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Processo n.º 385/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins                     
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal Central Administrativo Norte, em que figura como recorrente CAIXA 
 GERAL DE APOSENTAÇÕES e como recorrido o SINDICATO DOS TRABALHADORES DA 
 ADMINISTRAÇÃO LOCAL - STAL, foi, pela primeira, interposto recurso, em 07 de 
 Março de 2007, de Acórdão proferido por aquele Tribunal [cfr. requerimento de 
 fls. 163], que confirmou as decisões anteriormente proferidas pelo 2º Juízo do 
 Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgando “pela 
 inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do artigo 01º e do 
 art. 02º da Lei n.º 01/04 quando entendidas no sentido de que não é aplicável o 
 regime do DL n.º 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo 
 simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor 
 daquela Lei, por violação conjugada do disposto nos arts. 02º e 266º da CRP 
 
 [princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao 
 princípio do Estado de Direito]” (fls. 154-verso).
 
  
 
 2. Notificada para tal, a recorrente veio produzir as seguintes alegações 
 escritas, as quais constam de fls. 185 a 188:
 
  
 
 «O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22 de Fevereiro de 
 
 2007, proferido nos autos à margem referenciados, após raciocínio formulado ao 
 longo do referido aresto, concluiu pela inconstitucionalidade material das 
 normas vertidas no n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 
 de Janeiro, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril, aos processos que se iniciaram antes de 
 
 31.12.2003, pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da 
 entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do disposto nos artigos 2.º 
 e 266.º da CRP [Princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica 
 inerentes ao princípio do Estado de Direito]. 
 
  
 Com a devida vénia, não pode a Caixa Geral de Aposentações (CGA) conformar-se 
 com tal decisão. 
 
  
 Na verdade, a questão em causa cinge-se apenas à verificação, por esse Venerando 
 Tribunal, se existe, ou não, violação dos princípios que emanam dos artigos 2.º 
 e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), já que a CGA, ao 
 contrário do que se argumenta no aludido Acórdão, sustenta que os artigos 1.º, 
 n.º 6, e 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de 
 efeitos retroactivos, não são inconstitucionais. 
 
  
 Assim, com fundamento nos argumentos expendidos na douta Sentença de 23 de 
 Fevereiro de 2006, Proc.º 2070/04.3BELSB, do Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Sintra, páginas 9 a 11, a Caixa igualmente, sustenta que “Dispõe o artigo 3.º, 
 n.º 3, da CRP, que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com 
 a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos 
 definidos no artigo 29.º, n.º1  a 4, da CRP.” 
 
  
 e ainda que (aqui, ao contrário do juízo formulado pelo aludido Acórdão do TCA 
 Norte): 
 
  
 
 “O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo 
 quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí; que 
 o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador. Assim, as 
 disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as 
 de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da 
 interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272).” 
 
  
 Seguindo-se mais argumentação sobre a constitucionalidade da norma em causa. 
 
  
 A Caixa sustenta ainda a sua tese nos fundamentos proferidos pelo digníssimo 
 Procurador-Geral Adjunto do Tribunal Central Administrativo Sul na sua douta 
 intervenção no Processo n.º 1486/06, 2.º Juízo — 1.ª Secção, de que a norma 
 contida no artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por conter comando 
 jurídico com efeitos retroactivos, não padece da inconstitucionalidade ou da 
 ilegalidade que lhe é imputada, por não atingir, de forma inadmissível, 
 intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas 
 expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de 
 características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto - Lei 
 n.º 116/85, de 14 de Abril. 
 
  
 Na verdade, tal como faz reparo, tendo em conta que aquele regime anunciava, em 
 primeira linha como medida conjuntural “de descongestionamento da Administração 
 Pública”, dependente de não haver “prejuízo para o serviço” e não como o 
 reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação 
 antecipada, era expectável a sua alteração quando se modificassem as 
 circunstâncias da adopção da medida legislativa. 
 
  
 Se assim não fosse entendido, seria um absurdo, já que não é violado qualquer 
 preceito constitucional — muito menos os princípios da protecção da confiança e 
 da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito —, por não se 
 atingirem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e 
 inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de 
 aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril. 
 
  
 Ora, por ser à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as 
 condições para a aposentação antecipada e por entender que as normas que versam 
 sobre retroactividade não padecem de qualquer inconstitucionalidade, se solicita 
 a esse Venerando Tribunal que se pronuncie sobre se as normas contidas nos 
 artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, padecem, ou não, 
 de inconstitucionalidade material. 
 
  
 Acresce que a revogação do Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril, já havia sido 
 anunciada em 2003, com a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, posteriormente 
 declarada inconstitucional pelo Acórdão do TC n.º 360/2003, de 8 de Julho de 
 
 2003, por razões formais. 
 
  
 Era público que estava em marcha o processo legislativo tendente à aprovação de 
 medida idêntica o mais rapidamente possível, para entrar em vigor em 1 de 
 Janeiro de 2004, como é norma neste tipo de diplomas. O atraso na publicação da 
 lei cuja aprovação foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente 
 contestada pelos sindicatos, não invalida a produção dos seus efeitos, já que a 
 sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia 
 dependa da sua publicação.
 
  
 CONCLUSÕES: 
 
  
 A) Os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por 
 conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não 
 atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e 
 inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de 
 aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril. 
 
  
 B) O artigo 3.º, n.º 3, da CRP, dispõe que a validade das leis do Estado depende 
 da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser 
 retroactiva nos termos definidos no artigo 29.º, n.º1 a 4, da mesma lei.
 
  
 C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós 
 
 (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, 
 daí, que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador.
 
  
 D) Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força 
 vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre 
 o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272). 
 
  
 E) Por outro lado, o atraso na publicação da lei não invalida a produção dos 
 seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, 
 embora a sua eficácia dependa da sua publicação, tanto mais que a sua aprovação 
 foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos 
 sindicatos.
 
  
 F) Nesta conformidade, face aos fundamentos acima expostos, a CGA entende que 
 deverá ser declarado que os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 
 de Janeiro, não são, em qualquer circunstância, inconstitucionais, nem, tão 
 pouco, violam quaisquer dos princípios que emanam dos artigos 2.º e 266.º da 
 CRP. 
 
  
 Assim, deve proceder o presente recurso, determinando-se a reforma do Acórdão 
 recorrido quanto ao julgamento da questão da constitucionalidade.»
 
  
 
 3. Notificado pela recorrente, nos termos dos artigos 229º-A, 260º-A e 698º, n.º 
 
 2 do CPC (fls. 190), o recorrido não apresentou as suas contra-alegações, dentro 
 do prazo legalmente fixado.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 
 4. Nos presentes autos, discute-se a constitucionalidade das seguintes normas, 
 constantes da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro:
 
  
 
 “Artigo 1º
 Caixa Geral de Aposentações
 
 (…)
 
 6 – O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa 
 Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa 
 Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor 
 deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições 
 legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja 
 aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser 
 declarada pela competente junta médica após aquela data”.
 
  
 Artigo 2º
 Entrada em vigor
 A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.”
 
  
 Através do n.º 3 do artigo 1º da Lei n.º 1/2004, procedeu-se à revogação do 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, que, entre outras, dispunha que:
 
  
 
                                                            “Artigo 1º
 
             “1 – Os funcionários e agentes da administração central, regional e 
 local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou 
 de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a 
 carreira ou categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à 
 pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que 
 não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 
 
 36 anos de serviço.
 
             (…)
 
  
 
                                                                        Artigo 3º
 
          1 – Os requerimentos solicitando a aposentação nos termos do n.º 1 do 
 artigo 1º devem dar entrada nos departamentos onde os funcionários e agentes 
 prestam serviço, acompanhados dos necessários documentos comprovativos do tempo 
 de serviço prestado.
 
                         (…).”
 
  
 A referida Lei n.º 1/2004 resultou do Projecto-Lei n.º 362/IX/2ª, que deu 
 entrada na Mesa da Assembleia da República em 07 de Outubro de 2003 (cfr. 
 informação sobre o procedimento legislativo, disponível no sítio electrónico da 
 Assembleia da República, in 
 http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=19863). O referido 
 Projecto-Lei só foi publicado em separata ao “Diário da Assembleia da 
 República”, em 28 de Outubro de 2003 (Separata n.º 50/IX/2ª), tendo-se iniciado 
 um procedimento de consulta pública que se prolongou desde aquela data até 26 de 
 Novembro de 2003.
 
  
 O Projecto-Lei n.º 362/IX/2ª foi votado na generalidade, na especialidade e em 
 votação final global, respectivamente, em 27 de Novembro, 03 de Dezembro e 04 de 
 Dezembro de 2003. Por sua vez, o Decreto n.º 142/IX, que viria dar lugar à Lei 
 n.º 2/2004, foi apenas promulgado e referendado em 30 de Dezembro de 2003. De 
 acordo com a informação disponibilizada pelo próprio órgão autor da norma (cfr. 
 in http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=19863), o decreto apenas 
 foi enviado para publicação em 08 de Janeiro de 2004.
 
  
 
 5. Encontra-se provado em primeira instância (cfr. fls. 75 e 76) que o associado 
 do recorrido, CARLOS MANUEL NEVES DOS SANTOS, requereu, em 11 de Novembro de 
 
 2003, ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que enviasse o seu 
 pedido de aposentação à ora recorrente, ao abrigo “do n.º 1 do art.º 1º do D.L. 
 n.º 116/85, de 16 de Abril, conjugado com o Decreto-Lei n.º 241/89, de 3 de 
 Agosto (Estatuto Social do Bombeiro)”. Ficou igualmente provado que o Município 
 da Figueira da Foz enviou o referido pedido de aposentação, em 12 de Janeiro de 
 
 2004, através de ofício que apenas foi recebido pela recorrente, em 14 de 
 Janeiro de 2004.
 
  
 A Lei n.º 1/2004 entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2004, mas apenas foi 
 publicada, na Iª Série do “Diário da República”, em 15 de Janeiro de 2004.
 
  
 
 6. A título prévio – e em benefício da boa decisão da causa – impõe-se 
 confrontar a jurisprudência deste Tribunal, em sede de apreciação da 
 constitucionalidade de mutações do regime jurídico de aposentação de 
 funcionários e agentes da administração pública, com as particularidades 
 próprias do caso ora em apreço.
 
  
 Com efeito, este Tribunal tem vindo a afirmar – jurisprudência que ora se 
 reitera e acompanha – que as sucessivas alterações àquele regime jurídico de 
 aposentação, ainda que desfavoráveis aos respectivos interessados, não violam o 
 princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, 
 desproporcionadas e inesperadas:
 
  
 
 “«Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I 
 Série, de 20 de Fevereiro de 1991):
 
  
 
 “Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no 
 sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma 
 inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos 
 cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado 
 de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 
 
 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e 
 segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no 
 Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da 
 República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, 
 n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, 
 designadamente através dos Acórdãos nºs. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º 
 vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., 
 respectivamente).”
 
  
 E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92, 
 publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, 
 salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas 
 legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, 
 arbitrária ou demasiadamente onerosa. A “ideia geral de inadmissibilidade” 
 deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:
 
  
 
 “a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
 b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve 
 recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, 
 a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18º da 
 Constituição desde a 1ª revisão).
 Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente 
 onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se 
 excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.”
 
 […]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de 
 um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de 
 aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto 
 que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação 
 da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).
 Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem 
 a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de 
 tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um 
 dado regime da aposentação antes de certo momento.
 Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria 
 expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem 
 razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o 
 legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. 
 Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma 
 previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o 
 regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à 
 data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, 
 por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente 
 alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao 
 interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem 
 ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças 
 poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da 
 aplicação.
 Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa 
 afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, 
 ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em 
 causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o 
 legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem 
 contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou 
 desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso 
 dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem 
 
 à aposentação.
 Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos 
 a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a 
 receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o 
 interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa 
 
 (assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamentos ou de 
 montante superior).
 Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente 
 ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes 
 sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das 
 remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação, 
 introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, não 
 pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para 
 efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48º do Estatuto 
 da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições 
 para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da 
 aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas, 
 nos termos do referido artigo 43º, quando se verificam os pressupostos que dão 
 origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o 
 interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia).
 Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida 
 pela Lei n.º 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo 
 
 43º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data 
 da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável 
 sustentar que a norma do artigo 43º do citado Estatuto, sobre o momento da 
 fixação do regime da aposentação – cuja constitucionalidade, aliás, não foi 
 impugnada –, permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou 
 demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).
 
 [...]. Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da 
 jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só 
 será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar 
 direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se 
 prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, 
 explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no 
 n.º 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão.
 E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que, 
 objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e 
 despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de 
 vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e 
 a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o 
 regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que 
 limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida 
 em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização 
 das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores 
 no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.
 
 […]. Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem 
 ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem 
 essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de 
 salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes.
 Como concluía o Acórdão n.º 287/90 (e o Acórdão n.º 285/92 repetiu): 
 
      “Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas 
 ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou 
 relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não 
 está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo 
 público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos 
 pendentes.” (itálico aditado)».” (Acórdão n.º 99/99, de 10 de Fevereiro de 1999, 
 publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 76, de 31 de Março).
 
  
 Em sentido idêntico, voltou a pronunciar-se este Tribunal, através de decisão do 
 Plenário, em 09 de Maio de 2006:
 
  
 
 “De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor 
 pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida 
 expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal 
 se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99 (cit.), em que estava em 
 causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber 
 se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão 
 de aposentação afecta expectativas – e, mais precisamente, expectativas 
 legítimas – dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. 
 
  
 Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa 
 legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão nº 
 
 99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da 
 Aposentação, que dispõe: 
 
 «1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação 
 existente à data em que: 
 a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não 
 dependa de verificação de incapacidade; 
 b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o 
 parecer desta, quando a lei especial o exija; 
 c) O interessado atinja o limite de idade; 
 d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal 
 definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação 
 equivalente. 
 
 2 – O disposto no nº 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de 
 aposentação, a situações anteriores. 
 
 3 – …».
 
  
 Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é no momento 
 da aposentação – ou, mais rigorosamente, no momento em que se verifique qualquer 
 das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 – que se fixa, com 
 base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.  
 
  
 Significa isto, como sublinhou o Acórdão n.º 99/99, que não possuem os 
 subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa 
 legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo 
 deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º 
 do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da 
 aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar – di-lo claramente 
 aquela norma – será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos 
 e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se 
 afirmou no Acórdão nº 99/99, «(…) a impossibilidade de previsão de uma mudança 
 só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se 
 estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, 
 designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o 
 regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão nº 99/99 -, «o artigo 43.º do 
 Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de 
 possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação 
 se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado, 
 este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em 
 sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), 
 ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à 
 constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda 
 que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim, 
 desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas 
 legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não 
 fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse 
 uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das 
 normas não pudessem contar – justamente por, como o legislador esclareceu já no 
 artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da 
 aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem 
 poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação». 
 
  
 Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna 
 de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado 
 a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último 
 triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual 
 se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último 
 biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em 
 qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de 
 manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as 
 suas vertentes – ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer 
 intervenção reformadora do legislador neste domínio.
 
  
 Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma 
 expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da 
 mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações 
 que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de 
 proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda 
 na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua 
 carreira contributiva. 
 
  
 A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar 
 de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este 
 Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e 
 n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão nº 141/85 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.). Ora, o abandono do critério da 
 retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de 
 referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a 
 determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla 
 liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a 
 circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição, 
 de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no 
 sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma 
 absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de 
 tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito 
 no princípio do Estado de direito democrático.” (Acórdão n.º 302/2006, de 09 de 
 Maio de 2006, publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 113, de 12 de 
 Junho).
 
  
 
             7. Esclarecido este aspecto, impõe-se, contudo, aferir da similitude 
 entre aquelas situações controvertidas que deram lugar à jurisprudência supra 
 reproduzida e a situação concreta em apreço nos presentes autos.
 
  
 
             Deve notar-se, em primeiro lugar, que este Tribunal, nos acórdãos 
 supra referidos, afrontou um problema geral – o de saber se a introdução de uma 
 diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta 
 expectativas legítimas dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E a esse 
 problema optou por responder negativamente, isto porque os princípios da 
 segurança jurídica e da tutela da confiança não fundamentam o reconhecimento de 
 expectativas legítimas à manutenção de um regime de aposentação mais favorável 
 que haja vigorado ao longo da carreira contributiva do candidato a aposentado. 
 
  
 Além disso, é de sublinhar que a jurisprudência deste Tribunal quando invoca o 
 artigo 43º do Estatuto da Aposentação o faz, apenas, enquanto elemento da 
 previsibilidade genérica de mudança do regime de aposentação ao longo da 
 carreira contributiva do subscritor e não no âmbito do problema específico da 
 alteração dos pressupostos da constituição da situação do aposentado ocorrida no 
 decurso de processos de aposentação pendentes.  
 
  
 O problema que se coloca no caso em apreço nos presentes autos é, portanto, 
 diferente.
 
  
 Sublinhe-se que, neste caso, foi o próprio legislador que pretendeu assegurar um 
 grau mais intenso de protecção da segurança jurídica e da legítima confiança de 
 alguns subscritores da Caixa Geral de Aposentações, garantindo que a extinção, 
 por revogação, do regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de 
 Abril, “não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos 
 processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços 
 ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma”. Significa isto que, 
 ciente das consequências jurídicas do artigo 43º do Estatuto da Aposentação – 
 que permitiria a aplicação imediata do novo regime a partir da sua entrada em 
 vigor –, o legislador quis adoptar – e adoptou – uma norma transitória que 
 permitia que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações continuassem a 
 beneficiar do regime anterior de aposentação, desde que os pedidos fossem 
 enviados – e não recebidos, note-se – até à entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, 
 de 15 de Janeiro.
 
  
 
             Daqui decorre que o regime da aposentação destes subscritores – nos 
 quais se insere o filiado do recorrido – não seria fixado com base na lei em 
 vigor à data em que “se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação 
 voluntária que não dependa de verificação de incapacidade”, conforme determinado 
 pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, mas com base 
 na lei vigente à data em que os “processos de aposentação sejam enviados a essa 
 Caixa, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente 
 exigidas para a concessão da aposentação”, nos termos do n.º 6 do artigo 1º da 
 Lei n.º 1/2004.
 
  
 Consequentemente, por força da adopção pelo legislador desta norma transitória, 
 o regime jurídico da aposentação do filiado do recorrido passa a depender do 
 acaso de o seu processo ser, ou não, enviado pelos serviços antes da entrada em 
 vigor do novo regime jurídico da aposentação. 
 
  
 Mas a verdade é que a partir do momento em que o serviço em causa reconhece que 
 a aposentação do filiado do recorrido poderia ocorrer “sem prejuízo para o 
 serviço”, este criou legitimamente expectativas que o legislador considerou 
 merecedoras de tutela, uma vez que introduziu um desvio ao regime geral. 
 
  
 
 8. Afigura-se, contudo, que o critério utilizado pelo legislador para a 
 aplicação de um ou outro regime jurídico conduz ele próprio ao arbítrio, pelo 
 que atinge o destinatário de forma inadmissível, intolerável, opressiva e 
 demasiado onerosa. 
 
  
 Senão vejamos:  
 
  
 a)                  A aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na 
 
 álea administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação para a 
 Caixa Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente 
 do acaso e não de qualquer critério objectivo, o que viola o princípio do Estado 
 de Direito (artigo 2º CRP);
 b)                  A álea associada ao regime jurídico em análise agrava-se 
 ainda mais se pensarmos que esta lei entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2004 
 
 (n.º 7 do artigo 1º), mas só foi publicada em “Diário da República”, em 15 de 
 Janeiro de 2004, pelo que se aplica aos pedidos enviados pelos serviços entre 1 
 e 15 de Janeiro de 2004, como é o caso do filiado do recorrido;
 c)                  Acresce ainda que o critério utilizado pela lei conduz ao 
 tratamento desigual de situações idênticas, em função de o processo ser ou não 
 enviado à Caixa Geral de Aposentações, o que não pode deixar de violar o 
 princípio da igualdade enquanto manifestação do princípio do Estado de Direito. 
 
  
 
 9. Assim, ao fixar uma norma transitória que determina que, ao contrário do 
 previsto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, quem 
 vir os respectivos processos de aposentação enviados à recorrente até à entrada 
 em vigor da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro verá aplicada à sua situação o 
 regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85, o n.º 6 do artigo 1º daquela lei 
 determina que todos os factos necessários à produção dos efeitos jurídicos devem 
 ocorrer antes da entrada em vigor da norma. Ora, conforme provado nos autos 
 recorridos, as condições atributivas da aplicação excepcional do regime de 
 aposentação anterior já estavam preenchidas em 14 de Janeiro de 2004, ou seja, 
 um dia antes da publicação da Lei n.º 1/2004.
 
  
 Ao determinar a sua entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2004, e apesar de só 
 ter sido publicada em 15 de Janeiro de 2004, o artigo 2º da Lei n.º 1/2004 
 acarreta consigo o efeito perverso de permitir a aplicação do novo regime a 
 factos ocorridos anteriormente à sua publicação.
 
  
 Como tal, quando o associado da recorrida, em 11 de Novembro de 2003, requereu 
 ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que enviasse o seu pedido 
 de aposentação à ora recorrente, ou seja, antes de o decreto que viria a dar 
 lugar à Lei n.º 1/2004 ter sequer sido discutido e votado na generalidade em 
 Assembleia da República, não seria exigível que aquele contasse – de modo seguro 
 
 – que o seu pedido de aposentação não poderia beneficiar do regime até então 
 instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85. 
 
  
 
 10. Por último, e apesar de a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a 
 propósito da sucessão de regimes de aposentação, ter vindo a afirmar 
 reiteradamente a liberdade conformativa do legislador para alterar os quadros 
 normativos vigentes em determinados períodos, concluindo pela ausência de 
 qualquer violação do princípio da igualdade (ver, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 580/99, de 20/10/99), o caso dos presentes autos apresenta particularidades que 
 conduzem a uma diferente ponderação. 
 
  
 Como já se viu, não está aqui em causa a liberdade conformadora do legislador, 
 mas antes o resultado a que conduz o critério por ele eleito para tutelar, 
 através de uma norma de direito transitório, a situação daqueles subscritores 
 que reuniam os pressupostos de aposentação e tinham pedidos de aposentação 
 formulados ao abrigo do regime especial agora revogado. Recapitulando, ao 
 adoptar, como factor determinante do regime aplicável aos processos pendentes, a 
 data do envio do processo à Caixa Geral de Aposentações pelos respectivos 
 serviços ou entidades, o legislador socorreu-se de um elemento sem relação com 
 os pressupostos materiais da situação e que, pelo seu carácter aleatório, está 
 inteiramente dependente da actuação administrativa, não apresentando nenhuma 
 ligação com nenhum momento procedimental constitutivo, introduzindo deste modo 
 um critério arbitrário e gerador de desigualdades entre requerentes da 
 aposentação ao abrigo do DL nº 116/85 em idêntica situação.     
 
  
 Nos presentes autos não se cura, portanto, da constitucionalidade de uma norma 
 que imponha um tratamento desigual entre indivíduos sujeitos a um novo regime de 
 aposentação e aqueles que ainda beneficiaram de um regime anterior mais 
 favorável. A questão relevante repousa na determinação da admissibilidade 
 constitucional de uma norma que trata de modo diferente membros da categoria dos 
 indivíduos que, potencialmente, poderão ver-lhes aplicável o antigo regime 
 especial de aposentação.
 
  
 Tal decorre da circunstância de o legislador ter determinado que o novo regime 
 
 “não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos 
 de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou 
 entidades, até à data da entrada em vigor deste diploma” (com sublinhado nosso). 
 Significa isto que um mesmo grupo de sujeitos jurídicos – os funcionários e 
 agentes da administração pública que reunissem as condições previstas no n.º 1 
 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 116/85 até à data em vigor do novo regime de 
 aposentação – veriam ser-lhes aplicado um regime jurídico distinto, em exclusiva 
 função da celeridade (ou da demora) de cada um dos serviços que integram a 
 administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a 
 natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de 
 coordenação económica.
 
  
 Daqui resulta que a norma constante do n.º 6 do artigo 1º da Lei n.º 1/2004, ao 
 fazer depender a aplicação de um regime jurídico do envio por parte dos serviços 
 dos quais dependem os candidatos a aposentados, trata de modo arbitrário e 
 casuístico os destinatários daquela norma, sem que haja fundamento 
 constitucional para tal desigualdade de tratamento. A circunstância de dois 
 indivíduos colocados na mesma situação de preenchimento das condições exigidas 
 para a aposentação, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, poderem ver aplicados 
 regimes jurídicos distintos, em exclusiva função da celeridade ou da demora com 
 que os respectivos serviços enviam os processos de aposentação à recorrente, 
 atenta – de modo manifesto – contra o princípio da proibição de tratamento 
 desigual injustificado, consagrado pelo artigo 13º da Lei Fundamental.
 
  
 Aliás, quanto ao caso em apreço nos autos, deu-se como provado que o associado 
 do recorrido entregou o competente pedido de aposentação, em 11 de Novembro de 
 
 2003, e que o Município da Figueira da Foz, do qual aquele dependia, apenas o 
 remeteu à Caixa Geral de Aposentação, em 12 de Janeiro de 2004, apesar de o n.º 
 
 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 116/85, impor aos serviços competentes um 
 
 “prazo de 30 dias a contar da data da entrada”. Como tal, torna-se evidente que 
 o associado do recorrido nem tão pouco pode ser alvo de um juízo de 
 censurabilidade por não ter contribuído para que o processo de aposentação fosse 
 efectivamente enviado à Caixa Geral de Aposentações. Impõe-se mesmo frisar que, 
 caso a Câmara Municipal da Figueira da Foz tivesse enviado o referido processo 
 de aposentação no prazo legal fixado, aquele teria sido enviado à recorrente, 
 pelo menos, em 11 de Dezembro de 2003, ou seja, em momento anterior a 01 de 
 Janeiro de 2004.
 
  
 Em conclusão, consideram-se inconstitucionais o n.º 6 do artigo 1º e do artigo 
 
 2º da Lei n.º 1/2004, quando interpretados no sentido de que o regime de 
 aposentação fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85 não é aplicável aos contribuintes 
 que hajam reunido os pressupostos para a sua aplicação antes de 31 de Dezembro 
 de 2003, ainda que os respectivos pedidos tenham sido enviados à Caixa Geral de 
 Aposentações até à data de publicação da Lei n.º 1/2004, ou seja, até 15 de 
 Janeiro de 2004, dado que depende da álea administrativa que é o grau de 
 celeridade com que os serviços de que dependem os subscritores enviem o processo 
 de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, por violação dos princípios do 
 Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP) e da igualdade (artigo 13º da 
 CRP).
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 III. DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no artigo 79º-B da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir o recurso interposto, confirmando-se o 
 juízo de inconstitucionalidade da decisão recorrida.
 
  
 Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do artigo 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 19 de Dezembro de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Maria Lúcia Amaral (com declaração de voto)
 Carlos Fernandes Cadilha (acompanhando no essencial a declaração de voto da 
 Exma. Cons. Maria Lúcia Amaral)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Embora tenha acordado quanto ao juízo de inconstitucionalidade, fi‑lo por 
 fundamentos diversos daqueles que sustentaram maioritariamente a presente 
 decisão. Entendo que, no caso, o princípio constitucional que foi lesado não foi 
 o contido no artigo 13º da Constituição mas, tão somente, o princípio da 
 protecção da confiança: o regime transitório formal que as normas sob juízo 
 consagram – ao eleger, como critério de aplicação da lei nova, um facto 
 totalmente alheio à manifestação de vontade dos particulares (ao tempo e ao modo 
 dessa mesma manifestação) – lesou de forma excessiva, inadmissível ou 
 intolerável, porque injustificada ou arbitrária, as expectativas legítimas que 
 os particulares depositavam na continuidade da Ordem Jurídica e na 
 previsibilidade do seu devir.
 Dizer isto é coisa diversa do sustentar‑se que ocorreu, no caso,  violação do 
 princípio da igualdade (e restará saber de qual “dimensão” da igualdade: se a 
 decorrente do nº 1 do artigo 13º da Constituição, se a decorrente do seu nº 2).
 
 É que, embora exista alguma contiguidade entre os conteúdos do princípio de 
 protecção da confiança e do princípio da igualdade (pelo menos, e quanto a este 
 
 último, na dimensão mínima que decorre do nº 1 do artigo 13º), nada se ganha, 
 creio, com a diluição das fronteiras nítidas que os devem separar – diluição 
 essa feita a pretexto de uma vaga referência comum à “proibição do arbítrio”. 
 Sendo diversos os fundamentos axiológicos que justificam a tutela constitucional 
 da igualdade, por um lado, e a tutela da confiança, por outro, diversos também 
 têm que ser os métodos que o juízo de constitucionalidade deve seguir, consoante 
 o “arbítrio” do legislador se verifique (ou não) no âmbito da lesão do valor de 
 igualdade ou no âmbito da lesão da tutela da confiança.
 Como, no caso, o que estava em causa era justamente esta última – ou seja, a 
 ofensa do “direito” a poder saber‑se com o que se conta – o teste relativo à 
 
 “arbitrariedade” do legislador deveria ter sido feito, a meu ver, no contexto 
 estrito da  tutela da confiança e da sua razão de ser.
 
  
 
     Maria Lúcia Amaral