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Processo n.º 563/07 
 
 1.ª Secção                                                                       
 
          
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I – Relatório
 
 1. A. instaurou acção declarativa sob a forma ordinária contra B., C. e D. 
 pedindo que: (i) seja reconhecido e declarado que não é filha do 1.º Réu, e, em 
 consequência, seja ordenada a eliminação da paternidade constante do seu assento 
 de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna; (ii) seja reconhecida e 
 declarada a sua paternidade relativamente ao 3.° Réu, devendo, em consequência, 
 ordenar-se o respectivo averbamento. 
 Os 1.º e 2.º Réus excepcionaram a caducidade do direito da Autora, com 
 fundamento no disposto no artigo 1842.°, n.° 1, al. c), do Código Civil. 
 A Autora, em réplica, pugnou pela improcedência da excepção. 
 Considerando que o processo reunia os elementos de facto suficientes, sem 
 necessidade de mais provas, que permitiam conhecer da excepção, o Exmo. Juiz da 
 Comarca de Abrantes, no despacho saneador, decidiu da mencionada excepção, pela 
 seguinte forma: 
 
 “a) Recusar a aplicação da norma constante do art° 1842. °, n.° 1, alínea c), 2ª 
 parte do Código Civil, por materialmente inconstitucional em decorrência da 
 violação dos princípios contidos nos art°s 26°, n.º 1, 36°, n. °s 1 e 4 e 18°, 
 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 
 b) Julgar improcedente a excepção de caducidade.” 
 
 2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Comarca de Abrantes veio 
 interpor recurso obrigatório para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 70.º, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal 
 Constitucional), o qual foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos 
 próprios autos, com efeito suspensivo, conforme resulta do despacho de fls. 153. 
 
 
 O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal Constitucional, veio 
 juntar as respectivas alegações concluindo pela seguinte forma: 
 
 “1º
 A norma constante do artigo 1842°, n° 1, alínea c), do Código Civil, enquanto 
 estabelece o prazo de caducidade de um ano, contado da data em que o filho teve 
 conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido 
 da mãe, para a respectiva acção de impugnação, viola as disposições conjugadas 
 dos artigos 26°, n° 1, 36°, n° 1, e 18°, n° 2, da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 2°
 Na verdade, o estabelecimento de tal prazo de caducidade, colide com o direito 
 fundamental ao reconhecimento do vínculo de filiação biológica por parte do 
 filho, revelando-se desproporcionado, pelo menos nas situações – como a dos 
 autos – em que o conhecimento dos factos que inculcam a não paternidade ocorreu 
 em momento temporal próximo daquele em que o filho atingiu a maioridade – 
 inviabilizando reflexamente a caducidade da acção de impugnação o reconhecimento 
 judicial da paternidade biologicamente verdadeira. 
 
 3°
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.” 
 Não foram produzidas contra-alegações.
 
 3. A decisão recorrida fundou-se, essencialmente, na seguinte argumentação: 
 
 “ […] Tem vindo a ser discutida, cada vez com maior frequência, a questão da 
 constitucionalidade dos prazos de caducidade no âmbito das acções de 
 estabelecimento da filiação. (…)
 O Tribunal Constitucional já se debruçou várias vezes sobre a questão da 
 constitucionalidade, mas no âmbito dos prazos para propositura de acções de 
 investigação de paternidade. (…)
 No essencial, a fundamentação dessas decisões assenta na consideração de que as 
 normas em questão resultam de uma ponderação de vários direitos ou interesses 
 contrapostos, a qual conduz, não propriamente a uma restrição, mas a um 
 condicionamento aceitável do exercício do direito à identidade pessoal do 
 investigante. (…)
 Contudo, mais recentemente, tem-se verificado uma tendência indiciada de 
 inversão na posição do Tribunal Constitucional. 
 Assim, no Acórdão daquele Alto Tribunal n.º 456/2003 (Proc. n° 193/2003, in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), foi apreciada a constitucionalidade da norma do 
 art° 1817°, n. ° 2, aplicável por força do art° 1873° do Código Civil, num caso 
 em que estava em causa saber se ficava impedida a investigação de paternidade a 
 quem, depois dos 20 anos, for surpreendido pela procedência de uma acção de 
 impugnação da sua paternidade. Tendo o presumido pai impugnado com sucesso a 
 presunção de paternidade, o filho, apesar de ter ficado com a paternidade em 
 branco, estava impedido de intentar acção de investigação da paternidade, já que 
 o n. °2 do art° 1817° exige que a remoção do obstáculo (no caso, o cancelamento 
 do registo inibitório) seja requerida até ao termo do prazo estabelecido no 
 número anterior, de dois anos após a maioridade ou emancipação, o qual já havia 
 expirado há muito. O Tribunal negou provimento ao recurso por ter concluído pela 
 inconstitucionalidade da norma em questão, por violação do direito à identidade 
 pessoal. 
 Também no Acórdão n. ° 486/04 (in DR, II série, n.º 35, de 18 de Fevereiro de 
 
 2005), o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da 
 norma do art° 1817, n. 1 do Código Civil, aplicável à paternidade por remissão 
 do art° 1873º do mesmo código, por violação das disposições conjugadas dos art°s 
 
 26.º, n. ° 1, 36. °, n.º 1, e l8. °, n.º 2 da Constituição da República 
 Portuguesa. (…) 
 Contudo, (…) tendo-se o Tribunal Constitucional debruçado apenas sobre a 
 referida norma do art° 1817.º, n. ° 1 do Código Civil, todos os argumentos ali 
 vertidos são susceptíveis de serem aplicados às demais hipóteses em que a 
 caducidade não depende somente de factos objectivos – do decurso do tempo – mas 
 de circunstâncias cujo domínio está na esfera jurídica ou na esfera fáctica de 
 terceiros ou do próprio investigante, incompatibilidade com registo de 
 paternidade ou maternidade já estabelecidos, existência de escrito ou posse de 
 estado. Mais refere que ‘inclusivamente, a questão pode vir a ser colocada em 
 relação ao prazo de caducidade previsto no art° 1842.º, n. ° 1, al c), que 
 atinge a pretensão de o filho, nascido na constância do casamento da mãe, 
 impugnar a paternidade presumida do marido dela (…).’ 
 Ora, no caso sub judice, encontra-se precisamente em causa a aplicabilidade do 
 disposto no art° 1842.º, n. 1, al. c) do Código Civil, pelo que, há todo o 
 interesse em apreciar a fundamentação vertida no referido acórdão do Tribunal 
 Constitucional. 
 Um dos primeiros argumentos invocados nesse acórdão para afastar a 
 aplicabilidade do art° 1817.º, n. ° 1, é o respeito pelo direito à identidade 
 pessoal. (…)
 Deve, assim, ter-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão 
 do direito à identidade pessoal, consagrado no art° 26°, n. ° 1, de um direito 
 fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade. 
 
 (…) 
 Contudo, não basta optar pela qualificação como norma restritiva ou 
 condicionadora para, aplicando ou não o regime do art° 18° da Constituição, logo 
 se concluir sobre a sua conformidade constitucional, tornando-se antes 
 necessário analisar, numa perspectiva substancial, se o tipo de limitação ao 
 direito fundamental em causa, pela gravidade dos seus efeitos e pela sua 
 justificação, é ou não actualmente aceitável, à luz do princípio da 
 proporcionalidade. 
 O direito ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no art° 26° da 
 Constituição (…) determina que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor 
 podem invocar este preceito constitucional. No entanto, ele ‘pesa’ mais do lado 
 do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para 
 determinar as suas origens. 
 Tem-se verificado uma progressiva e significativa alteração dos dados do 
 problema, a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, designadamente com 
 o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os 
 desenvolvimentos da genética, e a generalização de testes genéticos de muito 
 elevada fiabilidade. 
 Esta evolução veio alterar decisivamente a questão, posicionando-a em favor do 
 direito de conhecer a paternidade, determinando o peso dos exames científicos 
 nas acções de paternidade. (…) 
 No entanto, tem-se admitido que outros valores, como os relativos à certeza e à 
 segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos interesses em causa, 
 sobrepondo-se, assim, à revelação da verdade biológica. Da perspectiva do 
 pretenso pai, aliás, invoca-se também, por vezes, o seu ‘direito à reserva da 
 intimidade da vida privada e familiar’: tal intimidade poderia ser perturbada, 
 sobretudo se a revelação for muito surpreendente, por circunstâncias ligadas à 
 pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e poderia mesmo afectar o 
 agregado familiar do visado. Assim, tendo em conta estes valores ligados à 
 organização social a certeza e a segurança, admitiu-se, como constitucionalmente 
 incensurável uma solução legislativa que fixe prazos de caducidade para a 
 propositura deste tipo de acções. 
 Contudo, se, atendendo à fiabilidade dos exames de ADN, o valor da certeza 
 objectiva da identidade pessoal já não está em causa, resta a sempre invocada 
 segurança para sujeitos ou pessoas concretas, bem como a segurança familiar e 
 conjugal. Assim, se, por um lado, o pretenso progenitor tem interesse em não ver 
 indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua 
 paternidade, por outro, existe o interesse na paz e harmonia da família conjugal 
 constituída pelo pretenso pai. (…)
 
  Na verdade, afigura-se que a pretensão de satisfazer, através do sacrifício do 
 direito do filho a saber quem é o pai, um puro interesse na tranquilidade, não é 
 digna de tutela, se se tratar realmente do progenitor. Este tem uma 
 responsabilidade para com o filho que não deve pretender extinguir pelo decurso 
 do tempo, pela simples invocação de razões de segurança, confiança ou 
 comodidade. E se, diversamente, não se tratar do verdadeiro progenitor, pode, 
 como se disse, submeter-se a um teste genético sem nada a temer. 
 E, de qualquer forma, a apreciação da conveniência em determinar a identidade do 
 seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal, corresponde a uma 
 faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério do 
 próprio filho. 
 E também não se vê que possa, só por si, a protecção do interesse na paz e 
 harmonia da família conjugal que pode ter sido constituída pelo pretenso pai, 
 considerar-se decisiva. Tais limitações específicas ao direito de agir contra 
 supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no momento do 
 reconhecimento) embora com antecedentes no nosso sistema jurídico, traduzem-se 
 em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os filhos 
 concebidos fora do casamento. 
 
 É certo que o investigado poderá também invocar direitos fundamentais, como o 
 
 ‘direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar’ que poderão ser 
 afectados pela revelação de factos que o possam comprometer. Não se vê, porém, 
 que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à custa do direito 
 de investigar a própria paternidade, determinada fundamentalmente pelo 
 
 ‘princípio da verdade biológica’ que inspira o nosso direito da filiação. 
 Conclui o acórdão em análise que o regime em apreço, ao excluir totalmente a 
 possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a maternidade), logo 
 a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma restrição do alcance 
 do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a 
 constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da 
 maternidade. 
 A solução existente não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente 
 admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu) 
 consagrada no art° 18°, n. ° 2, da Constituição da República Portuguesa. 
 De facto, o estabelecimento de um prazo, passou a traduzir uma apreciação 
 manifestamente incorrecta dos interesses ou valores em presença, em particular, 
 quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime tem para 
 cada um destes: os prejuízos apresentam-se claramente desproporcionados em 
 relação às desvantagens eventualmente resultantes, para o investigado e sua 
 família, da acção de investigação. 
 São estes, no essencial, os argumentos aduzidos pelo Tribunal Constitucional 
 para afastar a aplicabilidade do prazo previsto no art° 1817. °, n. ° 1 do 
 Código Civil.” 
 Prossegue, posteriormente, a decisão recorrida, cotejando, desta feita, com o 
 regime da acção de impugnação da paternidade: 
 
 “Importa, agora, que comparar o regime do art° 1817.°, n.º 1, com o previsto no 
 art° 1842. °, n.º 1, al. c) do Código Civil. 
 Também neste artigo se prevê que a impugnação da paternidade de um filho nascido 
 dentro do casamento só se possa exercer dentro do prazo de um ano, a contar da 
 maioridade, ou de igual período posterior ao momento em que tenha conhecimento 
 dos factos de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe. 
 Claramente, há um regime cerceador da liberdade de fazer coincidir a verdade 
 biológica com a verdade jurídica do estabelecimento da filiação. Importa 
 averiguar se esse cerceamento é desproporcionado ou não, relativamente ao 
 direito que se pretende, dessa forma, proteger. 
 A reforma do Código Civil de 1977 manteve, no art° 1842, o princípio da 
 caducidade do direito do impugnante – que passou a abranger não só o marido e 
 seus parentes, mas também o filho e a mãe – mas aumentou substancialmente os 
 prazos previstos anteriormente. 
 Segundo alguns autores, esta dupla dilatação dos prazos revelou-se 
 manifestamente excessiva (…). 
 Ora, contrariamente a este entendimento, toda a construção, quer 
 jurisprudencial, quer doutrinária, tem evoluído no sentido da 
 imprescritibilidade do direito a impugnar e em ver reconhecida a paternidade 
 e/ou maternidade, por forma a fazer coincidir a verdade jurídica com a verdade 
 biológica. E, se a nível nacional, foi já apontada alguma jurisprudência recente 
 do Tribunal Constitucional que apontava tendencialmente nesse sentido – pelo 
 menos quanto ao filho – bem como alguma doutrina, essa evolução é, desde há 
 muito, significativa a nível internacional. 
 
 (…) destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia ou o 
 desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode aqui ser válido, 
 porquanto, tal prazo decorrerá, na grande parte dos casos, quando o filho ainda 
 vive em casa da mãe e do marido, na sua dependência económica e sem autonomia de 
 vida. 
 Logo, a fixação de tal prazo, impõe uma injustificada e desproporcionada 
 restrição aos direitos fundamentais e, como tal, violadora desses mesmos 
 direitos. 
 Um último argumento, de carácter pragmático, levar-nos-ia a concluir no mesmo 
 sentido, uma vez que, verificando-se que existindo uma paternidade estabelecida 
 e registada, não pode outra ser fixada sem que esta esteja definitivamente 
 afastada. Assim, sendo este um pressuposto para que se possa instaurar uma acção 
 de investigação da paternidade, estaria, por esta via, cerceado o direito de ver 
 reconhecida a paternidade biológica, tanto mais que os prazos entre uma e outra 
 acção não são coincidentes. 
 Assim, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus efeitos, a 
 solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível, por se 
 revelar desproporcional, violando também o disposto no art° 18, n.  2 do 
 Constituição da República Portuguesa. 
 De facto, as desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir 
 a ter a sua paternidade em correspondência com a verdade biológica, são 
 superiores e claramente desproporcionadas em relação às desvantagens 
 eventualmente resultantes, para o impugnado e sua família.”
 Decidindo.
 II – Fundamentação 
 
 4. A questão nuclear a decidir no recurso circunscreve-se a indagar da 
 constitucionalidade do prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade 
 presumida, intentada pelo filho, nascido na constância do matrimónio da mãe, nos 
 termos do artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do Código Civil.
 Na decisão recorrida concluiu-se pela inconstitucionalidade da citada disposição 
 legal, sufragando-se, essencialmente, o argumento nos termos do qual, perante a 
 
 “verdade biológica”, não releva o prazo que a lei impõe para o exercício do 
 direito de acção, constante do mencionado artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do 
 Código Civil, sob pena de violação dos artigos 25.°, 26.°, n.° 1 e 18.°, n.° 2, 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 A decisão recorrida, no aludido juízo de inconstitucionalidade, foi buscar apoio 
 
 à posição que vem sendo defendida pelo Tribunal Constitucional, no que se refere 
 ao disposto no artigo 1817.°, n.º 1, do Código Civil, relativo ao prazo de 
 propositura das acções de investigação de paternidade, tendo sido considerado 
 que os respectivos pressupostos teriam inteira aplicação ao caso concreto, por 
 tal temática ser transponível para a questão ora em apreciação. 
 Fundou-se essencialmente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 486/2004, de 
 
 7 de Julho (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Fevereiro de 
 
 2005) que viria, a par de outras decisões no mesmo sentido – Acórdão do Plenário 
 do Tribunal Constitucional n.° 11/2005, de 12 de Janeiro (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 18 de Março de 2005) e Decisões Sumárias n.°s 114/2005 e 
 
 288/2005, de 9 de Março e 4 de Agosto respectivamente (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) – a desencadear a declaração, com força 
 obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1817.°, 
 n.° 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.° do mesmo Código, 
 conquanto nela se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de 
 investigar a paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho 
 
 (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no 
 Diário da República, I Série-A, de 28 de Fevereiro de 2006). 
 Refira-se desde já que o mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional acabado 
 de citar apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do 
 Código Civil, naquela dimensão. Há, então, que indagar se as razões que levaram 
 
 à aludida declaração de inconstitucionalidade são as mesmas que deverão, na 
 linha da decisão recorrida, impor a formulação de idêntico juízo de 
 inconstitucionalidade relativamente à disposição constante do artigo 1842.°, n.° 
 
 1 alínea c), daquele Código. 
 
 5. Os fundamentos conducentes a tal declaração de inconstitucionalidade, 
 constantes do Acórdão do Tribunal Constitucional que vimos acompanhando, 
 encontram-se bem equacionados na doutrina que Guilherme de Oliveira vem 
 sufragando (v. Caducidade das acções de investigação, in Lex Familiae, Revista 
 Portuguesa de Direito de Família, n.° 1, 2004, pp. 7 e ss.). 
 Com efeito, os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm 
 acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo; e com 
 isto, têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica. Nestas 
 condições, refere o mesmo Ilustre Autor, que “o ‘direito fundamental à 
 identidade pessoal’ e o ‘direito fundamental à integridade pessoal’ ganharam uma 
 dimensão mais nítida, como, ainda, ‘o direito ao desenvolvimento da 
 personalidade’, introduzido pela revisão constitucional de 1997 – um direito de 
 conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas 
 restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e 
 proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm 
 direito a invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que 
 ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é 
 indispensável para determinar as suas origens, a sua família (…) a sua 
 
 ‘localização’ no sistema de parentesco.” 
 
 6. As razões, para além e, previamente às de índole constitucional, que há muito 
 se ouvem no sentido da imprescritibilidade da investigação costumam ser, 
 
 “em primeiro lugar, a ‘segurança jurídica’ dos pretensos pais e seus herdeiros. 
 A previsão de um prazo de caducidade anda, aliás, sempre ligada à ideia de 
 segurança jurídica, no sentido de impedir que quem possa ser onerado com o 
 exercício de pretensões alheias esteja sujeito a que essa possibilidade de 
 exercício paire indefinidamente sobre a sua cabeça. Não sendo a acção intentada 
 até aos 20 anos (e passado, assim, o período em que mais falta faz um pai ou uma 
 mãe), não haveria, pois, que permitir o prolongamento da indefinição quanto ao 
 estabelecimento dos vínculos de filiação. 
 Em segundo lugar, esgrime-se com o progressivo ‘envelhecimento’ ou perecimento 
 das provas. Isto, sobretudo, em litígios – como os relativos à paternidade – de 
 prova difícil, relativa a factos íntimos e naturalmente geradores de emoções. Na 
 falta de prova pré-constituída decisiva, a passagem do tempo potenciaria os 
 perigos, designadamente da prova testemunhal, aumentando a possibilidade de 
 fraudes. Assim, mesmo sendo certo que, via de regra, seria sobretudo o próprio 
 investigante retardatário a suportar a desvantagem da dificuldade acrescida de 
 prova – pelo que não parecia curial limitar-lhe o direito de investigar para lhe 
 garantir o êxito da prova, como já em 1979 referia Guilherme de Oliveira (v. 
 Estabelecimento da Filiação, Coimbra, 1979, p. 41) –, tal razão não terá deixado 
 de pesar na previsão do prazo em questão. 
 Em terceiro lugar, avançava-se com um argumento atinente às finalidades dos 
 investigantes, que frequentemente seriam puramente egoísticas, próximas de 
 sentimentos de cobiça, quando os pretensos pais estavam no fim da vida. A 
 imprescritibilidade das acções de filiação permitiria tais ‘caças à fortuna’, 
 atrasando o estabelecimento da paternidade da juventude do filho, em que o poder 
 paternal é mais necessário, para a proximidade da morte do pretenso pai.” (cfr. 
 Acórdão n.º 23/2006, citado). 
 Estes foram os argumentos que, durante largo período, vingaram de forma 
 praticamente unânime no plano legislativo, doutrinal e jurisprudencial.
 
 7. Nem sempre, no entanto, foi essa a solução da nossa lei civil. Na vigência do 
 Código de Seabra, nos termos da redacção originária, as acções de investigação 
 da paternidade podiam ser intentadas durante toda a vida dos pretensos pais ou 
 durante pouco tempo depois da morte dos mesmos, desde que ocorrida durante a 
 menoridade do filho. Podiam, ainda, ser propostas a todo o tempo desde que a 
 acção se fundasse em escrito do pai.
 O Decreto n.º 2, de 1910, veio permitir que a acção pudesse ser intentada no ano 
 subsequente à morte do suposto progenitor. Assim, e como refere Guilherme de 
 Oliveira, “o direito português, até 1967, aceitava prazos muito longos para a 
 investigação da maternidade ou da paternidade – prazos que podiam chegar a 
 correr durante toda a vida do filho e tocar as fronteiras da 
 imprescritibilidade.” (in Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão, 
 Almedina, Coimbra, 1998, p. 462)
 O Código Civil de 1966 introduziu alterações profundas neste domínio, 
 consagrando a regra da caducidade com prazos relativamente curtos terminando, em 
 regra, dois anos após a maioridade ou emancipação do filho (artigos 1817.º e 
 
 1873.º). As críticas violentas que se ouviram ao regime anterior não terão sido 
 indiferentes ao legislador de 1966. Gomes da Silva, por exemplo, insurgiu-se 
 contra o facto de o regime do Código de Seabra propiciar situações de “caça às 
 heranças dos pais”. Por outro lado, sustentava ainda aquele Autor que o 
 estabelecimento da filiação devia ser estimulado perto do nascimento (apud 
 Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 464).
 Consagrou-se, assim, a regra da caducidade da acção de investigação da 
 maternidade ou paternidade no termo dos dois anos subsequentes à maioridade ou 
 emancipação do filho, ressalvados os casos de existência de escrito do pretenso 
 progenitor, de tratamento como filho ou, ainda, de um registo inibitório ou de 
 suspensão do início e do curso do prazo.
 Tal regime manteve-se praticamente intocado pela Reforma de 1977 que terá feito 
 prevalecer o direito fundamental do suposto pai à reserva da intimidade da vida 
 privada e familiar, aliado aos argumentos tradicionalmente invocados a favor da 
 caducidade destas acções (nesse sentido, Guilherme de Oliveira, Caducidade…, 
 cit., p. 9).
 
 8. No entanto, e como bem se realçou no Acórdão n.º 486/2004, citado, “não pode 
 ignorar-se a evolução dos elementos relevantes para a questão de 
 constitucionalidade”. Assim, a par de evoluções científicas que contrariam a 
 tese tradicional atinente ao risco de “envelhecimento das provas”, também os 
 valores da segurança jurídica do pretenso progenitor em “não ver indefinida ou 
 excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade”, ou da “paz e 
 harmonia conjugal”, ou, ainda, o direito do investigado à reserva da intimidade 
 da vida privada e familiar, devem ceder perante o interesse do filho em conhecer 
 a sua ascendência e, assim, averiguar e determinar a sua paternidade biológica – 
 nos termos dos seus direitos fundamentais à identidade e integridade pessoal e a 
 constituir família, ínsitos nos artigos 26.º e 31.º, n.º 1, da Constituição.
 Sublinhe-se, no entanto, que tanto no caso do Acórdão n.º 486/2004 como nos 
 arestos que se lhe seguiram (bem como, igualmente, no Acórdão n.º 456/2003, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 2004), o 
 Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da imprescritibilidade da 
 acção – com efeito, o objecto das sucessivas pronúncias restringia-se, apenas, 
 ao prazo constante do artigo 1817.º, n.º 1, não ficando afastada, por 
 conseguinte, a possibilidade de previsão, por via legislativa, de um prazo de 
 caducidade que dê satisfação aos vários interesses em jogo. Adiante-se, desde 
 já, que também no caso dos autos, o objecto do recurso se prende com o prazo 
 constante do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), (e não com a admissibilidade, em 
 geral, do ponto de vista da conformidade com as normas e princípios 
 constitucionais, de prazo de caducidade para a proposição de acção tendente à 
 impugnação da paternidade presumida do marido da mãe).
 
 9. No entanto, num registo mais recente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 
 
 (v. Curso de Direito de Família, vol. II, tomo 1, 2006, p. 139) sustentam que os 
 tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito 
 da caducidade do direito a investigar a paternidade. 
 E afirmam: “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das 
 provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança 
 prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do 
 interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da 
 tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da 
 personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade 
 biológica sugere claramente a imprescritibilidade.” 
 Acrescentam ainda que“(...) os prazos de caducidade para as acções de 
 estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos sedutores, 
 sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade familiar efectiva, 
 um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas funções, apesar de lhe 
 faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de um prazo com os fins 
 típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco convincente nestas 
 matérias” ((ob. cit., p. 137 – os sublinhados são nossos).
 
 10. Neste sentido, e em sede de direito comparado, veja-se o cotejo alargado 
 encetado pelo citado Acórdão n.° 23/2006, deste Tribunal, que se transcreve: 
 
 “[…] 12- A solução adoptada na ordem jurídica portuguesa a partir de 1967, não 
 sendo inédita no panorama comparatístico, não corresponde, porém, à adoptada na 
 grande maioria das ordens jurídicas que nos são mais próximas.
 Assim, por exemplo, o artigo 270.º do Código Civil italiano dispõe que a acção 
 para obter a declaração judicial da paternidade ou da maternidade ‘é 
 imprescritível para o filho’. Segundo o artigo 1606.º do Código Civil 
 brasileiro, a ‘acção de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, 
 passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz’ (a Lei n.º 8.560, de 29 
 de Dezembro de 1992 veio regular a investigação de paternidade dos filhos 
 havidos fora do casamento). Nos termos do artigo 133.º do Código Civil espanhol, 
 por sua vez, a ‘acção de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a 
 respectiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida’.
 E também o legislador alemão optou pela regra da imprescritibilidade: o artigo 
 
 1600e, n.º 1, do Código Civil alemão, prevendo a legitimidade do filho para a 
 acção de investigação (consagrada no artigo 1600d), não prevê qualquer prazo. 
 Como se salienta na doutrina:
 
 ‘Não existe em princípio qualquer prazo para a acção de investigação de 
 paternidade. Se o filho não tiver pai estabelecido, seja devido ao casamento, 
 seja por perfilhação, o seu progenitor pode ser judicialmente investigado a todo 
 o tempo, e, se for o caso, mesmo que o filho já seja há muito adulto. Pelo 
 contrário, se estiver estabelecida a paternidade (…), esta tem, em primeiro 
 lugar, de ser afastada por impugnação da paternidade (…), para que a via para a 
 investigação judicial de outro homem como pai fique livre. Como existem prazos 
 para isso (§1600b [que prevê um prazo de dois anos a contar do conhecimento de 
 circunstâncias que depõem contra a paternidade]), cujo decurso bloqueia também a 
 investigação judicial do verdadeiro pai, também existe mediatamente, nesta 
 medida, um prazo para a investigação judicial da paternidade 
 
 (Palandt/Diederichsen, BGB, 59ª ed., Munique, 2000, anot. 4 ao § 1600d).’
 Mesmo o Código Civil de Macau, aprovado em 1999 e tendo como modelo o Código 
 Civil português de 1966, adoptou uma solução diferente da do legislador 
 português: o n.º 1 do artigo 1677.º dispõe, claramente, que ‘a acção de 
 investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo’, sendo tal norma 
 aplicável ao reconhecimento judicial da paternidade por força da remissão do 
 artigo 1722.º, à semelhança do que acontece no Código Civil português (em 
 compensação, para evitar os inconvenientes de tal solução, nomeadamente por 
 meros intuitos de ‘caça à fortuna’, o artigo 1656.º, n.º 1, do Código de Macau 
 veio prever duas hipóteses em que o estabelecimento do vínculo produz apenas 
 efeitos pessoais, excluindo-se os efeitos patrimoniais).
 Como se disse, porém, não é só no nosso ordenamento que se encontra a previsão 
 de um prazo de caducidade da acção de investigação. Assim, no artigo 263.º do 
 Código Civil suíço prevê-se que a acção de investigação de paternidade pode ser 
 intentada pela mãe até um ano após o nascimento e pelo filho até ao decurso do 
 ano seguinte ao da sua maioridade (bem como, na hipótese de haver um vínculo de 
 paternidade estabelecido, no prazo de um ano após a dissolução desse vínculo). 
 Mas, de qualquer modo, existe no direito suíço uma cláusula geral de 
 salvaguarda, segundo a qual ‘a acção pode ser intentada depois do termo do prazo 
 se motivos justificados tornarem o atraso desculpável’. Já no direito francês, 
 porém, a acção deve ser proposta nos dois anos seguintes ao do nascimento 
 
 (artigo 340-4 do Code Civil, na redacção da Lei n.º 93-22, de 8 de Janeiro de 
 
 1993), existindo alguns casos de excepção ao prazo regra (se o pai e a mãe 
 viveram em união de facto estável durante o período legal de concepção, ou se 
 houve participação do pretenso pai na educação da criança). Se, porém, a acção 
 não tiver sido exercida durante a menoridade da criança, esta pode intentá-la 
 durante os dois anos seguintes à maioridade (um prazo, que, portanto, é neste 
 ponto idêntico ao da norma ora em questão).
 A maioria das ordens jurídicas referidas – a bem dizer, todas as indicadas, 
 salvo a francesa – não prevê, pois, um regime tão limitativo como o da norma em 
 causa no presente recurso. Antes contêm, ou um regime semelhante ao que já 
 vigorou entre nós, de imprescritibilidade da investigação de paternidade, sem 
 limite temporal para a acção (pelo menos quando a paternidade não está 
 estabelecida), ou uma cláusula de salvaguarda para um atraso desculpável na 
 propositura da acção.
 Já em 1977 era, aliás, significativa, também na doutrina, a posição segundo a 
 qual a acção de investigação de paternidade não deveria estar submetida a um 
 limite temporal. Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela (ob. e loc. 
 cits.), nessa época ‘avolumara-se já em alguns sectores da doutrina estrangeira 
 a tese de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, por 
 respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado 
 pessoal, não devia ser limitada no tempo.’
 Antes, ainda, de analisar os parâmetros constitucionais em questão e as 
 justificações referidas, com que normalmente se procura fundamentar a solução de 
 exclusão, em regra, do direito à investigação da paternidade a partir dos vinte 
 anos, importa, justamente, referir que também entre nós se notam alterações em 
 posições doutrinais. Designadamente, a própria doutrina mais frequentemente 
 citada nos arestos deste Tribunal, no sentido da orientação neles adoptada 
 
 (Guilherme de Oliveira, em Critério Jurídico da Paternidade, Coimbra, 1983, 
 págs. 463-471) pende hoje, expressamente, para a inconstitucionalidade do regime 
 em questão (assim, em Caducidade das acções de investigação, Revista Lex 
 Familiae, cit., n.º 1, 2004, págs. 7-13, concluindo ser sustentável ‘alegar a 
 inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos arts. 1817.º e 1873.º C. 
 Civ.’, tornando o regime inaplicável pelos tribunais, e devendo então o direito 
 dos filhos ‘poder ser exercitado a todo o tempo, durante a sua vida – contra o 
 suposto pai ou contra outros legitimados em seu lugar’; e salientando ainda ser 
 
 ‘conveniente ponderar não só o interesse dos familiares ou sucessores do filho 
 que morresse sem ter intentado a acção, mas também os interesses dos familiares 
 ou sucessores do suposto pai, contra quem havia de se dirigir a acção depois da 
 morte deste’, bem como a melhor forma de obviar a determinados casos-limite).”
 
 11. Vejamos agora se os argumentos constantes do Acórdão n.º 486/2004, para o 
 qual o despacho recorrido expressamente remete, bem como da restante 
 jurisprudência constitucional que se tem firmado neste domínio, poderão ser 
 transponíveis para os casos de limitação do direito de impugnação da paternidade 
 presumida do filho nos termos do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código 
 Civil.
 O regime da impugnação da paternidade presumida do filho nascido ou concebido na 
 constância do matrimónio da mãe assenta, por um lado, no estabelecimento de 
 legitimidade de vários interessados (a mãe, o marido e o filho) e, por outro, na 
 fixação de diferentes prazos de caducidade. Assim, a mãe pode intentar a acção 
 de impugnação no prazo de dois anos após o nascimento do filho. Já ao presumido 
 pai assiste o prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de factos 
 que possam indiciar a sua não paternidade. No que diz respeito ao filho – 
 situação que se coloca nos autos – o prazo é de um ano após ter atingido a 
 maioridade ou emancipação ou, quando apenas tomou conhecimento de circunstâncias 
 que permitam concluir não ser filho do pai presumido posteriormente, no prazo de 
 um ano a contar de tal data.
 
 12. São conhecidas as razões que se costumam invocar para justificar a 
 caducidade da acção de impugnação da paternidade presumida: o perigo do 
 enfraquecimento das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em 
 matéria tão sensível. No que se refere, especialmente, à impugnação da 
 paternidade do marido, avulta uma outra razão, como seja, a protecção da família 
 conjugal. 
 E, nesta sede, vincando, a possibilidade de, contrariamente ao defendido, no que 
 concerne à caducidade do direito de investigar a paternidade, as pretensões de 
 constituição de vínculos novos poderem merecer um regime diferente da pretensão 
 de impugnar vínculos existentes, defendem os mesmos Ilustres Autores citados 
 
 (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., pp. 139 e seguintes) que, as 
 razões que levam a defender a imprescritibilidade das acções de investigação não 
 parecerão tão líquidas para as acções de impugnação. 
 Assim, no que concerne a estas acções, pode-se ler que “se me parece hoje claro 
 que a investigação da paternidade deve ser imprescritível, não me parece tão 
 líquido que a impugnação da paternidade (do marido ou do perfilhante) deva ser 
 assim tão livre”, na medida em que “as impugnações agridem um estado jurídico e 
 social prévio, que pode ter uma duração e uma densidade consideráveis” (ob. 
 cit., pp. 139-140).
 No entanto, atento o disposto no artigo 1859.º, verifica-se que a impugnação da 
 perfilhação obedece a um regime totalmente diverso, concedendo legitimidade para 
 agir não só ao perfilhante e perfilhado mas também a qualquer pessoa que tenha 
 interesse moral ou patrimonial na sua procedência e ao Ministério Público. 
 Estabelece-se, ainda, o regime de imprescritibilidade para essa impugnação que 
 pode ser intentada a todo o tempo, mesmo depois da morte do perfilhado.
 
 13. As razões apontadas no sentido da imprescritibilidade das acções de 
 investigação da paternidade ou maternidade não são, sem mais, inteiramente 
 transponíveis para as acções de impugnação. Comecemos por analisar a questão ao 
 nível do direito comparado.
 A regra da caducidade da impugnação é conhecida pela generalidade dos sistemas 
 jurídicos (como nota Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 371).
 O Código Civil espanhol prevê um prazo curto para o marido agir, contado desde o 
 nascimento do filho (artigo 136 do Código Civil espanhol). Já o filho dispõe de 
 um ano a contar do registo da filiação ou da maioridade ou do acesso à plena 
 capacidade jurídica. Este prazo de caducidade, no entanto, apenas está previsto 
 no caso em que existe posse de estado de filiação matrimonial. No caso 
 contrário, o direito de impugnar pode ser exercido a todo o tempo pelo filho ou 
 pelos seus herdeiros (artigo 137).
 O artigo 136 foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 
 espanhol, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que 
 prevê o prazo de um ano para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da 
 paternidade sempre que se demonstra que não tinha conhecimento que não era, 
 efectivamente, o pai biológico (Sentenças do Plenário n.ºs 138/2005 e 
 
 156/2005[1]). Estas pronúncias limitaram-se, no entanto, a aferir a 
 inconstitucionalidade do prazo concretamente previsto na norma, mormente do 
 respectivo dies a quo. Explicitou-se, por conseguinte, a possibilidade de o 
 legislador, no âmbito da sua margem de conformação, estabelecer um outro prazo 
 para a impugnação da paternidade presumida, em ordem à salvaguarda da segurança 
 jurídica, “dentro de cánones respetuosos con ele derecho a la tutela judicial 
 efectiva (…).”
 Em França, a recente reforma da filiação, concretizada pela Ordonnance n.º 
 
 2005-709, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2006, veio simplificar e 
 harmonizar o regime das acções de contestação da paternidade, nomeadamente no 
 que diz respeito à legitimidade activa e aos prazos para agir. Existem agora 
 dois meios processuais disponíveis para contestar a paternidade, consoante se 
 verifique ou não posse de estado conforme ao título (assente em paternidade 
 presumida ou por reconhecimento).
 Na ausência de posse de estado, qualquer interessado, incluindo o filho, pode 
 intentar a acção no prazo de dez anos a contar do estabelecimento da filiação. O 
 filho pode ainda contestar a paternidade nos dez anos seguintes após ter 
 atingido a maioridade (artigos 334 e 321 do Code Civil). Caso exista posse de 
 estado conforme ao título, apenas a mãe, o pretenso pai, o filho ou o marido ou 
 autor do reconhecimento, conforme o caso, podem contestar a paternidade 
 estabelecida. Neste caso, o prazo é de apenas de 5 anos a contar daquele 
 estabelecimento (artigo 333). 
 No direito suíço, a presunção de paternidade pode ser impugnada judicialmente 
 pelo marido e pelo filho mas, relativamente a este último, apenas se a comunhão 
 de vida dos cônjuges terminou antes de atingir a maioridade (artigo 256 do Code 
 Civi suíço). O marido tem o prazo de um ano para intentar a acção após o 
 conhecimento do nascimento e dos indícios de que poderá não ser o pai biológico. 
 Já o filho pode agir durante a menoridade e no prazo de um ano após ter atingido 
 a maioridade. Em todo o caso, a acção pode ainda ser intentada após o decurso 
 dos referidos prazos em caso de motivo atendível que justifique a não 
 observância dos mesmos (artigo 256c).
 Na Alemanha, vigora um regime muito semelhante ao estabelecido pelo nosso Código 
 Civil, ressalvando-se a possibilidade de o pai biológico poder impugnar a 
 paternidade presumida apenas nos casos em que não existe, entre o filho e o 
 marido da mãe, relações “sócio-familiares”.  
 A previsão de prazos de caducidade e de limitações ao direito de impugnar a 
 paternidade não se revela, por conseguinte, uma opção legislativa isolada no 
 plano comparatístico.
 Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[2] já teve oportunidade de se 
 pronunciar sobre a previsão legal de prazos para a impugnação da paternidade 
 presumida do marido da mãe. Fê-lo, no entanto, apenas relativamente ao direito 
 de acção do pai presumido e da mãe (relativamente ao pai presumido, cfr. 
 Acórdãos Shofman v. Rússia[3] e Mizzi v. Malta[4]; no que diz respeito à mãe, 
 cfr. Acórdãos Znamenskaya v. Rússia[5] e Kroon v. Países Baixos[6]).
 Das várias pronúncias do Tribunal Europeu resulta que a previsão legal de prazos 
 para a impugnação da paternidade presumida não é, em si mesma, contrária à 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente no que diz respeito ao 
 seu artigo 8.º. Assim, o Tribunal aceita que, em atenção aos valores da 
 segurança jurídica e da estabilidade das relações familiares, a paternidade 
 presumida possa tornar-se inatacável. O que se exige, no entanto, é que o prazo 
 estipulado permita, efectivamente, a possibilidade de os titulares do direito de 
 agir, querendo, poderem lançar mão de tal meio processual e contrariar a 
 presunção legal de paternidade em ordem à reposição da verdade biológica.
 Assim, o prazo deve ser tal que permita, em concreto, e dentro do limite 
 temporal estabelecido pelo legislador nacional, o exercício do direito em tempo 
 
 útil. O que significa que releva, por conseguinte, não apenas o prazo 
 concretamente estabelecido mas também o modo como se processa a contagem desse 
 mesmo prazo.
 
 14. Regressemos então à análise da situação que se nos oferece nos autos. Como 
 já ficou dito, não parece que se possa transpor, sem mais, a argumentação 
 expendida na jurisprudência constitucional mais recente e que já se elencou. Com 
 efeito, no caso sub judicio, estamos perante uma acção de impugnação da 
 paternidade (e não uma acção de investigação) que pode ser intentada, como 
 vimos, não só pelo filho mas também pela mãe e pelo marido da mãe, sujeita a um 
 prazo de caducidade que já não é determinada por factos estritamente objectivos 
 
 (tal como a maioridade ou emancipação do investigante) mas também por um 
 elemento subjectivo – conhecimento pelo filho ou marido da mãe de circunstâncias 
 susceptíveis de indiciar a inexistência de vínculo biológico.
 Não tem o regime legal da caducidade, porém, sido isento de criticas. A 
 propósito do mesmo, por exemplo, escreveu Guilherme de Oliveira o seguinte:
 
 “(…) os prazos estabelecidos no direito português deveriam ser mais longos. A 
 decisão de impugnar é fundamental e difícil para qualquer um dos titulares: o 
 marido desencadeia ou ratifica a desagregação familiar; a mulher faz o mesmo e 
 assume publicamente a violação da fidelidade conjugal; o filho decide com base 
 em factos que chegam ao seu conhecimento por interpostas pessoas, anos depois do 
 seu nascimento, com a agravante possível de algumas relações subsistentes com o 
 marido da mãe lhe tolherem a vontade.
 Além disto, a perempção devia ceder perante alterações excepcionais e graves da 
 vida familiar que tornassem injusta e inútil a subsistência do vínculo: a 
 prática de ofensas muito graves contra o marido, imputáveis ao filho, que 
 afectassem desesperadamente a relação paternal, ou a ocorrência de outros factos 
 ponderosos tais que a manutenção do vínculo acabasse por ser gravemente lesiva 
 dos interesses do filho.” (Critério…, cit., p. 390).
 
 15. No estabelecimento de prazos curtos, no que diz respeito à acção da mãe e do 
 marido desta acarreta tem, no entanto, sido vista a vantagem de tutelar os 
 interesses do próprio filho em não ver indefinidamente pendente o risco de 
 afastamento da presunção legal de paternidade. Assim, salienta o Exmo. 
 Procurador-Geral-Adjunto, “a acção do filho subsistirá normalmente por muitos 
 anos, após estar esgotado o direito de impugnar a paternidade pelos restantes 
 interessados (necessariamente pela mãe, provavelmente pelo marido, já que 
 plausivelmente terá este conhecimento das circunstâncias que inculcam a 
 inexistência do vínculo biológico durante a menoridade do filho).” E adianta 
 ainda que “o estabelecimento de prazos ‘curto’ – embora razoáveis e adequados – 
 para os progenitores impugnarem a paternidade presumida radicará, deste modo, 
 numa tutela do interesse do próprio filho menor, réu na acção, evitando, 
 nomeadamente, que o impugnante/marido da mãe – conhecedor de circunstâncias que 
 inculcam a sua não paternidade – possa prolongar indefinidamente a pendência de 
 tal situação, servindo-se dela como instrumento de ‘pressão’ sobre o cônjuge e, 
 indirectamente, sobre o próprio filho, nomeadamente quando confrontado com o 
 dever de pagamento de alimentos ou de contribuição para as despesas domésticas.”
 Em anotação ao Acórdão n.º 486/2004, citado, Remédio Marques adiantou que “o 
 regime da impugnação da paternidade presumida, porventura cerceador da liberdade 
 de fazer coincidir a verdade biológica com a verdade jurídica do estabelecimento 
 da filiação paterna em relação a outro homem, que não o marido da mãe (…) prova 
 que esse regime jurídico positivo dos filhos nascidos dentro do casamento (art. 
 
 1842.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil) estará, porventura, sujeito a alguma 
 censura jurídico-constitucional, especialmente quando as justificações ligadas à 
 inércia ou ao desinteresse do investigante têm pouco peso; o que, na verdade, 
 sucede quando este (filho) ainda não haja completado a sua formação profissional 
 e, vivendo ou sendo mantido pela mãe e pelo ‘marido dela’ – ou devendo sê-lo, ao 
 abrigo do art. 1880.º do Código Civil –, ainda não ingressou na vida 
 profissional activa.” (in Jurisprudência Constitucional, 2004, t. 4, fasc. 
 Outubro- Dezembro (2004), p. 49)
 
 16. No que tange ao presente recurso, resulta dos autos que a Autora terá 
 conhecido as circunstâncias das quais podia inferir não ser filha do Recorrido 
 B., “pelo menos em 3 de Abril de 2000”. Assim, face ao artigo 1842.º, n.º 1, 
 alínea c), do Código Civil, o seu direito de acção extinguir-se-ia um ano 
 depois, em Abril de 2001, na medida em que havia atingido a maioridade em 21 de 
 Março de 1997.
 Não poderá, no entanto, deixar de se atender a outros factores, nomeadamente o 
 facto de, até Abril de 2000, a Autora ter vivido com a sua mãe e ter, então, 
 apenas vinte e um anos de idade.
 Com efeito, o prazo de um ano previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), para 
 que o filho pondere adequadamente as circunstâncias e promova a acção de 
 impugnação da paternidade presumida, parece manifestamente exíguo, 
 particularmente nos casos em que, como o dos autos, o conhecimento das 
 circunstâncias que indiciam a não paternidade biológica do marido da mãe ocorreu 
 em momento temporalmente próximo da data em que o interessado alcançou a 
 maioridade e a sua própria autonomia.
 Nesta medida, e na sequência da lógica argumentativa que o Tribunal 
 Constitucional tem desenvolvido em sede de caducidade das acções de investigação 
 da paternidade, justifica-se o juízo de inconstitucionalidade material da norma 
 contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
 
 17. Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito 
 fundamental à integridade pessoal” ganhando uma dimensão mais nítida, como, 
 ainda, “o direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não 
 se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais 
 consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da 
 personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da 
 inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.°, n.° 1, do Código Civil estão, 
 outrossim para a disposição contida no artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do mesmo 
 Código. 
 
 18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer 
 dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa 
 sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do 
 direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. 
 A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de 
 onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da 
 verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade, tal como se 
 prefigura na norma em apreço, para as acções de estabelecimento de filiação. 
 Com efeito, como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na sua alegação, 
 
 “o único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental 
 do filho a conhecer e determinar juridicamente a sua verdadeira paternidade 
 biológica seria o da ‘harmonia’ e estabilidade da vida e da família conjugal.” 
 Tal interesse não poderá, no entanto, prevalecer, face ao princípio da 
 proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir 
 contra supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no 
 momento do reconhecimento), embora com antecedentes no nosso sistema jurídico, 
 traduzem-se em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os 
 filhos concebidos fora do casamento. 
 
 19. É certo que o réu, no caso o marido da mãe, poderá também invocar direitos 
 fundamentais, como o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, 
 que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam pôr em crise. 
 Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à 
 custa do direito de investigar a própria paternidade, determinada 
 fundamentalmente pelo “princípio da verdade biológica” que inspira o nosso 
 direito da filiação. 
 
 20. Por outro lado, destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia 
 ou o desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode ser 
 considerado, já que tal prazo decorrerá, na grande parte das situações, quando o 
 filho ainda vive em casa da mãe e do marido, em economia comum e sem autonomia 
 económica. 
 Assim, a fixação de tal prazo, manifestamente exíguo, tendo em vista, 
 nomeadamente, que não devem desconsiderar-se as diversas circunstâncias que 
 envolvem a sua decisão no sentido de vir impugnar a paternidade que lhe é 
 atribuída, acarreta uma injustificada e desproporcionada limitação aos direitos 
 fundamentais do filho em causa, nomeadamente o direito à identidade e 
 integridade pessoal, bem como o direito a constituir família, que incluem o 
 direito a conhecer a filiação materna e paterna e, como tal, apresenta-se como 
 violadora do conteúdo desses mesmos direitos. 
 
 21. Consequentemente, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus 
 efeitos, a solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível por 
 se revelar desproporcionado, violando também o disposto no artigo 18.º, n.° 2 da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Com efeito, e, conforme foi decidido pelo Exmo. Juiz da Comarca de Abrantes, as 
 desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir a ter a sua 
 paternidade em correspondência com a verdade biológica são superiores e 
 claramente desproporcionadas em relação às desvantagens eventualmente 
 resultantes, para o impugnado e sua família. 
 
 22. Um último argumento, de carácter pragmático, que vem esgrimido não só na 
 decisão recorrida, como também na alegação de recurso, leva-nos a concluir no 
 mesmo sentido, uma vez que, a impugnação da paternidade presumida, em casos como 
 o dos autos, se apresenta como um mecanismo essencial no iter processual que o 
 impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e 
 estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência. Com efeito, existindo 
 uma paternidade estabelecida e devidamente registada, a fixação de outra depende 
 impreterivelmente do afastamento daquela. Caso procedesse a caducidade do 
 direito de impugnação daquela, assim se cercearia, em definitivo, o direito de o 
 filho ver reconhecida a paternidade biológica tanto mais que não há coincidência 
 entre os prazos de tais acções.
 Conclui-se que a norma prevista no artigo 1842. °, n.º 1, alínea c), na dimensão 
 interpretativa explicitada, é inconstitucional por violação dos artigos 26.º, 
 n.° 1, 36.°, n.º 1 e 18. °, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 
 
 
 III – Decisão 
 Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o juízo de 
 inconstitucionalidade na decisão recorrida, consignando-se, por esta forma, a 
 inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 1842.°, n.° 1, alínea c), do 
 Código Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho 
 maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o 
 prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de 
 que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, por violação dos artigos 
 
 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 
 Sem custas.
 Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme
 declaração.
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 Não posso subscrever o presente acórdão cuja linha de fundamentação absorve, na 
 sua essência, argumentos contrários ao estabelecimento de prazos de caducidade 
 nas acções de impugnação de paternidade. Na verdade, parece-me que não pode ser 
 transposta para o presente caso a doutrina sufragada em acórdãos do Tribunal a 
 propósito de acções de investigação de paternidade, proferidos em recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro, nas quais, em razão de particulares circunstâncias do caso, o 
 prazo de caducidade fora ultrapassado sem que o interessado tivesse podido 
 dispor de condições razoáveis para o exercício do direito.
 Todavia, no caso em presença é confirmado um juízo de desaplicação da norma sem 
 que conste uma análise ponderada sobre a exiguidade concreta do prazo de 
 caducidade da acção, uma vez que a razão da presente decisão, conforme se diz 
 claramente do ponto 18. do acórdão, consiste no seguinte:
 
  
 
 '[...] 
 
 18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer 
 dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa 
 sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade de 
 o direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. 
 
 [...]'
 
  
 Ora, assim construída, a decisão não só assenta em razões que se me afiguram 
 insuficientes para conduzir a um tal resultado, mas também ultrapassa claramente 
 o âmbito em que se deve mover o Tribunal, ao qual não cabe consagrar opções de 
 política legislativa, como é, por exemplo, o entendimento de que este tipo de 
 acções não deve estar sujeito a prazos de caducidade, ou mesmo o de que os 
 prazos estabelecidos devem ser mais longos, ou até o de que o seu dies a quo 
 deveria corresponder à verificação de uma situação de vida do impugnante 
 desligada do relacionamento familiar que pretende desfazer. Tal tarefa cabe ao 
 legislador (que dispõe da oportunidade de moldar genericamente o sistema, 
 garantindo-lhe a indispensável homogeneidade) e não ao Tribunal, cuja actividade 
 
 – neste tipo de recursos – se resume ao momento da aplicação de uma norma em 
 concreto, fase em que o peso dos factores específicos do caso podem ditar uma 
 interpretação normativa porventura imprevista, até não desejada pelo legislador 
 ordinário, e claramente rejeitada pelo legislador constitucional. 
 
 É esse juízo de verificação de intolerável compressão do direito que justifica a 
 interferência do Tribunal Constitucional no resultado da aplicação concreta da 
 norma. E é justamente a ausência desta ponderação no presente acórdão que, com 
 salvaguarda do respeito que me merece opinião contrária, me conduz à posição de 
 divergência que aqui manifesto.
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
 
 
 [1] Declarou-se inconstitucional o artigo 136.1, “en cuanto comporta que el 
 plazo para el ejercicio de la acción de impugnación de la paternidad matrimonial 
 empiece a correr aunque el marido ignore no ser el progenitor biológico de quien 
 ha sido inscrito como hijo suyo en el Registro Civil.” 
 
 [2] Jurisprudência disponível em 
 http://www.echr.coe.int/ECHR/EN/Header/Case-Law/HUDOC/HUDOC+database/ 
 
 [3] Application n.º 74826/01
 
 [4] Application n.º 26111/02.
 
 [5] Application n.º 77785/01.
 
 [6] Application n.º 18535/91.