor:
 
        
 
 “(...) não se conformando com as decisões proferidas sobre os vícios de 
 inconstitucionalidade suscitados, delas vem interpor o competente recurso, ao 
 abrigo do disposto na LOFPTC – art. 75.º-A.
 
        O Acórdão desse Venerando Tribunal não reconheceu um só dos vícios de 
 inconstitucionalidade que o arguido invocou no recurso que interpôs da sentença 
 proferida em primeira instância, antes confirmando a sentença recorrida.
 
        Assim:
 
 1.        Aplicou a norma do CPP – art. 134.º, n.º 1, num sentido que viola a 
 CRP, art 32.º, n.º 1.
 
 2.        Fez aplicação implícita da norma do CP art. 181.º, n.º 1, num sentido 
 que viola a CRP art. 36.º, n.º 4.
 
 3.        Por fim, aplicou implicitamente, entre outras, a norma contida no CP 
 art. 71.º, n.º 2, al. d), bem como a norma ínsita no CC art. 496.º, n.º 3, ambas 
 com um sentido e alcance que violam o disposto na CRP art. 24.º”.
 
  
 
 2 – Perante tal requerimento, considerando o relator que aquele não satisfazia 
 
 “as diversas exigências constantes dos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 75.º-A, da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC)”, foi o recorrente 
 notificado, “em aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC”, para 
 
 “dar cabal cumprimento ao estipulado nos preceitos supra referidos”.
 
  
 
 3 – Respondendo ao convite, o recorrente “reformulou o requerimento”, em “peça 
 autónoma” com o seguinte teor:
 
  
 
 “A., não se conformando com as decisões proferidas sobre os vícios de 
 inconstitucionalidade suscitados, delas vem interpor o competente recurso, ao 
 abrigo do disposto na LOFPTC – art. 75.º-A, n.º 1 e n.º2.
 
   O Acórdão desse Venerando Tribunal não reconheceu um só dos vícios de 
 inconstitucionalidade que o arguido invocou no recurso que interpôs da sentença 
 proferida em primeira instância, antes confirmando a sentença recorrida.
 
   Assim:
 
 1.                      Aplicou a norma do CPP – art. 134.º, n.º 1, num sentido 
 que viola a CRP, art 32.º, n.º 1.
 
 2.                      Fez aplicação implícita da norma do CP art. 181.º, n.º 
 
 1, num sentido que viola a CRP art. 36.º, n.º 4.
 
 3.                      Por fim (entre outras normas a suprir por esse Alto 
 Tribunal, nos termos da LOFPTC, art. 79.º-C, se for o caso), aplicou 
 implicitamente, entre outras, a norma contida no CP art. 71.º, n.º 2, al. d), 
 bem como a norma ínsita no CC art. 496.º, n.º 3, ambas com um sentido e alcance 
 que violam o disposto na CRP art. 24.º”.
 
  
 
 4 – Integrando-se o caso sub judicio, de acordo com o relatado, sob a alçada 
 normativa do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto na norma do 
 artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa o mesmo a ser decidido nos termos 
 seguintes.
 
  
 
 5 – Como pode constatar-se, o requerimento de interposição de recurso – seja na 
 sua versão original, seja na que foi apresentada em resposta ao convite 
 formulado pelo relator – não cumpre as exigências tipificadas no artigo 75.º-A 
 da LTC, não indicando tão-pouco a alínea do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, ao 
 abrigo da qual se recorre a este Tribunal.
 Não se olvida que o recurso foi admitido como interposto nos termos da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, no entanto a valoração dessa realidade não 
 prejudica o juízo supra gizado, com a consequente impossibilidade de conhecer do 
 objecto do recurso.
 Como é consabido, cabe ao recorrente a delimitação do objecto do recurso em 
 termos de indicar clara e adequadamente a norma cuja constitucionalidade deseja 
 ver fiscalizada pelo tribunal, exigência esta expressamente referida no artigo 
 
 75.º-A, n.º 1, da LTC.
 Vem este Tribunal reiterando sucessivamente que nada impede que, ao invés de se 
 controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas 
 um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no 
 DR II série, de 7 de Setembro de 1994). 
 Daí decorre, no entanto, que, estando essencialmente em causa uma específica 
 dimensão normativa do preceito, seja identificada, com precisão, a dimensão ou 
 interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não 
 podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à “interpretação 
 dada”, numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal, 
 sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual não basta a 
 afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas certas normas enquanto aplicadas 
 
 “num sentido que viola a CRP”, sem que se concretizem minimamente as dimensões 
 normativas relevantes para efeito do recurso de constitucionalidade.
 Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível, quer para delimitar os 
 poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quer para lhe permitir verificar 
 se estão ou não preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso 
 interposto, sendo que tal ónus não se pode dar por cumprido quando o recorrente 
 apenas indica pretender ver fiscalizada a interpretação normativa dada pelo 
 tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir, especificadamente, 
 qual norma (dimensão normativa) que constitui objecto do recurso de 
 constitucionalidade, sendo que, nem mesmo após o convite realizado ao abrigo do 
 artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, o recorrente indicou de modo processualmente 
 adequado quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas, 
 razão pela qual não se encontram cumpridos os ónus processuais determinantes 
 para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso.
 
  
 
             6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não 
 tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
             Custas pelo Recorrente com 8 (oito) UCs de taxa de justiça».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 5 – Como resulta da sua fundamentação, a decisão reclamada decidiu não tomar 
 conhecimento do recurso, porquanto não podia a «identificação [das normas 
 constitucionalmente impugnadas] reduzir-se a uma mera referência à 
 
 “interpretação dada”, numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um 
 diploma legal, sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual 
 não basta a afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas certas normas 
 enquanto aplicadas “num sentido que viola a CRP”, sem que se concretizem 
 minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do recurso de 
 constitucionalidade».
 Não obstante o reclamante ter sido convidado a precisar qual fosse o objecto do 
 recurso de constitucionalidade, por despacho do relator, no Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, o certo é 
 que o mesmo persistiu na sua atitude de não definir a concreta norma, dimensão 
 normativa ou critério normativo cuja constitucionalidade pretendia ver 
 apreciada.
 Na verdade, o reclamante continuou a falar na aplicação da norma do artigo 
 
 134.º, n.º 1, do CPP num sentido que viola a CRP (art.º 32.º, n.º 1); na 
 aplicação implícita da norma do art.º 181.º, n.º 1, num sentido que viola a CRP 
 e na aplicação implícita de entre outras, da norma contida no CP art. 71.º, n.º 
 
 2, alínea d), bem como da norma ínsita no CC art.º 496.º, n.º 3, com um sentido 
 e alcance que violam o disposto na CRP art.º 24” (itálicos acrescentados).
 
             A definição do concreto objecto do recurso de constitucionalidade, 
 que, apenas, pode traduzir-se em concretas normas, dimensões ou critérios 
 normativos, cabe na autonomia e auto-responsabilidade processual das partes, 
 decorrente do exercício do seu direito de acesso aos tribunais, e torna-se, 
 absolutamente, necessária, não só para que o Tribunal Constitucional possa 
 aferir da utilidade do recurso constitucional como para balizar o julgamento da 
 questão de constitucionalidade, caso este venha a ser efectuado.
 
             A circunstância de o desembaraço de tal tarefa envolver, porventura, 
 a interpretação da decisão pretendida recorrer para o Tribunal Constitucional 
 não exonera a parte que pretende exercer o direito de recurso do cumprimento de 
 tal ónus processual, convertendo-o num hipotético dever oficioso do tribunal.
 
             Anote-se que não está em causa a determinação do direito aplicável à 
 resolução do caso, onde vale o princípio jus novit curia, mas a lei, 
 concretamente, aplicada e cuja validade para a decisão do caso se pretende ver 
 afastada. 
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa 
 de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 28/01/2009
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos