 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 34/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
         (Conselheira Ana Guerra Martins)
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório 
 
         
 
 1. Na presente acção emergente de acidente de trabalho, o Tribunal da Relação do 
 Porto, por acórdão de 19 de Novembro de 2007, recusou a aplicação da norma do 
 n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, no ponto em que determina que o pedido de revisão da 
 pensão por modificação da capacidade de ganho da vítima apenas pode ser 
 formulado dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
 
  
 Interposto, pelo Ministério Público, recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, a então relatora proferiu decisão sumária, por remissão 
 para anterior jurisprudência, declarando a referida disposição inconstitucional 
 por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado no artigo 
 
 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
 
  
 Contra essa decisão deduziu o Ministério Público reclamação para a conferência 
 por entender que a questão a decidir, dada a especificidade do caso, não poderia 
 ser qualificada como simples, para efeito de ser apreciada em decisão sumária.
 
  
 Tendo sido deferida a reclamação, no prosseguimento do processo, o Ministério 
 Público veio a apresentar alegações em que conclui do seguinte modo:
 
  
 
 1ª - A norma constante do nº 2 da Base XXII da Lei nº 2127, ao consagrar um 
 prazo – absolutamente preclusivo – de 10 anos, contados da fixação da pensão, 
 para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com 
 fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, é materialmente 
 inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f) da Constituição.
 
 2ª - Não deverá – salvo melhor opinião – condicionar decisivamente tal 
 julgamento de inconstitucionalidade a circunstância “fáctica” de terem ou não 
 ocorrido actualizações intercalares da pensão: na verdade, sendo evidente que 
 estas indiciam a existência de um processo patológico evolutivo, tornando 
 absolutamente injustificada a aplicação rígida do referido prazo de caducidade, 
 não poderá excluir-se que – à semelhança do que ocorre no direito civil – seja 
 relevante um recidiva ou recaída tardia, desde que naturalmente o sinistrado 
 faça prova cabal do nexo causal existente entre o acidente e o agravamento das 
 lesões.
 
 3ª - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado no acórdão recorrido.
 
  
 Não houve contra-alegações.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 
 2. Como resulta dos elementos dos autos, na presente acção emergente de acidente 
 de trabalho, foi atribuída ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial 
 para o trabalho de 20% por acidente de trabalho sofrido em 11 de Maio de 1993, 
 com o consequente abono da correspondente pensão, que foi fixada em 7 de Junho 
 de 1996.
 Um primeiro pedido de revisão, formulado ainda dentro do prazo cominado no n.º 2 
 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, foi indeferido, por 
 despacho de 10 de Março de 2003, por se considerar que se  não tinha verificado 
 um agravamento das lesões que justificasse a modificação da capacidade geral de 
 ganho do sinistrado.
 
  
 Um segundo pedido de revisão foi indeferido, em primeira instância, por ter 
 entretanto decorrido o prazo de dez anos a que se refere aquele preceito.
 
  
 Em recurso, o Tribunal da Relação do Porto, através da decisão ora recorrida, 
 ordenou a admissão e o posseguimento do incidente de revisão, desaplicando a 
 referida norma da Base XXII, n.º 2, da Lei nº 2127, por inconstitucionalidade, 
 no ponto em fixa um prazo preclusivo de dez anos para a formulação do pedido de 
 revisão, baseando-se para tanto na fundamentação constante do acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 147/2006.
 
  
 
 3.  A Base XXII da Lei de Acidentes de Trabalho de 1965, ao caso aplicável, sob 
 a epígrafe «Revisão das pensões», dispunha o seguinte :
 
  
 
 1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente 
 de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem 
 
 à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as 
 prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia 
 com a alteração verificada.
 
 2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da 
 fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois 
 primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
 
 3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente 
 pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo 
 requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá 
 ser requerida uma vez no fim de cada ano.
 
  
 Esta norma, entretanto revogada, foi praticamente reproduzida no artigo 25º da 
 referida Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que estabelece o novo regime 
 jurídico dos acidentes de trabalho.
 
  
 Estando em causa o prazo preclusivo mencionado naquele n.º 2, para efeito da 
 admissibilidade da formulação de um pedido de revisão de pensões, deve começar 
 por dizer-se que a situação versada no citado acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 147/2006, que serviu de fundamento à decisão recorrida, não é inteiramente 
 convergente com o caso dos autos.
 
  
 Naquele aresto estava em análise uma hipótese em que tinha ocorrido um anterior 
 pedido de revisão de pensão, ainda dentro dos dez anos posteriores à fixação da 
 pensão inicial, vindo a formular-se o seguinte juízo de inconstitucionalidade: 
 
 «[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa 
 reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma 
 do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no 
 sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, contados a 
 partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao 
 sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente 
 das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o 
 termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se 
 ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado».
 
  
 No caso vertente, porém, houve um primeiro pedido de revisão que foi indeferido 
 por ausência do respectivo pressuposto legal – alteração da capacidade de ganho 
 do sinistrado em resultado do agravamento da lesão -, pelo que tudo se passa 
 como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas da lesão 
 naquele período de dez anos, de tal modo que o segundo pedido de actualização 
 surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por 
 referência àquele período de tempo.
 
  
 A situação dos autos é, nestes termos, similar à analisada no acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 155/2003, em que se considerou que não é 
 inconstitucional a norma n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127 quando aplicada a um 
 caso em que não tinha sido formulado qualquer pedido de revisão de pensão dentro 
 do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial.
 
  
 Como observou um autor, os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 
 
 2127, e mantidos na Lei n.º 100/97, surgiram da «verificação da experiência 
 médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior 
 incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível 
 requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o 
 legislador fixou generosamente em dez anos)» (Carlos Alegre, Regime Jurídico dos 
 Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
 
  
 
 É nesta perspectiva que se entendeu, no acórdão agora citado, que a 
 impossibilidade de obter a revisão da pensão por parte de quem não sofreu 
 qualquer agravamento ou recidiva no prazo de dez anos, como decorre do disposto 
 no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, não representa uma violação do princípio 
 da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido 
 uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois 
 habilitados a requerer sucessivas actualizações dessa pensão, mesmo que para 
 além desse prazo.
 
  
 E esse ponto de vista encontra-se fundamentado, no aresto em referência, nos 
 seguintes termos:
 
  
 Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do 
 legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da 
 pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente 
 que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução 
 justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. 
 Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de 
 revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da 
 capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva 
 determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se 
 poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da 
 igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se 
 como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento 
 jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que 
 requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer 
 sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um 
 decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas 
 daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da 
 fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no 
 primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no 
 segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente 
 ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
 
  
 
 4. A questão suscitada pode, no entanto, merecer um outro desenvolvimento, 
 mormente quando se pretenda cotejar o regime decorrente do referido n.º 2, para 
 os sinistrados de acidente de trabalho, com o estabelecido no subsequente n.º 3, 
 relativamente aos beneficiários de pensão por doença profissional, ou ainda com 
 o previsto no artigo 567º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por 
 alteração de circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a 
 forma de renda.
 
  
 O n.º 3 da Base XXII da Lei n.º 2127, já há pouco transcrito, determina, na 
 parte que agora mais interessa considerar, que «[n]os casos de doenças 
 profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é 
 aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em 
 qualquer tempo (…)». O que poderia sugerir a existência de uma diferenciação de 
 tratamento legislativo entre os sinistrados de acidente de trabalho, que não 
 poderiam obter actualizações da respectiva pensão quando se não tivesse 
 verificado qualquer evolução da lesão no período de dez anos, e os beneficiários 
 de pensão por doença profissional, que já estariam dispensados desse requisito 
 temporal.
 
  
 Não sofre nenhuma contestação que o direito à justa reparação por danos 
 derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59º, n.º 
 
 1, alínea f)), e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e 
 garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 4ª edição, Coimbra, pág. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade 
 quer as vítimas de acidente de trabalho quer as de doença profissional.
 
  
 O ponto é que, revertendo ao caso em apreço, não se detecta qualquer 
 diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente 
 de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no acórdão n.º 
 
 147/2006 quer no acórdão n.º 155/2003,  e aquele que resulta do n.º 3 da Base 
 XXII para a revisão de pensões por doença profissional. A possibilidade de a 
 revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, 
 circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que 
 são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças 
 que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de 
 implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por 
 si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da capacidade de 
 ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por 
 acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação pa pensão 
 inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além 
 desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no 
 primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser 
 efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da 
 capacidade de ganho.
 
  
 
 É justamente esse o entendimento em que se baseiam os citados acórdãos n.ºs 
 
 155/2003 e 147/2006, que só aparentemente são contraditórios. No primeiro deles, 
 julgou-se não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII  quando aplicada 
 num caso em que, no decurso do período  de dez anos após a fixação da pensão, 
 não tenha sido requerida qualquer actualização, assentando tal entendimento no 
 pressuposto de que houve, nessa circunstância, uma estabilização das sequelas da 
 lesão; no segundo, julgou-se inconstitucional a mesma norma quando interpretada 
 no sentido de impossibilitar a revisão da pensão, nos casos em que tenham 
 ocorrido actualizações da pensão, nesse mesmo período de dez anos, por então se 
 poder dar-se como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
 
  
 O critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter 
 evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às 
 pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da 
 correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa 
 ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de 
 ulteriores pedidos de revisão.
 
  
 A situação não é, no entanto, diversa da prevista para as pensões por doença 
 profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível 
 qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a 
 possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência 
 factual – a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro 
 decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal 
 quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a 
 avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se 
 opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões.
 
  
 Seja como for, em qualquer das hipóteses consideradas e em última análise, terá 
 sempre de ser feita a demonstração processual, pelo interessado, de que a lesão 
 ou a doença é susceptível de agravamento que implique uma modificação da 
 capacidade de ganho e torne justificável a revisão da pensão independentemente 
 de qualquer limite temporal.
 
  
 O que leva a concluir que não há, no essencial, mesmo do ponto de vista da 
 posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre 
 os regimes do n.º 2 e do n.º 3 da Base XXII que permita considerar verificada a 
 violação do princípio da igualdade.
 
  
 
 5. A mesma consideração é aplicável quando se estabeleça como termo comparativo, 
 em relação ao disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, o que estatui, em  
 geral, o artigo 567º do Código Civil, no que concerne à indemnização cível sob a 
 forma de renda.
 
  
 Essa é uma norma atinente à obrigação de indemnizar, aplicável, designadamente, 
 nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito, que permite ao tribunal, 
 atendendo à natureza continuada dos danos, e a requerimento do lesado, dar à 
 indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária (n.º 
 
 1), e que faculta a qualquer das partes a posibilidade de exigir a modificação 
 da sentença quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, 
 quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração (n.º 2).
 
  
 Trata-se de uma modalidade de que pode revestir-se a indemnização, quando não 
 seja possível assegurar a reconstituição natural, e que surge como contraposição 
 
 à indemnização em montante fixo. Tem lugar quando, em face das circunstâncias 
 concretas do caso, o tribunal considere preferível, havendo também interesse do 
 lesado, em fixar a indemnização em renda por virtude de a lesão ter provocado 
 uma diminuição permanente das possibilidades de trabalho do lesado ou um aumento 
 continuado das suas necessidades. E, no uso dessa faculdade, o julgador não pode 
 deixar de ter em conta a previsão do n.º 2 do artigo 567º, que abre a 
 possibilidade de o montante da renda ser corrigido em função de modificação 
 superveniente das circunstâncias relacionadas com a lesão.
 
  
 Deste modo, a possibilidade de modificação do montante indemnizatório em que se 
 traduz a renda vitalícia, em resultado do agravamento das sequelas da lesão, 
 como prevê esse n.º 2, está, desde logo, condicionado a um juízo de prognose do 
 julgador, que tem por base a natureza continuada dos danos e a sua futura 
 evolução. E, neste ponto, não há essencialmente distinção entre o regime do 
 artigo 567º, n.º 2, do Código Civil e o da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127.
 
  
 O ponto de dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de 
 revisão de pensões por acidente de trabalho (que pode justificar-se por simples 
 razões de segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito 
 civil.
 
  
 Note-se, em todo o caso, que, considerado globalmente, o regime  de efectivação 
 dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se apresenta objectivamente 
 mais desfavorável que o de responsabilidade civil por facto ilícito.
 
  
 Desde logo, o direito de indemnização cível está sujeito a um prazo 
 prescricional curto, nos termos do artigo 498º do Código Civil, e segue as 
 regras processuais comuns, ao passo que o direito à reparação por acidente de 
 trabalho segue o processo especial regulado nos artigos 99º e seguintes do 
 Código de Processo de Trabalho, com patrocínio oficioso do Ministério Público e 
 sem sujeição a prazo de caducidade, com diversos outros mecanismos de garantia 
 de efectivação dos direitos, como seja a existência de uma fase conciliatória 
 preliminar.
 
  
 Por outro lado, mesmo no domínio da Lei n.º 2127, a que pertence a norma arguida 
 de inconstitucional, a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está 
 fortemente orientada para assegurar o efectivo ressarcimento do trabalhador, 
 quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade 
 de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação 
 pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (Bases IX a 
 XIXI), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um 
 sistema de obrigatoriedade de seguro (Base XLIII), bem como  uma forma de 
 responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (Base 
 XLV). Acresce que o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil 
 objectiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarciblidade 
 de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte 
 do empregador (Base XVII). Sendo que, em todo o caso, verificando-se os 
 pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, não está vedado ao 
 trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer 
 funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar-se, 
 em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e, 
 designadamente, o mencionado regime de fixação da indemmnização em renda, com 
 possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da 
 alteração de circunstâncias (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II 
 Vol., 2º Tomo, 3ª edição, Lisboa, pág. 190).
 
  
 Em todo o caso, também neste plano de consideração, não é evidente que o regime 
 definido no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, represente uma violação do 
 princípio da igualdade.
 
  
 
 6. Certo é que, conforme observa o Exmo Procurador-Geral Adjunto nas suas 
 alegações, um sistema juridico de revisão de pensões está sempre dependente da 
 demonstração do nexo causal entre o acidente e o agravamento da lesão, pelo que 
 a possibilidade de invocação de danos futuros adicionais resultantes do 
 acidente, independentemente de qualquer prazo de caducidade, apenas agravaria o 
 
 ónus processual do lesado que teria mais dificuldade em estabelecer a correlação 
 do dano superveniente com o acidente. Poderia assim não haver nenhum motivo para 
 o estabelecimento de um prazo limite, quando o lesado tem sempre o ónus de 
 provar que o agravamento posterior do dano está ainda relacionado com o 
 acidente.
 
  
 O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na 
 concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças 
 profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá 
 colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação de um prazo 
 de dez anos para a admissibilidade da revisão – que, como se viu, tanto é 
 aplicável aos pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença 
 profissional não evolutiva -, é susceptível de violar o próprio direito 
 constitucional previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental. 
 
  
 Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação 
 por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e 
 garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos 
 na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao 
 modo de exercício do direito. 
 
  
 E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas 
 restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e 
 alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir 
 pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de 
 exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental». 
 Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar 
 efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar 
 gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão n.ºs 413/89, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Setembro de 1989, cuja 
 doutrina foi refirmada, designadamente, no acórdão n.º 247/02).
 
  
 Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, 
 segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo 
 sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se 
 mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos 
 na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil 
 dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados.
 
  
 E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra 
 excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o 
 princípio da proporcionalidade.
 
  
 Não há, pois, motivo para manter o julgado que, como se viu, assenta num 
 entendimento do Tribunal Constitucional que não é inteiramente transponível para 
 o caso dos autos.  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e revogar a decisão 
 recorrida para que seja reformada em conformidade com o juízo agora formulado 
 quanto à questão de constitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins (tendo partido de uma interpretação liberal
 da norma, considerei-a inconstitucional).
 Gil Galvão