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Processo n.º 75/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos da 9.ª Vara Cível de Lisboa, em que é recorrente 
 o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido A., S.A., foi interposto recurso de 
 constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 despacho daquele Tribunal de 10.09.2008, nos seguintes termos:
 
 «O Magistrado do Ministério Público neste Tribunal, fazendo uso da faculdade 
 conferida pelo art.° 145.° n.º 5 do C.P.C., vem, em obediência e nos termos do 
 disposto pelos arts 280.° n.° 1 al. a) e n.° 3 da Constituição da República 
 Portuguesa, 69.°, 70.° al. a) e 72.° n.° 1 al. a) da Lei do Tribunal 
 Constitucional - Lei n.° 28/82 de 15/11 -, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional da parte da decisão de fls. 3478 a 3490 que recusou a aplicação 
 da norma resultante da conjugação dos art.ºs 13.°, n.°1, 15.° n.°1, al. o), 
 
 18.°, n.°2 e tabela anexa ao C.C.J. na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.° 
 
 224-A/96 de 26 de Novembro por considerar aquela norma ferida de 
 inconstitucionalidade material e violadora do direito de acesso aos tribunais 
 consagrado pelo art. 20.° da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do 
 excesso decorrente do art.° 2.° da C.R.P.»
 
  
 
 2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 apresentou alegações, tendo concluído o seguinte:
 
 «1º
 A norma resultante dos artigos 13.º n.º 1, 15.º, n.º1, alínea o) e 18.º, n.º 2 
 do Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei nº 224-A/96, 
 de 26 de Novembro, conjugada com a tabela anexa, interpretada em termos de o 
 montante das custas decorrente do decaimento numa acção com o valor tributário 
 de € 3.854.261,23 e respectivos apensos, incidentes e recursos (incluindo duas 
 providências cautelares do arresto) – ser calculado em função de tal valor, sem 
 que se preveja a aplicação de qualquer limite máximo, originando um valor global 
 de €253.033,92 de custas, não pode considerar-se, em si mesma, violadora do 
 direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade.
 
 2º
 Na verdade, essa tributação uma acção de valor consideravelmente elevado não 
 implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas, representando 
 a ponderação – não apenas do valor de custo do serviço em causa – mas também do 
 valor presumivelmente resultante da utilidade alcançável através do recurso ao 
 tribunal e da complexidade que esteve subjacente à tramitação da causa e 
 respectivos apensos que – no caso dos autos – envolveu processado de particular 
 complexidade e extensão (expresso em 15 volumes e 6 apensos), em que forem 
 esgotados pelos interessados os meios impugnatórios possíveis.
 
 3º
 Não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não é possível 
 realizar uma comparação entre tal regime, decorrente da versão de 1996 do Código 
 das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido no artigo 27.º, não aplicável 
 ao caso dos autos, representando uma ponderação inovatória e constitutiva do 
 legislador que não pressupõe a inconstitucionalidade da solução que constava da 
 lei anteriormente vigente.
 
 4º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.»
 
  
 
  
 
 3. A recorrida não contra-alegou.
 
  
 
  
 
 4. O despacho recorrido tem o seguinte teor, na parte que agora releva:
 
  
 
  
 
 «(…)Na presente acção, que tinha o valor tributário de €3.854.261,23, foram 
 contadas à Autora custas no montante total de € 253.033,092, respeitando 
 
 €173.383,53 a taxas, correspondendo € 9.684,44 à taxa do incidente de apoio 
 judiciário, reduzida a ¼, nos termos do  art.° 15.°, n.° 1,  do  C.C.J., na  
 redacção do  D.L. n.° 224-A/96, de  26 de  Novembro, €19.368,88 de taxa de 
 justiça em cada um de três recursos, €25.105,22 noutra taxa de justiça de 
 recurso, €12.552,61 noutra taxa de justiça de recurso , todas reduzidas a ½, nos 
 termos do art.° 18.°, n.° 2, do C.C.J., na redacção do D.L. n.° 224-A/96, de 26 
 de Novembro, €45.748,60 de procuradoria com natureza de taxa e, finalmente, 
 
 €45.453,04 a título de custas de parte. 
 A acção comportou designadamente: 
 
            I- ACÇÃO PRINCIPAL: 
 
            - Base Instrutória com 45 quesitos (fls. 367 a 376); 
 
            - dezasseis sessões de julgamento : fls. 627 ( 5.11.98), fls. 635 
 
 (11.11.98), fls. 726 (2.12.98), fls. 737 ( 7.1.99), fls. 931 ( 26.1.99), fls. 
 
 1066 (11.2.99), fls. 1478 ( 15.4.99), fls. 1507 ( 20.4.99), fls. 1563 ( 
 
 21.4.99), fls. 1633 (13.5.99), fls. 1651 ( 17.6.99), fls. 1749 ( 23.6.99), fls. 
 
 1752 ( 26.9.99), fls. 1764 ( 6.7.99), fls. 2313 ( 9.11.2001), fls. 
 
 2319(30.11.2001); 
 
            - inspecção ao local (fls. 737-738); 
 
            - realização de prova pericial (cfr. fls. 1856, 1878 e ss.);
 
            - despacho de revogação do beneficio de apoio judiciário concedido à 
 Autora (fls.2380 a 2383); 
 
            - sentença a fls. 2384 a 2397; 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 2532 a 2545; 
 
            - junção de pareceres de professores universitários a fls. 2704 e 
 ss.; 
 
            - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls . 2816 a 2823; 
 
            II — APENSO A (Arresto intentado pela Autora contra a Ré em 26.5.98): 
 
 
 
            - julgamento em 8.7.98 (fls. 36); 
 
            - julgamento na oposição a fls. 316 ( 2.12.98), fls. 337 ( 26.1.99), 
 fls. 419 ( 11.2.99), fls. 652 (14.1.2000); 
 
            - sentença final a fls. 653 a 660 (4.2.2000); 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1041 a 1048 
 
 (23.1.2002); 
 
            III — APENSO B ( agravo do despacho que revogou o benefício de apoio 
 judiciário): 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2002 (fis. 150 a 
 
 155); 
 
            IV- APENSO C (procedimento cautelar de arresto intentado pela Autora 
 contra a Ré em 25.7.2002): 
 
  
 
  
 
            - indeferimento liminar a fls. 93 (8.8.2002); 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1431-1432( 
 
 12.12.2002); 
 
            -julgamento e sentença a fls. 203 a 209 (21.5.2003); 
 
            -julgamento em oposição a fls. 1333 (19.1.2004); 
 
            - sentença de revogação do arresto a fls. 1520 a 1522 (27.2.2004); 
 
            - despacho a declarar deserto o agravo a fls. 1720 (31.5.2004); 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 1860 a 1862 
 
 (4.8.2004); 
 
            V- APENSO D (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 3372 a 
 
 3375): 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 392 a 405 
 
 (19.1.2006); 
 
            VI- APENSO E ( agravo interposto pela ré do despacho de fls. 2531 a 
 
 2536 que decidiu reclamação à conta): 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 765 a 779 
 
 (13.10.05); 
 
            VII- APENSO F (recurso de agravo interposto pela Autora do despacho 
 que indeferiu o pedido de reforma da conta de custas elaborada no arresto): 
 
            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 218 a 223 
 
 (27.3.2007’); 
 
            - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 295 a 297 ( 
 
 6.11.2007). 
 
            Resulta do arrazoado que antecede que a acção e seus apensos teve um 
 processado que, de forma alguma, se pode classificar de breve e singelo. A 
 dificuldade do apuramento dos factos materiais e forte litigiosidade que a 
 acompanhou justificam, em grande parte, a extensão e complexidade do processado. 
 
 
 
            Apesar do que fica dito, cremos que a complexidade demonstrada não 
 justifica os valores agora apurados, os quais se afiguram desproporcionais e 
 injustificadamente inibidores da utilização dos serviços públicos de justiça. 
 
            Para a fixação desses valores contribuiu a ausência de previsão de um 
 limite máximo ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação 
 do valor das taxas devidas pela tramitação ocorrida. 
 
            Pelo que, também aqui, concluímos que essa desproporção flagrante e o 
 exagero daquela quantia viola não só o principio estruturante constitucional da 
 proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais, previsto no 
 art.° 20.°, n.° 1, da Constituição. 
 
 *
 
            Pelo exposto: 
 a) julgo inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, 
 consagrado no art.° 20.°, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do 
 excesso, decorrente do art.° 2.°, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação 
 do disposto nos artigos 13.°, n.° 1, 15.°, n.º 1, o), 18.°, n.º 2, e tabela 
 anexa do C.C.J., na redacção do D.L. n.° 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte 
 em que dela resulta que as custas (incluindo taxas de justiça, custas dos 
 incidentes, procuradoria e custas de parte) devidas por um processo, comportando 
 a tramitação descrita em I a VII, ascendem ao montante global de €253.033,92, 
 determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de 
 qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza 
 o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, 
 designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter 
 manifestamente desproporcionado desse montante; 
 b) ordeno se proceda à reforma da conta nos termos previstos no art.° 27.°, do 
 C.C.J., na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.° 324/2003, de 
 
 27-12, aplicando-se a respectiva Tabela de taxa de justiça; 
 c) no mais, julgo improcedente por não provada a reclamação apresentada.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 
  
 
 5. É sabido que o factor básico de distinção constitucional entre imposto e taxa 
 repousa no carácter unilateral ou bilateral do tributo: enquanto que o imposto 
 tem estrutura unilateral, a taxa apresenta um carácter bilateral ou 
 sinalagamático.
 Quer isto dizer que a prestação pecuniária correspondente à taxa está em relação 
 de correspectividade com a obtenção de um benefício individualmente produzido na 
 esfera do particular obrigado ao seu pagamento. É como contrapartida desse 
 benefício, como preço a pagar por uma utilidade especificamente proporcionada 
 por um ente público, que a taxa é devida.
 De entre a tipificação tripartida das situações causalmente determinantes do 
 pagamento de taxas, estabelecida no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária 
 
 (Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), a saber, “prestação concreta de um 
 serviço público”, “utilização de um bem do domínio público” e “remoção de um 
 obstáculo ao comportamento dos particulares”, é indubitavelmente no primeiro 
 grupo que se integram as custas judiciais. 
 Compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigo 1.º, n.º 1, do CCJ, na 
 redacção do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro), e consistindo estes no 
 reembolso das despesas e retribuições enumeradas no artigo 32.º do mesmo Código, 
 a taxa de justiça consubstancia a contrapartida pecuniária da utilização do 
 serviço de administração de justiça.
 
  
 
 6. Mas o vínculo de sinalagmaticidade, que une entre si a utilização 
 individualizada dos serviços dos tribunais e as quantias cobradas, a título de 
 taxa, por essa utilização, nada mais traduz do que uma relação de reciprocidade 
 e de interdependência causal, assinalando, designadamente, que a obrigação em 
 que se constitui o utente encontra a sua génese e razão de ser na prestação que 
 o Estado lhe disponibilizou.
 Como o Tribunal tem sistematicamente sublinhado, também a propósito da taxa em 
 causa nos presentes autos – cfr., por último, o Acórdão n.º471/2007 −, esta 
 equivalência jurídica não vem necessariamente acompanhada por uma equivalência 
 estrita, em termos económicos, entre o valor do serviço prestado e o montante da 
 quantia devida pela sua percepção.
 O legislador goza, nesta matéria, de uma muito ampla liberdade de conformação, à 
 luz de critérios diversificados, que vão desde o atendimento dos custos reais de 
 produção, ao grau de utilidade propiciada ao particular, na satisfação da sua 
 necessidade individual, e ao interesse público na generalização ou, 
 inversamente, na retracção do acesso ao bem ou serviço em questão. É da 
 ponderação, em cada tipo de caso, destes e de outros parâmetros, e da valoração 
 do complexo de interesses conjugadamente presentes nas situações de 
 obrigatoriedade de taxa – valoração a que não são alheias razões de conveniência 
 e oportunidade – que resulta a determinação do valor a prestar.
 
  
 
 7. O reconhecimento dessa larga margem de liberdade apreciativa do legislador 
 não importa, todavia, como é bom de ver, que a fixação do montante das taxas 
 seja refractária a um controlo de constitucionalidade.
 Na verdade, o Estado encontra-se constitucionalmente vinculado a uma actividade 
 prestativa que satisfaça o direito dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º 
 da CRP). Este direito corresponde a um direito fundamental dotado da força 
 jurídica própria dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o princípio da 
 proporcionalidade, sempre vigente, como princípio básico do Estado de direito, 
 em qualquer campo de actuação estadual que contenda com interesses dos 
 particulares, encontra aqui uma qualificada expressão aplicativa (artigo 18.º, 
 n.º 2, da CRP). 
 Sendo assim, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos 
 serviços de justiça, impõe seguramente que o montante das custas judiciais não 
 se transforme num sério factor inibitório do recurso aos tribunais, com 
 esvaziamento da garantia de tutela jurisdicional constitucionalmente consagrada.
 A concretização do preceito constitucional que garante o direito à solução dos 
 litígios pela via judicial, de acordo apenas com as normas do ordenamento 
 jurídico, como é timbre de um Estado de direito, claudicaria, sem transposição 
 efectiva para a prática social, se ao legislador fosse dado fixar montantes de 
 custas judiciais de tal forma elevados que perdessem toda a conexão razoável com 
 o custo e o valor do serviço prestado. Pois, desse modo, o “custo da justiça” 
 não poderia ser suportado, sem sacrifícios inexigíveis, pela generalidade dos 
 cidadãos, constituindo um obstáculo insuperável ao exercício de um direito que a 
 Constituição reconhece.
 Nesta perspectiva, para satisfação adequada do direito de acesso aos tribunais, 
 na sua dimensão prestacional, impõe-se, não apenas a remoção, através do sistema 
 de apoio judiciário, das incapacitações causadas por insuficiência de meios dos 
 mais carenciados para pagar taxas, ainda que de montante ajustado, mas também a 
 fixação dessas taxas em valores não excessivamente gravosos, para o universo de 
 todos aqueles que não estão isentos do seu pagamento ou não beneficiam das 
 reduções previstas. Ambas as vertentes se encontram cobertas pela proibição de 
 denegação de justiça por insuficiência de meios económicos (parte final do n.º 1 
 do artigo 18.º).
 Nesta linha de pensamento, escreveu-se no Acórdão n.º 352/91, a propósito da 
 liberdade do legislador na determinação das custas judiciais:
 
  
 
 «Esta liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite – limite 
 que é o da justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem 
 de recorrer ao sistema de apoio judiciário.
 
 É que o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como 
 algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente 
 carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios 
 rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de 
 muito elevado valor).
 Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida 
 conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar 
 incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois 
 se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou 
 especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa».
 
  
 Pode, pois, concluir-se que, na medida em que conduz inevitavelmente a perdas de 
 efectividade do direito à justiça, a determinação de montantes de custas 
 judiciais em valores excessiva e desproporcionadamente elevados deve ser tida 
 como uma restrição ofensiva desse direito.
 
  
 
 8. É à luz destes parâmetros que cumpre agora apreciar se tal se pode ter por 
 verificado no caso dos autos. Há que ajuizar se os critérios constantes das 
 normas impugnadas violam o direito de acesso à justiça, para o que se requer a 
 aferição, pelo princípio da proporcionalidade, do montante das custas judiciais 
 apuradas, em sua aplicação. 
 Recorde-se que, tendo a acção o valor de € 3.854.261,23, a autora foi condenada 
 a custas no montante total de € 253.033,092.
 O despacho recorrido entendeu que os valores em causa “se afiguram 
 desproporcionais e injustificadamente inibidores da utilização dos serviços de 
 justiça”. Tal terá ficado a dever-se à “ausência de previsão de um limite máximo 
 ou da possibilidade da intervenção moderadora do juiz na fixação do valor das 
 taxas devidas pela tramitação ocorrida”.
 Como melhor transparece da fórmula decisória, a censura constitucional recaiu 
 sobre o facto de, ao abrigo das normas contestadas, ser exclusivamente por 
 atinência ao valor da acção que o montante das custas é calculado, sem um tecto 
 máximo e sem permissão de uma correcção redutora por iniciativa do tribunal, 
 
 “tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo”. 
 A decisão recorrida reproduz, na parte referente à imputação do juízo de 
 inconstitucionalidade à ausência destas previsões potencialmente limitativas do 
 montante das custas, a decisão, por maioria, constante do Acórdão n.º 471/2007, 
 prolatado por esta Secção do Tribunal Constitucional. E já anteriormente, no 
 Acórdão n.º 227/07, igualmente da 2.ª Secção, o prescindir a lei da fixação de 
 um limite máximo e a não atendibilidade, em concreto, da natureza e da 
 complexidade do processo foram apontadas como razões justificativas de idêntica 
 decisão de inconstitucionalidade. 
 Haverá fundamento, no caso dos autos, para uma decisão do mesmo teor?
 
  
 
 9. Cumpre notar, antes de mais, que a questão de constitucionalidade aqui em 
 apreciação tem a ver com o facto de o valor das custas reflectir automática e 
 ilimitadamente o valor da acção, o que pode conduzir a taxas de elevado 
 montante, eventualmente desproporcionado em relação ao custo e à utilidade do 
 serviço. Foi esse o objecto de censura nos dois acórdãos acima mencionados, que 
 se pronunciaram pela inconstitucionalidade. Esta ficou a dever-se, precisamente, 
 
 à impossibilidade de correcção adaptativa às circunstâncias do caso concreto, do 
 montante assim obtido, por forma a evitar um valor excedente um limite máximo 
 e/ou sem correspondência na natureza e na complexidade do processo.
 Ora, sendo assim, estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de 
 um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano 
 da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de 
 valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. 
 Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo 
 critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre 
 distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço 
 prestado.
 O que queremos dizer é que a potencialidade de um critério gerar valores 
 desproporcionados de custas, por não acolhimento de factores que os teriam 
 evitado, só releva quando essa potencialidade, em face das circunstâncias do 
 caso e do montante concretamente apurado, se tenha concretizado. Ou, dito de 
 outra forma: a ausência de previsão desses factores correctivos só releva quando 
 eles, no caso em apreciação, teriam actuado restritivamente, reconduzindo o 
 valor pecuniário a prestar aos limites da proporcionalidade, que, de outro modo, 
 resulta violada. Mas já não tem cabimento a invocação dessa falha de previsão 
 quando, à partida, o montante das custas possa ser considerado não exorbitante e 
 em correspondência com a natureza e a complexidade do processo. Nessa hipótese, 
 as variáveis que alegadamente deveriam estar normativizadas abonam a 
 proporcionalidade do resultado aplicativo do critério em análise, pelo que a sua 
 não inclusão na previsão legal não pode fundar um juízo em sentido contrário.  
 Na verdade, estando em causa a aferição da proporcionalidade de um determinado 
 quantitativo pecuniário, no caso de ele se mostrar como contrapartida adequada 
 da utilização de um serviço, atentas as características da sua natureza e da sua 
 concreta execução, com incidência nos custos, não faz sentido concluir que ele 
 viola a proibição do excesso, com fundamento em que, noutras circunstâncias 
 aplicativas, seria esse o resultado a que conduziria o critério de cálculo. 
 Quando a censura constitucional tem como alvo a rigidez e automaticidade do 
 critério legal, com a consequente falta de flexibilidade adaptativa a 
 circunstâncias específicas que podem justificar uma redução de taxa, essas 
 circunstâncias, na fiscalização concreta, têm que ser tidas em consideração.
 
  
 
  
 
 10. Ora, nesta perspectiva, não pode passar despercebido que a situação sub 
 judicio difere substancialmente, sob o ponto de vista da natureza do processo e 
 da complexidade da tramitação, das duas outras sobre que recaíram aqueles 
 acórdãos, em que foi emitido um juízo de inconstitucionalidade. 
 Quanto ao Acórdão n.º 227/07, o cálculo de custas nele em apreciação referia-se 
 a procedimentos cautelares e respectivos recursos, tendo sido apurado um valor 
 de € 584.403,82, muito superior ao que está em questão nos presentes autos. 
 No caso do Acórdão n.º 471/07, foi decisiva da pronúncia de 
 inconstitucionalidade a simplicidade da tramitação, que findou, em 1.ª 
 instância, no saneador. Como se salienta na respectiva fundamentação:
 
 «Tendo em consideração a linearidade da tramitação da acção acima descrita e a 
 fase em que a mesma terminou na 1.ª instância, a contagem de € 123.903,43 de 
 taxas é manifestamente desproporcionada às características do serviço público 
 concreto prestado, atendendo ao custo de vida em Portugal. Na verdade, este 
 montante exagerado resulta apenas do elevado valor da acção, sem qualquer 
 tradução na complexidade do processo, o qual decorreu com uma tramitação 
 simples, não existindo qualquer correspondência entre os custos dos meios do 
 Estado envolvidos e o valor total das taxas cobradas».
 
 É patente o contraste com o figurino da acção que motivou o recurso em 
 apreciação. Esta, iniciada em 1994, comportou uma acção principal e seis 
 apensos. No seu âmbito, e com uma base instrutória de 45 quesitos, realizaram-se 
 
 16 sessões de julgamento em 1.ª instância, com produção de prova pericial e 
 inspecção ao local, junção de pareceres de professores universitários e recurso 
 até ao Supremo Tribunal de Justiça. Nos apensos, por sua vez, foram processados 
 dois procedimentos cautelares de arresto e vários agravos.
 Mais detalhadamente, e como resulta do teor do despacho recorrido, a acção de 
 onde emerge o presente recurso de constitucionalidade implicou a seguinte 
 tramitação processual:
 I- ACÇÃO PRINCIPAL: Base Instrutória com 45 quesitos; dezasseis sessões de 
 julgamento; inspecção ao local; realização de prova pericial; despacho de 
 revogação do beneficio de apoio judiciário concedido à Autora; sentença a fls. 
 
 2384 a 2397; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa; junção de pareceres de 
 professores universitários; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; 
 II — APENSO A (Arresto intentado pela Autora contra a Ré em 26.5.98): julgamento 
 em 8.7.98; julgamento na oposição (que decorreu em 2.12.98, 26.1.99, 11.2.99 e 
 
 14.1.2000); sentença final (4.2.2000); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (23.1.2002); 
 III — APENSO B (agravo do despacho que revogou o benefício de apoio judiciário): 
 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2002; 
 IV- APENSO C (procedimento cautelar de arresto intentado pela Autora contra a Ré 
 em 25.7.2002): indeferimento liminar (8.8.2002); Acórdão do Tribunal da Relação 
 de Lisboa ( 12.12.2002); julgamento e sentença (21.5.2003); julgamento em 
 oposição (19.1.2004); sentença de revogação do arresto (27.2.2004); despacho a 
 declarar deserto o agravo (31.5.2004); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (4.8.2004); 
 V- APENSO D (agravo interposto pela ré do despacho de fls. 3372 a 3375): Acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 392 a 405 (19.1.2006); 
 VI- APENSO E ( agravo interposto pela ré do despacho de fls. 2531 a 2536 que 
 decidiu reclamação à conta): Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (13.10.05); 
 VII- APENSO F (recurso de agravo interposto pela Autora do despacho que 
 indeferiu o pedido de reforma da conta de custas elaborada no arresto): Acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa (27.3.2007); Acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça (6.11.2007). 
 Todo o processado, que demandou uma muito laboriosa actividade jurisdicional, 
 não linear, de vários órgãos judicantes, documentada em 3.498 folhas que se 
 estendem por 15 volumes e 6 apensos, revela “a dificuldade de apuramento dos 
 factos materiais e forte litigiosidade que a acompanhou”, como a própria decisão 
 recorrida reconhece.
 Neste contexto, como qualificar o montante tributário fixado?
 Ele é, sem dúvida, elevado, em valor absoluto. Mas não pode considerar-se que 
 seja uma refracção cega do valor da causa. Para o seu atingimento muito 
 contribuiu a complexidade objectiva das questões suscitadas e a própria conduta 
 processual das partes, que recorreram sistematicamente aos meios impugnatórios 
 admissíveis (foram contabilizados, ao todo, doze incidentes).
 A complexidade da tramitação efectivamente processada teve uma repercussão 
 directa no montante das custas apuradas, pelo que não pode sustentar-se que este 
 se fique a dever exclusivamente ao valor da acção. Dá impressiva conta disso a 
 decomposição daquele montante global pelas parcelas que o constituem: dos € 
 
 173.383,53 que respeitam a taxas, € 9.684,44 correspondem à taxa do incidente de 
 apoio judiciário, € 19.368,88 à taxa de justiça em cada um de três recursos, € 
 
 25.105,22 a taxa de justiça de outro recurso, € 12.552,61 ainda a outra taxa de 
 recurso, € 45.748,60 a procuradoria com natureza de taxa e, finalmente, € 
 
 45.453,04 a título de custas de parte.
 Numa valoração contextualizada, atenta aos dados concretos da forma como a conta 
 de custas se gerou, no caso dos autos, não pode dizer-se, pelo menos com o 
 carácter de evidência requerido por um controlo da proibição do excesso, que 
 estejamos perante um montante claramente desproporcionado. Se a prestação 
 exigida, a título de custas, atingiu valores elevados, pouco comuns, também, em 
 contrapartida, o serviço fornecido envolveu meios e acarretou necessariamente 
 custos que ultrapassaram o padrão mais habitual do funcionamento judiciário e do 
 processamento dos autos. A correspectividade material entre as duas prestações 
 não se mostra, assim, manifestamente desvirtuada, pelo que não se evidencia que 
 os limites (flexíveis) de taxação resultantes da estrutura bilateral das taxas 
 tenham sido desrespeitados. 
 
  Não custa conceder que outros critérios de cálculo possam satisfazer melhor, de 
 forma mais proporcionada e mais próxima da realização do ideal de Justiça não 
 demasiadamente onerosa, as exigências e os limites postulados pela 
 bilateralidade de um tributo com a natureza de taxa. 
 Mas considerações desta índole passam ao lado da valoração ajustada à natureza e 
 ao objecto da questão de constitucionalidade aqui posta. Na verdade, o que está 
 em causa é a contenção ou não dentro de limites ainda toleráveis ou admissíveis, 
 de tal forma que o juízo de não inconstitucionalidade se basta com a não 
 infracção desses limites, sem que esse juízo possa ser invalidado pela 
 representação de regimes alternativos mais favoráveis, quanto aos custos da 
 justiça para os particulares que a ela recorrem. 
 Desde que não ultrapassados aqueles limites, é da competência do legislador 
 proceder à ponderação da forma como entende mais adequada a repartição dos 
 pesados custos de funcionamento do aparelho de administração da justiça, a 
 fixação da parcela, maior ou menor, em que eles devem ser suportados pelos 
 sujeitos que dela beneficiam ou levados à conta das despesas do Orçamento do 
 Estado. 
 Também não custa admitir, por outro lado, que alterações legislativas 
 posteriores, designadamente as introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 
 de Dezembro, caminharam no sentido de um regime menos oneroso, ao estabelecerem 
 que nas “causas de valor superior a € 250.00 não é considerado o excesso para 
 efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente”, apenas 
 sendo o remanescente considerado na conta a final (artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do 
 Código das Custas Judiciais, na redacção daquele diploma), possibilitando-se ao 
 juiz, “de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da 
 causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente” 
 
 (artigo 27.º, n.º 3). 
 Mas, de uma alteração legislativa que introduz previsões limitativas do montante 
 de custas não pode inferir-se, sem mais, a inconstitucionalidade das soluções, 
 anteriormente consagradas, que as ignoravam. Ela representa apenas uma opção 
 distinta do legislador, no exercício da liberdade conformativa de que dispõe, 
 sem que tal justifique refracções retroactivas na valoração do regime 
 anteriormente vigente, cuja conformidade constitucional tem que ser apreciada 
 pelo seu conteúdo e alcance próprios.
 
  
 
 11. Há a concluir, pois, que o critério legal não conduziu a uma taxa que 
 ultrapasse um limite de admissibilidade, por manifestamente excessiva. A taxa 
 devida encontra justificação no princípio da cobertura dos custos, pelo menos, 
 estando em relação de correspondência ainda razoavelmente adequada com a 
 complexidade da actividade jurisdicional desenvolvida e com o figurino da 
 tramitação a que deu azo.
 Não pode, assim, invocar-se, no caso dos autos, a não fixação de um limite 
 máximo e o não acolhimento, no critério legal, da natureza e complexidade do 
 processo, pois nem um nem outro factor teriam aqui operado em sentido redutor do 
 montante da taxa.
 Este respeita, de forma satisfatória, os três sentidos possíveis do princípio da 
 proporcionalidade, em matéria de custas judiciais, de acordo com a especificação 
 analítica levada a cabo pelo Acórdão n.º 608/99: o do “equilíbrio entre a 
 consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos 
 inerentes a tal exercício”; o da responsabilização de cada parte pelas custas 
 
 “de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da 
 intervenção jurisdicional”, o do ajustamento dos “quantitativos globais das 
 custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a 
 respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os 
 comportamentos das partes”. 
 Não se mostrando violado o princípio da proporcionalidade, também não foi 
 nuclearmente afectado o direito de acesso ao tribunal, tendo até em conta a 
 natureza do sujeito onerado: uma organização empresarial, necessariamente regida 
 por regras de economicidade estrita na tomada de decisões e, tipicamente, com 
 maior facilidade de dispor de meios financeiros significativos, quer por 
 aplicação de meios próprios, quer, como operação corrente no fluxo da sua 
 actividade, por recurso ao crédito bancário.  
 
  
 III − Decisão
 Pelo exposto, acordam em: 
 a)      Não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 13.º, n.º 1, 
 
 15.º, n.º 1, alínea o), e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (na versão 
 emergente do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro), conjugada com a tabela 
 anexa ao CCJ, quando os valores das custas a que a sua aplicação conduziu se 
 mostram proporcionais, no caso dos autos, à especial complexidade do processo;
 b)      Julgar procedente o recurso, ordenando a reformulação do despacho 
 recorrido em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
 Sem custas.
 Lisboa, 22 de Junho de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano (vencido conforme declaração que junto)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido por ter entendido que apesar da tramitação da acção aqui em causa 
 ter esgotado as instâncias admissíveis, com alguns incidentes de diminuta 
 complexidade, e ter sido julgada em 1ª instância em audiência com 16 sessões, a 
 contagem de € 250.000,00 de taxas, nos termos do sistema do Código das Custas 
 Judiciais, na redacção do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, é 
 manifestamente desproporcionada às características do serviço público concreto 
 prestado, atendendo ao custo de vida em Portugal. 
 Na verdade, este montante exagerado resultou apenas do elevado valor da acção, 
 sem tradução na complexidade do processo, não existindo qualquer correspondência 
 entre os custos dos meios do Estado envolvidos e o valor total das taxas 
 cobradas.
 Só a ausência de previsão de um limite máximo ou da possibilidade da intervenção 
 moderadora do juiz na fixação do valor das taxas devidas pela tramitação 
 ocorrida permitiu que estas atingissem aquele valor manifestamente 
 desproporcionado e injustificadamente inibidor da utilização dos serviços 
 públicos de justiça.
 Essa desproporção flagrante e o exagero daquela quantia violou não só o 
 principio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o 
 direito de acesso aos tribunais, previsto no artº 20.º, nº 1, do C.R.P., pelo 
 que entendi que se  deveria confirmar o juízo de inconstitucionalidade efectuado 
 pela decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelo 
 Ministério Público.
 
  
 João Cura Mariano