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Processo n.º 687/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheira Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação 
 do Porto de 20 de Junho de 2007 que a condenou na pena única de 11 anos de 
 prisão pela prática de 21 crimes de burla qualificada, três crimes dolosos de 
 fraude na obtenção de subsídio e seis crimes de falsificação de documentos.
 
  
 Na resposta à motivação de recurso, o Ministério Público sustentou que a nova 
 redacção do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, 
 emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, “não importou qualquer alteração 
 em relação à questão da admissibilidade de recursos”, na medida em que, segundo 
 o entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de 
 Outubro de 2007 (Proc. 07P1772), “as penas parcelares englobadas numa pena 
 conjunta que está sujeita à regra da dupla conforme só podem ser objecto de 
 recurso desde que superiores a 8 anos de prisão”, pelo que “in casu, o âmbito do 
 recurso terá de ser limitado à questão suscitada nas duas últimas conclusões 
 formuladas pela recorrente, ou seja, à questão da medida concreta da pena que 
 lhe foi aplicada […]”(em especial, conclusões 10ª a 12ª).
 
  
 Por acórdão de 21 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou 
 parcialmente o recurso, por irrecorribilidade, fundamentando a sua decisão nos 
 seguintes termos:
 
  
 
  
 
 “[…]
 Por ter sido requerida pela arguida, realizou-se audiência oral para discussão 
 das questões suscitadas pelo recorrente na motivação. Na exposição sumária a que 
 o art. 423º nº 1 do Código de Processo Penal faz referência, o relator 
 considerou deverem ser objecto de exame especial, nomeadamente para ser 
 respeitado o contraditório, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público 
 no Tribunal da Relação do Porto quanto ao âmbito do recurso, bem como a da 
 legitimidade do parecer apresentado pelo Ministério Público na vista que teve 
 dos autos, que a recorrente suscitou quando foi notificada para acerca dele se 
 pronunciar.
 A defesa e o Ministério Público produziram as suas alegações orais.
 Cumpre decidir, começando pelas questões prévias e segundo a ordem por que foram 
 suscitadas. 
 II Questões prévias
 
 1. A arguida recorreu para a Relação do Porto da sentença de 1ª instância que a 
 condenara, tendo o recurso sido conhecido por acórdão de 20 de Junho de 2007.
 Formulados pedidos de aclaração pela arguida, ora recorrente, e pelo assistente 
 INETI – Instituto de Engenharia e Tecnologia, foram tais pedidos conhecidos pela 
 Relação que, por acórdão de 3 de Outubro de 2007, decidiu nada haver a aclarar.
 A arguida interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual 
 teve por objecto, além doutras, a questão que deu motivo ao pedido de aclaração. 
 Entre o acórdão da Relação inicialmente proferido e o que conheceu do pedido de 
 aclaração, foi publicada e entrou em vigor a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 
 que reviu o Código de Processo Penal, alterando diversas normas, nomeadamente no 
 livro respeitante aos recursos.
 O Ministério Público, na resposta, defende que o âmbito do recurso terá de ser 
 limitado à questão suscitada nas duas últimas conclusões formuladas pela 
 recorrente, ou seja, à questão da medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
 A questão prende-se com a determinação da lei processual aplicável.
 Vem a jurisprudência, desde há muito, entendendo, de forma pacífica, que, para 
 se aferir da recorribilidade de uma decisão, é aplicável a lei vigente no 
 momento em que a decisão foi proferida. [cfr. ac. S.T.J. de 11-XI-1983 (BMJ, 
 
 331, pág. 438) e demais jurisprudência ali indicada].
 Refere a doutrina, para o processo civil, que “em relação às decisões que venham 
 a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente 
 aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o 
 recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis” (Antunes Varela, 
 J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 55).
 Conforme se afirmou no acórdão de 30-04-2008 – proc. 574/08-5, em que o aqui 
 relator foi um dos adjuntos, “o que conta é, obviamente, o momento em que a 
 decisão foi proferida, pois, independentemente do terminus a quo do prazo legal 
 de interposição do recurso (depósito da sentença na 1ª instância ou notificação 
 postal ao mandatário nos tribunais superiores), nada impede que haja uma 
 interposição imediata do recurso logo no momento da prolação da sentença. O 
 direito ao recurso afere-se, pois, no momento em que é proferida a decisão de 
 que se quer recorrer e pela lei então aplicável.”
 Para José António Barreiros “tem sido entendimento corrente da nossa 
 jurisprudência o de que os recursos se regem pela lei em vigor à data da decisão 
 recorrida ou - ao menos – da respectiva interposição. Este entendimento assume 
 como ponto de referência para a determinação da lei aplicável a data em que 
 tiver início o procedimento em segunda instância, ou numa visão mais ampla, o 
 momento em que, proferida a decisão, se configurar o exercício de dela se 
 recorrer”. E acrescenta: “Só que a jurisprudência do nosso Supremo tem evoluído 
 na configuração da solução a dar a este problema em termos de circunscrever o 
 
 âmbito de aplicação da nova lei restritivamente aos problemas referentes à 
 interposição do recurso, sendo que o faseamento ulterior se haverá de reger, 
 nomeadamente no que toca à expedição e julgamento dos recursos, pela lei que 
 estiver em vigor no momento em que os actos processuais respectivos foram 
 praticados ou estiver em causa a sua prática.” Por isso, conclui que “em matéria 
 de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais 
 respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da vigente no 
 momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à 
 lei vigente no momento da interposição do recurso, a qual comandaria 
 inderrogavelmente toda a tramitação do mesmo”. (Sistema e Estrutura do Processo 
 Penal Português, I, págs. 189-190). 
 Pelas razões acabadas de expor, haverá, assim, que considerar aplicável às 
 questões da admissibilidade e do âmbito do recurso a lei em vigor à data em que 
 a decisão foi proferida.
 Essa decisão encontra-se materializada no acórdão de 20 de Junho de 2007, não 
 havendo que atender, para este efeito, àquele outro que, apreciando os pedidos 
 de aclaração, os indeferiu, muito embora a notificação desta última decisão aos 
 sujeitos processuais releve para a fixação do início do prazo para o recurso, 
 como resulta da norma do processo civil (art. 686º nº 1 C.P.C.), analogicamente 
 aplicável conforme dispõe o art. 4º do Código de Processo Penal, por este 
 diploma ser omisso quanto às consequências de correcção ou aclaração de sentença 
 ou de actos decisórios. 
 Por altura da decisão, a redacção em vigor do Código de Processo Penal quanto 
 aos preceitos aplicáveis era a resultante da revisão operada pela Lei nº 59/98, 
 de 25 de Agosto. 
 Quanto à admissibilidade do recurso, a regra geral é a constante do art. 399º, 
 sendo permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja 
 irrecorribilidade não estiver prevista na lei. No art. 400º, segundo a redacção 
 então vigente, estabelecia-se, na al. e), que não é admissível recurso de 
 acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que 
 seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos e, na al. 
 f), que não é admissível recurso dos acórdãos condenatórios proferidos em 
 recurso pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em 
 processos por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, 
 mesmo em caso de concurso de infracções. 
 A arguida foi condenada em 1ª instância, condenação confirmada pela Relação, 
 pela prática dos seguintes crimes:
 
 - fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelos art. 36º nº 1 als. a), b) e c), 
 nº 2, com referência ao art. 21º, todos do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de 
 Janeiro; 
 
 - burla qualificada p. e p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 als. a) e b) do 
 Código Penal; 
 
 - falsificação de documento, p. e p., pelos arts. 256º nº 1 als. a), b) e c) e 
 nº 3 do Código Penal. 
 O crime de fraude na obtenção de subsídio é punível com pena de prisão de 2 a 8 
 anos anos; o crime de burla qualificada é punível com pena de prisão de 2 a 8 
 anos e o crime de falsificação, quando disser respeito a cheque, é punível com 
 pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa. 
 Relativamente a este último crime, porque punível com prisão até 5 anos ou com 
 pena de multa, o acórdão proferido em recurso, seja absolutório, seja 
 condenatório, quer confirme, quer não, a decisão de primeira instância, seria 
 sempre irrecorrível; quanto aos demais crimes, o acórdão da relação seria também 
 irrecorrível mas porque confirmou a condenação pela primeira instância. 
 Condenada a arguida pela prática de 31 crimes, houve que proceder ao cúmulo 
 jurídico das diversas penas aplicadas, fixando-se a pena única, segundo o art. 
 
 77º do Código Penal, dentro duma moldura que tem como mínimo a mais grave das 
 penas parcelares aplicadas (4 anos) e como máximo a soma das restantes penas, 
 limitada, no caso, pelo máximo de 25 anos. 
 O Ministério Público na questão prévia que introduziu na sua resposta, coloca a 
 questão de saber se a decisão é recorrível na sua totalidade, ou se se deve 
 considerar definitivamente fixado tudo quanto respeita individualizadamente a 
 cada um dos crimes, mormente as penas parcelares, limitando-se, neste caso, o 
 recurso à dosimetria da pena única. Este último tem sido o entendimento 
 maioritariamente seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ainda recentemente 
 reafirmado no ac. de 13/3/2008 - proc nº 3204/07-5, de que foi relator o 
 Conselheiro Souto Moura: “Entende-se, na verdade – escreveu-se em tal aresto – 
 que, se os crimes determinantes de uma conexão de processos, nos termos dos 
 artºs 24º e 25º do C.P.P., ou determinantes de uma conexão, para os quais se 
 organizou um só processo, de acordo com o nº 1 do artº 29º do mesmo Código, têm 
 um limite superior da moldura que não excede os 8 anos, então, nunca tais crimes 
 seriam passíveis de recurso, caso fossem julgados isoladamente. Ora não 
 concorrem razões substanciais ou sequer processuais, que obriguem a que se 
 beneficie o arguido com mais uma possibilidade de recurso, só porque, por razões 
 de conexão, aconteceu que os vários crimes tenham sido julgados conjuntamente. 
 Não se nega que, caso ocorressem julgamentos separados, poderia haver lugar a 
 julgamento para realização do cúmulo, sendo esta última decisão recorrível. Só 
 que, neste caso, a decisão estaria exactamente confinada à determinação da pena 
 
 única, e do mesmo modo o recurso que dela se interpusesse. Acresce que, como se 
 afirmou no acórdão deste S.T.J. de 25/10/2007 (Pº 3295/07, 5ª secção, Rel. Cons. 
 Carmona de Mota), que seguiu este entendimento, 'para efeitos de recurso, é 
 autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de concurso de crimes, a 
 cada um dos crimes (art. 403.º, n.º 2, al. b), do CPP). Por isso, o art. 400.º, 
 n.º 1, al. e), do CPP/98 advertia para que tal regime de recorribilidade (no 
 tocante «a cada um dos crimes», ou, mais propriamente, ao «processo conexo» 
 respeitante a cada «crime») se havia de manter «mesmo em caso de concurso de 
 infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em «um único processo organizado 
 para todos os crimes determinantes de uma conexão» – art. 29.º, n.º 1, do CPP). 
 Aliás, se o art. 400.º, n.º 1, nas suas al.s e) e f), pretendesse, na sua versão 
 de 1998, levar em conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria 
 aludido a «processos por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por 
 crime, mesmo em caso de concurso»)'.
 Com fundamento nesta argumentação, que nada justifica alterar, procede a questão 
 prévia suscitada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, 
 ficando o recurso limitado ao conhecimento da questão da pena única, cujo 
 quantum a recorrente também põe em causa. Deste modo, e por força desta 
 jurisprudência, não se toma conhecimento de tudo quanto a recorrente alega no 
 sentido de alterar a decisão no que respeita à condenação por cada um dos 
 diversos crimes cuja autoria enjeita, por, nessa parte, a decisão se ter tornado 
 definitiva, dada a respectiva irrecorribilidade. 
 Em consequência, não se conhecem das questões definitivamente julgadas pela 
 Relação, já que relativas a crimes puníveis com penas «irrecorríveis», e que a 
 recorrente suscitou nas conclusões B5 a B15 do recurso da arguida, rejeitando-se 
 o recurso nessa parte.
 
 […]”.
 
  
 
  
 A recorrente arguiu subsequentemente a nulidade de todo o processado posterior à 
 resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, por não 
 ter sido dela notificada, e, subsidiariamente, requereu a declaração da nulidade 
 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por omissão de pronúncia 
 
 “relativamente à questão da constitucionalidade do não conhecimento do recurso”.
 
  
 Por acórdão de 3 de Julho de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a 
 invocada nulidade por omissão de pronúncia, nos seguintes termos:
 
  
 
 “[…]
 Pretende a arguida que o acórdão omitiu pronúncia sobre a questão da 
 constitucionalidade do não conhecimento do recurso. 
 Após a publicação da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto, entendeu esta Secção, de 
 harmonia com os ensinamentos da doutrina, que a lei aplicável no que respeita à 
 recorribilidade da decisão e ao âmbito do conhecimento do recurso é a lei em 
 vigor à data da decisão. No caso dos autos, tendo as decisões, quer a de 1ª 
 instância, quer a da Relação, sido tomadas em plena vigência da versão do Código 
 de Processo Penal aprovada pela Lei n° 59/98, era essa redacção que teria de ser 
 tida em consideração na apreciação da questão da recorribilidade da decisão. Com 
 efeito, o acórdão posto em causa, depois de chamar à colação ensinamentos da 
 doutrina e decisões da jurisprudência acerca da questão da lei aplicável, 
 decidiu: “Pelas razões acabadas de expor, haverá, assim, que considerar 
 aplicável às questões da admissibilidade e do âmbito do recurso a lei em vigor à 
 data em que a decisão foi proferida”, tendo seguidamente esclarecido que “por 
 altura da decisão, a redacção em vigor do Código de Processo Penal quanto aos 
 preceitos aplicáveis era a resultante da revisão operada pela Lei n° 59/98, de 
 
 25 de Agosto”. 
 Tal como a questão se apresenta equacionada no acórdão, não se trata de um 
 problema de sucessão das leis no tempo, a exigir a opção por aquela que se 
 apresente como mais favorável ao arguido. Só nesse caso seria lícito exigir ao 
 tribunal que equacionasse a questão da sucessão das leis no tempo também na 
 vertente da sua constitucionalidade, optando pela interpretação que melhor desse 
 cumprimento aos ditames constitucionais de garantia de aplicação ao arguido da 
 lei de conteúdo mais favorável. 
 Mas, reafirma-se, não foi essa a questão controvertida. 
 Se com ela se quis suscitar uma questão de constitucionalidade que permita 
 fundamentar um recurso para o Tribunal Constitucional, a invocação da actual 
 redacção do artigo 432° al. c) do Código de Processo Penal afigura-se vazia de 
 sentido. 
 Com efeito, acusa a recorrente o Supremo Tribunal de Justiça de, na sua decisão, 
 haver “descurado o disposto na al. c) do art. 432° do CPP, na redacção da Lei n° 
 
 48/2007, de 29 de Agosto” 
 Esta norma, porém, respeita ao recurso directo do tribunal colectivo para o 
 Supremo. 
 Ora, no caso, estava-se perante um recurso da Relação para o Supremo. 
 Só poderia estar em causa, por isso, a alínea b) do art. 432.° do CPP (e, por 
 remissão, as novas alíneas e) e f) do n.° 1 do art. 400°). 
 Mas não foi a seu respeito que a recorrente acusa o Supremo de «omissão de 
 pronúncia». 
 Dir-se-á, finalmente, para que nada fique por responder, que, quanto à rejeição 
 ou não do recurso, não pode ser tirada qualquer consequência do despacho liminar 
 do relator porque o conhecimento das questões prévias foi expressamente deixado 
 para a audiência a fim de as poder submeter ao contraditório oral, conforme 
 consta do acórdão. 
 Não existindo nos autos uma verdadeira questão de aplicação das leis no tempo, 
 não se omitiu qualquer pronúncia quando no acórdão reclamado não se apreciou tal 
 temática numa vertente de constitucionalidade. 
 Improcedente é, pois, a nulidade de omissão de pronúncia arguida pela 
 recorrente. 
 Termos em que acordam em conferência em desatender as invocadas nulidades, 
 
 - […]
 
 - a de omissão de pronúncia, por, não estando em causa uma questão de aplicação 
 sucessiva de leis, não haver que a equacionar numa perspectiva de 
 constitucionalidade. 
 
 […]”.
 
  
 A. interpôs então (a fls. 11342 e seguintes) recurso para o Tribunal 
 Constitucional dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de  21 de Maio e 3 de 
 Julho de 2008, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, referindo que “a questão de constitucionalidade [fora] suscitada 
 pelo defensor da recorrente durante as alegações orais que proferiu na audiência 
 que decorreu no Supremo Tribunal de Justiça” e que pretendia que o Tribunal 
 Constitucional julgasse “inconstitucional o artigo 5º do Código de Processo 
 Penal, por violação do disposto no artigo 29º, n.º 4, da Constituição, quando 
 objecto da interpretação acolhida pelo Supremo no acórdão recorrido - ou seja, 
 na interpretação segundo a qual, em matéria de recursos, em caso de sucessão de 
 leis, se aplica a lei em vigor à data da decisão, ainda quando a lei nova seja 
 mais favorável ao réu recorrente”.
 
  
 Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte 
 modo:
 
  
 
 “B1.: A Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, veio dirimir a controvérsia 
 interpretativa que antes se suscitava em torno da alínea f) do nº 1 do artigo 
 
 400º do Código do Processo Penal, sobre o âmbito da admissibilidade do recurso 
 de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações, fazendo uma 
 interpretação autêntica desse preceito.
 B2.: Na sua actual redacção – dada por essa Lei – o preceito da mesma alínea f) 
 
 é mais favorável para o arguido do que o era na sua redacção anterior, pelo 
 menos numa das interpretações de tal alínea - e concretamente aquela que o 
 Supremo Tribunal de Justiça aplicou no acórdão ora recorrido, de 21 de Maio de 
 
 2008. 
 B3.: Ao não aplicar, no mesmo acórdão, o preceito da alínea f) do artigo 400º do 
 Código do Processo Penal, na sua actual redacção, o Supremo deixou de aplicar ao 
 caso, pois, uma lei nova, sobre admissibilidade do recurso em processo penal, 
 mais favorável ao arguido. 
 B4: Ao e para decidir assim (considerando que não se estava, no caso, perante 
 uma questão de aplicação das leis no tempo), o Supremo Tribunal de Justiça 
 encurtou o âmbito de aplicação do artigo 5º, nº 1, do Código do Processo Penal, 
 interpretando-o (implícita mas necessariamente) no sentido de que a regra, nele 
 enunciada, da aplicação imediata da lei processual nova não abrange os casos de 
 alteração da lei sobre admissibilidade do recurso, mesmo quando essa alteração 
 seja mais favorável ao arguido. 
 B5: Um tal encurtamento e uma tal interpretação não estão sequer em consonância 
 com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, posterior à 
 Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, do conhecimento da recorrente, segundo a qual o 
 mesmo entende, agora, que “a lei que regula a admissibilidade de recurso de uma 
 decisão, ainda que tenha sido em recurso pela Relação, é a que se encontrava em 
 vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se a lei posterior for 
 mais favorável para o arguido”.
 B6: Mas, por sobre isso, tal encurtamento do âmbito da regra da aplicabilidade 
 imediata da lei processual nova, enunciada no artigo 5º, nº 1, do Código do 
 Processo Penal, e a correspondente interpretação violam – e é o que aqui importa 
 
 – o princípio da aplicação imediata da lei penal de conteúdo mais favorável para 
 o arguido, consagrado no nº 4, parte final, do artigo 29º da Constituição da 
 República, e
 B7: Postergam o único entendimento constitucionalmente admissível e devido do 
 mesmo preceito legal – o qual há-de ser visto como um comando materializador de 
 um corolário do aludido princípio. 
 B8: Assim, deve o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional a 
 interpretação antes enunciada do artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Penal, 
 feita nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça,
 B9: por violadora do nº 4 do artigo 29º da Constituição da República,
 B10: O Tribunal Constitucional deve também julgar inconstitucional, por violação 
 dos artigos 13.º e 32.º, n.º 1 da CRP, aquela decisão do Supremo Tribunal de 
 Justiça que, ao considerar não aplicável a actual alínea f) do artigo 400.º, n.º 
 
 1 do CPP, privou do direito ao recurso para o STJ a arguida Margarida Coelho, 
 condenada a pena de prisão superior a 8 anos, quando é inequívoco que se deve 
 reservar a intervenção da mais alta instância do nosso sistema judicial para a 
 sindicância das condenações mais graves, e quando tal intervenção é – 
 contrariamente ao que sucedeu neste processo – admitida perante recursos 
 interpostos por arguidos condenados a penas menos graves 
 B11: e, por força desse julgamento, revogar o acórdão recorrido, determinando a 
 baixa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça para que este proceda à 
 aplicação da lei em questão em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade 
 a formular”.
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 contra-alegou (a fls. 11498 e seguintes), invocando a questão prévia da 
 inadmissibilidade do recurso,  considerando, em síntese, o seguinte:
 
  
 
 - a recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade durante o processo 
 de modo processualmente adequado, e, tendo tido oportunidade de o fazer nas 
 alegações orais perante o Supremo Tribunal de Justiça, não fez consignar na acta 
 de julgamento a suscitação dessa questão;
 
 - no presente processo nem sequer se extrai da decisão recorrida que foi 
 suscitada numa questão de inconstitucionalidade do artigo 5º do Código de 
 Processo Penal e que esse preceito foi aplicado.
 
  
 Notificado para se pronunciar quanto à questão prévia colocada pelo Ministério 
 Público, a recorrente veio dizer que suscitou a questão de constitucionalidade 
 no debate oral perante o Supremo Tribunal de Justiça, facto que este tribunal 
 admitiu através dos termos em que se lhe refere no acórdão que indeferiu a 
 arguição de nulidade por omissão de pronúncia, e que, a não se entender assim, a 
 decisão recorrida deve ser tida como uma decisão surpresa, o que, em qualquer 
 caso, conduz à improcedência da questão prévia suscitada.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 2008, que rejeitou parcialmente o 
 recurso interposto de anterior decisão da Relação, e de 3 de Julho seguinte, que 
 desatendeu a arguição de nulidade por omissão de pronúncia.
 
  
 Como resulta do respectivo requerimento de interposição de recurso o seu objecto 
 
 é constituído pela norma do artigo 5º do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual, em matéria de recursos, em caso de sucessão de 
 leis, se aplica a lei em vigor à data da decisão, ainda que a lei nova seja mais 
 favorável ao réu recorrente.
 
  
 Nas alegações, a recorrente concretiza o objecto do recurso, considerando que a 
 interpretação que lhe merece censura é a do artigo 5º do Código de Processo 
 Penal, entendido no sentido de que, quanto à admissibilidade do recurso de uma 
 decisão proferida na vigência da redacção do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do 
 Código de Processo Penal anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, rege este 
 preceito, nessa redacção, e não esse mesmo preceito, na redacção emergente da 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não obstante esta última redacção ser mais 
 favorável à recorrente do que a redacção anterior.
 
  
 O carácter mais favorável da lei nova decorre, por outro lado, da circunstância, 
 referenciada no texto das alegações (cfr. fls. 11383-11384), de a nova redacção 
 dada pela Lei n.º 48/2007 ao artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de 
 Processo Penal permitir o conhecimento do recurso na sua totalidade.
 
  
 
  
 Importa ter presente que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio 
 de 2008 admitiu o recurso interposto da decisão da Relação apenas no tocante à 
 medida da pena aplicada em cúmulo jurídico, rejeitando-o quanto à condenação 
 relativamente a cada um dos crimes que foram imputados, por ter considerado que 
 a admissibilidade do recurso teria de ser aferida à luz da lei aplicável à data 
 da prolação da decisão recorrida, e, por isso, por referência ao disposto no 
 artigo 400º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal, na redacção 
 anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
 
  
 No acórdão de 3 de Julho de 2008, que desatendeu a arguição de nulidade por 
 omissão de pronúncia quanto à questão de constitucionalidade, alegadamente 
 suscitada no recurso, o Supremo Tribunal de Justiça pronuncia-se nos seguintes 
 termos:
 
  
 Tal como a questão se apresenta equacionada no acórdão, não se trata de um 
 problema de sucessão das leis no tempo, a exigir a opção por aquela que se 
 apresente como mais favorável ao arguido. Só nesse caso seria lícito exigir ao 
 tribunal que equacionasse a questão da sucessão das leis no tempo também na 
 vertente da sua constitucionalidade, optando pela interpretação que melhor desse 
 cumprimento aos ditames constitucionais de garantia de aplicação ao arguido da 
 lei de conteúdo mais favorável. 
 
  
 E assim o tribunal acabou por concluir, nesse aresto, que, não tendo existido 
 nos autos uma verdadeira questão de aplicação das leis no tempo, também não se 
 omitiu qualquer pronúncia quando no acórdão reclamado se não apreciou a temática 
 relativa à admissibilidade do recurso numa vertente de constitucionalidade. 
 
  
 A recorrente pretende, no entanto, que, ao considerar que não estava em causa 
 uma questão de aplicação das leis no tempo, o Supremo reduziu o âmbito 
 aplicativo do artigo 5º, nº 1, do Código do Processo Penal, interpretando-o 
 implicitamente no sentido de que a regra, nele enunciada, da aplicação imediata 
 da lei processual nova não abrange os casos de alteração da lei sobre 
 admissibilidade do recurso, mesmo quando essa alteração seja mais favorável ao 
 arguido. 
 
  
 Em todo este contexto, a única decisão que se torna susceptível de impugnação 
 para o Tribunal Constitucional, tendo em conta o objecto do recurso e os termos 
 em que a questão se encontra colocada, é o acórdão de 3 de Julho de 2008, que 
 desatendeu a arguição de nulidade. Isso porque é esta última decisão que 
 efectuou, no entender da recorrente, uma interpretação implícita da norma do 
 artigo 5º, nº 1, do Código do Processo Penal que é identificada como sendo 
 passível de ser considerada inconstitucional, e, por outro lado, porque é ela, 
 ainda que através da apreciação do vício de nulidade,  que esclarece o sentido e 
 alcance da anterior decisão de rejeição parcial do recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
  
 Em qualquer caso, mesmo partindo do entendimento sugragado pela recorrente 
 segundo o qual a suscitação de questão de constitucionalidade em debate oral não 
 carece de ser consignada em acta, desde que se possa extrair dos autos – e, 
 designadamente, do próprio teor da decisão recorrida – que essa questão foi 
 invocada, só em relação ao acórdão de 3 de Julho de 2008 é que pode 
 considerar-se verificado o requisito processual de suscitação, visto que o 
 acórdão de 21 de Maio foi omisso quanto  à matéria de constitucionalidade e a 
 questão apenas foi analisada, na perspectiva da eventual existência de uma 
 omissão de pronúncia, no acórdão subsequente que apreciou esse vício.
 
  
 Ora, não podendo discutir-se a validade da argumentação adoptada nessa decisão, 
 que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, parece claro que o tribunal 
 recorrido não efectuou aí qualquer interpretação, ainda que implícita, que 
 implicasse o confronto entre diferentes regimes jurídicos que se sucederam no 
 tempo e que envolvesse a opção por um deles em termos de poder determinar o 
 agravamento da posição processual do arguido.
 
  
 A posição do tribunal recorrido parece ter sido a de considerar que o regime de 
 admissibilidade do recurso se fixou com a prolação da decisão recorrida (a do 
 Tribunal da Relação, de 20 de Junho de 2007), pelo que a posterior entrada em 
 vigor de nova lei processual penal, num momento em que ainda não tinha expirado 
 o prazo de recurso (por entretanto ter sido deduzido um pedido de aclaração), 
 não poderia influir no regime aplicável nem suscitava em si qualquer problema de 
 aplicação das leis no tempo.
 
  
 Assim sendo, o tribunal recorrido não aplicou como ratio decidendi a norma do 
 artigo 5º do Código de Processo Penal, que considerou não ser invocável no caso, 
 e, consequentemente, também não efectuou o confronto entre as diferentes 
 redacções da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º, para efeito de determinar qual o 
 regime mais favorável.
 
  
 Certo é que objectivamente a decisão recorrida acaba por implicar que tenha sido 
 aplicado, no caso, um regime de recurso que a recorrente entende ser mais 
 desfavorável do que aquele que resultaria da nova lei. Daí não decorre, no 
 entanto, que tenha havido uma aplicação implícita da norma do artigo 5º do 
 Código de Processo Penal.
 
  
 Embora o Tribunal Constitucional tenha já admitido recursos interpostos de 
 sentenças de aplicação implícita de normas, essa jurisprudência assenta no 
 pressuposto de que uma certa interpretação normativa (que constitui o objecto do 
 recurso) está subjacente à  decisão judicial que tenha sido proferida por ser a 
 necessária decorrência da solução jurídica que se adoptou, ainda que não tenha 
 sido invocado o preceito legal ou princípio jurídico que nela está implicado ou 
 a interpretação tenha sido feita sob a invocação de outro ou outros preceitos 
 jurídicos (vejam-se, entre outros, os acórdãos n.ºs 481/94 e 502/2007).
 
  
 Não é possível, contudo, considerar verificada uma interpretação implícita de 
 norma quando tribunal recorrido expressamente afasta a aplicação dessa norma ao 
 caso concreto, por considerar justamente que essa disposição não é convocável 
 para a resolução da questão de direito.
 
  
 
 É essa precisamente a situação em apreço.
 
  
 O tribunal recorrido, perante a arguição de nulidade por não ter sido apreciada 
 a questão de constitucionalidade resultante da não aplicação da lei processual 
 nova, que seria mais favorável ao arguido, entendeu que a questão não poderia 
 ser equacionada sob o prisma da sucessão das leis no tempo, e que não tinha 
 ocorrido, por essa razão, qualquer omissão de pronúncia quando à falada questão 
 de constitucionalidade.
 
  
 E sendo irrelevante para o caso que tenha havido um eventual erro de 
 qualificação jurídica, para cuja apreciação o Tribunal Constitucional sempre 
 seria incompetente, a única conclusão a retirar é que o tribunal recorrido não 
 efectuou qualquer interpretação normativa a partir da referida norma do artigo 
 
 5º do Código de Processo Penal, ainda que implícita, e, consequentemente, o 
 recurso de constitucionalidade carece de objecto por falta de um dos seus 
 pressupostos processuais.
 
  
 De facto, conforme se depreende do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, ao caso aplicável, cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 
  
 E estando em causa, como se observou, uma decisão que incidiu sobre a arguição 
 de nulidade por omissão de pronúncia, a única norma que poderia considerar-se 
 ter sido aplicada seria a do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de 
 Processo Penal.
 
  
 Nestes termos, não estando o preenchido um requisito processual de que depende o 
 prosseguimento do recurso – a aplicação pela decisão recorrida da norma cuja 
 constitucionalidade se pretende ver apreciada -, não pode tomar-se conhecimento 
 do seu objecto.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, julgando prejudicada a apreciação das demais questões, decide-se 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
 
  
 Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão