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Processo n.º 808/08
 Plenário
 Relator: Conselheiro  José Borges Soeiro
 
 
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
 
 I – Relatório
 
 1. Requerente e objecto do pedido
 O Procurador-Geral da República, de acordo com os artigos 281.º, n.º 1, alínea 
 a) e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 51.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), e 12.º, n.º 
 
 1, alínea c) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 60/98, de 
 
 27 de Agosto, vem pedir a declaração, com força obrigatória geral, da 
 inconstitucionalidade da norma contida no n.º 9 do artigo 8.º da Portaria n.º 
 
 431/2006, de 3 de Maio (diploma regulamentar que estabelece os requisitos, 
 prazos e termos do procedimento administrativo a seguir nos processos relativos 
 a zonas de caça municipais, associativas e turísticas), na medida em que, 
 prescrevendo que a falta de pagamento pontual das taxas devidas pela concessão e 
 manutenção das zonas de caça implica que o valor das mesmas seja agravado em 10% 
 por cada mês ou fracção, até ao pagamento ser efectuado, viola os princípios da 
 proporcionalidade, da primariedade ou precedência da lei sobre o regulamento, 
 decorrente do artigo 112.º, e da natureza bilateral ou sinalagmática das taxas, 
 
 ínsita nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea. i), todos eles da Constituição 
 da República Portuguesa (CRP).
 A norma em causa, cuja epígrafe é “Taxas devidas pela concessão de zonas de 
 caça”, dispõe nos seguintes termos.
 
 “Artigo 8.º, n.º 9:
 
  
 
 ‘Sempre que o pagamento da taxa tenha lugar fora do prazo referido na alínea b) 
 do n.º 2, o valor da mesma é agravado 10% por cada mês ou fracção até o 
 pagamento ser efectivado’.”
 A alínea b) do n.º 2 dispõe da seguinte forma.
 
       “Artigo 8.º, n.º 2: “- O pagamento da taxa acima referida efectua-se em 
 duas fases:
 
       a) (…);
 
       b) Anualmente, de 1 de Janeiro a 31 de Maio e correspondente ao valor de € 
 
 1,20 por hectare ou fracção, sendo calculado em função da área total à data de 
 pagamento”.
 
 2. Fundamentos do pedido
 Para fundamentar o seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou o 
 seguinte:
 
 - A norma a que se reporta o pedido em apreço, incluída na portaria acima 
 assinalada, prescreve que ‘a falta de pagamento pontual das taxas devidas pela 
 concessão e manutenção das zonas de caça implica que o valor das mesmas seja 
 agravado em 10% por cada mês ou fracção, até ao pagamento ser efectuado’. A 
 mesma norma ‘– desprovida de carácter sancionatório e, portanto, insusceptível 
 de ser incluída no âmbito das contra ordenações – prossegue uma finalidade 
 claramente agravatória da responsabilidade patrimonial do devedor, visando 
 alcançar um ressarcimento acrescido para a mora, relativamente ao que decorreria 
 da aplicação do regime geral referente ao vencimento e cômputo dos juros de 
 mora, no caso de incumprimento de débitos ao Estado e demais entidades 
 públicas’. Efectivamente, partindo da conjugação do artigo 44.º do Decreto-Lei 
 n.º 398/98, de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária – de ora em diante LGT), com 
 os artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (que estabelece o 
 regime jurídico dos juros de mora por dívidas ao Estado), resulta ‘que a taxa de 
 juros moratórios devidos seria de 1% ao mês’.
 
 - Sucede que, antes de mais, a disciplina relativa aos efeitos da mora do 
 devedor constitui matéria de lei, não podendo “um diploma de índole regulamentar 
 
 (...) legitimamente inovar” neste domínio. No que se refere à fixação das taxas 
 de juros de mora, vale o princípio “da primariedade ou precedência da lei sobre 
 o regulamento, decorrente do artigo 112.º da Constituição”.
 
 - Para além disso, o agravamento do valor da taxa estabelecido pelo diploma 
 regulamentar em análise foi “determinado exclusivamente em função da mora do 
 devedor” – passando o “valor da taxa devida pela concessão e manutenção das 
 zonas de caça” a resultar “não apenas da ponderação da área total da zona de 
 caça concessionada (...), mas também do âmbito temporal da mora do devedor, com 
 directa e drástica incidência na determinação do montante da taxa devida”. Ora, 
 
 “tal agravamento do valor da taxa, exclusivamente fundado na mora do devedor, é 
 inconciliável com a estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas (…)”. 
 
 - Não pode, assim, “considerar-se como enquadrável na figura 
 jurídico-constitucional de «taxa» o segmento ou parcela de débito, na parte em 
 que visa tão-somente ressarcir a Administração pelas consequências da mora no 
 pagamento do valor da taxa originariamente devida”. Pela razão simples de que um 
 dos elementos caracterizadores da figura tributária das taxas é a sua estrutura 
 bilateral, unanimemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência 
 constitucional, a qual implica que “o pagamento de uma qualquer taxa tem 
 necessariamente como contrapartida os custos globais da actividade 
 administrativa – consubstanciados, no caso, na fiscalização subjacente à 
 concessão ou manutenção de uma zona de caça – bem como a utilidade daquela 
 contraprestação para o respectivo beneficiário”. Como se revela evidente, “a 
 problemática do ressarcimento da Administração Pública pelos danos associados à 
 mora do devedor no pagamento da quantia pecuniária de vida a título de taxa 
 extravasa totalmente aquele plano de «cobertura de custos» de uma actividade 
 administrativa e do «valor de utilidade» alcançável pelo respectivo 
 beneficiário, não se destinando a satisfazer nenhuma das finalidades típicas que 
 a Lei Geral Tributária assinala às taxas no n.º 2 do respectivo artigo 4.º”.
 
 - Por último, “não se vislumbra fundamento material bastante para tão drástico 
 agravamento da responsabilidade patrimonial do devedor em mora, no âmbito de uma 
 determinada e peculiar taxa”. A medida adoptada pelo diploma regulamentar em 
 apreço, manifestamente agravadora da taxa de juros de mora, configura-se como 
 violadora do “princípio constitucional da proporcionalidade, no que toca à 
 determinação do seu valor”.
 
 3. A resposta do órgão autor da norma
 Tendo sido o autor da norma notificado do pedido de fiscalização, nos termos e 
 para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, com a redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do 
 Tribunal Constitucional – LTC), não se obteve qualquer resposta.
 Elaborado o memorando a que se refere o artigo 63.º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de 
 acordo com a orientação que o Tribunal fixou.
 II – Fundamentação
 a) Questão prévia
 
 4. A norma objecto do pedido de fiscalização – constante do n.º 9 do artigo 8.º 
 da Portaria n.º 431/2006 – foi, num momento ulterior ao da interposição do 
 pedido em análise, expressamente revogada pela Portaria n.º 1405/2008, de 4 de 
 Dezembro, mais concretamente por força do seu artigo 3.º (Alteração da Portaria 
 n.º 431/2006, de 3 de Maio). Diga-se que a norma sindicanda, por sua vez, tinha 
 revogado o n.º 11 do artigo 10.º da Portaria n.º 1391/2002, de 25 de Outubro, 
 também ele objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, tendo, 
 no entanto, reproduzido na íntegra a disciplina jurídica dele constante (ver 
 Acórdão n.º 497/2007, (publicado no Diário da República, II Série, a 21 de 
 Novembro).
 A nova portaria introduz uma norma em larga medida idêntica àquela que agora 
 constitui objecto de controlo. O seu teor é o seguinte:
 
 “Artigo 8.º
 
 1 – (…)
 
 2 – (…)
 
 (…)
 e) Sempre que o pagamento não se efectue no prazo referido no n.º 3, pelo 
 pagamento das taxas referidas nas alíneas c) e d) ao valor indicado acresce 10%, 
 por mês ou fracção até efectivo pagamento”.
 Por força do princípio do pedido, consagrado no artigo 51.º, n.º 5 da Lei do 
 Tribunal Constitucional (LTC), e de acordo ainda com a jurisprudência firme e 
 constante do Tribunal Constitucional, não pode operar-se a convolação do objecto 
 do processo – o mencionado n.º 9 do artigo 8.º – nas normas do diploma revogador 
 que tenham um conteúdo normativo correspondente ou semelhante ao da norma que 
 constitui objecto do presente controlo da constitucionalidade (cfr. Acórdãos 
 n.ºs 57/95, 140/00, 531/00, 404/2003, 19/2007 e 497/2007, publicados, no Diário 
 da República, II Série, respectivamente a 12 de Abril, 26 de Outubro, 9 de 
 Janeiro de 2001, 20 de Novembro, 14 de Fevereiro e 21 de Novembro ). Não pode, 
 deste modo, o Tribunal Constitucional apreciar idêntica norma contida no artigo 
 
 8.º, n.º 2, alínea e), introduzida pelo artigo 3.º da Portaria n.º 1405/2008.
 Não obstante, o facto de a norma em causa ter sido revogada não é condição 
 suficiente para se concluir de imediato pela inutilidade do pedido.
 
       No que respeita aos efeitos temporais das declarações de 
 inconstitucionalidade proferidas em sede de fiscalização abstracta sucessiva, 
 rege o artigo 282.º, n.º 1, da Constituição da República, o qual estabelece, 
 como regra, os efeitos retroactivos (ex tunc) deste tipo de decisões, ou seja, 
 os efeitos da decisão do Tribunal Constitucional retroagem à data da entrada em 
 vigor da norma que agora se pretende declarar inconstitucional.
 Já a revogação de uma norma tem, em princípio, eficácia prospectiva (ex nunc) – 
 eficácia para o futuro –, pelo que os efeitos que produziu enquanto esteve em 
 vigor não serão eliminados da ordem jurídica.
 Dito isto, decorre com clareza que pode haver interesse ou utilidade na 
 eliminação dos efeitos produzidos pela norma revogada enquanto esteve em vigor. 
 Isso mesmo foi já por diversas vezes afirmado pelo Tribunal Constitucional, o 
 qual sustenta, em termos genéricos, que se mantém o interesse na declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas revogadas na medida 
 em que, “por alguma específica razão relativa à aplicação da lei no tempo, seja 
 de esperar que a norma em causa venha a aplicar-se ainda a um número 
 significativo de casos, ou quando «tal se mostre indispensável para corrigir ou 
 eliminar efeitos por elas entretanto produzidos durante o período da respectiva 
 vigência»” (ver Acórdão n.º 525/2008 e, ainda, os Acórdãos n.ºs 497/97, 531/00, 
 
 32/2002, 404/2003, 76/2004, 19/2007 e 497/2007 (publicados, no Diário da 
 República, II Série, respectivamente a 28 de Novembro, 10 de Outubro, 9 de 
 Janeiro de 2001, 18 de Fevereiro, 20 de Novembro, 6 de Março, 14 de Fevereiro e 
 
 21 de Novembro).
 Haverá, então, e antes de mais, que averiguar se subsiste interesse ou utilidade 
 no conhecimento do mérito do pedido de fiscalização abstracta sucessiva da 
 inconstitucionalidade da norma em apreciação, entretanto, como se viu, revogada.
 
 5. Na esteira do que tem sido a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal 
 Constitucional relativamente ao conhecimento de pedidos de fiscalização que 
 tenham por objecto normas já revogadas, a declaração com força obrigatória e 
 geral das mesmas só se justificará quando for evidente e manifesta a sua 
 indispensabilidade.
 Mais concretamente, podem extrair-se do Acórdão n.º 497/97 (já citado) os termos 
 em que o conhecimento de um pedido de fiscalização de normas revogadas se 
 afigura pertinente:
 
 “Com efeito, pode haver interesse na eliminação dos efeitos produzidos pela 
 norma revogada no período da sua vigência. De acordo com a jurisprudência, 
 reiterada e uniforme, deste Tribunal, face à revogação de uma norma, manter-se-á 
 o interesse na declaração da sua eventual inconstitucionalidade 'toda a vez que 
 ela for indispensável para eliminar efeitos produzidos pelo normativo 
 questionado, durante o tempo em que vigorou' e essa indispensabilidade seja 
 evidente, por se tratar da eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente 
 relevantes (por todos, citem-se os acórdãos nºs. 804/93, 806/93, 186/94 e 
 
 57/95, publicados no Diário da República, II Série, de 31 de Março, 29 de 
 Janeiro, 14 de Maio de 1994 e 12 de Abril de 1995, respectivamente).”
 
  
 Já, todavia, não existe – neste modo de ver – interesse jurídico relevante no 
 conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, de uma norma entretanto revogada, naqueles casos em que não 
 se vislumbre nele qualquer alcance prático, atendendo à circunstância de o 
 Tribunal, a declarar eventualmente a inconstitucionalidade, não dever deixar 
 de, por razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de 
 excepcional relevo, limitar os seus efeitos, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º 
 da CR, de modo a deixar incólumes os efeitos produzidos pela norma antes da sua 
 revogação. Em tais situações, como vem entendendo este Tribunal (e acompanhamos 
 de perto o citado acórdão nº 57/95), 'em que é visível a priori que o Tribunal 
 Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração 
 de inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica 
 que conclua, desde logo, pela inutilidade superveniente de uma decisão de 
 mérito'.
 Para além disso, como se afirmou, nomeadamente no Acórdão n.º 413/00 (disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt ), não existe, do mesmo modo:
 
 “um interesse jurídico relevante – um interesse prático apreciável – no 
 conhecimento do pedido, por exemplo, quando os meios concretos de defesa postos 
 
 à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou 
 interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional”.
 
 6. In casu, poder-se-ia admitir a existência de um interesse suficientemente 
 relevante no conhecimento do mérito do pedido de controlo, em sede de 
 fiscalização abstracta sucessiva, “se acaso se soubesse da pendência de um 
 número elevado de processos em que esta questão tivesse sido suscitada e fosse 
 decisiva para o respectivo desfecho” (cfr. Acórdão n.º 32/2002, já citado). Não 
 
 é este certamente o caso. Efectivamente, essa aplicação não gerou grande 
 litigiosidade, porventura, devido ao curto período de vigência da norma 
 sindicanda.
 E, de todo o modo, se ainda estiver pendente algum recurso contencioso em que a 
 questão da inconstitucionalidade da norma a que se reportam estes autos seja 
 decisiva, sempre restará aos interessados a via da fiscalização concreta (ver 
 Acórdãos n.ºs 531/00, 32/2002, 19/2007 e 497/2007, já citados).
 III – Decisão
 
 7. Pelos fundamentos expendidos, o Tribunal Constitucional decide não tomar 
 conhecimento, do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma constante do n.º 9, do artigo 8.º da Portaria n.º 
 
 431/2006, de 3 de Maio.
 Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
 José Borges Soeiro
 Carlos Fernandes Cadilha
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Mário José de Araújo Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 Rui Manuel Moura Ramos