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Processo n.º 243/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
 
 
 
  
 
                         1. A. deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra o despacho do Vice‑Presidente do Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (STJ), de 2 de Janeiro de 2008 (fls. 60), que não admitiu recurso por ela 
 interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, contra os 
 despachos de 10 de Setembro de 2007, 16 de Outubro de 2007, 9 [por lapso, refere 
 
 1] de Novembro de 2007 e 3 de Dezembro de 2007 da mesma entidade, por entender 
 que todos esses despachos já haviam transitado em julgado.
 
                         A reclamação apresentada desenvolve a seguinte 
 argumentação:
 
  
 
             “1. Segundo o despacho ora impugnado, os despachos recorridos já 
 teriam transitado em julgado. Tal situação jurídica é inexistente, como é 
 evidente: basta verificar os factos processuais constantes do processo. Em todo 
 o caso, indicam-se tais factos:
 
             1.1. Por despacho de 5 de Junho de 2007 do Relator no Tribunal da 
 Relação de Lisboa, não foi admitido o recurso interposto por requerimento 
 motivado, para o Supremo Tribunal de Justiça, em que é arguida nulidade do 
 acórdão recorrido.
 
             1.2. Por requerimento de 19 de Junho de 2007, foi apresentada 
 reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por força do 
 disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP). Nele é 
 arguida a nulidade do despacho de 5 de Junho de 2007 e pedido o suprimento de 
 tal nulidade pelo Relator.
 
             1.3. Por despacho de 25 de Junho de 2007, o dito Relator sustentou o 
 seu despacho de 5 de Junho de 2007, remetendo para a conferência a pronúncia 
 sobre a arguição de nulidade do acórdão recorrido, omitiu pronúncia sobre a 
 arguida nulidade do seu despacho de 5 de Junho de 2007, e ordenou à secretaria 
 a instrução da reclamação, em termos insuficientes.
 
             1.4. Por requerimento de 6 de Julho de 2007, a reclamante:
 
             a) Requereu o suprimento da nulidade de que enferma o despacho de 25 
 de Junho de 2007;
 
             b) Impugnou a decisão do despacho de 25 de Junho de 2007, sobre as 
 peças que deveriam instruir a reclamação, e indicou as peças que, em seu 
 entender, são indispensáveis para o efeito.
 
             A reclamante nunca foi notificada de qualquer decisão sobre este 
 requerimento.
 
             1.5. Inesperadamente, a reclamante foi notificada de despacho de 10 
 de Setembro de 2007, de indeferimento da sua reclamação. Tal despacho não é do 
 destinatário dela, e nada diz sobre o requerimento de 6 de Julho de 2007.
 
             1.6. Por requerimento de 4 de Outubro de 2007, a reclamante arguiu 
 nulidade processual ao abrigo do disposto nos artigos 4.º do CPP e 201.º, n.ºs 
 
 1 e 2, e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), e pediu:
 
             a) a anulação de todo o processado posterior à omissão de pronúncia 
 sobre o seu requerimento de 6 de Julho de 2007;
 
             b) o suprimento da correspondente nulidade e, subsidiariamente, o 
 suprimento da nulidade do despacho de 10 de Setembro de 2007.
 
             1.7. Por despacho de 16 de Outubro de 2007 – que não é do 
 destinatário do requerimento de 4 de Outubro de 2007 – este requerimento foi 
 indeferido na totalidade.
 
             1.8. Por requerimento de 2 de Novembro de 2007, a reclamante pediu, 
 ao abrigo do disposto nos artigos 4.º do CPP e 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, 
 esclarecimentos sobre o despacho de 16 de Outubro de 2007.
 
             1.9. Por despacho de 9 de Novembro de 2007 – que não é do 
 destinatário do requerimento de 2 de Novembro de 2007 – este foi indeferido.
 
             1.10. Por requerimento de 26 de Novembro de 2007, a reclamante pediu 
 rectificação do despacho de 9 de Novembro de 2007.
 
             1.11. Por despacho de 3 de Dezembro de 2007 – que não é do 
 destinatário do requerimento de 26 de Novembro de 2007 – este foi mandado 
 desentranhar dos autos e devolver.
 
             1.12. Por requerimento de 14 de Dezembro de 2007, a reclamante 
 interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de todos os despachos 
 proferidos sobre os seus supra referidos requerimentos dirigidos ao Presidente 
 do STJ.
 
             2. As razões de direito por que os despachos recorridos não 
 transitaram em julgado são:
 
             2.1. Por força do disposto no artigo 4.º do CPP, aplicam‑se ao 
 processo penal, subsidiariamente, as normas do CPC, que se harmonizem com 
 aquele, em caso de omissão de norma do CPP, e quando as disposições deste não 
 possam aplicar‑se por analogia. O CPP é omisso sobre a arguição de nulidade 
 processual por omissão de acto imposto por lei, ocorrida em reclamação para o 
 presidente do tribunal competente para conhecer do recurso. Assim,
 
             2.2. À omissão de pronúncia do Relator na Relação sobre o 
 requerimento de 6 de Julho de 2007, aplica‑se o disposto no artigo 201.º, n.ºs 
 
 1 e 2, do CPC. Com efeito, tal omissão constitui acto proibido por lei por força 
 do disposto nos artigos 156.º, n.º 1, e 660.º, n.º 2, do mesmo Código. A 
 arguição tempestiva de tal nulidade determina a anulação de todo o processado 
 subsequente que dependa absolutamente do acto omitido, como é o caso dos 
 despachos recorridos.
 
             2.3. Acresce que a reclamante arguiu, subsidiariamente, a nulidade 
 específica do despacho de 10 de Setembro de 2007. Não era indispensável 
 fazê‑lo, conforme entendimento dos tribunais superiores (cf. acórdão do STJ, de 
 
 16 de Dezembro de 1969, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 192, p. 218, e 
 do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de Outubro de 1989, in Colectânea de 
 Jurisprudência, 1989, tomo IV, p. 71). Mas fê‑lo para prevenir eventual decisão 
 de indeferimento do pedido de anulação prevista no artigo 201.º, n.º 2, do CPC.
 
             2.4. O requerimento de 2 de Novembro de 2007, apresentado ao abrigo 
 do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, tem os efeitos previstos 
 no artigo 670.º, n.º 3, e 686.º, n.º 1, do CPC, preservando o direito ao recurso 
 dos despachos arguidos de nulidade processual e de sentença.
 
             2.5. O requerimento de 26 de Novembro de 2007, apresentado ao abrigo 
 do disposto no artigo 667.º, n.º 1, do CPC, preserva o direito ao recurso dos 
 despachos de arguição de nulidade processual e de sentença, e de indeferimento 
 do requerimento do artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC. Pelo que, só a partir 
 da notificação do despacho de 3 de Dezembro de 2007, presumida em 6 de Dezembro 
 de 2007, se conta o prazo do artigo 75.º, n.º 1, da LTC.
 
             Tal prazo teve o seu termo em 17 de Dezembro de 2007 (16 foi 
 Domingo), pelo que, tendo o requerimento de interposição do recurso sido 
 apresentado em 14 de Dezembro de 2007, é manifestamente tempestivo e impeditivo 
 do invocado trânsito em julgado. Aliás, tendo sido arguida nulidade processual 
 por omissão de decisão sobre o requerimento de 6 de Julho de 2007, enquanto se 
 mantiver essa situação nenhuma das decisões posteriores pode ser declarada 
 transitada.
 
             Termos em que pede seja ordenada a admissão do recurso.”
 
  
 
                         No Tribunal Constitucional, o representante do 
 Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, 
 pelo fundamento invocado no despacho reclamado.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Como resulta dos elementos constantes dos autos e do 
 teor da própria reclamação, por despacho de 10 de Setembro de 2007 (fls. 37 a 
 
 40), o Vice‑Presidente do STJ indeferiu reclamação deduzida pela ora reclamante 
 
 (assistente em processo criminal) contra despacho de Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu recurso por ela interposto contra 
 acórdão da mesma Relação, confirmativo de despacho proferido em 1.ª instância 
 que rejeitara o requerimento de abertura de instrução.
 
                         Por despacho de 16 de Outubro de 2007 (fls. 45 a 47), o 
 Vice‑Presidente do SJT indeferiu arguição de nulidades do seu anterior despacho.
 
                         Por despacho de 9 de Novembro de 2007 (fls. 51), o 
 Vice‑Presidente do STJ indeferiu pretenso “pedido de aclaração”, onde não vinha 
 
 “caracterizada qualquer ambiguidade ou obscuridade”, constatando‑se que “o 
 requerimento agora apresentado não tem qualquer fundamento processual, 
 pretendendo‑se com ele apenas retardar a obtenção da finalidade de cuja 
 realização o processo é instrumental: a estabilidade da decisão final”.
 
                         Tendo a reclamante apresentado requerimento anómalo, em 
 que requeria a retirada do anterior despacho de referência pretensamente 
 ofensiva, foi proferido o despacho de 3 de Dezembro de 2007 (fls. 55), que 
 determinou a devolução desse requerimento, por o despacho de 9 de Novembro de 
 
 2007 ser insusceptível de qualquer impugnação.
 
                         Veio então a reclamante interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional contra os quatro despachos atrás referidos, recurso que não foi 
 admitido pelo despacho de 2 de Janeiro de 2008, ora reclamado, com o fundamento 
 de aqueles despachos já terem transitado em julgado, como resultava do despacho 
 de 3 de Dezembro de 2007.
 
                         Como é entendimento jurisprudencial corrente, 
 designadamente deste Tribunal Constitucional (cf., por último, Acórdãos n.ºs 
 
 278/2005, 64/2007, 173/2007, 279/2007 e 80/2008), a dedução de incidentes 
 processuais anómalos, designadamente pós‑decisórios, não previstos no 
 ordenamento jurídico, não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo 
 de impugnação de decisões judiciais.
 
                         Assim sendo, a dedução de um “falso pedido de 
 aclaração”, na sequência da notificação do despacho de 16 de Outubro de 2007, 
 que indeferiu arguição de nulidades do despacho de 10 de Setembro de 2007, não 
 obstou ao trânsito em julgado destes dois despachos. Ora, só podendo ser 
 imputável a esses dois despachos – e já não aos de 9 de Dezembro de 2007 (que 
 rejeitou o “falso pedido de aclaração”) e de 3 de Dezembro de 2007 (que 
 determinou a devolução de requerimento anómalo) – a eventual aplicação das 
 dimensões normativas cuja constitucionalidade a reclamante pretende ver 
 apreciada, e tendo esses despachos transitado em julgado antes da apresentação 
 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, é 
 patente que este requerimento não podia deixar de ser indeferido por 
 extemporaneidade, como bem decidiu o despacho impugnado.
 
                         Esta conclusão em nada é afectada pela circunstância de, 
 na tese da reclamante, ainda estar pendente de decisão o seu requerimento de 6 
 de Julho de 2007, endereçado ao Relator do Tribunal da Relação. A pretensa 
 pendência de incidentes deduzidos em fases anteriores do processo perante 
 instâncias inferiores em nada afecta o entendimento quanto à irrecorribilidade 
 dos despachos do Vice‑Presidente do STJ de 10 de Setembro de 2007 e de 16 de 
 Outubro de 2007, por extemporaneidade na sua interposição. Esta constatação em 
 nada será afectada se o referido incidente vier a ser indeferido. E se, por 
 hipótese, vier a ser deferido e se se vier a entender que a correspondente 
 nulidade afecta o processado posterior, incluindo estes despachos, então estes 
 deixarão de subsistir e será relativamente aos que vierem a ser proferidos em 
 sua substituição que se colocará, de novo, a questão da sua recorribilidade para 
 o Tribunal Constitucional. Porém, em nenhuma das hipóteses, os despachos ora em 
 causa se tornarão recorríveis para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 2 de Abril de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos