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Processo nº 72/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 O representante do Ministério Público junto do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal do Porto deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 77.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra 
 o despacho do Juiz daquele Juízo, de 9 de Novembro de 2007, que não admitiu 
 recurso por ele interposto, ao abrigo das alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 
 
 70.º, da LTC, do despacho de 12 de Outubro de 2007, que teria recusado a 
 aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 389.º, 
 n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).
 
  
 O processo de que emerge a presente reclamação teve origem em “auto de notícia 
 por detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A., por, no dia 27 de Outubro de 
 
 2007, pelas 4 horas e 54 minutos, conduzir o veículo automóvel de matrícula 
 
 ..-..-.., na Rua …, no Porto, e, ao ser submetido a teste para a detecção de 
 
 álcool, ter acusado a taxa de 1,19 g/l, e, posteriormente conduzido à Secção de 
 Acidentes da Divisão de Trânsito do Porto da PSP, onde foi submetido a novo 
 controlo, ter acusado a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, e tendo requerido 
 contraprova, ter acusado 1,21 g/l, o que integraria a prática de “crime contra a 
 segurança das comunicações”. O referido condutor foi constituído arguido e 
 notificado, nos termos do artigo 385.º, n.º 3, do CPP, para comparecer perante o 
 Ministério Público, junto do Tribunal de Turno do Porto, nesse dia 27 de Outubro 
 de 2007, pelas 10h00, para ser submetido a audiência de julgamento, em processo 
 sumário.
 O representante do Ministério Público no Tribunal do Turno do Porto exarou, com 
 data de 27 de Outubro de 2007, o seguinte despacho: “Apresente o expediente ao 
 M.mo Juiz de Turno, para os efeitos do artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do Código 
 de Processo Penal, atento o disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 186‑A/99”.
 O Juiz do Tribunal de Turno do Porto proferiu, na mesma data, o seguinte 
 despacho:
 
 “Neste Tribunal não existe qualquer sala de audiências que permita a realização 
 do julgamento sumário, com observância do formalismo legal.
 Importa, por igual, frisar que o edifício onde se encontra instalado é de acesso 
 reservado ao público, o que impede o cumprimento do artigo 387.º, n.º 1, do CPP.
 Verifica‑se, assim, a impossibilidade da realização de audiência imediata, 
 referida no artigo 387.º do CPP.
 Nestes termos, determino que o arguido seja notificado para comparecer no 
 próximo dia 29 de Outubro de 2007, pelas 10 horas, no Tribunal competente, a 
 fim de aí ser julgado em processo sumário – artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do 
 CPP.”
 Distribuído o processo ao 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do 
 Porto, o respectivo Juiz, em 29 de Outubro de 2007, exarou o seguinte despacho: 
 
 “Atenta a promoção e o despacho meramente formal de adiamento proferido no TIC 
 
 (artº 387º, nº 2, a), do C.P.P.), vão os autos ao M.P. para os fins tidos por 
 convenientes, respectivamente apresentação da acusação”..
 Dada vista dos autos ao representante do Ministério Público junto desse Juízo, o 
 mesmo consignou, na mesma data, que “Atento o disposto no artº 389º, nº 2, do 
 C.P.P. o Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela 
 leitura do auto de notícia da autoridade que tiver presidido à detenção, o M.P. 
 aguardará o início da audiência para aí e então, se for o caso, requerer, nos 
 termos legais supra, a substituição da apresentação da acusação pela leitura do 
 auto de notícia (por detenção de fls 1) da autoridade (PSP) que procedeu à 
 detenção”.
 Ainda nesse dia 29 de Outubro de 2007, o Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal do Porto exarou o seguinte despacho:
 
 “Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi 
 detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido 
 notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno. 
 Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita 
 contra o arguido. 
 O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do artº 
 
 387º, nº 2 ali. a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se 
 simplesmente o início da audiência de julgamento. 
 Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o 
 início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação 
 pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção. 
 
 É certo que no auto de notícia constam alguns factos. 
 Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime. 
 
 É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, 
 bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – o dolo – constitui 
 elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente 
 indiciado no auto de notícia. 
 O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos artºs. 13º e 15º 
 do C.P. 
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – 
 cfr. os artºs 243º e 283º, nº 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre 
 outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294. 
 Qualquer acusação em que se omita este facto – falta dos factos integradores do 
 dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente 
 infundada, com base no artº 311º, nº 3, ali. d) do C.P.P. – quando os demais 
 elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos. 
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e 
 implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado artº 311, nº 3 ali. c) 
 do C.P.P. 
 Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais 
 se acrescenta ao que aí consta. 
 
 É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de 
 processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, 
 com indicação dos respectivos factos integrados (objectivos e subjectivos) e de 
 todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os apertados 
 requisitos de admissibi1idade do processo sumário, bem como a competência do 
 tribunal. 
 Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de 
 defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal. 
 Afigura-se-nos, pois, que não se verificam os requisitos que justificam o 
 julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no artº 381º do C.P.P., 
 na redacção da lei nº 48/07, de 29/08. 
 Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos artºs 
 
 381º e 390º, ali. a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos 
 presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma 
 processual.”
 
  
 Foi deste despacho que o referido representante do Ministério Público interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a) e c), do n.º 1, 
 do artigo 70.º, da LTC, através de requerimento onde refere o seguinte:
 
 “Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p. p. dia 29 do corrente mês de 
 Outubro do corrente ano 2007 e exarado/a a fls. 15 e 16, dos autos à margem 
 identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de 
 direito daquele/a constantes, tendo consignado, além do mais, “Está em causa a 
 natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e 
 o princípio da vinculação temática do tribunal” (sic), a final, decidiu 
 
 “.../...nos termos dos arts 381 e 390º ali. a) do C.P.P., na actual redacção, 
 determino a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra 
 forma processual” (sic), recusando, dessa forma, a aplicação da norma constante 
 do artº. 389º, nº. 2, do CPP, expressamente requerida pelo MP, por reputar a 
 mesma inconstitucional, por violação dos invocados princípios constitucionais 
 das garantias de defesa do arguido e da estrutura acusatória do processo penal – 
 artº. 32º, nº.s 1 e 5, da CRP – e/ou ilegal, por violação do referido princípio 
 da vinculação temática do tribunal – artº.s 358º, 359º e 379º, n.º 1, al. b), 
 do CPP –.
 Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, nº. 
 
 2. do artº. 389º, do CPP, constante de acto legislativo – L. 48/2007, de 29 de 
 Agosto – 15ª, Alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 
 nº. 78/87, de 17 de Fevereiro –, recusada, por inconstitucionalidade e ou 
 ilegalidade – vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos artº.s 280º, 
 nº.s 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70º, nº 1, al.s a) e/ou c), 71º, nº. 1, 
 
 72º, nº.s 1, al. a) e 3, 75º, nº. 1, 75º-A, nº. 1 e 78º, nº 4, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro – Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 –, ao abrigo das citadas al.s a) e ou c), do nº. 1, do respectivo artº. 70º, 
 interpôr recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional – a subir nos 
 próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no citado artº. 
 
 78º, nº 4, da Lei em referência –, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do nº 2 do artº. 389º, do 
 CPP.”.
 
  
 Este recurso não foi admitido pelo despacho de 12 de Novembro de 2007, ora 
 reclamado, por não ter existido uma recusa de aplicação da norma referida, com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade.
 
  
 
 É contra este despacho que vem deduzida a presente reclamação, aduzindo o 
 magistrado reclamante seguinte:
 
 “Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência ao 
 anteriormente citado artº. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais 
 que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra 
 que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o Tribunal Constitucional, 
 atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas” (sic). 
 Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de 
 interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à 
 previsão das al.s a) e/ou c), do citado artº. 70º, se bem que nas respectivas 
 actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção 
 actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado;”. 
 Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da 
 respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à 
 prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a 
 recusa de aplicação da norma constante do nº. 2, do arº. 389º, do CPP – 
 constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª Alteração ao 
 Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 78/87, de 17 de 
 Fevereiro) –, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. 
 De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 9, verificados 
 que se mostravam os pressupostos dos artº.s 381º, nº 1, al. a), e 387º, nº. 1, 
 do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª parte, do nº. 2, do artº. 
 
 382º, do CPP, a apresentação do “.../... expediente, ao Mº Juiz de Turno para os 
 efeitos do art 387º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, ... /...” 
 
 (sic) e tendo este – Mmo/a Juiz de turno –, com os fundamentos de facto e de 
 direito que constam do douto despacho judicial de fls. 10 determinado “.../... 
 que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29/10/2007, pelas 
 
 10 horas, no Tribunal competente afim de aí ser julgado em processo sumário, 
 art. 387 nº 2, alínea a,) do C.P.P.” (sic) e tendo ainda o MP, entretanto e 
 atento o despacho judicial de fls. 13 – “Atento a promoção e o despacho 
 meramente formal de adiamento proferido no TIC, (artº 387º nº 2, alínea a) do 
 C.P.P.) vão os autos ao MP, para os fins tidos por convenientes, respectivamente 
 apresentação da acusação.” (sic) –, nos termos consignados a fls. 14, reservado 
 para o início da audiência de discussão e julgamento, o eventual uso da 
 faculdade prevista no nº. 2, do artº. 389º, do CPP, a decisão judicial 
 entretanto recorrida, ao decidir “…/… determino a remessa dos presentes autos ao 
 Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não só 
 nega a aplicação daquela disposição legal, expressamente invocada pelo MP, (ou 
 antes, a possibilidade do exercício, pelo MP, da faculdade p. na mesma), como 
 fundamenta tal posição, alegando, além do mais que, “É certo que no auto de 
 notícia constam alguns factos. 
 Todavia, tais factos, por si só não constituem qualquer crime, 
 
 …/… – o dolo – constitui elemento típico dos ilícitos criminais, .../… 
 O mesmo sucede quanto à negligência, .../… 
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – ... 
 
 /… 
 
 …/... 
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis a chamada qualificação jurídica dos factos, …/...” (sic), concluindo 
 com a alegação de que “Está em causa a natureza acusatória do processo penal, 
 além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do 
 tribunal.” (sic). 
 Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar 
 princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mmo/a Juiz a quo que não 
 tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada 
 pelo MP (nº 2, do artº 389º, do CPP), por entender que tal aplicação, faltando 
 no auto de noticia, “o elemento subjectivo” e “a chamada qualificação jurídica 
 dos factos”, seria inconstitucional, por violação dos, aliás expressamente 
 citados e assim invocados, princípios constitucionais da estrutura/natureza 
 acusatória do processo penal e das garantias de defesa do arguido – artº. 32º, 
 nº.s 1 e 5, da CRP – e/ou ilegal, por violação do, igualmente expressamente 
 citado e invocado, princípio da vinculação temática do tribunal – artº.s 358º, 
 
 359º e 379º, nº. 1, al. b), do CPP. 
 Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de 
 admissibilidade do recurso, nos termos do artº 70º al. a), é a da existência da 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa 
 nos autos, .../...”. 
 De facto, nos termos da citada al. a), do nº. 1, do artº. 70º, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso 
 ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a 
 existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade. 
 Contudo, nos termos da al. c), do nº. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da 
 qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do 
 recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado. 
 Ora, a expressa invocação, no despacho recorrido, dos supra referenciados 
 princípios constitucionais da estrutura/natureza acusatória do processo penal e 
 das garantias de defesa do arguido e do princípio legal da vinculação temática 
 do tribunal, resulta inequívoca e inegavelmente do respectivo texto, supra 
 transcrito, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final – “Está 
 em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa 
 do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic, com 
 sublinhado nosso). 
 Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a, além de 
 infundamentada, estranha conclusão, constante do despacho em reclamação, no 
 sentido de que, no mesmo “…/… não acontece, nem explicita nem implicitamente... 
 
 / /...” (sic) a recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, pois que, manifestamente tal acontece, relativamente à 
 norma constante do nº 2, do artº 389º, do CPP, com fundamento, aliás explícito – 
 e portanto, claro e inegável, na respectiva inconstitucionalidade e/ou, na 
 respectiva ilegalidade, por violação dos princípios citados, o que, sendo certo 
 que a norma em referência consta de acto legislativo, também pode fundamentar a 
 admissibilidade do recurso, ora indeferido. 
 Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só 
 admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas 
 al.s a) e/ou c), do nº. 1, do artº. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, corno 
 
 é o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no nº. 3, do artº. 72º, da 
 citada Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, 
 constar de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já 
 referido). 
 Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a, 
 ao decidir “... /..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério 
 Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não realizando o 
 requerido pelo MP, nos termos legais e aliás, anteriormente, judicialmente 
 determinado, – tendo sido o/a arguido/a e o/a/s agente/s autuante/s de tal 
 despacho notificado/a/s (cfr. fls. 11) – julgamento do/a arguido/a, em processo 
 sumário e nem sequer iniciando a audiência, cujo início, note-se, havia sido, 
 oportuna e anteriormente, judicialmente adiado, nos termos do disposto na al. 
 a), do nº 2, do artº 387º, do CPP – sem cuidar aqui sequer da questão da 
 eventual violação do princípio do caso julgado formal, na medida em que se 
 pronunciou o/a Mmo/a juiz a quo, sobre questão já ultrapassada/processualmente 
 precludida e relativamente à qual se encontrava esgotado o poder jurisdicional 
 com a prolacção do anterior despacho judicial, supra citado, que procedeu ao 
 adiamento do início da audiência de julgamento em processo sumário – foi 
 manifestamente recusar a aplicação da norma constante do nº. 2, do artº. 389º, 
 do CPP, com fundamento em inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por 
 permitir a realização do julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, 
 não tendo deduzido acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de 
 substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da 
 autoridade que tiver procedido à detenção, quando deste “…/… não consta qualquer 
 um desse elementos (dolo ou negligência,).” (sic) e “…/… não se retira a 
 indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos 
 factos, ... /...” (sic). 
 Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do nº. 2 do artº. 389º, do 
 CPP, deveria ter sido admitido…”.
 
  
 Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu o 
 seguinte parecer:
 
 “Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal a quo, – exclusivamente fundado na alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, apenas poderá reportar‑se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição – e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70.º, n.º 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento.
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma «verdadeira» recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa.
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz a quo de tal preceito legal?
 A nosso ver, considerou‑se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer «aditamento», num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido).
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal:
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos – fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório – que obrigatoriamente – por força das 
 disposições gerais – devem constar de qualquer acusação.
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual 
 ali consentida ao Ministério Público, procedendo‑se antes a uma leitura 
 conjugada de tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da 
 acusação, só consentindo a «substituição» da acusação pela leitura do auto 
 quando este satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da 
 acusação (artigos 283.º, n.º 3, e 311.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo 
 Penal) para concluir que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no 
 início da audiência, pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências 
 formuladas por aqueles preceitos legais.
 Sendo duvidosa a definição da precisa «linha de fronteira» entre a verdadeira 
 
 «recusa de aplicação» normativa, enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos 
 legais «em conformidade com a Constituição» (cf., v. g., os Acórdãos n.ºs 
 
 170/85, 425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96), afigura‑se que – no caso dos autos – 
 o juízo de inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito – violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou «única ou primacialmente» 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pp. 331 e seguintes) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, 
 mais não desempenhando «o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação» 
 
 (cf. ainda o Acórdão n.º 285/2002).
 Assim, por se afigurar que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, se limitou a 
 proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando‑os com a possibilidade de 
 mera «leitura» pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperativídade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira «recusa de aplicação normativa», enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 
 
 28/82.”
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 Escreveu-se no acórdão n.º 8/08, deste Tribunal Constitucional, em reclamação em 
 tudo idêntica à aqui deduzida:
 
 “Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, o respectivo objecto 
 era integrado por alegada decisão de recusa de aplicação da norma do artigo 
 
 389.º, n.º 2, do CPP, com fundamento em inconstitucionalidade.
 Tem este Tribunal entendido que a recusa de aplicação de norma com fundamento 
 em inconstitucionalidade, para abrir via ao recurso previsto na alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC, tanto pode consistir numa recusa explícita, como numa 
 recusa implícita, e que são equiparáveis a recusas determinadas decisões de 
 aplicação da norma interpretada em conformidade com a Constituição, “sempre que 
 se esteja perante uma clara rejeição de certa interpretação, mormente da 
 interpretação literal ou «natural», com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade” (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição 
 Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2007, p. 
 
 73, nota 93). Necessário é sempre, porém, que o juízo de inconstitucionalidade 
 
 (ou de desconformidade constitucional) constitua uma verdadeira ratio 
 decidendi, e não um mero obiter dictum, da decisão recorrida.
 No presente caso, resulta da leitura da decisão recorrida que o elemento 
 primordial e determinante do entendimento da inadmissibilidade, no caso, de o 
 Ministério Público “substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto 
 de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção”, prevista no n.º 2 do 
 artigo 389.º do CPP, resultou da leitura conjugada desse preceito com as 
 disposições dos artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) a d), e 311.º, n.ºs 2, alínea 
 a), e 3, alíneas b), c) e d), do mesmo Código, que, respectivamente, determinam 
 que a acusação do Ministério Público, sob pena de nulidade, deve conter a 
 narração dos factos, a indicação das disposições legais aplicáveis e a prova, e 
 que o presidente do tribunal, se o processo tiver sido remetido para julgamento, 
 sem ter havido instrução, deve rejeitar a acusação se a considerar 
 manifestamente infundada, sendo tida como tal a acusação que não contenha a 
 narração dos factos, a indicação das disposições legais aplicáveis ou das 
 provas que a fundamentam, ou se os factos não constituírem crime.
 Isto é: foi com base na interpretação do direito ordinário que a decisão 
 recorrida entendeu só ser admissível a substituição da acusação pela leitura do 
 auto de notícia quando este auto contenha todos os elementos legalmente 
 exigíveis para a validade de qualquer acusação.
 A posterior referência a que violaria a estrutura acusatória do processo 
 criminal e poria em causa as garantias de defesa do arguido a realização da 
 audiência, em processo sumário, tendo por acusação apenas o que consta de um 
 auto de notícia, que não possibilitava ao arguido a conhecimento da totalidade 
 dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua qualificação 
 jurídica e a prova, constituiu um mero argumento de conforto da justeza do 
 entendimento a que anteriormente se chegou quanto à interpretação tida por 
 correcta, ao nível da interpretação do direito ordinário aplicável, da 
 possibilidade de substituição da acusação pelo Ministério Público pela leitura 
 do auto de notícia.
 Só existiria recusa de aplicação de norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade se o tribunal tivesse interpretado o artigo 389.º, n.º 2, 
 do CPP no sentido de permitir essa substituição mesmo quando o auto de notícia 
 não contivesse os elementos exigidos para a validade da acusação, e, depois, 
 sustentasse que, assim interpretada, tal norma violaria princípios 
 constitucionais. Mas não foi esse, como se evidenciou, o caminho seguido pela 
 decisão recorrida.
 Não encerrando esta, sequer implicitamente, uma recusa de aplicação de norma com 
 fundamento em inconstitucionalidade, o presente recurso surge como inadmissível, 
 sendo de todo irrelevante, para o efeito, a menção a eventual violação de caso 
 julgado”.
 Estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso aqui em 
 apreciação, pelo que se conclui que também este despacho recorrido não efectuou 
 qualquer recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade.
 O recorrente abriga ainda o recurso interposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 
 
 70.º, da LTC., a qual admite a interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional de decisão que recuse a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado.
 Ora, como acima se transcreveu, a decisão recorrida teve o seu fundamento na 
 interpretação conjugada de diversos preceitos do C.P.P., pelo que também não se 
 verificou uma recusa de aplicação de norma, com fundamento na violação de 
 qualquer lei com valor reforçado.
 Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
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 Decisão
 Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo Ministério Público do 
 despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional proferido 
 nestes autos em 12 de Novembro de 2007. 
 
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 Sem custas.
 Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos