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Processo n.º 1130/2007                                 
 Plenário
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 
  
 
 1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 
 do artigo 57.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal 
 Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição da República das 
 seguintes normas do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, recebido na 
 Presidência da República no dia 21 de Novembro de 2007 para ser promulgado como 
 lei:
 
  
 
 - norma constante do n.º 3 do artigo 2.º e, a título consequente, as normas do 
 n.º 2 do artigo 10.º e do n.º 2 do artigo 68.º;
 
 - normas constantes do proémio do n.º1 do artigo 80.º assim como das respectivas 
 alíneas a) e c); do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e das suas alíneas a) e b) 
 bem como do n.º 2 do mesmo preceito; e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º assim 
 como das respectivas alíneas a), b) e c);
 
 - normas constantes da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 35.º;
 
 - norma constante do n.º 3 do artigo 36.º bem como, a título consequente, as 
 normas previstas nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em 
 reenvio para o n.º 3 do artigo 36º, a norma constante do n.º 2 do artigo 94.º;
 
 - norma constante do n.º 2 do artigo 54.º;
 
 - norma constante do n.º 1 do artigo 55.º conjugada com as demais normas do 
 mesmo preceito;
 
 - norma constante do n.º 8 do artigo 56.º;
 
 - norma constante do nº 3 do artº 68º e norma prevista no nº 5 do mesmo artigo.
 
  
 Fundamentou o seu pedido nas seguintes ordens de considerações:
 
  
 
 1º As normas que são objecto do presente pedido de fiscalização da 
 constitucionalidade integram o decreto aprovado pela Assembleia da República que 
 
 «estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos 
 trabalhadores que exercem funções públicas», o qual revoga, em bloco, toda a 
 legislação vigente sobre a mesma matéria, nela se encontrando incluída 
 legislação de bases, como é o caso do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, que 
 estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e 
 gestão do pessoal da função pública.
 
 2º O decreto sindicado, pese o facto de incidir no âmbito de uma matéria 
 relativamente à qual a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP prevê a edição 
 de legislação de bases, não se auto-qualifica como um acto legislativo dessa 
 natureza, embora contenha no seu preceituado, a par de uma normação maioritária 
 de tipo comum, diversos princípios gerais e comandos paramétricos sobre outras 
 leis, susceptíveis de serem identificados como bases gerais, pelo que, em razão 
 do valor heterogéneo das disposições que o integram, o mesmo acto é passível de 
 ser qualificado como uma lei «mista».
 I. Aplicação do diploma aos magistrados dos tribunais judiciais
 
 3º A norma constante do n.º 3 do artigo 2º do decreto, a qual dispõe sobre o seu 
 
 âmbito subjectivo de aplicação, determina expressamente que «sem prejuízo do 
 disposto na Constituição e em leis especiais, a presente lei é ainda aplicável, 
 com as necessárias adaptações, aos juízes de qualquer jurisdição e aos 
 magistrados do Ministério Público».
 
 4º O n.º 1 do artigo 215.º da CRP determina que os juízes dos tribunais 
 judiciais «formam um corpo único e regem-se por um só estatuto», do que decorre:
 a) Que a mesma categoria de juízes possui uma especificidade estatutária própria 
 em face dos restantes juízes, bem como em relação ao Ministério Público e aos 
 funcionários públicos em geral;
 b) Que sendo os tribunais judiciais órgãos de soberania (n.º1 do artigo 110.º da 
 CRP) e os juízes titulares dos mesmos órgãos (n.º 1 do artigo 215.º da CRP), 
 impõe-se que o conteúdo nuclear e funcional do seu estatuto conste 
 necessariamente de lei aprovada pela Assembleia da República ao abrigo da sua 
 reserva absoluta de competência legislativa (alínea m) do artigo 164.º da 
 Constituição).
 
 5º Não deixa de ser legítimo inferir, no plano lógico e no teleológico, sob pena 
 de incongruência, que se a norma do n.º 3 do artigo 2.º do decreto coloca os 
 juízes dos tribunais judiciais no âmbito subjectivo de aplicação desse mesmo 
 diploma é porque se propõe dispor utilmente sobre o estatuto dos mesmos juízes, 
 matéria que figura no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).
 
 6º Ora, quanto ao sentido dessa incidência normativa, não tendo a disposição 
 constante do n.º 3 do artigo 2.º do decreto que salvaguarda a vigência de leis 
 especiais qualquer intenção derrogatória do EMJ pelo diploma “sub iuditio”, 
 restará circunscrever a aplicação útil e possível do referido decreto aos 
 magistrados, a apenas dois tipos de relações jurídico-normativas, a saber:
 a) A sua aplicação como legislação supletiva em relação ao EMJ;
 b) A aplicação paramétrica de alguns dos seus princípios ou bases gerais ao 
 conteúdo do EMJ, quando tal decorra do decreto.
 
 7º Abordando a hipótese da supletividade configurada na alínea a) do número 
 anterior, resulta da Constituição que os juízes dos tribunais judiciais são 
 titulares de órgãos de soberania, cuja independência funcional e orgânica é, por 
 seu turno, predicada pelas garantias de independência, inamovibilidade e 
 irresponsabilidade dos mesmos magistrados, pelo que caberá em exclusivo ao 
 respectivo estatuto – ao qual o artigo 215.º da CRP impõe um conteúdo 
 necessariamente especial – determinar qual a legislação supletiva que lhe será 
 aplicável e qual o âmbito dessa aplicação. 
 
 8º Verifica-se, por conseguinte, à luz dessa especialidade estatutária 
 conformada por força de uma imposição constitucional, que:
 a) Uma realidade será o EMJ, como lei especial constitucionalmente qualificada e 
 integrada na reserva absoluta de competência legiferante da Assembleia da 
 República, definir qual a legislação supletiva que se lhe aplica; 
 b) Outra, bem diferente, será uma lei integrada na reserva relativa de 
 competência da mesma Assembleia, assim como na esfera concorrencial desta com o 
 Governo e tendo por objecto o estabelecimento dos regimes de vinculação de 
 carreiras e de remunerações dos trabalhadores da função pública, impor-se ao EMJ 
 como legislação subsidiária.
 
 9º A solução contida no decreto que se encontra em apreciação é precisamente a 
 inversa da solução constitucionalmente exigível e que consta da alínea a) do 
 número anterior deste pedido, dado que do n.º 3 do artigo 2.º do decreto 
 
 (conjugado com outras disposições, como a do artigo 101.º), se retira uma 
 imposição de aplicação aos juízes, dos regimes dos trabalhadores que exercem 
 funções públicas, mesmo na eventual qualidade de legislação supletiva, 
 invertendo-se a regra decorrente do n.º 1 do artigo 215.º da CRP que reserva ao 
 estatuto único dos magistrados judiciais a regulação de todo o regime legal que 
 lhes é funcionalmente aplicável, nele compreendida a determinação da legislação 
 subsidiária.
 
 10º Por consequência, o facto de o n.º 3 do artigo 2.º do decreto deslocar a 
 determinação de legislação subsidiária virtualmente aplicável ao EMJ, do 
 estatuto para os regimes de vinculação, carreiras e remunerações da função 
 pública, não deixa de poder ter como efeito a sua inconstitucionalidade, bem 
 como a inconstitucionalidade consequente de outras normas do diploma aplicáveis 
 aos juízes como o nº 2 do artº 10º e o nº 2 do artº 68º, dado que: 
 a) O alargamento do âmbito material da legislação subsidiária aplicável aos 
 juízes, em relação àquele que se encontra presentemente consagrado 
 circunscritamente no n.º 2 do artigo 10º-A, no artigo 32.º, no artigo 69.º e no 
 artigo 131.º do EMJ, altera, por força de uma ampliação operada por lei geral, a 
 previsão mais restrita do direito supletivo fixada por essas normas 
 estatutárias, o que envolve a sua inconstitucionalidade fundada em violação da 
 especialidade qualificada do EMJ, garantida pelo n.º 1 do artigo 215.º da CRP, 
 da qual decorre que seja apenas o estatuto a identificar a respectiva legislação 
 subsidiária; 
 b) A assimilação ou equiparação, mesmo parcial, do cargo dos juízes – titulares 
 de órgãos de soberania cujo exercício de funções é garantido pelos princípios 
 constitucionais da independência, inamovibilidade e irresponsabilidade – ao 
 estatuto qualitativamente diverso dos trabalhadores da função pública, o qual 
 supõe uma relação de hierarquia e dependência funcional com a tutela do Governo 
 
 (artigo 182.º da CRP) e a aplicação dos regimes relativos às relações de emprego 
 e trabalho subordinado, suscita a questão da inconstitucionalidade da norma 
 sindicada, por ofensa aos princípios constantes do artigo 203.º e dos n.ºs 1 e 2 
 do artigo 216.º da CRP;
 
 11º Abordando agora as relações de parametricidade a que se refere a alínea b) 
 do número 6º do pedido, cumpre identificar, pelo menos, três disposições 
 normativas legais sobre a normação constantes do decreto que se afiguram 
 susceptíveis de definição como legislação de bases e que vertem comandos 
 vinculativos sobre diversas leis especiais, das quais o Estatuto dos Magistrados 
 Judiciais não se encontra excluído, como será o caso: 
 a) Da norma que declara a prevalência do próprio decreto e de leis que o 
 regulamentem sobre «leis especiais aplicáveis a carreiras especiais» e que 
 emerge da conjugação do proémio do n.º 1 do artigo 80.º do decreto e das suas 
 alíneas a) e c) com o n.º 2 do artigo 10.º, dela resultando a exigência de 
 conformidade do EMJ com princípios estruturantes do diploma em matéria de 
 nomeação;
 b) Do disposto no n.º 1 do artigo 101.º, que prescreve a obrigatoriedade de 
 revisão das leis que aprovam regimes especiais e corpos especiais no prazo de 
 
 180 dias, tendo por fim a observância dos princípios e objectivos fixados nas 
 correspondentes alíneas, bem como no n.º 2, não se encontrando excepcionadas as 
 leis especiais que aprovam o estatuto dos juízes e dos magistrados do Ministério 
 Público;
 c) A norma constante do n.º 1 do artigo 112.º do decreto, na medida em que 
 impõe, também sem excepcionar o EMJ, a revisão de toda a legislação especial em 
 matéria de suplementos remuneratórios, no prazo de 180 dias, bem como a sua 
 necessária subordinação a um conjunto de princípios gerais previstos nas 
 correspondentes alíneas.
 
 12º Em face do exposto no número anterior, considera-se que:
 a) Tendo o decreto sido emitido numa matéria que prevê a existência de bases 
 gerais integradas na reserva relativa de competência da Assembleia da República 
 
 (alínea t) do artigo 165.º da CRP);
 b) Tendo as normas constantes dos artigos 80.º, 101.º e 112.º do decreto, 
 conjugados com o n.º 3 do artigo 2.º do mesmo diploma, fixado princípios 
 directivos, regimes gerais ou bases aplicáveis às leis especiais, nelas 
 incluídas as que aprovam os estatutos dos magistrados judiciais e dos 
 magistrados do Ministério Público;
 c) Constituindo o Estatuto dos Magistrados Judiciais, na sua qualidade de 
 estatuto único dos juízes dos tribunais judiciais, uma lei dotada de 
 especialidade constitucionalmente qualificada, integrando-se a competência para 
 a respectiva emissão na reserva absoluta da Assembleia da República e a isso 
 acrescendo uma “reserva de densificação total” ( alínea m) do artigo 164.º);
 d) Impondo o fim constitucional da reserva de lei prevista na alínea m) do 
 artigo 164.º da CRP que o correspondente objecto nuclear que requeira normação 
 primária seja consumido integralmente por lei comum da Assembleia da República, 
 do que resulta, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a proibição 
 da emissão de princípios vinculantes ou bases gerais no seu âmbito material (as 
 quais pressuporiam, indevidamente, a emissão inconstitucional de decretos-leis e 
 decretos legislativos regionais de desenvolvimento);
 Importará concluir que: as normas constantes do proémio do n.º1 do artigo 80.º 
 assim como das respectivas alíneas a) e c); do proémio do n.º 1 do artigo 101.º 
 e das suas alíneas a) e b) bem como do n.º 2 do mesmo preceito; e do proémio do 
 n.º 1 do artigo 112.º assim como das respectivas alíneas a), b) e c) podem 
 enfermar de inconstitucionalidade, na medida em que se apliquem, na qualidade de 
 bases gerais, ao EMJ, por violação do fim constitucional inerente a um domínio 
 da reserva absoluta que exige densificação total por lei da Assembleia da 
 República aprovada ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP.
 II. A desigualdade entre pessoas individuais e colectivas na celebração de 
 contratos de tarefa e de avença pela Administração Pública
 
 13º As normas previstas na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 35.º do 
 decreto que definem os pressupostos de celebração com a Administração Pública de 
 contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e de avença, 
 determinam que:
 a) Por regra, a correspondente actividade deva ser realizada por uma pessoa 
 colectiva, fixando-se um critério geral de precedência favorável às pessoas 
 colectivas e em detrimento das pessoas individuais;
 b) Essa regra geral apenas possa ser derrogada em situações excepcionais, 
 mormente no caso de se mostrar “impossível” a  prestação do serviço por pessoa 
 colectiva ou de se verificar “inconveniência” nessa contratação;
 c) A excepcionalidade da permissão de contratação de pessoas individuais deva 
 ser reforçada pela obrigatoriedade de sujeição a autorização prévia, a conceder 
 através de acto discricionário do responsável do Governo para a área das 
 finanças.
 
 14º Estima-se, por conseguinte, que as normas constantes da alínea b) do n.º 2 e 
 do n.º 4 do artigo 35.º se mostram susceptíveis de vulnerar o princípio da 
 igualdade, enunciado no artigo 13º da CRP, na medida em que, estribadas 
 infundadamente em critérios puramente subjectivos e sem amparo em fim de relevo 
 constitucional atendível ou numa ponderação ancorada em critérios objectivos, 
 discriminam negativamente as pessoas individuais em relação às pessoas 
 colectivas, no que tange aos pressupostos de celebração de contratos de 
 prestação de serviços com a Administração Pública. 
 III. A retenção cautelar automática de metade da remuneração base de funcionário 
 indiciado responsável pela celebração de contrato de prestação de serviços 
 inválido
 
 15º No caso de os contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa 
 e de avença, violarem os critérios constantes dos n.ºs 2 e 4 do artigo 35.º do 
 decreto, verifica-se que:
 a) A norma do n.º 1 do artigo 36.º do mesmo diploma comina para tais contratos a 
 sanção da nulidade e a norma constante do n.º 2 do mesmo preceito faz incorrer o 
 funcionário responsável pela sua celebração em responsabilidade civil, 
 financeira e disciplinar;
 b) O n.º 3 do artigo 36.º determina um mecanismo cautelar, nos termos do qual a 
 mera instauração de um procedimento administrativo para averiguar a eventual 
 invalidade da referida contratação ou de um processo jurisdicional tendente a 
 apreciar a existência de uma situação dessa natureza e a efectivar a consequente 
 responsabilidade financeira terá como efeito automático a cativação, pelas 
 unidades orgânicas competentes, de metade da remuneração do trabalhador 
 responsável por essa contratação.
 
 16º O direito a um salário equitativo e a correspondente garantia de protecção 
 configuram posições jurídicas activas, cujo “núcleo essencial”, de acordo com a 
 jurisprudência constitucional assume natureza análoga à dos direitos liberdades 
 e garantias, dado configurar-se como uma condição necessária a uma existência 
 condigna (artigo 1.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP), pelo que a 
 cativação – automática e prévia a qualquer decisão definitiva quanto à 
 existência de ilicitude – de metade do salário do funcionário indiciado, 
 prevista no n.º 3 do artigo 36.º do decreto, restringe o direito fundamental ao 
 salário dos trabalhadores que exercem funções públicas, devendo, nesta medida, 
 sujeitar-se, na qualidade de norma restritiva, aos limites de proporcionalidade 
 previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.
 
 17º Em face do exposto, a norma ínsita no n.º 3 do artigo 36.º do decreto pode 
 enfermar de inconstitucionalidade material, com fundamento em violação da alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 59.º conjugada com os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP, 
 dado que:
 a) Restringe de forma desnecessária, desadequada e irrazoável o direito ao 
 salário dos trabalhadores da função pública indiciados pela celebração de 
 contrato de prestação de serviços eventualmente ilegal, já que, sem fundamento 
 em interesse público de relevo constitucional que o justifique, impõe a adopção 
 automática de uma medida cautelar excessiva, a qual implica a cativação por 
 tempo indefinido de metade do valor do seu salário, antes mesmo de ser 
 verificada a invalidade do contrato de prestação de serviços celebrado e de ser 
 apurada a existência de responsabilidade financeira;
 b) Restringe para além do constitucionalmente admissível o direito do 
 trabalhador indiciado à retribuição, já que o automatismo decorrente da 
 cativação “cega” e por tempo indefinido de metade do seu vencimento pode 
 implicar uma lesão ao direito a uma existência pessoal e familiar condigna, 
 depreciando-se o conteúdo fundamental da norma constitucional que garante a 
 protecção do salário;
 Neste sentido, podem ainda enfermar de inconstitucionalidade, a título 
 consequente, as normas previstas nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com 
 fundamento em reenvio para o n.º 3 do artigo 36.º, a norma constante do n.º 2 do 
 artigo 94.º.
 
  
 IV. O desenvolvimento de princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos 
 mediante portaria
 
 18º A norma do nº 1 do artº 54º do decreto não regula directamente a tramitação 
 do “procedimento concursal” relativo ao recrutamento dos trabalhadores, 
 limitando-se a fixar nas correspondentes alíneas, “princípios” que devem ser 
 obedecidos pelas normas que vierem a aprovar essa tramitação, normas essas que, 
 segundo o nº 2 do mesmo artigo devem assumir a forma de portaria.
 
 19º Existem fundadas dúvidas sobre a conformidade da norma prevista no nº 2 do 
 artigo 54.º do decreto com as normas constitucionais constantes dos n.ºs 2 e 3 
 do artigo 112º, da alínea c) do nº 1 do artigo 198º e, ainda, da alínea c) do 
 n.º 1 do artigo 227.º da CRP, já que se pode ter como violada a reserva de 
 desenvolvimento de bases gerais por acto legislativo, dada a circunstância de: 
 a) O decreto “sub iuditio”, nos termos já expostos no número 2.º deste pedido, 
 ter sido emitido no âmbito de uma matéria cujas correspondentes bases gerais se 
 encontram inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia 
 da República;
 b) Essas normas de princípios, como as previstas no n.º 2 do artigo 54.º, 
 deverem, na medida em que o decreto fixe normas sobre a normação legal ou 
 enuncie princípios jurídicos a acatar por outras normas, ser presuntivamente 
 qualificadas como princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos;
 c) As bases gerais suporem uma reserva de desenvolvimento feita por acto 
 legislativo, não consentindo que um regulamento administrativo as concretize 
 directamente com prescindência de imediação legal e, por maioria de razão, 
 quando o referido regulamento for uma norma de mera execução, como uma portaria;
 d) O preceito sindicado autorizar indevidamente uma portaria a desenvolver 
 princípios ou bases gerais de um regime jurídico, prescindindo da interposição 
 necessária de norma legal imposta pela natureza das bases gerais cujo 
 desenvolvimento é cometido em abstracto, à competência legislativa do Governo e 
 das regiões autónomas. 
 
  
 V. Determinação do posicionamento remuneratório de candidatos a recrutamento 
 para a função pública em procedimento concursal
 
 20º Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 55.º do decreto que «Quando esteja em 
 causa o posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica 
 de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado 
 numa das posições remuneratórias da categoria é objecto de negociação com a 
 entidade empregadora».
 
 21º A norma referida no número anterior admite, ou autoriza implicitamente, sem 
 acautelar a fixação de limites tangíveis, que uma decisão discricionária do 
 empregador público possa, mediante acordo resultante de processo negocial, 
 preencher uma vaga aberta para um posto de trabalho relativo a uma dada 
 categoria profissional através de um candidato que, cumulativamente:
 a) Possa auferir uma remuneração mais elevada do que a dos trabalhadores mais 
 antigos integrados na mesma categoria que se encontrem em exercício de funções;
 b) Seja oriundo de sector externo à Administração Pública e seja titular de 
 menores habilitações literárias do que os trabalhadores integrados na mesma 
 categoria profissional e que desempenhem idêntica função.
 
 22º Considera-se, por conseguinte, que a norma constante do n.º 1 do artigo 
 
 55.º, conjugada com as demais normas do mesmo preceito, poderá afrontar o 
 disposto no artigo 13.º na sua projecção sobre a alínea a) do nº 1 do artigo 
 
 59.º, ambos da CRP, da qual decorre o princípio salarial de que «para trabalho 
 igual deve ser assegurado salário igual», uma vez que, sem introduzir qualquer 
 salvaguarda e sem outro critério que não seja a negociação salarial com o 
 candidato a um posto de trabalho, habilita o empregador a acordar 
 discricionariamente com o mesmo candidato um vencimento superior ao de outros 
 funcionários mais antigos e com iguais ou superiores habilitações literárias que 
 exerçam funções idênticas em igual categoria.
 
  
 VI. Fixação mediante portaria de critérios específicos ou excepcionais 
 condicionantes do acesso dos cidadãos à função pública 
 
 23º Dispõe o n.º 1 do artigo 56.º do decreto que o dirigente máximo da entidade 
 empregadora pública pode optar pelo recurso a diplomados pelo Curso de Estudos 
 Avançados em Gestão Pública (CEAGP), tendo em vista o recrutamento para postos 
 de trabalho relativos ao exercício de funções públicas e em alternativa ao 
 procedimento concursal, defluindo dessa disposição, bem como dos n.ºs 2, 3, 5 
 
 (com remissão para os n.ºs 4 a 7 do artigo 6.º) e 6 do mesmo artigo 56.º, que os 
 diplomados pelo CEAGP podem ingressar directamente na função pública, sem se 
 terem de submeter a concurso.
 
 24º Verifica-se, no entanto, que o n.º 8 do mesmo artigo prevê que o «CEAGP é 
 regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela área da 
 Administração Pública».
 
 25º Considerando que, à luz do n.º 2 do artigo 47.º da CRP, as disposições 
 normativas (gerais, especiais ou excepcionais) que regulem o direito de 
 liberdade dos cidadãos ao acesso à função pública integram a reserva de lei, 
 entende-se que o n.º 8 do artigo 56.º do diploma em análise, ao permitir que 
 assumam natureza regulamentar normas que condicionam o ingresso directo de 
 cidadãos à função pública (não através de concurso mas por meio da obtenção de 
 diploma do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública - CEAGP), pode violar o 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º conjugado com o mencionado n.º 2 
 do artigo 47.º da Constituição. 
 
 26º Mesmo no contexto de uma interpretação alternativa à que foi exposta no 
 número anterior e que considere que a regulamentação do CEAPG não integra a 
 reserva de lei, entende-se, ainda assim, que existem dúvidas pertinentes sobre a 
 constitucionalidade da norma do n.º 8 do artigo 56.º do decreto, desta feita com 
 fundamento em violação do n.º 6 do artigo 112.º da CRP conjugado com o n.º 7 do 
 mesmo artigo, já que a disciplina primária de uma matéria desta natureza 
 exigiria um regulamento independente e o mesmo nunca poderá assumir a forma de 
 portaria. 
 
  
 VII. Fixação dos níveis máximo e mínimo de remuneração admitidos no quadro das 
 relações de emprego público, em portaria de conteúdo inovatório
 
 27º Nos termos do n.º 1 do art. 68.º do decreto sindicado, «a tabela 
 remuneratória única contém a totalidade dos níveis remuneratórios susceptíveis 
 de ser utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam 
 funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público»; e, por força do n.º 
 
 1 do art. 69.º do mesmo Decreto, «a identificação dos níveis remuneratórios 
 correspondentes às posições remuneratórias das categorias, bem como aos cargos 
 exercidos em comissão de serviço, é efectuada por decreto regulamentar».
 
 28º Sucede, porém, que a definição do «número de níveis remuneratórios e o 
 montante pecuniário correspondente a cada um é fixado em portaria conjunta do 
 Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças» 
 
 (n.º 3 do art. 68.º do decreto), do que resulta que essa portaria:
 a) Estabelecerá quer o nível máximo de remuneração admitido no quadro das 
 relações de emprego público, quer o nível mínimo a praticar nesse mesmo âmbito;
 b) Determinará a amplitude do leque salarial observado nas relações de emprego 
 público; 
 c) Fixará, ainda, a «proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis» (n.º 5 
 do art. 68.º), que irá funcionar como limite à própria negociação colectiva 
 anual (conforme estatui este preceito, as alterações decorrentes da negociação 
 colectiva terão de preservar tal proporcionalidade relativa). Ora,
 
 29º Do decreto não resultam quaisquer directrizes ou critérios relativamente a 
 estes aspectos fundamentais: patamares retributivos máximo e mínimo, amplitude 
 da escala salarial, proporcionalidade entre níveis remuneratórios, o que 
 significa que serão remetidas para a portaria, a que se refere o n.º 3 do art. 
 
 68.º do diploma, as decisões de normação primárias no tocante a estas dimensões 
 fundamentais para a vertebração da escala salarial aplicável às relações de 
 emprego público. 
 
 30º Considera-se, por conseguinte, que a norma do nº 3 do artº 68º pode enfermar 
 de inconstitucionalidade:
 a) Por violação do princípio da tipicidade da lei prevista no n.º 5 do artº. 
 
 112.º da CRP, conjugado com os n.ºs  6 e 7 do mesmo preceito, atento o facto de 
 aos regulamentos estar vedada a fixação de opções primárias e juízos de valor 
 inovatórios próprios dos critérios de decisão legislativos;
 b) Por violação das normas constantes dos n.ºs 6 e 7 do art. 112.º da 
 Constituição que determinam que os regulamentos relativamente aos quais a lei se 
 limita a determinar a competência subjectiva e objectiva da sua emissão devem 
 assumir a forma de decreto regulamentar, caso não proceda a interpretação 
 referida na alínea anterior deste número;
 c) Por violação das normas constantes dos nºs 6 e 7 do artº 112º da CRP na 
 medida em que a conjugação do n.º 1 do artigo 68º com o nº 1 do artigo 69º 
 subverte parcialmente a relação hierárquica ou de precedência entre decreto 
 regulamentar e portaria, dado que a fixação em concreto dos níveis 
 remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias a 
 constar de decreto regulamentar está limitada e pode ser alterada pela portaria 
 que define a tabela remuneratória única.
 
 31º Para além do exposto nos números precedentes, verifica-se que, constam dessa 
 portaria o estabelecimento dos nexos de proporcionalidade entre os diversos 
 níveis remuneratórios que irão funcionar como limite à própria negociação 
 colectiva anual; ora, a norma do nº 5 do artigo 68.º do diploma ao remeter para 
 portaria o estabelecimento de parâmetros limitadores da acção da autonomia 
 colectiva, pode ficar ferida de inconstitucionalidade, por violação do que 
 prescreve o n.º 4 do art. 56.º da Constituição, que consagra, nesta matéria, uma 
 reserva de lei.
 
  
 Em conclusão, com base nos indicados fundamentos, solicita que se aprecie a 
 constitucionalidade:
 
  
 a) Da norma constante no n.º 3 do artigo 2º e, a título consequente, as normas 
 do n.º 2 do artigo 10º e do n.º 2 do artigo 68.º, por provável violação do 
 disposto no n.º 1 do artigo 215º, no artigo 203.º e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 
 
 216.º da CRP; 
 b) Das normas paramétricas constantes do proémio do n.º1 do artigo 80.º assim 
 como as respectivas alíneas a) e c); do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e as 
 respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo preceito; e do proémio do n.º 1 
 do artigo 112.º bem como as respectivas alíneas a), b) e c), na medida em que 
 incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com fundamento em eventual 
 inobservância da reserva de densificação operada por lei parlamentar emitida ao 
 abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP;
 c) Das normas constantes na alínea b) do nº 2 e no n.º 4 do artigo 35.º por 
 possível violação do artigo 13.º da CRP;
 d) Da norma constante no n.º 3 do artigo 36.º bem como, a título consequente, as 
 normas previstas nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em 
 reenvio para o n.º 3 do artigo 36.º, a norma constante do nº 2 do artigo 94.º, 
 por eventual desconformidade com as normas constantes da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 59.º conjugada com os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP;
 f) Da norma do n.º 2 do artigo 54.º por suspeita de desconformidade com os n.ºs 
 
 2 e 3 do artigo 112º, a alínea c) do nº 1 do artigo 198.º e ainda a alínea c) do 
 n.º 1 do artigo 227.º da CRP;
 g) Da norma constante do n.º 1 do artigo 55.º conjugada com as demais normas do 
 mesmo preceito, por possível afronta ao disposto no artigo 13.º e na alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 59.º da CRP;
 h) Da norma constante no n.º 8 do artigo 56.º por provável desconformidade com o 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º conjugado com o n.º 2 do artigo 
 
 47.º da Constituição ou, em interpretação alternativa, com o n.º 6 do artigo 
 
 112.º da CRP conjugado com o n.º 7 do mesmo artigo;
 i) Da norma constante do nº 3 do artº 68º por eventual desconformidade com o 
 disposto nos nºs 5, 6 e 7 do artº.112º da CRP; e da norma prevista no nº 5 do 
 artigo 68 º, conjugada com o nº 3 do mesmo preceito, por violação do n.º 4 do 
 artº 56º da CRP.
 
  
 Em anexo ao pedido foi remetido um parecer da Assessoria para os Assuntos 
 Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República.
 
  
 Notificado para o efeito previsto no artigo 54º da LTC, o Presidente da 
 Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, juntando cópia 
 dos Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios 
 relativos ao Decreto da Assembleia da República n° 173/X.
 
  
 O Governo, através do Primeiro-Ministro, invocando a qualidade de parte 
 interessada, remeteu ainda ao Presidente do Tribunal Constitucional um parecer 
 jurídico sobre o objecto do pedido, que foi junto aos autos.
 
  
 
             Elaborado o memorando a que alude o artigo 58º da LTC e fixada a 
 orientação do Tribunal, cabe decidir. 
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 A aplicação do diploma aos magistrados dos tribunais judiciais
 
  
 
 2. Suscita-se, em primeiro lugar, a questão da possível inconstitucionalidade 
 material da norma constante do artigo 2º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da 
 República n.º 173/X (a título consequente, das normas dos artigos 10º, n.º 2, e 
 
 68º, n.º 2), por violação do disposto no artigo 215º, n.º 1, da CRP, na medida 
 em que essa disposição impõe a aplicação do regime geral da função pública, 
 constante desse diploma, como direito subsidiário, relativamente ao Estatuto dos 
 Magistrados Judiciais, e, bem assim, a questão da sua inconstitucionalidade 
 material, por violação dos artigos 203º e 216º, n.ºs 1 e 2, da CRP, enquanto 
 permite que certos princípios ou bases gerais da função pública, enunciados 
 nesse diploma, se tornem aplicáveis aos juízes, em termos de gerar uma situação 
 de assimilação ou equiparação, ainda que parcial, destes ao estatuto dos 
 trabalhadores da administração pública. 
 
  
 Num segundo momento, mas com referência ainda à mesma temática, vem ainda 
 colocada a questão da inconstitucionalidade das normas paramétricas constantes 
 do proémio do n.º1 do artigo 80.º e as respectivas alíneas a) e c); do proémio 
 do n.º 1 do artigo 101.º e as respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo 
 preceito; e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º e as respectivas alíneas a), b) 
 e c), na parte em que incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com 
 fundamento em eventual inobservância da reserva de densificação operada por lei 
 parlamentar emitida ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP, tendo em 
 conta que esse estatuto constitui reserva absoluta da Assembleia da República e 
 o Decreto n.º 173/X poderá considerar-se como emitido no uso da competência 
 legislativa de reserva relativa, por aplicação do artigo 165º, alínea t), da 
 CRP.
 
  
 Importa, em todo o caso, começar por efectuar uma precisão quanto ao objecto do 
 pedido.
 
  
 O pedido de apreciação de conformidade constitucional, quanto ao primeiro 
 aspecto considerado, suscita a questão da inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 2º, n.º 3, do Decreto e, consequentemente, das normas dos artigos 10º, 
 n.º 2, e 68º, n.º 2, sem efectuar qualquer diferenciação relativamente aos seus 
 diversos segmentos normativos, sendo que aquela primeira disposição alude à 
 aplicação do regime de vínculos, carreiras e remunerações, a título subsidiário, 
 aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público. 
 
  
 A causa de pedir assenta, no entanto, em dois tipos de fundamentos a que 
 correspondem também distintos campos aplicativos: (a) em violação da 
 especialidade qualificada do Estatuto dos Magistrados Judiciais, garantida pelo 
 n.º 1 do artigo 215.º da Constituição; (b) em violação dos princípios constantes 
 do artigos 203.º e 216.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
 
  
 Se aquele primeiro fundamento se torna apenas aplicável aos juízes dos tribunais 
 judiciais, por serem os destinatários, numa interpretação literal, do comando 
 constante do artigo 215º, n.º 1, o segundo fundamento é já susceptível de 
 extensão aos juízes das restantes ordens de jurisdição, dada a vocação genérica 
 das disposições dos artigos 203.º e 216.º, n.ºs 1 e 2, que, referindo-se aos 
 tribunais (sem distinguir quanto à sua ordem ou categoria) e às garantias dos 
 juízes (sem circunscrever o seu âmbito de aplicação), permitem envolver todos os 
 magistrados judiciais.
 
  
 O pedido parece, no entanto, pretender circunscrever a questão aos juízes dos 
 tribunais judiciais, não só pelas diversas referências que são feitas a essa 
 categoria de juízes, como também pela alusão, em várias ocasiões, ao carácter 
 supletivo do regime de vínculos, carreiras e remunerações em relação ao Estatuto 
 dos Magistrados Judiciais.
 
  
 
 É também o que se depreende do n.º 10 do pedido que, a título de conclusão, 
 especifica, nas suas alíneas a) e b), os fundamentos de inconstitucionalidade – 
 a violação do disposto no artigo 215º, n.º 1, da Constituição e a ofensa das 
 garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade constantes dos 
 artigos 203º e 216º, n.ºs 2 e 3 -, mas subordinando-os ao exposto no proémio 
 desse número, em que se indica como facto genético da desconformidade 
 constitucional a circunstância de o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto deslocar a 
 determinação de legislação subsidiária virtualmente aplicável ao Estatuto dos 
 Magistrados Judiciais, desse Estatuto para os regimes de vinculação, carreiras e 
 remunerações da função pública.
 
  
 
   O Tribunal entende, por conseguinte, que o pedido se refere aos juízes dos 
 tribunais judiciais, ficando excluída a possibilidade de se apreciar os 
 segmentos normativos dessa disposição referentes aos juízes das restantes ordens 
 de jurisdição e aos magistrados do Ministério Público, relativamente aos quais 
 não vem identificada qualquer questão de constitucionalidade.
 
  
 O diploma que está em causa pretende regular os regimes de vinculação, de 
 carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e 
 complementarmente definir o regime jurídico-funcional aplicável a cada 
 modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público. Com esse 
 objectivo, o diploma condensa um amplo conjunto de matérias que interessam à 
 função pública, regulamentando aspectos atinentes à constituição e cessação da 
 relação jurídica de emprego, incompatibilidades e acumulações, estruturação das 
 carreiras, recrutamento de pessoal e sistema remuneratório, operando entretanto 
 a revogação de múltiplos diplomas legais que instituem, nesse âmbito, quer os 
 princípios e as bases gerais do regime jurídico e os respectivos decretos-leis 
 de desenvolvimento, quer diversos outros regimes parcelares específicos.
 
  
 O diploma assume-se, por outro lado, como um acto legislativo compósito, 
 porquanto inclui princípios gerais e normas concretizadoras desses princípios e 
 outras disposições de mera remissão para diplomas regulamentares.
 
  
 O Decreto n.º 173/X é aplicável aos serviços da administração directa e 
 indirecta do Estado, bem como, com as necessárias adaptações, aos serviços das 
 administrações regionais e autárquicas,  aos órgãos e serviços de apoio do 
 Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do 
 Ministério Público e de outros órgãos independentes (artigo 3º).
 
  
 No que se refere ao respectivo «Âmbito de aplicação subjectivo», a lei é 
 aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, 
 independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação 
 jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções, e 
 aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas 
 colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo 
 
 (artigo 2º, n.ºs 1 e 2).
 
  
 O n.º 3 do mesmo artigo 2º - que aqui está particularmente em foco – estende 
 esse âmbito de aplicação aos magistrados judiciais e do Ministério Público, nos 
 seguintes termos:
 
  
 Sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, a presente lei é 
 ainda aplicável, com as necessárias adaptações, aos juízes de qualquer 
 jurisdição e aos magistrados do Ministério Público.
 
  
 Outras disposições do diploma fazem expressa menção aos magistrados judiciais, 
 como é o caso dos artigos 10º, n.º 2, e 68º, n.º 2. O primeiro desses preceitos, 
 referindo-se às modalidades de constituição da relação jurídica de emprego, e 
 mais especificamente ao âmbito da nomeação, estipula o seguinte: «[s]em prejuízo 
 do disposto na Constituição e em leis especiais, são ainda nomeados os juízes de 
 qualquer jurisdição e os magistrados do Ministério Público”; o segundo, 
 inserindo-se na matéria referente ao regime remuneratório, sob a epígrafe 
 
 «tabela remuneratória única», exclui da aplicação da referida tabela os 
 magistrados, ao estatuir: «[n]a fixação da remuneração base dos juízes de 
 qualquer jurisdição e dos magistrados do Ministério Público não são utilizados 
 os níveis remuneratórios contidos na tabela referida no número anterior».
 
  
 A ressalva contida no segmento inicial do n.º 3 do artigo 2º - como importa 
 começar por fazer notar - não pode deixar de entender-se como reportada, por um 
 lado, às normas constitucionais que estabelecem os princípios gerais relativos 
 ao exercício da função jurisdicional, à organização dos tribunais e ao estatuto 
 profissional dos magistrados (artigos 202º e seguintes da CRP), e, por outro, ao 
 Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, 
 com as suas sucessivas alterações). 
 
  
 Ao estender o âmbito subjectivo da sua aplicação, ainda que com a já apontada 
 ressalva do estabelecido na Constituição e em leis especiais, aos juízes de 
 qualquer jurisdição, o diploma parece pretender erigir-se em direito subsidiário 
 relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais. 
 
  
 Nesse sentido aponta, também, a circunstância de a extensão de regime se 
 efectuar com as necessárias adaptações, como aí se consigna, o que revela que os 
 princípios e critérios legais que estão definidos em geral para os trabalhadores 
 da Administração Pública poderão não ser aplicáveis aos magistrados judiciais 
 por contrariarem o regime privativo decorrente do texto constitucional ou das 
 correspondentes disposições estatutárias, e, a serem-no, poderão ter de ser 
 ajustados à especificidade própria do exercício do cargo.
 
  
 O propósito de incorporar os magistrados judiciais no regime da função pública, 
 ainda que a título de lei subsidiária, é também evidenciado pela referida norma 
 do artigo 68º, n.º 2, por argumento a contrario sensu, visto que a exclusão dos 
 juízes da tabela remuneratória prevista nesse preceito tem pressuposta a ideia 
 de que para outros casos não excepcionados, e na ausência de um regime próprio, 
 vigorará o estabelecido, em geral, no novo regime jurídico de vínculos, 
 carreiras e remunerações.
 
  
 E assim se compreende que a lei não tenha deixado de explicitar que a relação 
 jurídica de emprego se constitui, também em relação aos juízes, através de acto 
 de nomeação (artigo 10º, n.º 2).
 
  
 Deve dizer-se que não é esse o modelo do regime actual.
 
  
 O Estatuto dos Magistrados Judiciais define as condições de exercício de funções 
 dos juízes, bem como os deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, 
 estabelece regras sobre o provimento no cargo e a progressão na carreira, bem 
 como sobre a aposentação e a cessação de funções, regula o respectivo 
 procedimento disciplinar e providencia sobre aspectos de organização do Conselho 
 Superior da Magistratura, enquanto órgão superior de gestão da magistratura 
 judicial. Tratando-se de um regime específico, contempla, em todo o caso, 
 diversas disposições subsidiárias, como são as dos artigos 10º-A, 32º, 69º e 
 
 131º, que mandam aplicar aos magistrados judiciais, em tudo o que não estiver 
 regulado no Estatuto, o disposto na lei geral sobre o regime do bolseiro, ou 
 sobre o regime da função pública em matéria dos deveres, incompatibilidades e 
 direitos, ou ainda em matéria de   aposentação ou direito disciplinar.
 
  
 Instituindo agora o Decreto uma regra genérica de aplicação supletiva aos juízes 
 de qualquer jurisdição, do regime de vínculos, carreiras e remunerações da 
 função pública, deverá entender-se que, a par de todas aquelas disposições de 
 direito subsidiário que estavam directamente previstas no Estatuto, passa a 
 subsistir disposição avulsa que define o direito subsidiariamente aplicável no 
 
 âmbito daquela disciplina jurídica.
 
  
 A dúvida que vem colocada diz respeito a saber se a alteração legislativa 
 prevista não inverte o regime constitucionalmente exigível que decorre do 
 disposto no artigo 215º, nº 1, da Lei Fundamental, ou numa outra perspectiva, se 
 não é susceptível de induzir uma equiparação dos juízes aos trabalhadores da 
 Administração Pública em termos que possam pôr em causa os princípios de 
 independência, inamovibilidade e irresponsabilidade que constituem garantias do 
 exercício da actividade jurisdicional, tal como previsto nos artigos 203º e 
 
 216º, n.º s 1 e 2, da Constituição.
 
  
 A objecção parece ser, pelo menos, em parte, procedente.
 O Capítulo III do Titulo V da Constituição, dedicado aos tribunais, referindo-se 
 primacialmente aos juízes dos tribunais judiciais (artigo 215º), inclui também 
 normas que se reportam a todos os juízes (artigo 216.º) e normas que 
 especificamente visam os juízes dos restantes tribunais (artigo 217.º, n.os 2 e 
 
 3).
 De acordo com o que dispõe o artigo 215.º da Constituição, «[o]s juízes dos 
 tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto» (n.º 
 
 1), remetendo-se para a lei o estabelecimento dos requisitos e das regras de 
 recrutamento dos juízes de tribunais judiciais de primeira instância (n.º 2).
 Os n.ºs 3 e 4 estabelecem critérios constitucionais para o acesso dos juízes aos 
 tribunais superiores (n.ºs 3 e 4). Outras disposições regem sobre garantias e 
 incompatibilidades (artigo 216º) e, além de confiarem a competência para a 
 direcção e gestão das magistraturas a órgãos constitucionais autónomos (Conselho 
 Superior da Magistratura e Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais – artigo 217, n.º 1 e 2), remetem para a lei a definição de regras 
 próprias sobre a colocação, transferência, promoção e exercício da acção 
 disciplinar dos juízes de qualquer jurisdição, sempre com a «salvaguarda das 
 garantias previstas na Constituição» (artigo 217º, n.º 3).
 
  
 Estas disposições, especificamente atinentes ao estatuto dos juízes, não podem 
 deixar de ser interpretadas conjugadamente com os princípios plasmados nos 
 precedentes capítulos do mesmo Título, e especialmente com os do Capítulo I que 
 se referem ao funcionamento dos tribunais e ao exercício da função 
 jurisdicional.
 
  
 O artigo 202º, sob a epígrafe «função jurisdicional», no seu n.º 1, define os 
 tribunais como os «órgãos de soberania com competência para administrar a 
 justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por 
 referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da 
 legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados. 
 
  
 O entendimento geral é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir 
 uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o 
 exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais. Nesse 
 sentido, poderá apenas discutir-se o âmbito de delimitação dessa reserva, quer 
 por efeito das dificuldades que possa suscitar, em cada caso concreto, a 
 distinção entre função administrativa e função jurisdicional, quer por via da 
 maior ou menor latitude que se possa atribuir ao conceito (sobre os diferentes 
 níveis ou graus de reserva, cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e 
 Teoria da Constituição, Coimbra, 7ª edição, págs. 668-670; Vieira de Andrade, A 
 reserva do juiz e a intervenção ministerial em matéria de fixação das 
 indemnizações por nacionalizações, in Scientia ivridica, Tomo XLVII, n.ºs 
 
 274/276, Julho/Dezembro, 1998, pág. 224; Paulo Rangel, Reserva de jurisdição. 
 Sentido dogmático e sentido jurisprudencial, Porto, 1997, págs. 59-66; Joaquim 
 Pedro Cardoso da Costa, O princípio da reserva do juiz face à Administração 
 Pública na jurisprudência constitucional portuguesa, Coimbra, 1994 
 
 (policopiado), págs. 34-35.
 A existência de uma reserva de jurisdição é a necessária decorrência da 
 aplicação dos princípios da separação e interdependência de poderes: sendo a 
 competência dos órgãos de soberania definida na Constituição e devendo estes 
 observar a separação e a interdependência nela estabelecidas (artigos l10.º, n.º 
 
 2, e 111.º, n.° 1), haverá de concluir-se que a atribuição constitucional de 
 determinada competência a um certo órgão de soberania exclui a possibilidade de 
 ela poder vir a ser legalmente atribuída a qualquer outro, salvo explícita ou 
 implícita autorização constitucional (neste sentido, o acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 71/84, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de 
 Janeiro de 1985). 
 
  
 Por outro lado, a reserva de jurisdição concretiza-se através de uma reserva do 
 juiz, no sentido de que, dentro dos tribunais, só os juízes poderão ser chamados 
 a praticar os actos materialmente jurisdicionais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª edição revista, pág. 
 
 792; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, 
 Coimbra, 2007, pág. 32. Assim se compreende que o Tribunal Constitucional tenha 
 declarado a inconstitucionalidade de normas atributivas de competência 
 jurisdicional a agentes que, ainda que inseridos na estrutura judiciária, não 
 tenham a qualidade de juiz (acórdãos n.ºs 182/90 e 247/90, que se pronunciaram 
 sobre a competência dos secretários judiciais para proferir decisões relativas a 
 custas); e, noutros casos, tenha concluído pela constitucionalidade da solução 
 legislativa apenas por considerar que a função judiciária atribuída a quem não 
 tem o estatuto de juiz não integrava o conceito de acto jurisdicional (assim, 
 nos acórdãos n.ºs 67/2006 e 144/2006, que abordaram a questão da atribuição ao 
 Ministério Público do poder de decidir, com a concordância do juiz de instrução, 
 a suspensão do processo).
 
  
 Um outro princípio inerente à reserva de jurisdição consubstancia-se na 
 exigência de que o órgão jurisdicional ao qual possa ser atribuída a função de 
 julgar se encontre rodeado das necessárias garantias de independência e 
 imparcialidade.
 
  
 A esse propósito, escreveu-se no já citado acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 71/84:
 
  […] para que determinado órgão possa ser qualificado como tribunal não basta, 
 nem pode bastar, que lhe haja sido cometida uma competência materialmente 
 incluída na função jurisdicional. É que se assim fosse, esvaziar-se-ia 
 completamente de conteúdo a referida reserva da função jurisdicional aos 
 tribunais, na medida em que todo e qualquer órgão se converteria em tribunal 
 pela mera atribuição de uma competência materialmente jurisdicional. 
 Para que um determinado órgão possa ser qualificado como tribunal é necessário, 
 antes de mais, que ele seja «independente», como o exige o artigo 208.° da 
 Constituição (o actual artigo 203º).
 
  
 Por isso, há-de concluir-se, como também se refere no acórdão n.º 171/92 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992), «que 
 tribunais hão-de ser visualizados como sendo só aqueles órgãos de soberania que, 
 exercendo funções jurisdicionais, sejam suportados por juízes que desfrutem 
 totalmente de independência funcional e estatutária, não bastando, pois, a mera 
 atribuição de poderes às entidades da Administração para, na resolução dos 
 assinalados casos concretos, poderem decidir sem sujeição a ordens ou 
 instruções».
 
  
 
 É esse o postulado que decorre do artigo 203º da Constituição, segundo o qual 
 
 «[o]s tribunais são independentes e apenas estão subordinados à lei».
 
  
 A independência dos tribunais é descrita como uma independência objectiva, que 
 deriva da própria essência da actividade jurisdicional, e tem como pressuposto a 
 subordinação do juiz à lei; mas também como uma independência subjectiva, esta 
 caracterizada por uma autonomia dos tribunais em relação aos outros poderes do 
 Estado e em relação aos outros contitulares do poder jurisdicional - isso sem 
 prejuízo das relações de hierarquia e supraordenação ditadas pela existência de 
 diferentes categorias de tribunais em cada ordem de jurisdição (Paulo Rangel, 
 ob. cit., págs. 44-45).
 
  
 No entanto, a independência dos tribunais conclama (ou, por outras palavras, 
 pressupõe e exige) a independência dos juízes, conforme se afirmou nos acórdãos 
 do Tribunal Constitucional n.ºs 135/88 e 393/89 (publicados no Diário da 
 República, II Série, de 8 de Setembro de 1988 e de 14 de Setembro de 1989, 
 respectivamente). Por essa mesma razão se diz que a garantia essencial da 
 independência dos tribunais é a independência dos juízes, que por isso se 
 considera necessariamente abrangida pela protecção constitucional que resulta da 
 norma do artigo 203º (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, citada, pág. 794). 
 
    
 
 É essa a ideia que é expressa por Oliveira Ascensão no seguinte excerto (A 
 reserva constitucional de jurisdição, O Direito, ano 123º, 1991, II-III 
 
 (Abril-Setembro), pág. 467):
 
  
 
 […] a independência dos tribunais, expressa pelo artigo 206º da Constituição 
 
 [actual artigo 203º], procura assegurar que esse corpo especializado não fique 
 sujeito à pressão de quaisquer outras forças, políticas antes de mais.
 Mas a descrição do órgão a quem está constitucionalmente confiada a jurisdição é 
 incompleta enquanto não tivermos em atenção a figura do juiz [-]. Não é só a 
 magistratura que é independente; cada juiz é dentro dela independente, no âmbito 
 da sua competência. Neste sentido se diz que cada juiz é titular da totalidade 
 da jurisdição.  
 
  
 Como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.ºs 135/88, há pouco 
 citado, a independência do juiz é sobretudo um dever ético-social que lhe 
 exigirá manter-se alheio e acima das influências exteriores e que, nessa medida, 
 se traduzirá numa forma de «independência vocacional» (explicitando este 
 aspecto, Castro Mendes, Nótula sobre o artigo 208º da Constituição [actual 
 artigo 203º], in Estudos sobre a Constituição, Lisboa, 1979, pág. 654 e 
 seguintes). No entanto, deverá existir um quadro legal que promova e facilite 
 essa independência. É nessa mesma linha de entendimento que se declara, no 
 acórdão n.º 52/92, que «[a] independência e imparcialidade da jurisdição exigem 
 garantias orgânicas, estatutárias e processuais» (sufragando este ponto de 
 vista, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, 
 pág. 42).
 As garantias orgânicas e estatutárias de que se fala são justamente aquelas que 
 vêm mencionadas nos artigos 215º a 218º da Constituição, a que já se fez 
 referência, e traduzem-se essencialmente na unicidade orgânica e estatutária dos 
 juízes (artigo 215º, n.º 1), nas garantias de inamovibilidade e 
 irresponsabilidade (artigo 216º, n.ºs 1 e 2) e no princípio do auto-governo da 
 magistratura, este traduzido na exigência de que a nomeação, colocação, 
 transferência e promoção dos juízes, bem como o exercício da acção disciplinar, 
 sejam efectuados por um órgão autónomo não dependente do poder executivo 
 
 (artigos 217º e 218º) (sobre a verdadeira razão de ser da existência do Conselho 
 Superior da Magistratura, centrada, não na protecção de raiz corporativa dos 
 magistrados judiciais, mas no apontado objectivo de assim se contribuir para o 
 reforço da independência dos tribunais, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 279/98).
 
     
 Refira-se ainda que a garantia de imparcialidade (expressamente mencionada na 
 Lei Fundamental em relação aos juízes do Tribunal Constitucional – artigo 222º, 
 n.º 5 -, mas que deve considerar-se implicitamente aplicável a todos os juízes, 
 como decorrência do princípio da independência dos tribunais) exige também, em 
 relação aos magistrados judiciais, a imposição de certas limitações de natureza 
 profissional, como sejam as incompatibilidades para o exercício de outras 
 actividades (artigo 216º, n.ºs 3, 4 e 5) e certo tipo de impedimentos 
 estatutários (artigo 7º do Estatuto dos Magistrados Judiciais) ou processuais 
 
 (artigos 39º e seguintes do Código de Processo Penal e 122º e seguintes do 
 Código de Processo Civil).
 
  
 Por tudo, e em suma, como é sublinhado por Paulo Rangel, a reserva de 
 jurisdição, tal como está consagrada nos artigos 202º e 203º da Constituição e 
 nos preceitos subsequentes que regulam o estatuto dos juízes (artigos 215º a 
 
 218º), pressupõe a necessária convergência entre a dimensão material e a 
 dimensão organizatória da jurisdição, e postula a eliminação das reminiscências 
 da caracterização da função judicial como função pública e a plena assunção dos 
 juízes como titulares de órgãos de soberania (Repensar o poder judicial. 
 Fundamentos e fragmentos, Porto, 2001, págs. 175 e 299). 
 
  
 
 É em ordem a garantir a independência dos juízes, por tudo o que se deixou dito, 
 que a Constituição consagra um conjunto de garantias e de limitação de direitos 
 relativamente ao regime de exercício de funções dos magistrados judiciais, que 
 constitui o verdadeiro estatuto do juiz, e que foi desenvolvido, no plano do 
 direito ordinário, pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 
 n.º 21/85, de 30 de Julho, com as suas ulteriores alterações.
 
  
 O Estatuto dos Magistrados Judiciais dá concretização prática ao princípio da 
 unidade da magistratura judicial, nas suas vertentes de unidade orgânica e 
 estatutária, que decorre directamente do disposto no artigo 215º, n.º 1, da 
 Constituição (e a que o artigo 1º do Estatuto também alude), e que pressupõe que 
 a estrutura judiciária se encontre autonomizada do ponto de vista organizativo 
 
 (corpo único) e funcional (um só estatuto). A unidade orgânica e estatutária, 
 encontrando-se circunscrita, nos termos da referida disposição constitucional, 
 aos juízes dos tribunais judiciais, quer significar não apenas a separação 
 orgânica e funcional entre as diversas magistraturas judiciais e entre estas e a 
 magistratura do Ministério Público, mas também a existência de uma 
 especificidade estatutária em relação aos titulares de outros órgãos de 
 soberania, aos juízes das restantes ordens de jurisdição, aos magistrados do 
 Ministério Público e aos demais trabalhadores do Estado (Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, citada, pág. 
 
 821).
 
  
 Todo e qualquer trabalhador da Administração Pública tem a sua posição 
 profissional fixada através de um conjunto determinável de disposições legais ou 
 regulamentares que, ainda que provenientes de diversos complexos normativos, 
 definem o elenco de direitos e deveres que, em cada momento, lhes são 
 aplicáveis, e que corresponde à sua situação estatutária (sobre a caracterização 
 da situação estatutária dos funcionários, Prosper Weil, Direito Administrativo, 
 Coimbra, 1977, págs. 69-70).
 
  
 O legislador constitucional, porém, ao prescrever que «[o]s juízes do tribunais 
 judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto», não pode ter 
 tido a mera intencionalidade de declarar que os juízes, como qualquer 
 funcionário ou agente administrativo, estão igualmente subordinados a um 
 conjunto de direitos e deveres funcionais, regulados por normas de carácter 
 geral e abstracto que conformam o conteúdo da respectiva relação jurídica de 
 emprego público.
 
  
 A razão de ser do preceito radica antes na necessidade de dar cobertura à 
 garantia de independência dos juízes, em função da sua qualidade de titular de 
 
 órgão de soberania encarregado de exercer a função jurisdicional.
 
  
 O estatuto subjectivo dos magistrados está, pois, indissociavelmente ligado à 
 reserva de jurisdição e constitui um princípio constitucional material 
 concretizador do Estado de direito, na medida em que se destina a garantir a 
 independência e imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional 
 
 (sobre este aspecto, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição, citado, págs. 667-668; Paulo Rangel, Reserva de jurisdição, 
 citada, pág. 48).
 
  
 A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe 
 duas características essenciais: (a) um estatuto unificado, constituído por um 
 complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; 
 
 (b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que 
 de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime 
 jurídico-funcional.
 
  
 Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, 
 em cumprimento do apontado critério constitucional, a determinar qual seja a 
 legislação supletiva e o respectivo âmbito de aplicação. Isso pela linear razão 
 de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215º, n.º 1, da 
 Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que 
 deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou 
 menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher 
 as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que 
 tenham sido fixadas.
 O que conduz a concluir que o Decreto n.º 173/X, ao ditar o regime subsidiário 
 aplicável aos magistrados judiciais, interfere em matéria estatutária dos juízes 
 e é susceptível de violar o disposto no citado artigo 215º, n.º 1, da CRP.
 
  
 Ao determinar que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos 
 juízes de qualquer jurisdição, sem prejuízo do disposto na Constituição e em 
 leis especiais, o artigo 2º, n.º 3, do Decreto n.º 173/X opera uma tendencial 
 equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração, por efeito da 
 assimilação do seu estatuto pelo regime geral da função pública através de uma 
 genérica aplicação subsidiária do novo regime de vínculos, carreiras e 
 remunerações.
 
  
 Isso porque, ao assumir-se como direito subsidiário em relação ao regime de 
 vínculos, carreiras e remunerações aplicável aos juízes dos tribunais judiciais, 
 o Decreto n.º 173/X passa a reportar o Estatuto dos Magistrados Judiciais como 
 mera lei especial, avocando a função complementar ou integrativa dos espaços 
 omissos ou lacunares que o Estatuto contenha quanto a essa matéria. Em termos 
 tais que a eventual utilização de idêntica técnica legislativa em relação a 
 outras disciplinas jurídicas sectoriais da função pública abre caminho a que o 
 Estatuto passe a intervir simplesmente como normação especial em relação ao 
 regime geral da função pública.
 
  
 
 É certo que, face ao princípio constante do artigo 7º, n.º 3, do Código Civil e 
 
 à ressalva contida no segmento inicial do artigo 2º, n.º 3, do Decreto, o regime 
 decorrente desse diploma, enquanto lei geral, não revoga as regras estatutárias 
 que, dentro do mesmo âmbito de aplicação, definam a situação jurídica dos 
 juízes. Mas não deixa de se estabelecer um critério de especialidade entre os 
 dois diplomas, de tal modo que tudo está em determinar, perante uma situação 
 concreta, qual é o bloco normativo directamente aplicável - o Estatuto ou a lei 
 geral -, com a consequente introdução de uma dualidade estatutária.
 
  
 Tudo o que vem de referir-se conduz a concluir que o Decreto opera uma quebra no 
 estatuto subjectivo dos juízes em relação a dois momentos essenciais: estes 
 deixam de dispor de um estatuto único, que congregue todas as disposições que 
 regulem a respectiva situação funcional, visto que as fontes normativas directas 
 passam a ser, de um lado, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, como lei 
 especial, e de outro, a lei comum da função pública, como direito subsidiário; 
 deixam ainda de dispor de um estatuto específico, no ponto em que o Estatuto dos 
 Magistrados Judiciais passa a constituir mera lei especial que apenas se aplica 
 quando deva prevalecer sobre uma lei geral da função pública.
 
  
 Embora se não possa afirmar que ocorre, por este meio, uma afronta directa às 
 garantias constitucionais dos artigos 203º e 216º, n.ºs 1 e 2, fica, em todo o 
 caso, posta em causa a unidade e especificidade estatutária dos juízes dos 
 tribunais judiciais, que o artigo 215º, n.º 1, da Constituição pretendeu 
 consagrar, pelo que se entende estar verificada a inconstitucionalidade material 
 do citado artigo 2º, n.º 3, do Decreto n.º 173-X, por violação desse preceito 
 constitucional. 
 
  
 A mesma ordem de razões leva a que se considerem como inconstitucionais também 
 as normas dos artigos 10º, n.º 2, e 68º, n.º 2, do Decreto, a que já antes se 
 fez referência.
 
  
 Essas disposições, determinando que a relação jurídica de emprego público, 
 relativamente aos juízes dos tribunais judiciais, se constitui através de 
 nomeação, e que, quanto a eles, se não aplicam os níveis remuneratórios 
 constantes da tabela remuneratória única, acabam por incidir sobre matéria 
 estatutária, tornando-se directamente aplicáveis aos juízes dessa categoria, 
 relevando, também em relação a tais disposições, a violação do princípio da 
 unidade e especificidade estatutária.
 
  
 Ainda com referência à aplicação, aos magistrados judiciais, do regime de 
 vínculos, carreiras e remunerações, o pedido suscita também a 
 inconstitucionalidade das normas paramétricas constantes do proémio do n.º1 do 
 artigo 80.º assim como as respectivas alíneas a) e c); do proémio do n.º 1 do 
 artigo 101.º e as respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo preceito; e do 
 proémio do n.º 1 do artigo 112.º bem como as respectivas alíneas a), b) e c), na 
 medida em que incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com fundamento 
 em eventual inobservância da reserva de densificação operada por lei parlamentar 
 emitida ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP.
 
  
 A arguição assenta no entendimento de que o Estatuto dos Magistrados Judiciais 
 constitui reserva absoluta da Assembleia da República, pelo que seriam 
 organicamente inconstitucionais as normas legais de bases que, tendo sido 
 emitidas no uso de competência legislativa de reserva relativa, venham a dispor 
 sobre o objecto do mesmo Estatuto, sobretudo no ponto em que permitem que o 
 desenvolvimento legislativo dessas normas possa ser efectuado pelo Governo, no 
 uso da competência legislativa prevista no artigo 198º, n.º 1, alínea c), da 
 Constituição.
 
  
 E seria esse o caso do Decreto n.º 173-X, que incidindo sobre as bases e âmbito 
 da função pública, foi produzido, ao menos de um ponto de vista material,  ao 
 abrigo do disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea t), da Constituição.
 
  
 No entanto, a conclusão a que anteriormente se chegou no sentido da 
 inconstitucionalidade do artigo 2º, n.º 3, do Decreto, impede que esse conjunto 
 de normas (ainda que pudesse ser aplicável, na economia do diploma, aos juízes 
 do tribunais judiciais) possa constituir direito subsidiário relativamente ao 
 Estatuto dos Magistrados Judiciais, afastando consequentemente o risco de 
 violação de reserva de lei, por via do ulterior desenvolvimento legislativo que 
 venha a ser efectuado através de decreto-lei.
 
  
 Esta questão surge, nestes termos, prejudicada, pelo que dela não há que 
 conhecer.
 
  
 Desigualdade entre pessoas individuais e colectivas na celebração de contratos 
 de tarefa e de avença pela Administração Pública
 
  
 
 3. Vem ainda invocada a possível inconstitucionalidade das normas previstas na 
 alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 35.º do Decreto, no ponto em que, ao 
 definirem os pressupostos de celebração com a Administração Pública de contratos 
 de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e de avença, impõem que (a) 
 a correspondente actividade deva ser realizada, por regra, por uma pessoa 
 colectiva, e que (b) só em situações excepcionais possa ser atribuída a uma 
 pessoa singular, caso em que, ainda assim, a contratação fica dependente de 
 autorização prévia do membro do Governo responsável para a área das finanças.
 
  
 O pedido fundamenta-se na violação do princípio da igualdade, enunciado no 
 artigo 13º da CRP, na medida em que, estribadas infundadamente em critérios 
 puramente subjectivos e sem amparo em fim de relevo constitucional atendível, 
 discriminam negativamente as pessoas individuais em relação às pessoas 
 colectivas, no que tange aos pressupostos de celebração de contratos de 
 prestação de serviços com a Administração Pública. 
 
  
 A norma, que define o «âmbito dos contratos de prestação de serviços», é do 
 seguinte teor:
 
  
 
 1- Os órgãos e serviços a que a presente lei é aplicável podem celebrar 
 contratos de prestação de serviços, nas modalidades de contratos de tarefa e de 
 avença, nos termos previstos no presente capítulo.
 
 2- A celebração de contratos de tarefa e de avença apenas pode ter lugar quando, 
 cumulativamente:
 a) Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele 
 inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego 
 público;
 b) O trabalho seja realizado, em regra, por uma pessoa colectiva;
 c) Seja observado o regime legal da aquisição de serviços;
 d) O contratado comprove ter regularizadas as suas obrigações fiscais e com a 
 segurança social.
 
 3- Considera-se trabalho não subordinado o que, sendo prestado com autonomia, 
 não se encontra sujeito à disciplina e à direcção do órgão ou serviço 
 contratante nem impõe o cumprimento de horário de trabalho.
 
 4- Excepcionalmente, quando se comprove ser impossível ou inconveniente, no 
 caso, observar o disposto na alínea b) do n.º 2, o membro do Governo responsável 
 pela área das finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de 
 avença com pessoas singulares.
 
 5- O contrato de tarefa tem como objecto a execução de trabalhos específicos, de 
 natureza excepcional, não podendo exceder o termo do prazo contratual 
 inicialmente estabelecido.
 
 6- O contrato de avença tem como objecto prestações sucessivas no exercício de 
 profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar a todo 
 o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de 
 prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
 
  
 Como bem se vê, procurando delimitar os casos em que é admissível a contratação 
 de prestação de serviços, por parte da Administração, a norma, para além de 
 convocar requisitos ligados ao próprio regime substantivo e procedimental do 
 contrato em causa, impõe que a actividade que constitui objecto do contrato seja 
 realizada, em regra, por uma pessoa colectiva, excepcionando apenas a hipótese 
 em que seja impossível ou inconveniente essa atribuição, caso em que o ministro 
 das Finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de avença com 
 pessoas singulares.
 
  
 Numa primeira leitura, a norma da alínea b) do n.º 2 poderia apenas pretender 
 definir o âmbito objectivo do contrato de prestação de serviços por referência 
 ao tipo de actividades que normalmente apenas são executadas em regime de 
 economia empresarial. Nesse ponto, a norma poderia ter pretendido substituir a 
 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (agora revogado pelo 
 artigo 116º, alínea s), do Decreto), que previa, a par da prestação de serviços 
 por pessoas privadas (artigo 10º), a contratação de serviços com empresas com o 
 objectivo de «simplificar a gestão dos serviços e racionalizar os recursos 
 humanos e financeiros para funções que não se destinem à satisfação directa do 
 interesse geral ou ao exercício de poderes de autoridade».
 
  
 Numa tal interpretação, o preceito não poderia encontrar-se inquinado de 
 inconstitucionalidade porquanto a sua função seria, não a de dar preferência, na 
 contratação, a pessoas colectivas, mas a de autorizar a celebração de contratos 
 de prestação de serviços no sector de actividades económicas para as quais as 
 empresas estariam mais vocacionadas.
 
  
 No entanto, a articulação com a subsequente norma do n.º 4 e o conteúdo 
 definitório dado, nos n.ºs 5 e 6, aos contratos de tarefa e de avença, enquanto 
 modalidades de contrato de prestação de serviços, afastam, de todo, essa solução 
 interpretativa e permitem aceitar o entendimento de que o regime legal confere 
 uma prevalência às pessoas colectivas nesse tipo de contratação, em detrimento 
 das pessoas singulares.
 
  
 Conforme se afirma no recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2007, 
 na linha de uma abundante jurisprudência (entre outros os acórdãos n.º 563/96, 
 
 319/00 e 232/03), o princípio da igualdade postula, na sua formulação mais 
 sintética, que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais 
 e tratamento diferente para as situações de facto desiguais, o que permite 
 considerar que o princípio não proíbe, em absoluto, as distinções, mas apenas 
 aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional. Na sua dimensão 
 de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, o princípio da 
 igualdade tolera a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de 
 situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, 
 por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto 
 de vista que possa ser considerado relevante. Em suma, e no essencial, o que o 
 princípio da igualdade impõe é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem 
 razão atendível (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976, 2ª edição, Coimbra, pág. 272).
 
  
 Assim caracterizado, o princípio da igualdade apresenta-se como princípio 
 negativo de controlo ao limite externo de conformação da iniciativa do 
 legislador sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em 
 confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar 
 diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das 
 concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado 
 referencial. Assim, a proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente 
 negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e 
 intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como 
 proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não 
 controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada 
 ao fim, mais razoável ou mais justa.
 
  
 Numa outra dimensão, o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da 
 igualdade enquadra igualmente uma proibição de discriminação, permitindo 
 qualificar como ilegítimas quaisquer diferenciações de tratamento baseadas em 
 categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 339).
 
  
 Revertendo ao caso em apreço, é efectivamente estabelecida, no artigo 35.º, n.º 
 
 2, alínea b), e n.º 4 do Decreto,  uma tendencial diferenciação na contratação 
 de serviços pela Administração com base na distinta qualidade (singular ou 
 colectiva) do co-contratante, privilegiando-se a outorga destes acordos com 
 empresas – enquanto organização de meios autonomizável em face de um sujeito, 
 reunindo um conjunto de factores produtivos para o exercício de uma determinada 
 actividade comercial – face aos trabalhadores em nome individual.
 
  
 Para apreciar a conformidade constitucional de tal medida à luz do princípio da 
 igualdade é necessário partir da ratio das disposições em causa para retirar o 
 critério que justificou a diferenciação e avaliar se o mesmo possui uma 
 fundamentação razoável.
 
  
 Não havendo uma indicação precisa, nos trabalhos preparatórios, sobre a 
 finalidade da lei, poderá ela ser averiguada através da análise da evolução do 
 tratamento legislativo dos contratos de tarefa e avença celebrados pela 
 Administração Pública, que permite remontar ao disposto no artigo 17.º do 
 Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro. Este diploma previa já a possibilidade 
 de celebração de contratos de serviços, embora sem fazer qualquer distinção 
 entre pessoas singulares e colectivas, e procurava dar a estes contratos um 
 carácter excepcional (n.º 2), traduzido quer na disciplina restritiva das 
 circunstâncias em que poderiam ser celebrados, quer na sujeição da sua outorga a 
 uma autorização especial conferida pelo membro do Governo responsável pelo 
 serviço contratante (n.º 7). A razão que pode ser apontada como constituindo o 
 fundamento jurídico deste regime restritivo era a da necessidade de evitar a 
 utilização deste tipo de vínculo precário como forma de admissão de pessoal para 
 a função pública, em consequência  do sucessivo recurso à celebração destes 
 contratos e à sua renovação, em situações conjunturais que o poderiam não 
 justificar.
 
  
 Em reforço de um maior rigor na contratação de serviços em regime de tarefa ou 
 avença, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Julho, que estabeleceu os princípios 
 gerais em matéria de salários e gestão de pessoal (agora também revogado), veio 
 sujeitar os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos 
 fora do condicionalismo legal a responsabilidade civil, disciplinar e 
 financeira, com a acrescida consequência da possível cessação da respectiva 
 comissão de serviço (artigo 10º, n.º 8).
 
  
 Apesar disso, tem-se assistido nas últimas décadas a um progressivo aumento do 
 número de indivíduos que prestam serviço na Administração Pública ao abrigo de 
 vínculos jurídicos de natureza precária ou sem titulação jurídica adequada, que 
 desse modo são chamados a assegurar, de forma subordinada, o exercício de 
 funções próprias e permanentes de serviço público, mediante o recurso a 
 mecanismos de contratação que apenas deveriam ser utilizados para a satisfação 
 de necessidades transitórias e/ou específicas desses títulos, com o consequente 
 desfasamento entre a situação de facto e de direito, e a emergência de uma 
 verdadeira «função pública paralela» (sobre estes aspectos, Ana Fernanda Neves, 
 Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra, 1999, págs. 117 e segs.).
 
  
 E que tem redundado, não só na implementação de iniciativas legislativas 
 tendentes a assegurar a regularização da situação de pessoal que se mantém ao 
 serviço sem vínculo adequado (assim, o Decreto-Lei n.º 413/91, de 19 de 
 Outubro), como também na conversão daqueles vínculos precários em definitivos, 
 por via do recurso, por parte dos interessados, aos tribunais, que, por vezes,  
 têm dado prevalência, na apreciação jurídica dos casos, à situação factual do 
 agente, em detrimento do vínculo formal (cfr., por exemplo, o acórdão do STA de 
 
 12 de Maio de 1998, no Processo n.º 43500).
 Assim se compreende que o recente Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto, com 
 a intencionalidade de controlar a admissão de efectivos, tenha conferido uma 
 nova redacção ao n.º 7 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 41/84, estabelecendo um 
 regime mais exigente de celebração e renovação de contratos de prestação de 
 serviços, e, simultaneamente, tenha determinado, até 31 de Dezembro de 2006, a 
 cessação de todos os contratos cuja necessidade de manutenção não tenha sido 
 confirmada pelos serviços ou tenha sido objecto de um juízo de desnecessidade 
 feito pelos membros do Governo envolvidos no processo de autorização (cfr. o 
 respectivo preâmbulo).
 
  
 Como tudo indica, o regime constante da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 
 
 35.º do Decreto enquadra-se na mesma linha estratégica de contenção de efectivos 
 e de racionalização de recursos humanos, pelo que a preferência concedida à 
 contratação de serviços a empresas tem sobretudo o objectivo de evitar o 
 artificial sobredimensionamento da estrutura da Administração Pública em matéria 
 de pessoal, começando por evitar, dentro do possível, a celebração de contratos 
 com pessoas singulares, cuja continuidade pudesse gerar novas situações de 
 disfuncionalidade, que os mecanismos de controlo anteriormente instituídos não 
 conseguiram impedir.
 
  
 Neste conspecto, é possível justificar a diferenciação introduzida à luz de um 
 critério que se afigura razoável, por ser compatível com fins 
 constitucionalmente relevantes, como sejam a boa organização e gestão dos 
 recursos públicos, e por estar dotado de um mínimo de coerência entre os 
 objectivos prosseguidos e os resultados previsíveis. Por outro lado, o critério 
 em causa é objectivo, relevando para esta apreciação não a circunstância de ele 
 se fundar na natureza pessoal (individual ou colectiva) dos grupos de 
 destinatários, mas sim o facto de a determinação daquilo que é igual e desigual 
 e a escolha da justa medida da diferenciação se fundarem, como sucede no caso em 
 apreço, em termos de comparação e juízos valorativos  intersubjectivamente 
 reconhecíveis de forma minimamente clara e comprovável.
 
  
 Não se vê, assim, motivo bastante para considerar verificada a pretendida 
 inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
 
  
 Retenção cautelar automática de metade da remuneração base de funcionário 
 indiciado responsável pela celebração de contrato de prestação de serviços 
 inválido
 
  
 
  
 
 4. O pedido imputa ainda uma inconstitucionalidade material à norma ínsita no 
 n.º 3 do artigo 36.º do Decreto n.º 173/X, por violação da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 59.º conjugada com os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP, com base nos 
 seguintes fundamentos: (a) restringe de forma desnecessária, desadequada e 
 irrazoável o direito ao salário dos trabalhadores da função pública indiciados 
 pela celebração de contrato de prestação de serviços eventualmente ilegal, já 
 que, sem fundamento em interesse público de relevo constitucional que o 
 justifique, impõe a adopção automática de uma medida cautelar excessiva; (b) 
 restringe para além do constitucionalmente admissível o direito do trabalhador 
 indiciado à retribuição, já que o automatismo decorrente da cativação «cega» e 
 por tempo indefinido de metade do seu vencimento pode implicar uma lesão ao 
 direito a uma existência pessoal e familiar condigna, depreciando-se o conteúdo 
 fundamental da norma constitucional que garante a protecção do salário.
 
  
 A ser procedente, o juízo de inconstitucionalidade, conforme se invoca, 
 determinaria também a inconstitucionalidade, a título consequente, das normas 
 previstas nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo e da norma constante do n.º 2 do artigo 
 
 94.º, neste caso, por efeito da remissão que aí é feita para o citado artigo 
 
 36º, n.º 3.
 
  
 Referindo-se às consequências do incumprimento dos requisitos de celebração dos 
 contratos de prestação de serviços, que se encontram definidos no preceito 
 imediatamente anterior, a norma do artigo 36º, agora em análise, tem a seguinte 
 redacção:
 
  
 
 1- Sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham 
 estado em execução, os contratos de prestação de serviços celebrados com 
 violação dos requisitos previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo anterior são nulos.
 
 2- A violação referida no número anterior faz incorrer o seu responsável em 
 responsabilidade civil, financeira e disciplinar.
 
 3 - A título cautelar, as unidades orgânicas competentes para o processamento e 
 pagamento das remunerações cativam automaticamente, a partir do mês seguinte 
 
 àquele em que tenha sido instaurado o procedimento administrativo ou 
 jurisdicional, tendente a averiguar da invalidade da contratação ou a efectivar 
 a responsabilidade
 financeira, respectivamente, metade da remuneração base do indiciado 
 responsável, até ao limite do montante que tenha sido despendido por força da 
 contratação.
 
 4- Findo o procedimento, as importâncias cativadas são entregues nos cofres do 
 Estado, nos termos legais, ou são devolvidas, com os correspondentes juros 
 legais, conforme o caso.
 
 5- Para os efeitos do disposto no n.º 3 a entidade competente pela instrução do 
 procedimento informa da sua instauração as unidades orgânicas ali referidas.
 
  
 Reputando como nulos os contratos de prestação de serviços celebrados com 
 preterição dos requisitos legais (ainda que mantendo os efeitos putativos que 
 resultem da respectiva execução), o n.º 2 do artigo 36º prevê a 
 responsabilização civil, financeira e disciplinar do dirigente ou funcionário 
 que tenha autorizado a contratação ilegal, e comina a cativação, a título 
 cautelar, de metade da remuneração base do agente responsável, em vista ao 
 ressarcimento, pela entidade pública lesada da totalidade das verbas despendidas 
 com a contratação.
 
  
 Da interpretação conjugada dos n.ºs 3, 4 e 5 do referido preceito, poderá 
 concluir-se que a retenção de verbas, e a sua afectação aos cofres do Estado ou 
 devolução ao interessado, opera nos seguintes termos: (a) logo que existe 
 notícia da celebração indevida de contratos de prestação de serviços é 
 instaurado o procedimento administrativo ou jurisdicional destinado a averiguar 
 a invalidade da contratação ou a efectivar a correspondente responsabilidade 
 financeira; (b) o instrutor do processo informa as entidades processadoras das 
 remunerações; (c) estas cativam automaticamente a partir do mês seguinte àquele 
 em que tenha sido instaurado o procedimento, metade da remuneração base do 
 indiciado, até ao limite do montante que tenha sido despendido por força da 
 contratação; (d) findo o procedimento, as verbas cativadas são entregues à 
 Fazenda Nacional ou devolvidas ao funcionário visado, consoante se tenha 
 concluído pela ilicitude da contratação ou a responsabilidade financeira de quem 
 a autorizou ou pela inexistência de qualquer ilegalidade.
 
  
 Deve começar por dizer-se que a possibilidade de dirigentes e funcionários se 
 encontrarem sujeitos a responsabilidade civil, disciplinar e financeira e se 
 tornarem responsáveis pela reposição de quantias indevidamente pagas em caso de 
 inobservância de procedimentos relativos à contratação de pessoal, estava já 
 contemplada, no regime actual, precisamente para ilegal celebração de contratos 
 de prestação de serviços, pelo já citado artigo 10º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 
 
 184/89, de 2 de Julho.
 
  
 Outras disposições previam o mesmo tipo de responsabilidade para dirigentes e 
 funcionários que autorizassem nomeações de pessoal não vinculado à função 
 pública sem prévia audição da Direcção-Geral da Administração Pública (artigos 
 
 19º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 13/97, de 17 de Janeiro, e 11º, n.º 2, do 
 Decreto-Lei n.º 326/99, de 18 de Agosto), ou que admitissem pessoal, com 
 preterição das formalidades legais, para suprir insuficiências resultantes da 
 implementação de medidas de flexibilização do horário ou do período de trabalho 
 
 (artigos 6º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 324/99, de 18 de Agosto, e 7º, n.º 4, do 
 Decreto-Lei n.º 325/99, da mesma data), preceitos estes que foram agora 
 incluídos no elenco das disposições revogadas pelo novo regime dos vínculos, 
 carreiras e remunerações (artigo 116º, alínea jj), uu), vv), e xx), do Decreto 
 n.º 173/X).
 
  
 A responsabilidade financeira prevista em qualquer dessas disposições 
 destinava-se a efectivar a entrega nos cofres do Estado do quantitativo que 
 tivesse sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado, mediante o competente 
 processo jurisdicional a decorrer perante o Tribunal de Contas, sem prejuízo da 
 concomitante responsabilidade disciplinar (ou até criminal) em que o agente 
 pudesse ter incorrido. Distingue-se, por outro lado, da responsabilidade civil, 
 que opera apenas na relação externa, quando tenham sido ofendidos deveres 
 resultantes de uma vinculação contratual, causando danos ao outro contraente 
 
 (responsabilidade contratual), ou  tenham sido violadas disposições legais 
 destinadas a proteger interesses de terceiros (responsabilidade extracontratual) 
 
 (quanto a estas diferentes formas de responsabilidade por contraposição à 
 responsabilidade financeira, cfr. Parecer da PGR n.º 14/2000, de 31 de Maio de 
 
 2001).
 
   
 A novidade introduzida pelo presente artigo 36º, n.º 3, é a de ter previsto, 
 para além da responsabilidade financeira, civil e disciplinar inerente a uma 
 actuação administrativa ilícita, a aplicação automática de uma medida cautelar 
 que, provisória e antecipadamente, pretende assegurar o ressarcimento de verbas 
 que foram indevidamente utilizadas com a contratação ilegal.
 
  
 O procedimento que desencadeia a retenção de verbas poderá ser constituído por 
 um processo disciplinar que se destine a verificar, desde logo, a 
 responsabilidade disciplinar do agente por violação de normas atinentes à 
 contratação de serviços, ou por um processo de inquérito, quando se pretenda 
 averiguar preliminarmente a eventual existência de irregularidades na 
 contratação, ou ainda por um processo de julgamento de responsabilidade 
 financeira, que, neste caso, corre termos perante o Tribunal de Contas e que tem 
 em vista tornar efectiva a responsabilidade emergente de factos revelados em 
 relatórios de auditoria, que, para esse efeito, são enviados pela entidade 
 administrativa competente ao agente do Ministério Público junto daquele órgão 
 jurisdicional (artigos 57º, n.º 1, e 58º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, da Lei n.º 
 
 98/97, de 26 de Agosto).
 
  
 A admissibilidade, em termos gerais, da adopção de medidas provisórias no âmbito 
 de um procedimento administrativo era já reconhecida pelo artigo 84º do Código 
 do Procedimento Administrativo, tendo essencialmente em vista garantir a 
 eficácia da decisão final a proferir no procedimento.
 
  
 O direito disciplinar não desconhece também, a existência desse tipo de 
 providências que se destinam a permitir adoptar medidas que evitem a sonegação 
 de provas ou impeçam a alteração do estado dos factos e dos documentos ou livros 
 em que se descobriu ou se presume descobrir alguma irregularidade, aí se 
 incluindo a suspensão preventiva do arguido quando a sua presença possa 
 revelar-se inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade (artigos 
 
 53º e 54º do Estatuto Disciplinar).
 
  
 O traço comum das providências cautelares de natureza procedimental que podem 
 ser aplicadas no processo disciplinar e, em geral, em qualquer procedimento 
 administrativo, é o de assegurarem o efeito útil do procedimento, com o 
 propósito de permitirem a manutenção do statu quo ante de modo a evitar a 
 deterioração do equilíbrio de interesses existente à partida até que a questão 
 de fundo venha a ser dirimida no processo próprio. Trata-se, por isso, de 
 medidas cautelares conservatórias, que visam evitar a inutilização prática dos 
 interesses públicos que um determinado procedimento visa prosseguir, e que 
 seriam irreparavelmente lesados se tivessem de aguardar a tramitação que deverá 
 ser normalmente seguida para proferir uma decisão final (Marcelo Rebelo de 
 Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 
 
 2007, págs. 132-133).
 
  
 Se atentarmos nos critérios gerais descritos no citado artigo 84º do CPA, 
 podemos concluir que a aplicação de uma medida provisória por parte de um órgão 
 administrativo depende da verificação dos seguintes requisitos: (a) que o 
 procedimento tenha sido iniciado, podendo, no entanto, a medida provisória ser 
 contemporânea do início oficioso do procedimento ou determinada a requerimento 
 dos interessados; (b) que haja receio de que sem a adopção da medida provisória 
 o fim do procedimento possa frustrar-se; (c) que a medida se destine a evitar 
 lesão grave ou de difícil reparação de interesses públicos (Freitas do Amaral et 
 allii, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 4ª edição, Coimbra, pág. 
 
 168).
 
  
 Por outro lado, a doutrina vem já chamando a atenção, em relação a esse tipo de 
 providências cautelares procedimentais, para a necessidade de ponderação dos 
 interesses em presença por forma a que, em ordem à aplicação do princípio da 
 proporcionalidade, o prejuízo que resulta para o destinatário da medida não 
 exceda o dano que com ela se pretende evitar (idem, 143).
 
  
 O que ressalta no caso da medida cautelar prevista no artigo 36º, n.º 3, do 
 Decreto  n.º 173/X, por confronto com as providências cautelares que poderão ser 
 adoptadas, em geral, em sede de procedimentos administrativos, é que ela é uma 
 medida obrigatoriamente imposta por lei, sem qualquer possibilidade de avaliação 
 dos concretos interesses em jogo, que resulta automaticamente da simples 
 comunicação da instauração de um procedimento administrativo ou jurisdicional 
 que se destine a averiguar a responsabilidade do visado, independentemente de 
 qualquer prévia indagação sobre a suficiência ou validade dos factos 
 indiciários, e sem possibilidade do exercício do contraditório, e que, para além 
 de tudo isso, tem uma função, não meramente conservatória (que poderia 
 justificar-se por conveniência de evitar a subtracção de provas), mas unicamente 
 antecipatória, com o declarado objectivo de realizar  a satisfação de interesses 
 do erário público ainda na pendência do processo e antes de qualquer indicação 
 segura sobre o sentido da decisão final a proferir.
 
  
 Resta acrescentar que a responsabilidade reintegratória do funcionário, poderá 
 ser accionada através do Tribunal de Contas, quando requerida pelo Ministério 
 Público, nos termos já referenciados (quanto a este aspecto, o já citado Parecer 
 da PGR n.º 14/2000); mas também através de processo disciplinar, nos termos 
 previstos nos artigos 65º, n.º 1, e 91º do Estatuto Disciplinar, o qual poderá 
 culminar com a aplicação de pena disciplinar adequada à gravidade dos factos e a 
 decisão condenatória de reposição de verbas, que implicará o desconto nos 
 vencimentos que venham a ser processados posteriormente, no caso de não 
 pagamento voluntário (cfr., acórdão do STA de 6 de Março de 1990, Processo 
 
 25131); e ainda por via do procedimento de reposição de dinheiros públicos, que 
 está regulamentado nos artigos 36º e seguintes do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 
 de Julho, que regula o regime financeiro dos serviços e organismos do 
 Administração Pública.
 
  
 Podendo ser invocada, em todo este contexto - como se deixou entrever -, a 
 violação do princípio da proporcionalidade, cabe efectuar uma análise, ainda que 
 sucinta, dos interesses do particular destinatário que poderão ser afectados 
 pela medida cautelar prevista na norma em apreço.
 
  
 
 5. O artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição consagra em relação a todos 
 os trabalhadores o direito à «retribuição do trabalho segundo a quantidade, 
 natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual 
 salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».
 
  
 O direito à retribuição do trabalho, ainda que sediado no Titulo III da Parte I 
 da Constituição, relativo aos «direitos e deveres económicos e sociais», tem 
 sido reconhecido como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, 
 liberdades e garantias, que, como tal, compartilha do regime constitucional 
 próprio destes em todos os aspectos materiais do seu regime, e designadamente 
 com referência ao artigo 18º (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 4ª edição, págs. 374 e 770; Jorge 
 Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, 
 pág. 598).
 
  
 O artigo 36º, n.º 3, do Decreto n.º 173/X, enquanto norma restritiva do direito 
 
 à retribuição, com aquela sobredita qualificação, apenas poderia ser legítima se 
 preenchesse os requisitos que promanam do artigo 18º, n.º 2, da Constituição, 
 que pressupõe antes de mais a verificação das seguintes condições: (a) que a 
 restrição esteja expressamente credenciada no texto constitucional, ou pelo 
 menos, não possa deixar de ser admitida num quadro de ponderação de conflitos 
 entre bens ou valores constitucionais (n.º 2, 1ª parte); (b) que só se possa 
 justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente 
 protegido, de tal modo que o sacrifício imposto pela lei restritiva não possa 
 ser tido como arbitrário, gratuito ou desmotivado  (n.º 2, in fine); (c) que a 
 restrição obedeça ao princípio da proporcionalidade, na sua tríplice vertente de 
 princípio da adequação - as medidas restritivas legalmente previstas devem 
 revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei -, 
 princípio da necessidade - as medidas restritivas devem revelar-se necessárias 
 e, por isso, exigíveis, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos 
 por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias - e 
 princípio da proporcionalidade em sentido estrito - os meios legais restritivos 
 não podem ser desproporcionados ou excessivos em relação aos fins que se 
 pretendem obter (n.º 2, 2ª parte) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., 
 págs. 392-393).
 
  
 No caso vertente, poderá entender-se que a obrigatoriedade da cativação de parte 
 da remuneração do dirigente ou funcionário, a título cautelar, para assegurar o 
 ressarcimento pelo Estado de verbas indevidamente gastas numa contratação ilegal 
 pode encontrar justificação na necessidade de preservação do princípio da 
 legalidade administrativa (artigo 266º, n.º 2, da CRP). E pode configurar-se até 
 como um meio adequado à satisfação do interesse público, no ponto em que permite 
 antecipadamente garantir o reembolso de importâncias despendidas ilegalmente e 
 desincentivar as condutas abusivas por parte de quem tem responsabilidade no 
 domínio da gestão de pessoal. No entanto, a automaticidade da medida cautelar, 
 sem qualquer prévia audição do interessado, nem avaliação de grau de culpa e da 
 eventual existência de causa justificativa em função do circunstancialismo do 
 caso, tornam essa medida manifestamente excessiva e desproporcionada, sobretudo 
 quando se tem presente que o erário público dispõe de outros meios legais que 
 lhe permitem obter o reembolso das importâncias em causa, designadamente por 
 via, quer do processo disciplinar, quer da intervenção do Tribunal de Contas em 
 sede do processo jurisdicional de responsabilidade financeira.
 
  
 Certo é que a providência teria o efeito útil de permitir a antecipação do 
 ressarcimento que é devido à entidade pública e evitar o periculum in mora, isto 
 
 é, o prejuízo que resultaria da demora processual quando o reembolso apenas 
 pudesse ser concretizado no termo do respectivo procedimento administrativo ou 
 jurisdicional.
 
  
 No entanto, uma providência cautelar, ainda que de natureza administrativa, e 
 sobretudo quando se caracteriza como uma providência antecipatória que tenha em 
 vista alterar a situação jurídica preexistente e constituir uma situação 
 jurídica nova – que apenas poderá ser confirmada na decisão final a proferir no 
 processo principal -, não pode ter como fundamento apenas um juízo de valor 
 absoluto sobre os interesses da entidade administrativa, mas deverá ter em 
 conta, segundo o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, os 
 danos que essa solução possa acarretar para a contraparte.
 
  
 Como é de concluir, a cativação automática de metade da remuneração do 
 funcionário responsável, com base na simples notícia da possível existência da 
 infracção, sem uma apreciação perfunctória da boa aparência do direito e sem uma 
 averiguação mínima acerca dos reflexos económicos que essa medida possa 
 acarretar na esfera jurídica do interessado, não pode deixar de ser entendida 
 como medida excessiva que viola frontalmente o princípio da proporcionalidade.
 
  
 Nestes termos, a norma em causa mostra-se ser inconstitucional por violação do 
 disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da CRP, interpretado conjugadamente 
 com o n.º 2 do artigo 18º. 
 
  
 De resto, o direito à retribuição do trabalho, constitucionalmente consagrado, 
 tem pressuposta a ideia de destinação da remuneração à satisfação das 
 necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que justifica as exigências 
 de pontualidade e regularidade no cumprimento da obrigação (artigos 267º e 269º 
 do Código do Trabalho) e as especiais garantias de tutela da integridade do 
 salário, que impõem a regra da inadmissibilidade da compensação da retribuição 
 em dívida com créditos da entidade empregadora sobre o trabalhador e a da 
 parcial impenhorabilidade ou cessão dos montantes remuneratórios (artigos 270º e 
 
 271º do Código do Trabalho e 824º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo 
 Civil). O direito à retribuição implica, por conseguinte, a disponibilidade dos 
 valores que compõem o salário e o consequente ingresso na esfera patrimonial do 
 trabalhador, pelo que a cativação automática de remunerações, em termos que 
 afectam o princípio da proporcionalidade, é ainda susceptível de violar o 
 direito de propriedade, tal como está consignado no artigo 62º, n.º 1, da CRP, 
 na sua componente de direito de uso e fruição de direitos de valor patrimonial 
 
 (quanto a esta dimensão do direito de propriedade, Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição 
 revista, citada, págs. 800 e 804; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, Tomo I, citada, págs. 626-627).
 
  
 
 6. Acresce que a previsão do artigo 36º, n.º 3, ao permitir que essa mesma 
 medida possa ser adoptada também quando se inicie um processo de 
 responsabilidade financeira (que, como se deixou esclarecido, decorre 
 necessariamente perante o Tribunal de Contas), tem ainda a característica 
 peculiar de transformar uma medida cautelar administrativa (que deveria 
 projectar os seus efeitos apenas na relação directa entre a Administração e o 
 particular), numa providência instrumental do processo jurisdicional, para 
 efeito de assegurar a antecipação provisória dos efeitos da decisão a proferir 
 no âmbito desse processo, sem qualquer prévia sindicância do juiz competente.
 
  
 E nessa medida, não pode deixar de entender-se que uma providência legislativa 
 com um tal conteúdo afecta a reserva de jurisdição, entendida como reserva de um 
 conteúdo material funcional típico da função jurisdicional. Na verdade, a 
 reserva de jurisdição actua simultaneamente como limite de actos legislativos e 
 de decisões administrativas, tornando-os inconstitucionais quando tenham um 
 conteúdo materialmente jurisdicional (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e 
 Teoria da Constituição, citado, págs. 664-665). Pelo que a possibilidade legal 
 conferida pela norma sub judicio de permitir à Administração aplicar uma medida 
 cautelar de retenção de remunerações, também nos casos em que se venha a iniciar 
 um processo jurisdicional de responsabilidade financeira, para garantir o efeito 
 
 útil da respectiva decisão condenatória, representa (independentemente de saber 
 se esse processo consente providências cautelares jurisdicionais) uma indevida 
 ingerência do legislador na reserva do juiz, implicando a prática de um acto 
 que, na circunstância, só poderia ser adoptado por um órgão jurisdicional.
 
  
 Sublinhe-se, a este título, que a cativação de remunerações não opera ope legis, 
 mas resulta da intermediação de uma actuação administrativa: o dirigente do 
 serviço que endereça ao Tribunal de Contas o relatório de auditoria ou de 
 inspecção que fundamenta a responsabilidade financeira do funcionário visado, 
 informa o serviço processador de vencimentos, e é esta entidade (que se integra 
 ainda no âmbito da Administração Pública) que define inovatoriamente a situação 
 jurídica do interessado, fixando, através de um acto jurídico individual e 
 concreto, o montante da remuneração que é cativada (quanto à caracterização dos 
 actos de processamento de vencimentos como verdadeiros actos administrativos, 
 quando envolvam um efeito inovatório, entre muitos, os acórdãos do STA de 11 de 
 Dezembro de 2001, Processo n.º 47140, de 22 de Fevereiro de 2001, Processo n.º 
 
 46988, e de 4 de Novembro de 2003, Processo n.º 48050).
 
  
 Certo é que, nessa eventualidade, o conteúdo jurídico do acto de processamento 
 de vencimento corresponde a um determinado efeito que é determinado por lei, mas 
 isso apenas significa que se trata de um acto estritamente vinculado; essa 
 circunstância não descaracteriza a actuação da Administração como acto 
 administrativo, visto que ela não deixa de ser uma conduta voluntária unilateral 
 de aplicação do direito numa determinada situação jurídica concreta (quanto à 
 relevância da vontade na emissão de todo e qualquer acto administrativo, ainda 
 que totalmente vinculado, Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, ob. 
 cit., págs. 87-88).
 
  
 A cativação de remunerações, quando se encontre associada à efectivação de 
 responsabilidade financeira perante o Tribunal de Contas, no ponto em que 
 resulta de uma actuação administrativa (embora como necessária consequência da 
 lei) não pode entender-se como uma medida cautelar de carácter jurisdicional 
 resultante de expressa determinação legal, que, como tal, deva ainda 
 considerar-se inserida no âmbito material da jurisdição.
 
  
 Tratando-se de uma medida administrativa que passa a figurar como providência 
 cautelar antecipatória em relação a um processo jurisdicional, ela interfere na 
 composição provisória de um conflito de interesses existente entre a 
 Administração e o funcionário envolvido, resolvendo uma questão de direito que 
 se situa na esfera material da função de julgar e que envolve assim a violação 
 do princípio consagrado no artigo 202º da CRP (em sentido similar, Maria 
 Assunção Esteves considera que as medidas cautelares administrativas são 
 contrárias ao princípio de reserva de jurisdição quando o interesse público ao 
 abrigo do qual foram praticadas entra em relação de conflito com outros valores 
 ou interesses subjectivos  cuja resolução se enquadra na função jurisdicional – 
 cfr. Função administrativa ou função jurisdicional? As providências cautelares 
 da Administração no Decreto-Lei n.º 234/99, de 25 de Junho, in Estudos de 
 Direito Constitucional, Coimbra, 2001, págs. 134-135).
 
  
 
 7. No âmbito da mesma problemática, o pedido coloca também a questão de saber se 
 a retenção de metade da remuneração base do indiciado responsável não viola o 
 conteúdo essencial da garantia de protecção salarial prevista na citada norma do 
 artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
 
  
 O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre 
 disposições legais cuja aplicação suscita esta mesma questão e poderão 
 apresentar com o caso dos autos algum paralelismo, ao analisar a 
 constitucionalidade do artigo 45º, n.º 1, da Lei n.º 28/84 (que prevê a 
 impenhorabilidade total das prestações devidas a beneficiários pelas 
 instituições de segurança social), do artigo  824, n.º l, alínea b), do Código 
 de Processo Civil (que prevê a penhorabilidade parcial dos salários auferidos 
 pelo executado) e do artigo 15º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar (que determina 
 para os funcionários e agentes aposentados que as penas de suspensão ou 
 inactividade sejam substituídas pela perda da pensão por igual período de 
 tempo).
 
  
 Essa jurisprudência pode sintetizar-se nos seguintes quatro vectores: nos 
 acórdãos n.ºs 411/93 e 130/95 julgou-se inconstitucional a norma do artigo 45º, 
 n.º 1, da Lei n.º 28/84, apenas na medida em que isenta de penhora a parte das 
 prestações devidas pela segurança social que excede o mínimo adequado e 
 necessário a uma sobrevivência condigna; no acórdão n.º 349/91, sem pôr em causa 
 o princípio exposto nessa outra orientação jurisprudencial, que igualmente 
 manteve, considerou-se não inconstitucional a mesma norma no ponto em que a 
 pensão efectivamente auferida pelo interessado apenas permitia garantir a 
 sobrevivência minimamente digna do beneficiário; no acórdão n.º 62/02 julgou-se 
 inconstitucionais as normas dos artigos 821º, n.º 1, e 824, n.º l, alínea b), e 
 n.º 2, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são 
 penhoráveis as quantias percebidas a título de  rendimento mínimo garantido; no 
 acórdão n.º 442/2006 (e em situação semelhante no acórdão n.º 518/2006) 
 conclui-se pela não desconformidade constitucional da norma do artigo 15º, n.º 
 
 1, do Estatuto Disciplinar, na parte em que permite que aos funcionários e 
 agentes aposentados possa ser aplicada, em caso de infracção disciplinar, a pena 
 de perda de pensão por tempo igual à pena de inactividade ou de suspensão que 
 seria de aplicar se não fosse a aposentação.
 
  
 O princípio a que o Tribunal Constitucional aderiu nos quatro primeiros acórdãos 
 citados, em que se discutia a impenhorabilidade total (ou parcial) dos 
 rendimentos provenientes de salários (e pensões), é o de que é inconstitucional 
 a norma quando põe em causa o direito ao mínimo de sobrevivência, ou, melhor 
 dito, o direito a não ser privado do mínimo necessário à sobrevivência. Esse 
 direito tem como ponto de partida o princípio da dignidade da pessoa humana e a 
 dimensão material do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2º da 
 CRP, pelo que o Tribunal entendeu que havia uma lesão inconstitucional do seu 
 conteúdo sempre que o remanescente dos salários e pensões a penhorar não fosse 
 superior ao montante do salário mínimo nacional ou do rendimento mínimo 
 garantido. 
 
  
 Nos acórdãos n.ºs 442/2006 e 518/2006, que se pronunciaram sobre a perda da 
 pensão, ponderou-se que a situação era aí diferente daquela que permite a 
 penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais ou rendimentos do 
 trabalho de montante não superior ao salário mínimo nacional. É que a afectação 
 da pensão de aposentação não resulta de um acto de penhora, visando a satisfação 
 coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, 
 traduzindo-se antes numa forma de pena disciplinar que visa punir uma infracção 
 da mesma natureza praticada pelo titular da pensão. Neste caso, são as legítimas 
 finalidades de natureza repressiva e preventiva que fundamentam a pena 
 disciplinar, e que ficariam definitivamente prejudicadas pela sua 
 inaplicabilidade, decorrente de um eventual juízo de inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 15º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar; enquanto naquele outro caso 
 a finalidade da penhora não é afectada, de modo definitivo, pela impossibilidade 
 de atingir uma parte dos rendimentos penhoráveis.
 
  
 Não é qualquer dessas a situação que agora se coloca.
 
  
 Certo é que artigo 36º, n.º 3, do novo regime de vínculos, carreiras e 
 remunerações comina a retenção automática de metade da remuneração sem 
 salvaguardar a possibilidade de essa redução remuneratória, pela sua amplitude, 
 vir a pôr em risco o mínimo necessário à subsistência dos visados. Tratando-se, 
 porém, de dirigentes de serviços e de funcionários de nível hierárquico 
 superior, a que se encontram atribuídas funções de direcção e de gestão dos 
 serviços, é de crer que estejam, em regra, posicionados nos escalões superiores 
 ou intermédios da estrutura remuneratória, e que não seja provável que a perda 
 de metade da remuneração gere uma situação limite susceptível de afectar as 
 condições de sobrevivência. Mas para além disso, e sobretudo, a diminuição 
 patrimonial é uma consequência negativa que deriva da prática de actos de 
 contratação ilícita e que o visado sempre terá de suportar na sua esfera 
 jurídica, quando se venha a concluir pela existência da irregularidade no 
 correspondente processo disciplinar ou de responsabilidade financeira.
 
  
 Neste plano de consideração, a situação aproxima-se mais da hipótese analisada 
 nos acórdãos n.ºs 442/2006 e 518/2006, em que se ponderou, para efeito de se 
 formular um juízo de constitucionalidade, a finalidade específica do 
 procedimento que está em causa e a função sancionatória da perda da remuneração.
 
  
 O ponto é que a norma sub judicio comina uma redução remuneratória, a título 
 cautelar, ainda na pendência do procedimento destinado a averiguar a 
 responsabilidade financeira do agente, antes de culpa formada e da prolação de 
 qualquer decisão definitiva que reconheça o dever de reposição de verbas.
 
  
 Neste condicionalismo, a redução drástica da remuneração do visado, acarretando 
 porventura uma impossibilidade de satisfazer os habituais compromissos 
 económicos e sociais – ainda que não ponha em risco o mínimo necessário a uma 
 existência condigna – reconduz-se a uma restrição desproporcionada do direito ao 
 salário, que acaba por determinar, nos termos já antes referidos, uma violação 
 do direito à retribuição do trabalho mas por referência ao princípio da 
 proporcionalidade consagrado no artigo 18º, n.º 2, da CRP.
 
  
 Resta considerar que todas as precedentes considerações (cfr. supra 4, 5, 6 e 7) 
 conduzem igualmente a concluir pela inconstitucionalidade, com idênticos 
 fundamentos, da norma transitória do artigo 94º, n.º 2, do Decreto, que também 
 integra o objecto do pedido.
 
  
 Com efeito, esse preceito, no seu n.º 1, determina que os serviços procedam à 
 reapreciação dos contratos de prestação de serviços, para efeitos da sua 
 renovação, à luz da nova disciplina jurídica resultante do artigo 35º, e, no n.º 
 
 2, comina o incumprimento desse regime, mutatis mutandis, com as consequências 
 que decorrem do artigo 36º, e, consequentemente, com a retenção automática de 
 metade da remuneração do dirigente ou funcionário responsável, como prevê o n.º 
 
 3 desse artigo, segundo o procedimento considerado nos subsequentes n.ºs 4 e 5.
 
  
 
  A referida norma, por efeito da remissão feita para o artigo 36º, está, por 
 isso, também inquinada de inconstitucionalidade. 
 
  
 O desenvolvimento de princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos mediante 
 portaria 
 
  
 
 8. Coloca-se ainda a questão da eventual inconstitucionalidade da norma do nº 2 
 do artigo 54º do Decreto por desconformidade com as disposições constitucionais 
 dos n.ºs 2 e 3 do artigo 112º, da alínea c) do nº 1 do artigo 198º e, ainda, da 
 alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, já que se pode ter como violada a 
 reserva de desenvolvimento de bases gerais por acto legislativo.
 
  
 Neste aspecto, o pedido assenta nos seguintes considerandos: 
 
  
 a) O Decreto sub judicio foi emitido no âmbito de uma matéria cujas 
 correspondentes bases gerais se encontram inseridas na reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República, por força do que dispõe o 
 artigo 165º, n.º 1, alínea t), da CRP;
 b) O artigo 54º, n.º 1, enuncia princípios jurídicos atinentes à tramitação do 
 procedimento concursal que presuntivamente devem ser qualificadas como 
 princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos, e cujo desenvolvimento apenas 
 poderá ser efectuado por imediação legislativa;
 c) O n.º 2 do mesmo preceito, ao remeter a regulamentação da tramitação do 
 procedimento concursal, e, por conseguinte, a concretização dos referidos 
 princípios gerais, para portaria a emitir pelo membro do Governo da tutela viola 
 a reserva de desenvolvimento das bases gerais por acto legislativo.
 
  
 O artigo 54º, epigrafado «Tramitação do procedimento concursal», insere-se 
 sistematicamente num Capítulo dedicado ao recrutamento de pessoal, onde se 
 incluem disposições que estabelecem a obrigatoriedade do concurso de provimento 
 
 (artigo 50º), a exigência de níveis habilitacionais e outros requisitos de 
 recrutamento (artigos 51º e 52º) e os métodos de selecção a utilizar (artigo 
 
 53º).
 
  
 Incidindo sob os trâmites do procedimento, para efeito da selecção dos 
 candidatos nos lugares a prover, o artigo 54º dispõe:
 
  
 
 1- O procedimento concursal é simplificado e urgente, obedecendo aos seguintes 
 princípios:
 a) O júri do procedimento é composto por trabalhadores da entidade empregadora 
 pública, de outro órgão ou serviço e, quando a área de formação exigida revele a 
 sua conveniência, de entidades privadas;
 b) Inexistência de actos ou de listas preparatórias da ordenação final dos 
 candidatos;
 c) A ordenação final dos candidatos é unitária, ainda que lhes tenham sido 
 aplicados métodos de selecção diferentes;
 d) O recrutamento efectua-se pela ordem decrescente da ordenação final dos 
 candidatos colocados em situação de mobilidade especial e, esgotados estes, dos 
 restantes candidatos.
 
 2- A tramitação do procedimento concursal, incluindo a do destinado a constituir 
 reservas de recrutamento em cada órgão ou serviço ou em entidade centralizada, é 
 regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área da 
 Administração Pública ou, tratando-se de carreira especial relativamente à qual 
 aquela tramitação se revele desadequada, por portaria deste membro do Governo e 
 daquele cujo âmbito de competência abranja órgão ou serviço em cujo mapa de 
 pessoal se contenha a previsão da carreira.
 
  
 O Decreto foi emitido ao abrigo da competência legislativa genérica da 
 Assembleia da República conferida pelo artigo 161º, alínea c), da CRP, pela qual 
 o Parlamento pode «fazer leis sobre todas as matérias salvo as reservadas pela 
 Constituição ao Governo». No entanto, o artigo 165º, n.º 1, alínea t), integra 
 na reserva relativa parlamentar «as bases do regime e âmbito da função pública», 
 o que poderá ser entendido como tudo o que se refere à relação jurídica de 
 emprego público e à delimitação do seu âmbito, onde se poderão incluir normas 
 relativas à demarcação das áreas em que os organismos e os servidores do Estado 
 ficam submetidos a esse regime legal, bem como aquelas que respeitem ao 
 recrutamento ou ao regime de aposentação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, citada, pág. 676).
 
  
 Parece dever dar-se como assente, em qualquer caso, que se inserem na reserva 
 relativa da Assembleia, ao abrigo da referida disposição constitucional, aquelas 
 matérias que envolvam a densificação de direitos fundamentais, como o acesso à 
 função pública e o direito de exercício de profissão (ibidem). Nesse sentido 
 apontam também Jorge Miranda e Rui Medeiros, ao relacionarem o âmbito da norma 
 do artigo 165º, n.º 1, alínea t), com a do artigo 269º, onde precisamente se 
 estabelecem os princípios materiais informadores da função pública (Constituição 
 da Portuguesa Anotada, Tomo II, citada, pág. 534). Neste preceito se faz apelo 
 não só à especificidade do regime da função pública com a sua vinculação 
 exclusiva ao interesse público – o que nos remete para questões relacionadas com 
 a acumulação de cargos públicos e o regime de incompatibilidades (n.ºs 1, 4 e 5) 
 
 -, mas também às garantias de defesa dos trabalhadores da Administração Pública, 
 mormente no que concerne ao exercício de direitos políticos e o direito de 
 audição em processo disciplinar (n.ºs 2 e 3).
 
  
 A questão que agora se coloca é de saber se o reenvio feito, pelo n.º 2 do 
 artigo 54º, da matéria de tramitação do procedimento concursal para simples 
 portaria não viola o princípio que decorre das disposições conjugadas dos 
 artigos 112º, n.º 2, e 198º, n.º 1, alínea c), da Constituição, que pressupõe 
 que o desenvolvimento dos princípios ou bases gerais do regime jurídico contido 
 em leis seja efectuado por decreto-lei do Governo. 
 
  
 Como vem sendo reconhecido, a Constituição não define o que são leis de bases 
 
 (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 493/05). No caso de a lei se não 
 autoqualificar como tal, são de presumir como leis de bases as leis da 
 Assembleia da República naquelas matérias em que a reserva de lei se limita 
 justamente às bases dos regimes jurídicos previstas no artigos 164º e 165º. Fora 
 desses casos são de qualificar como leis de bases as leis que de facto se 
 limitem aos princípios gerais dos regimes jurídicos e que não devolvam 
 expressamente o seu desenvolvimento para diploma regulamentar, pois então deixa 
 de existir um pressuposto necessário das leis de bases, que é o seu 
 desenvolvimento legislativo. Inversamente, um indício seguro da existência de 
 uma lei de bases é a exigência por ela estabelecida de desenvolvimento ou de 
 regulamentação mediante decreto-lei (nestes precisos termos, Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª 
 edição, citada, pág. 508).
 
  
 No caso vertente, já tomámos em linha de conta que o Decreto n.º 173/X, não 
 tendo sido emitido ao abrigo da alínea t) do n.º 1 do artigo 165º da 
 Constituição, nem se autodenominando como uma lei de bases, é um diploma 
 heterogéneo que contém bases e princípios gerais do regime jurídico que pretende 
 regular, mas também, nalguns casos, o desenvolvimento legislativo desses 
 princípios, e, noutros, a remissão da sua concretização para regulamento 
 administrativo.
 Não podendo ser tido como uma lei de bases, poderá suceder que algumas das suas 
 normas possam ser qualificadas como bases do regime da função pública. Como tais 
 devem entender-se aquelas que, num acto legislativo, definam as opções 
 político-legislativas fundamentais cuja concretização normativa se justifique 
 que seja ainda efectuada por via legislativa (Gomes Canotilho, Direito 
 constitucional e teoria da Constituição, citado, pág. 755; Jorge Miranda, Manual 
 de direito constitucional, tomo V, 3ª edição, Coimbra, pág. 377; acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 261/04). 
 
  
 Ora, no Decreto n.º 173/X, as ideias centrais que, em matéria de recrutamento de 
 pessoal, representam uma clara opção de política legislativa são as que constam 
 dos artigos 50º, 51º, 52º e 53º, onde se enuncia o princípio do concurso e se 
 estabelecem os requisitos de admissão e os critérios de selecção de candidatos.
 
  
 O artigo 54º, por seu turno, reporta-se a elementos consensuais que se encontram 
 justificados por evidentes razões de equidade e transparência ou por 
 conveniência de simplificação processual – a constituição do júri; a eliminação 
 das listas provisórias; o carácter unitário da lista de ordenação de candidatos, 
 a ordem de precedência no preenchimento das vagas. Por outro lado, o 
 regulamento, para que se remete a concretização do disposto nesse preceito, 
 limitar-se-á a definir a tramitação do procedimento concursal, desempenhando uma 
 função instrumental de mera ordenação das fases do concurso e de especificação 
 dos seus elementos constitutivos.
 
  
 Não podendo caracterizar-se a aludida norma, nos termos precedentemente 
 expostos, como norma de bases, a remissão para o regulamento não viola a reserva 
 de desenvolvimento das bases gerais por acto legislativo.
 
  
 Cabe referir ainda, embora essa questão não tenha sido suscitada no pedido, que 
 a norma do artigo 54º, n.º 1, não podendo ser caracterizada como uma norma de 
 bases, segundo o entendimento acabado de expor, tem apesar disso um alcance 
 normativo concreto que, correspondendo a uma normação primária em matéria de 
 procedimento concursal, se torna susceptível de ser desenvolvida por via 
 regulamentar. O órgão legiferante não deixou, por isso, de fazer actuar, nesse 
 domínio específico, o princípio de reserva de lei que deriva do artigo 165º, n.º 
 
 1, alínea t), da CRP. Não se limitou a conferir à Administração a competência 
 subjectiva para regulamentar esses aspectos do regime jurídico - o que 
 implicaria a emissão de um regulamento independente, que necessariamente deveria 
 revestir a forma de decreto regulamentar -, mas fixou com suficiente densidade 
 normativa um conjunto de regras cujo desenvolvimento se quadra no âmbito de um 
 regulamento executivo ou complementar.
 
  
 Determinação do posicionamento remuneratório de candidatos a recrutamento para a 
 função pública em procedimento concursal
 
  
 
 9. O pedido suscita ainda a inconstitucionalidade da norma do artigo 55.º, n.º 
 
 1, do Decreto por violação do princípio da igualdade salarial, por aplicação das 
 
  disposições dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, no ponto em que 
 a norma admite, ou autoriza implicitamente, sem acautelar a fixação de limites 
 tangíveis, que uma decisão discricionária do empregador público possa, mediante 
 acordo resultante de processo negocial, preencher uma vaga aberta para um posto 
 de trabalho relativo a uma dada categoria profissional através de um candidato, 
 em termos tais que, cumulativamente:
 a) Possa auferir uma remuneração mais elevada do que a dos trabalhadores mais 
 antigos integrados na mesma categoria que se encontrem em exercício de funções;
 b) Seja oriundo de sector externo à Administração Pública e seja titular de 
 menores habilitações literárias do que os trabalhadores integrados na mesma 
 categoria profissional e que desempenhem idêntica função.
 
  
 Segundo se sustenta, o princípio trabalho igual, salário igual, pode ser posto 
 em causa na medida em que esse novo regime,  sem introduzir qualquer salvaguarda 
 e sem outro critério que não seja o da negociação salarial com o candidato a um 
 posto de trabalho, habilita o empregador a acordar discricionariamente com o 
 mesmo candidato um vencimento superior ao de outros funcionários mais antigos e 
 com iguais ou superiores habilitações literárias que exerçam funções idênticas 
 em igual categoria.
 
  
 A referida norma surge inserida no Capítulo III do Título IV, atinente ao regime 
 de carreiras, o qual congrega diversas regras relativas ao recrutamento de 
 pessoal, incluindo as respeitantes ao procedimento concursal (artigos 50º a 
 
 54º), e que, sob a epígrafe «Determinação do posicionamento remuneratório», 
 prescreve o seguinte:
 
  
 
 1 - Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade 
 da relação jurídica de emprego público seja o contrato, o posicionamento do 
 trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objecto de 
 negociação com a entidade empregadora pública e tem lugar:
 a) Imediatamente após o termo do procedimento concursal; ou 
 b) Aquando da aprovação em curso de formação específico ou da aquisição de certo 
 grau académico ou de certo título profissional, nos termos da alínea c) do n.º 3 
 do artigo 41.º, que decorram antes da celebração do contrato.
 
 2- Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, a 
 negociação com os candidatos colocados em situação de mobilidade especial 
 antecede a que tenha lugar com os restantes candidatos.
 
 3- Sem prejuízo de contactos informais que possam e devam ter lugar, a 
 negociação entre a entidade empregadora pública e cada um dos candidatos, pela 
 ordem em que figurem na ordenação final, efectua-se por escrito.
 
 4- Em casos excepcionais, devidamente fundamentados, designadamente quando o 
 número de candidatos seja de tal modo elevado que a negociação se torne 
 impraticável, a entidade empregadora pública pode tomar a iniciativa de a 
 consubstanciar numa proposta de adesão a um determinado posicionamento 
 remuneratório enviada a todos os candidatos.
 
 5- O eventual acordo obtido ou a proposta de adesão são objecto de fundamentação 
 escrita pela entidade empregadora pública.
 
 6- Em cada um dos universos de candidatos referidos na alínea d) do n.º 1 do 
 artigo anterior, bem como relativamente à ordenação de todos os candidatos, a 
 falta de acordo com determinado candidato determina a negociação com o que se 
 lhe siga na ordenação, ao qual, em caso algum, pode ser proposto posicionamento 
 remuneratório superior ao máximo que tenha sido proposto a, e não aceite por, 
 qualquer dos candidatos que o antecedam naquela ordenação.
 
 7- Após o seu encerramento, a documentação relativa aos processos negociais em 
 causa é pública e de livre acesso.
 
 8- Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade 
 da relação jurídica de emprego público seja a nomeação, lei especial pode 
 tornar-lhe aplicável o disposto nos números anteriores.
 
 9- Não usando da faculdade prevista no número anterior, o posicionamento do 
 trabalhador recrutado tem lugar na ou numa das posições remuneratórias da 
 categoria que tenham sido publicitadas conjuntamente com os elementos referidos 
 no n.º 3 do artigo 50.º.
 
  
 Importa ter presente, para melhor compreender o alcance da aludida disposição, 
 que a lei prevê a existência de carreiras gerais e carreiras especiais (artigo 
 
 41º), que poderão incluir, em qualquer dos casos, carreiras unicategoriais ou 
 pluricategoriais (artigo 42º), sendo que a cada categoria de carreiras 
 corresponde um número variável de posições remuneratórias (artigo 45º).
 
  
 Acresce que, em função da verbas disponíveis para encargos com pessoal, o 
 dirigente do serviço poderá proceder a alterações de posicionamento 
 remuneratório na categoria dos trabalhadores da unidade orgânica, que já se 
 encontrem no activo, as quais terão por base a avaliação do respectivo 
 desempenho (artigos 46º a 48º).
 
  
 Por outro lado, como resulta com evidência do disposto no artigo 50º, n.º 1, o 
 recrutamento de trabalhadores para o preenchimento de lugares vagos depende de 
 uma opção gestionária que tenha em linha de conta os critérios definidos no 
 artigo 7º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 2 e 3, relativamente à afectação de verbas 
 orçamentais a encargos com pessoal.
 
  
 De acordo com essas referidas disposições, as verbas orçamentais dos órgãos ou 
 serviços afectas a despesas com pessoal poderão destinar-se a suportar encargos 
 com as remunerações dos trabalhadores que se devam manter em exercício de 
 funções, ou com o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos 
 de trabalho vagos, ou ainda com alterações do posicionamento remuneratório dos 
 trabalhadores no activo ou com a atribuição de prémios de desempenho. Essa 
 afectação tem por base de ponderação dos objectivos e actividades do órgão ou 
 serviço, a motivação dos respectivos trabalhadores (mormente para o efeito de 
 alteração do posicionamento remuneratório), o nível do desempenho atingido pelo 
 
 órgão ou serviço no ano anterior ao da preparação da proposta de orçamento.
 
  
 Além disso o dirigente do serviço, considerados todos esses factores, pode optar 
 pela afectação integral das verbas orçamentais apenas a uma dessas finalidades.
 
  
 Tal significa que os serviços, em função dos resultados obtidos e do empenho 
 revelado pelos trabalhadores na execução das suas tarefas, podem prescindir de 
 abrir concurso para preenchimento de lugares vagos e aplicar as verbas previstas 
 para encargos com o pessoal na melhoria da situação remuneratória dos 
 trabalhadores já pertencentes aos quadros, aplicando, nesse caso, o regime 
 previsto nos artigos 47º e 48º. Nestes termos, o recrutamento de novos 
 trabalhadores pressupõe, desde logo, a impossibilidade ou inconveniência de 
 assegurar o cumprimento dos objectivos do órgão ou serviço através do pessoal no 
 activo e pode representar um juízo de avaliação sobre os índices de competência 
 técnica, produtividade e eficiência dos trabalhadores existentes e do nível 
 remuneratório que, em função desses factores, lhes deve competir. 
 
  
 Pressupondo que o dirigente do serviço opta pela abertura de concurso de 
 provimento, sem dúvida que o artigo 55º, n.º 1, introduz um mecanismo inovador 
 na fixação inicial da remuneração de um trabalhador contratado, permitindo que o 
 seu escalão retributivo na categoria profissional em que vai ingressar seja 
 objecto de negociação com a entidade empregadora, o que inculca que o candidato 
 não tem necessariamente de vir a ocupar a primeira posição da correspondente 
 escala salarial, mas, desde logo, poderá ficar situado numa posição intermédia 
 ou superior. 
 
  
 O sistema salvaguarda, no entanto, a aplicação de alguns critérios de equidade e 
 transparência: a negociação é efectuada após o termo do procedimento concursal e 
 pela ordem em que os candidatos figurem na lista de graduação final (n.º 1, 
 alínea a), e n.º 3); a negociação efectua-se por escrito e o acordo (ou a 
 proposta de adesão, quando for o caso) é fundamentado (n.ºs 3 e 5); quando o 
 número de candidatos seja de tal modo elevado que a negociação se torne 
 impraticável, a determinação do posicionamento remuneratório de todos os 
 candidatos pode ser feita através de proposta de adesão (n.º 4); a falta de 
 acordo com um determinado candidato implica que se inicie a negociação com o que 
 se lhe siga na ordenação, ao qual não poderá ser proposto um posicionamento 
 remuneratório superior ao máximo que tenha sido proposto, e não aceite, por um 
 qualquer dos candidatos que o anteceda naquela ordenação (n.º 6); após 
 encerramento do processo negocial, a respectiva documentação relativa é pública 
 e de livre acesso (nº 7).
 
  
 Vê-se assim que a determinação do posicionamento remuneratório tem em 
 consideração a posição relativa dos candidatos na lista de graduação do concurso 
 e, embora haja alguma margem de liberdade decisória na fixação dos termos do 
 acordo - como é próprio de qualquer processo negocial –, a entidade empregadora 
 está, em todo o caso, impedida de formular uma proposta mais vantajosa em 
 relação  a um candidato que se encontre na lista de graduação em posição 
 relativa inferior a outro, o que faz supor que a definição negociada dos 
 escalões remuneratórios tem por base o mérito relativo dos candidatos revelado 
 nas provas do concurso.
 
  
 Sucede que o novo regime legal dá também abertura à possibilidade de 
 trabalhadores já vinculados aos quadros poderem ver alterada a sua posição 
 remuneratória em função da avaliação de desempenho, que significa que o sistema 
 preconiza, não apenas em relação ao novos trabalhadores, mas também em relação 
 aos que já estão integrados em carreiras, uma diferenciação remuneratória com 
 base na presumível ou comprovada maior qualidade de serviço ou qualificação 
 profissional.
 
  
 A conveniência de implementar uma nova política neste domínio é, aliás, 
 reconhecida na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 152/X, já mencionada, 
 onde se afirma, como justificação para levar a efeito uma reforma profunda do 
 sistema, que «a dinâmica das carreiras tem estado muito baseada na antiguidade e 
 em níveis de avaliação de desempenho generalizadamente obtidos, o que lhe 
 confere natureza quase automática, ou baseada em concursos com procedimentos 
 muito burocratizados que, na prática, dão particular relevo a requisitos e 
 condições de natureza formal», e em que se aponta, na linha das directrizes do 
 Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), para a necessidade de «reformar 
 profundamente o sistema de carreiras e remunerações, reduzindo substancialmente 
 o número de carreiras, bem como limitando drasticamente os elementos de 
 progressão automática actualmente existentes».
 
  
 Poderá entender-se como inconstitucional, por violação do princípio da igualdade 
 salarial, este novo critério diferenciador de remunerações?
 
  
 Sabe-se que o princípio do trabalho igual salário igual, consagrado no artigo 
 
 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, pretendendo salvaguardar a igualdade 
 retributiva, apenas proíbe, enquanto afloramento do princípio da igualdade, as 
 discriminações ou distinções sem fundamento material, designadamente, porque 
 assentes em categorias subjectivas (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª 
 edição, Coimbra, pág. 433; no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 313/89, de 9 de Março de 1989, in BMJ n.º 385, pág. 188)).
 
  
 Nestes moldes, o princípio constitucional implica a inadmissibilidade de um 
 tratamento salarial diferenciado pelo sexo ou por outros factores 
 discriminatórios, mas já comporta a individualização de salários com base no 
 mérito ou no rendimento, desde que sejam apurados mediante critérios e métodos 
 objectivos e explícitos (idem, pág. 436).
 
  
 A diferenciação de salários relativamente a trabalhadores que detêm a mesma 
 categoria profissional poderá assim resultar não só da diversa espécie ou 
 natureza das tarefas desempenhadas, mas também da qualidade ou valor útil da 
 prestação, assim devendo entender-se a referência do texto constitucional à 
 qualidade do trabalho - artigo 59º, n.º 1, alínea a) (neste sentido, entre 
 outros, os acórdãos do STJ de 7 de Junho de 2000, Processo n.º 12/00, e de 25 de 
 Janeiro de 2001, Processo n.º 2025/02). Ou seja, o factor qualidade de trabalho, 
 que é diferente da natureza da actividade desenvolvida (que se reporta à posição 
 funcional do trabalhador) e da quantidade de trabalho (que corresponde à duração 
 ou ao tempo de trabalho), aponta no sentido da relevância das características 
 individuais de prestação, do seu valor útil ou do seu rendimento (idem, pág. 
 
 433)
 
  
 Ao contrário do que sucede no domínio laboral privado, em que a remuneração está 
 ligada à pessoa do trabalhador e à sua produtividade, a diferenciação da 
 remuneração em função de critérios de qualidade e eficiência não tem sido 
 aplicada no seio da função pública por sempre se ter entendido a remuneração do 
 funcionário mais como a contraprestação devida pela ocupação de um determinada 
 categoria, e não tanto pelo modo do exercício das correspondentes funções (Paulo 
 Veiga Moura, Privatização da função pública, Coimbra, 2004, pág. 150).
 
  
 No entanto, o legislador tem legitimidade, ao abrigo do disposto no artigo 59º, 
 n.º 1, alínea a), da CRP, para reconhecer, também em relação aos trabalhadores 
 da Administração Pública, o direito à retribuição do trabalho segundo a 
 quantidade, natureza e qualidade, fazendo cumprir o princípio trabalho igual 
 salário igual na sua dimensão positiva, segundo a qual as diferenças 
 qualitativas na prestação não só autorizam como impõem uma diferente remuneração 
 
 (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª 
 edição, citada, pág. 773).
 
  
 O legislador está impedido de instituir diferenças salariais que, à luz do texto 
 constitucional, se configurem arbitrárias, irrazoáveis ou injustificáveis, mas 
 poderá fazê-lo com base em particularidades da prestação funcional ou do seu 
 maior volume ou qualidade, pelo que não deixa de ser legítima uma medida 
 legislativa que permita, a quem está provido há menos tempo numa dada categoria, 
 que aufira, ou passe a auferir, uma remuneração superior à percebida por quem 
 dispõe de maior antiguidade no mesmo posto, desde que ela se encontre 
 fundamentada num motivo objectivo que possa ser entendido como válido e racional 
 
 (Paulo Veiga Moura, ob. cit., págs. 156 e 158-159).
 
  
 O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de declarar a 
 inconstitucionalidade de diversas normas aplicáveis à função pública, quando 
 interpretadas no sentido de permitirem que funcionários mais antigos numa dada 
 categoria passassem a auferir uma remuneração inferior à de outros com menor 
 antiguidade e idênticas habilitações. Assim, o acórdão n.º 584/98, que julgou 
 inconstitucional a norma contida no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 397/91, de 19 
 de Setembro, enquanto restringe o descongelamento na progressão nos escalões das 
 categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, 
 com efeito a partir de 1 de Julho de 1990, bem como o acórdão n.º 254/00, que 
 declarou inconstitucional com força obrigatória geral as normas constantes do 
 n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do 
 artigo 3º do Decreto-Lei n.º 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, procedendo 
 ao descongelamento de escalões, limitam o seu âmbito a funcionários promovidos 
 após 1 de Outubro de 1989. Em qualquer dos casos estamos perante situações em 
 que o legislador introduziu alterações de regime legal, valorizando apenas um 
 elemento temporal, desligado de quaisquer considerações que se prendessem com 
 aspectos relativos à prestação laboral.
 
  
 Não é essa a hipótese em presença.
 
  
 O artigo 55º, n.º 1, do Decreto n.º 173/X permite que um trabalhador contratado, 
 através de negociação com a entidade empregadora, passe a ocupar uma posição 
 salarial intermédia ou superior da respectiva tabela remuneratória. Mas essa 
 eventualidade está directamente relacionada com a sua posição relativa na lista 
 de graduação do concurso de provimento e, por conseguinte, com o mérito que 
 tenha evidenciado nas provas de concurso, de tal modo que nenhum outro candidato 
 situado em posição inferior pode obter um nível remuneratório superior a esse. 
 Por outro lado, também os funcionários que já se encontrem no activo poderão 
 progredir na escala remuneratória por via da obtenção de melhores resultados na 
 avaliação do desempenho profissional, e, porventura, manterem-se numa posição 
 remuneratória superior às dos recém ingressados ou ultrapassarem a posição a que 
 entretanto estes tenham ascendido. E além de tudo, a negociação da posição 
 remuneratória de um novo contratado, tendo por base uma fundada expectativa 
 quanto ao nível qualitativo da prestação laboral, não pode deixar de tomar como 
 ponto de referência as posições remuneratórias ocupadas pelo pessoal que está no 
 activo, as quais, por efeito da avaliação do desempenho, são influenciadas pela 
 qualidade do trabalho efectivamente prestado. Ou seja, embora os parâmetros de 
 ponderação para essas duas categorias de trabalhadores sejam diversos – visto 
 que num caso se parte de um juízo de prognose sobre o futuro desempenho 
 profissional e noutro se tem em conta o reconhecimento do mérito já revelado na 
 prestação do serviço -, o certo é que a justa medida, a que uma negociação 
 remuneratória deverá conduzir, permite sempre ponderar, em termos relativos, o 
 grau de correspondência que é possível estabelecer entre uns e outros.
 
  
 Neste contexto, a circunstância de novos contratados ou trabalhadores já 
 integrados nos quadros virem a auferir uma remuneração superior à de outros que 
 possuem maior antiguidade na categoria, resulta da introdução de um factor de 
 qualificação profissional, na determinação do posicionamento remuneratório, que 
 o legislador entendeu ser mais adequado à prossecução do interesse público.
 
  
 Esse critério não ofende o princípio da igualdade salarial, que só proíbe a 
 diferenciação remuneratória que se mostre ser desprovida de um fundamento 
 material válido.
 
  
 Resta acrescentar que a negociação sobre a posição remuneratória dos novos 
 contratados envolve, pela natureza das coisas, uma certa margem de liberdade de 
 conformação da entidade empregadora. O exercício desse poder, no entanto, 
 continua subordinado ao cumprimento dos princípios da igualdade, da 
 proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266º, n.º 
 
 2, da CRP), que necessariamente devem nortear toda a actividade administrativa. 
 A decisão concreta que não preencha esses parâmetros de juridicidade é 
 susceptível de ser impugnada contenciosamente, na jurisdição administrativa, com 
 fundamento em ilegalidade, pelo que não é o mau uso do mecanismo legal, por 
 parte da Administração, que poderá inquinar a conformidade constitucional da 
 solução legislativa.
 
  
 
  
 Fixação mediante portaria de critérios específicos ou excepcionais 
 condicionantes do acesso dos cidadãos à função pública 
 
  
 
  
 
 10. Suscita-se ainda a questão da inconstitucionalidade do artigo 56º, n.º 8, do 
 Decreto, quando interpretado em conjugação com o artigo 47º, n.º 2, da 
 Constituição da República, pelo facto de, estando prevista a possibilidade de 
 opção, no âmbito do recrutamento de pessoal, pelo recurso a diplomados pelo 
 Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP), em alternativa ao 
 procedimento concursal, se ter consignado, no entanto, através desse n.º 8, que 
 o referido Curso seja regulamentado por portaria do membro do Governo 
 responsável pela área da Administração Pública.
 
  
 Sustenta-se, a este propósito, que se verifica uma violação da competência de 
 reserva relativa da Assembleia da República, porquanto o acesso à função 
 pública, em condições de liberdade e de igualdade, constitui um direito 
 fundamental, consagrado no citado artigo 47º, n.º 2, e a sua conformação só pode 
 ser efectuada por via de lei, em aplicação do disposto no artigo 165º, n.º 1, 
 alínea b), da Constituição.
 
  
 Com efeito, o artigo 56º do Decreto, integrado num Capítulo referente ao 
 recrutamento de pessoal, permite que o dirigente máximo do serviço proceda ao 
 preenchimento de vagas existentes nos quadros através de interessados que tenham 
 concluído com aproveitamento o Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública, 
 utilizando esse mecanismo em substituição do procedimento de concurso que vem 
 regulado nos precedentes artigos 50º a 54º.
 
  
 
 É a seguinte a redacção do preceito:
 
  
 
 1- Observados os condicionalismos referidos no n.º 1 do artigo 50.º 
 relativamente a actividades de natureza permanente, o dirigente máximo da 
 entidade empregadora pública pode optar, em alternativa à publicitação de 
 procedimento concursal nele previsto, pelo recurso a diplomados pelo Curso de 
 Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP).
 
 2- Para efeitos do disposto no número anterior, a entidade empregadora pública 
 remete ao Instituto Nacional de Administração (INA) lista do número de postos de 
 trabalho a ocupar, bem como a respectiva caracterização nos termos dos n.ºs 3 e 
 
 4 do artigo 50.º
 
 3- A caracterização dos postos de trabalho cujo número consta da lista toma em 
 consideração que os diplomados com o CEAGP apenas podem ser integrados na 
 carreira geral de técnico superior e para cumprimento ou execução das 
 atribuições, competências ou actividades que a respectiva regulamentação 
 identifique.
 
 4- A remessa da lista ao INA compromete a entidade empregadora pública a, findo 
 o CEAGP, integrar o correspondente número de diplomados.
 
 5- O recrutamento para frequência do CEAGP observa as injunções decorrentes do 
 disposto nos n.ºs 4 a 7 do artigo 6.º.
 
 6- A integração na carreira geral de técnico superior efectua-se na primeira 
 posição remuneratória ou naquela cujo nível remuneratório seja idêntico ou, na 
 sua falta, imediatamente superior ao nível remuneratório correspondente ao 
 posicionamento do candidato na categoria de origem, quando dela seja titular no 
 
 âmbito de uma relação jurídica de emprego público constituída por tempo 
 indeterminado.
 
 7- O CEAGP pode igualmente decorrer em outras instituições de ensino superior 
 nos termos fixados em portaria dos membros do Governo responsáveis pela 
 Administração Pública e ensino superior, sendo, neste caso, a Direcção-Geral da 
 Administração e do Emprego Público a entidade competente para a gestão de todo o 
 procedimento.
 
 8- O CEAGP é regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela 
 
 área da Administração Pública.
 
  
 Como bem se vê, a utilização dos diplomados pelo CEAGP é um expediente 
 alternativo à abertura de concurso de provimento, que apenas pode ter lugar 
 quando seja possível, nas mesmas circunstâncias, recorrer ao procedimento 
 concursal (n.º 1), ficando o pessoal recrutado por essa via sujeito ao regime 
 geral de constituição da relação jurídica de emprego público (n.º 5).
 
  
 Por outro lado, o artigo 56º regula não só aspectos relativos ao processo de 
 recrutamento (n.ºs 1, 2, 3 e 4), e às condições do respectivo regime de 
 vinculação (n.ºs 2 e 6), como outros atinentes à própria organização do Curso 
 
 (n.ºs 2 e 7).
 
  
 Sublinhe-se que o artigo 24º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro 
 
 (agora revogado pelo artigo 116º, alínea qq) do presente Decreto) permitia já 
 que por decreto-lei fossem definidas condições especiais de ingresso e acesso na 
 carreira técnica superior para os diplomados com o  CEAGP, que fora criado junto 
 do Instituto Nacional de Administração, pela Portaria n.º 1319/95, de 8 de 
 Novembro (entretanto substituída pela Portaria n.º 327/2004, de 31 de Março), 
 sendo que a sua regulamentação acabou por ser efectuada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 54/2000, de 7 de Abril, que foi também agora objecto de revogação (artigo 116º, 
 alínea ccc)).
 
  
 A questão que se coloca é a da possível violação da reserva relativa do 
 Parlamento por via da agora prevista remissão dos aspectos organizativos do 
 CEAPG para regulamento administrativo. 
 
  
 O artigo 47º da Constituição, no seu n.º 2, estipula que «[t]odos os cidadãos 
 têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, 
 em regra por concurso». E sendo esta uma matéria versada no Título II da Parte I 
 da Constituição, encontra-se abrangida pela referência aos direitos, liberdades 
 e garantias que consta do artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição (neste 
 sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, 
 citada, pág. 534).
 
  
 
 É de entender, por outro lado, que a reserva abrange todo o domínio legislativo 
 de cada direito, liberdade e garantia, e não apenas os aspectos relativos aos 
 seus princípios ou bases gerais, e isso independentemente de se pretender 
 instituir um regime eventualmente mais restritivo ou ampliativo do que o 
 preexistente, visto que o que está em causa não é o alcance da lei mas a matéria 
 sobre a qual ela incide (idem, pág. 535).
 
  
 Importa, no entanto, efectuar uma precisão.
 
  
 Conforme se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 150/85 (publicado 
 no Diário da República, II, n.º 292, de 19 de Dezembro de 1985, pág. 11976), a 
 matéria de reserva de lei, para o aludido efeito, não pode entender-se como toda 
 e qualquer solução jurídica que, de algum modo, possa implicar uma conexão com 
 um direito, liberdade ou garantia ou possa contender com as condições práticas 
 do seu exercício. Deverá tratar-se, antes, de aspectos que directamente 
 interfiram com as condições ou pressupostos jurídicos do direito, liberdade ou 
 garantia que está em causa.
 
  
 No que se refere ao direito de acesso à função pública em condições de igualdade 
 e liberdade, entende-se que ele «consiste principalmente em: (a) não ser 
 proibido de aceder à função pública em geral, ou a uma determinada função 
 pública em particular (liberdade de candidatura); (b) poder candidatar-se aos 
 lugares postos a concurso, desde que preenchidos os requisitos necessários; (c) 
 não ser preterido por outrem com condições inferiores; (d) não haver escolha 
 discricionária por parte da Administração» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, citada, 
 pág. 660).
 
  
 O CEAGP, porém, instituído pela referida Portaria, configura-se como uma 
 estrutura destinada a conferir qualificação especializada e actualização 
 profissional de nível superior ao pessoal dirigente e técnico superior do sector 
 público administrativo. Trata-se, por isso, de um instrumento jurídico que se 
 enquadra numa missão de modernização e de aperfeiçoamento da máquina 
 administrativa do Estado e que, ainda que possa constituir um mecanismo 
 diferenciado de recrutamento de pessoal, não pretende regular directamente 
 quaisquer aspectos atinentes à liberdade de acesso à função pública.
 
  
 Por outro lado, no que se refere ao regime de admissão ao Curso – único aspecto 
 que poderia contender com o direito de acesso à função pública -, o artigo 56º, 
 n.º 1, salvaguarda já a aplicação de critérios legais que garantem a sujeição a 
 condições de igualdade e liberdade. Na verdade, por efeito da remissão feita, no 
 segmento inicial desse preceito, para o n.º 1 do precedente artigo 50º, o 
 recrutamento de pessoal por via do recurso a diplomados pelo CEAGP está 
 dependente de procedimento concursal (tal como, aliás, se previa no regime 
 actual - cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril, e seu 
 artigo 3º), que, por sua vez, apenas poderá ocorrer desde que observado o 
 condicionalismo definido nos artigos 6º, n.º 2, e 7º, n.ºs 1, alínea b), e 3 e 
 
 4. Assim, essa modalidade de admissão de pessoal na função pública, além de 
 estar sujeita às regras comuns de selecção de candidatos, está também 
 subordinada a exigências decorrentes da gestão de recursos humanos e de 
 aplicação de verbas orçamentais. A iniciativa só pode ter lugar se houver postos 
 de trabalho vagos (artigo 6º, n.º 2) e desde que o dirigente do serviço não opte 
 por substituir o recrutamento de novos trabalhadores pela alteração do 
 posicionamento remuneratório dos trabalhadores já existentes (artigo 7º, n.º 3).
 
   
 Ressalvada esta questão - que incide propriamente sobre os pressupostos 
 jurídicos do direito de acesso à função pública - por via da previsão legal 
 contida no artigo 56º, n.º 1, a remissão de aspectos organizativos do Curso para 
 regulamento administrativo, não ofende, pelas razões já antes mencionadas, a 
 reserva relativa da Assembleia da República.
 
  
 Alega-se, no entanto, complementarmente, que a remissão da regulamentação do 
 CEAPG para portaria, tal como previsto no n.º 8 do artigo 56.º do Decreto, ainda 
 que ela não integre a reserva de lei, é inconstitucional por violação do n.º 6 
 do artigo 112.º da CRP, conjugado com o n.º 7 do mesmo artigo, já que a 
 disciplina primária de uma matéria desta natureza exigiria um regulamento 
 independente que nunca poderia assumir a simples forma de portaria. 
 
  
 O artigo 112º, n.º 6, da Constituição estabelece que «[o]s regulamentos do 
 Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado 
 pela lei que regulamentam, bem como no caso dos regulamentos independentes», 
 acrescentando o n.º 7 que «[o]s regulamentos devem indicar expressamente as leis 
 que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para 
 a sua emissão».
 
  
 O n.º 6 dá assim abertura aos regulamentos independentes, impondo, no entanto, 
 como pressuposto legal, em aplicação do princípio da precedência de lei, a 
 existência de uma lei prévia para a actuação do poder regulamentar. Da 
 conjugação dos citados n.ºs 6 e 7 resulta assim claro que os regulamentos 
 independentes são aqueles cuja lei habilitante se limita a definir a competência 
 subjectiva e objectiva para a sua emissão, o que sucede quando a lei é uma pura 
 lei de reenvio ou remissão para regulamento (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, citada, págs. 
 
 513-514). Por outras palavras, regulamentos independentes são os que «pressupõem 
 sempre uma lei definidora da competência subjectiva (competência de um órgão em 
 face de outro ou outros órgãos) e da competência objectiva (competência em razão 
 da matéria) do órgão que os emite» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, tomo II, citada, pág. 277).
 
  
 Por outro lado, a exigência da forma de decreto regulamentar para os 
 regulamentos independentes – que estão sujeitos a promulgação do Presidente da 
 República, nos termos do artigo 134º, alínea d), da Constituição - «justifica-se 
 pela necessidade de evitar que, sob a capa de regulamento independente, o 
 Governo faça aquilo que deve fazer sob forma legislativa, fugindo à intervenção 
 presidencial» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. e loc. cit.); podendo também 
 entender-se que a imposição da forma mais solene de decreto regulamentar decorre 
 da circunstância de os regulamentos independentes «criarem disciplina inicial de 
 relações jurídicas e, em regra, com larga margem de liberdade ou 
 discricionaridade» (Coutinho de Abreu, Sobre os regulamentos administrativos e o 
 princípio da legalidade, Coimbra, 1987, pág. 83).
 
  
 Será então que o regulamento previsto no n.º 8 do artigo 56º do Decreto assume a 
 caracterização própria de um regulamento independente?
 
  
 Isso sucederia, na linha do entendimento anteriormente exposto, se o Decreto (ou 
 um qualquer diploma legal) se tivesse limitado a conferir ao Governo 
 
 «competência para emitir normas regulamentares sobre certa matéria, embora sem 
 estabelecer desde logo qualquer sistema normativo sobre a mesma» (assim, Sérvulo 
 Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, 
 Coimbra, 1987, págs. 204-205).
 
  
 Mas não é essa a situação vertente.
 
  
 O Decreto n.º 173/X não se limita a indicar o membro do Governo que deve emitir 
 o regulamento e o objecto sobre que ele deve incidir. Antes explicita, no 
 contexto verbal do preceito - como se deixou já esclarecido -, não só as 
 instituições de ensino nas quais decorre o Curso (em regra, o Instituto Nacional 
 de Administração, mas sempre uma instituição de ensino superior: cfr. o artigo 
 
 56º, n.º s 2, 4 e 7), como também as injunções a que deve obediência o 
 recrutamento para sua frequência (cfr. o artigo 56º, n.º 5), pelo que não pode 
 afirmar-se que o diploma é inteiramente omisso acerca da disciplina material que 
 possa ser objecto de regulamentação.
 
  
 Por outro lado, o diploma, ao definir esse regime material sobre o CEAGP, não se 
 limita a emitir algumas directivas sobre o sentido da normação de molde a que se 
 pudesse considerar que seria o regulamento a proceder, num plano primário, à 
 fixação das normas directamente aplicáveis a relações sociais - caso em que, 
 segundo alguma doutrina, ainda se poderia estar perante um regulamento 
 independente (Sérvulo Correia, ob. cit., págs. 242-243); antes estipula 
 
 «normação propriamente dita», «regulando desde logo relações de vida em 
 sociedade», o que tanto basta para concluir que a portaria para que remete o n.º 
 
 8 do artigo 56º não constitui um regulamento independente e não sofre da 
 apontada inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 Fixação dos níveis máximo e mínimo de remuneração admitidos no quadro das 
 relações de emprego público, em portaria de conteúdo inovatório
 
  
 
  
 
 11. Em derradeiro termo, coloca-se a questão da inconstitucionalidade da norma 
 do nº 3 do artigo 68º do Decreto n.º 173/X com os seguintes fundamentos:
 
  
 a) Por violação do princípio da tipicidade da lei previsto no n.º 5 do artigo 
 
 112.º da CRP, conjugado com os n.ºs  6 e 7 do mesmo preceito, atento o facto de 
 aos regulamentos estar vedada a fixação de opções primárias e juízos de valor 
 inovatórios próprios dos critérios de decisão legislativos;
 b) Por violação das normas constantes dos n.ºs 6 e 7 do artigo 112.º da 
 Constituição que determinam que os regulamentos relativamente aos quais a lei se 
 limita a determinar a competência subjectiva e objectiva da sua emissão devem 
 assumir a forma de decreto regulamentar;
 c) Por violação das normas constantes dos nºs 6 e 7 do artigo 112º da 
 Constituição na medida em que a conjugação do n.º 1 do artigo 68º com o nº 1 do 
 artigo 69º subverte parcialmente a relação hierárquica ou de precedência entre 
 decreto regulamentar e portaria, dado que a fixação em concreto dos níveis 
 remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias a 
 constar de decreto regulamentar está limitada e pode ser alterada pela portaria 
 que define a tabela remuneratória única.
 
  
 Sustenta-se, por outro lado, que também a norma do nº 5 do artigo 68.º do 
 diploma, ao remeter para portaria o estabelecimento de parâmetros limitadores da 
 acção da autonomia colectiva, pode ficar ferida de inconstitucionalidade, por 
 violação do que prescreve o n.º 4 do artigo 56.º da Constituição, que consagra, 
 nesta matéria, uma reserva de lei.
 O artigo 68º, epigrafado «Tabela remuneratória única», dispõe, na parte que 
 agora mais interessa considerar, o seguinte: 
 
  
 
 1- A tabela remuneratória única contém a totalidade dos níveis remuneratórios 
 susceptíveis de ser utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores 
 que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público.
 
 2- […]
 
 3- O número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a 
 cada um é fixado em portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do 
 Governo responsável pela área das finanças.
 
 4- A alteração do número de níveis remuneratórios é objecto de negociação 
 colectiva, nos termos da lei.
 
 5- A alteração do montante pecuniário correspondente a cada nível remuneratório 
 
 é objecto de negociação colectiva anual, nos termos da lei, devendo, porém, 
 manter-se a proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis.
 
  
 Por seu turno, a norma do artigo 69.º, também chamada à colação, sob a epígrafe 
 
 «Fixação da remuneração base», tem a seguinte redacção:
 
  
 
 1- A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições 
 remuneratórias das categorias, bem como aos cargos exercidos em comissão de 
 serviço, é efectuada por decreto regulamentar.
 
 2- Na identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições 
 remuneratórias das categorias observam-se, tendencialmente, as seguintes regras:
 a) Tratando-se de carreiras pluricategoriais, os intervalos entre aqueles níveis 
 são crescentemente mais pequenos à medida que as correspondentes posições se 
 tornam superiores;
 b) Nenhum nível remuneratório correspondente às posições das várias categorias 
 da carreira se encontra sobreposto, verificando-se um movimento único crescente 
 desde o nível correspondente à primeira posição da categoria inferior até ao 
 correspondente à última posição da categoria superior;
 c) Excepcionalmente, o nível correspondente à última posição remuneratória de 
 uma categoria pode ser idêntico ao da primeira posição da categoria 
 imediatamente superior;
 d) Tratando-se de carreiras unicategoriais, os intervalos entre aqueles níveis 
 são constantes.
 
  
 Deve começar por notar-se que a matéria relativa à fixação da remuneração por 
 referência aos níveis remuneratórios se relaciona com outros aspectos atinentes 
 
 à organização das carreiras e, especialmente, com o disposto no artigo 45º, onde 
 se consignam critérios referentes ao número de posições remuneratórias que 
 correspondem a cada categoria, que, por sua vez, estão definidas, nos termos do 
 subsequente artigo 49º, n.º 2, em anexo ao diploma.
 
  
 Nos termos de todas estas disposições, interpretadas conjugadamente, pode 
 dizer-se que a estrutura remuneratória prevista no novo diploma é constituída 
 por uma escala salarial desdobrada em diversas posições remuneratórias 
 
 (previstas na lei) a que poderão corresponder vários níveis remuneratórios.
 
  
 A primeira questão de constitucionalidade que se coloca, neste plano, é a da 
 violação do princípio da tipicidade da lei previsto no n.º 5 do artigo 112º da 
 Constituição, que resulta – segundo se afirma - do facto de o citado artigo 68º, 
 n.º 3, remeter para portaria «decisões de normação primárias no tocante a estas 
 dimensões fundamentais para a vertebração da escala salarial aplicável às 
 relações de emprego público». Isso porque permite que, a nível regulamentar, sem 
 qualquer prévia directriz legal, se estabeleçam o nível máximo e mínimo de 
 remuneração admitido no quadro das relações de emprego público e se determine a 
 amplitude do leque salarial e a proporcionalidade relativa entre cada um dos 
 níveis remuneratórios aplicáveis.
 
  
 O artigo 112º, n.º 5, da Constituição determina que «[n]enhuma lei pode criar 
 outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o 
 poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou 
 revogar qualquer dos seus preceitos»
 
  
 Segundo se entende, este preceito tem «dois sentidos primordiais: (a) afirmação 
 do princípio da tipicidade dos actos legislativos e consequente proibição de 
 actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor de 
 lei; (b) a ideia de que as leis não podem autorizar que a sua própria 
 interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação seja efectuada 
 por outro acto que não seja uma outra lei» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, citada, pág. 
 
 510).
 
  
 Reportando ao caso concreto, considera-se, todavia, que o n.º 3 do artigo 68º do 
 Decreto n.º 173/X não tem o sentido de atribuir força e valor de lei à portaria 
 que venha a fixar o «número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário 
 correspondente a cada um», nem o de permitir que essa portaria proceda a uma 
 qualquer integração da lei.
 
  
 Por um lado, porque a matéria sobre que versa o n.º 3 do artigo 68º se insere no 
 domínio regulamentar e não no domínio legislativo, atendendo ao grau de 
 concretização que implica, à tendencial variabilidade, no tempo, da respectiva 
 regulação, e à melhor colocação do decisor administrativo face ao legislador 
 para essa regulação (atendendo à proximidade com as situações da vida que a boa 
 regulação dessa matéria implica); por outro lado, porque este preceito não 
 assume a existência de qualquer lacuna de regulação no próprio Decreto, mas, 
 antes, a existência de um espaço vazio (dir-se-ia, propositadamente vazio) nessa 
 regulação.
 
  
 Cabe recordar que a norma do n.º 3 do artigo 68º se limita a remeter para 
 regulamento a enumeração meramente descritiva dos níveis remuneratórios e do 
 respectivo montante pecuniário, sem a exigência de qualquer juízo de valor ou de 
 proporcionalidade sobre a correspondência desses níveis remuneratórios às 
 diversas categorias ou às posições remuneratórias de cada categoria, e que, além 
 do mais, essa descrição não pode deixar de respeitar os limites máximos e 
 mínimos da retribuição do trabalho, que estão legalmente definidos no artigo 3º 
 da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, e no Decreto-Lei n.º 2/2007, de 12 de 
 Janeiro,
 
  
 
  
 Referindo-nos agora a outra das questões suscitadas, pela qual se pretende ver 
 uma subversão da relação hierárquica ou de precedência entre decreto 
 regulamentar e portaria (com a consequente violação das normas  dos nºs 6 e 7 do 
 artigo 112º da Constituição) pelo facto de a lei permitir a fixação dos níveis 
 remuneratórios e respectivos montantes pecuniários através de portaria (artigo 
 
 68º, n.º 3) e delegar em decreto regulamentar a identificação  dos níveis 
 remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias (artigo 
 
 69º, n.º 1), convirá referir o seguinte.
 
  
 A função mais relevante que é deixada à actividade regulamentar, no contexto das 
 disposições dos artigos 68º e 69º, é justamente aquela que se destina a fixar a 
 remuneração base dos funcionários e agentes através da identificação dos níveis 
 remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias. Porque 
 
 é por essa via que se efectua a indexação dos níveis remuneratórios às posições 
 remuneratórias de cada uma das categorias, permitindo determinar por quantos 
 níveis salariais se desdobra cada um dos escalões retributivos que estão 
 previstos (na tabela anexa ao diploma) para cada categoria. Por seu lado, a 
 portaria conjunta mencionada no artigo 68º, n.º 3, limita-se a estabelecer um 
 elenco de índices retributivos (que terá de respeitar não só a tabela 
 remuneratória única prevista no n.º 1 do artigo 68º, como valores máximos e 
 mínimos de retribuição salarial legalmente fixados), e que, em termos concretos, 
 não afecta a posição relativa de cada um dos titulares de categorias inseridos 
 em carreiras da função pública. A distribuição dos níveis remuneratórios por 
 cada uma das posições remuneratórias de cada categoria é que vai permitir 
 determinar, concretamente, o posicionamento remuneratório de cada um dos 
 interessados, e é o decreto regulamentar que pode efectuar essa definição.
 
  
 Não se vê, por isso, que tenha ocorrido uma qualquer violação da hierarquia 
 intra-regulamentar.
 Em relação ao n.º 3 do artigo 68º do Decreto n.º 173/X, não há também motivo 
 para considerar verificada a violação do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 112.º 
 da Constituição com base no entendimento de que se trata de matéria que devesse 
 ser regulada através de decreto regulamentar.
 
  
 As considerações há pouco expendidas sobre os regulamentos independentes mantêm 
 aqui plena validade, pelo que é de reiterar o princípio de que os regulamentos 
 cuja lei habilitante se limita a atribuir a competência subjectiva e objectiva 
 para a sua emissão devem revestir a forma de decreto regulamentar.
 
  
 Como se referiu, o artigo 68º, n.º 3, remete para a elaboração de uma portaria 
 conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das 
 finanças a fixação do número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário 
 correspondente a cada um. No entanto, a lei estabelece, a esse propósito, um 
 regime material mínimo, que o regulamento não poderá deixar de respeitar, e que 
 resulta quer da exigência do estabelecimento de uma tabela remuneratória única, 
 a que obriga o n.º 1 desse artigo, quer da aplicação dos limites legais 
 estabelecidos quanto ao tecto salarial e o salário mínimo nacional, quer ainda 
 da imposição feita nos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito quanto à sujeição a 
 negociação colectiva do número de níveis remuneratórios e da alteração do 
 montante pecuniário.
 
  
 Nestes termos, a portaria apresenta-se essencialmente como um regulamento de 
 execução, que não carece de formalidade especial.
 
  
 Uma última questão diz respeito à possível inconstitucionalidade da norma do nº 
 
 5 do artigo 68.º do diploma, ao remeter para portaria o estabelecimento de 
 parâmetros limitadores da acção da autonomia colectiva, por violação do n.º 4 do 
 artigo 56.º da Constituição, no ponto em que se estabelece, neste preceito e 
 quanto a essa matéria, uma reserva de lei.
 
  
 Recorde-se que o n.º 5 do artigo 68º citado estabelece que «[a] alteração do 
 montante pecuniário correspondente a cada nível remuneratório é objecto de 
 negociação colectiva anual, nos termos da lei, devendo, porém, manter-se a 
 proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis»
 
  
 
 É a limitação feita, no segmento final do preceito, quanto à possibilidade de se 
 alterarem os montantes pecuniários através de negociação colectiva que suscita 
 as dúvidas de constitucionalidade. Mas note-se, antes de mais, que a restrição 
 resulta directamente da lei, e não de regulamento, visto que este se limita a 
 fixar os montantes pecuniários e a proceder à sua alteração de acordo com os 
 resultados atendíveis da negociação colectiva, com a necessária sujeição, nesse 
 ponto, à directiva legal.
 
  
 Não tem cabimento, em todo o caso, considerar que existe, nessa imposição 
 legislativa, uma violação do disposto no artigo 56º, n.º 4, da Constituição. 
 Este preceito apenas trata de duas matérias: a da legitimidade para a celebração 
 de convenções colectivas de trabalho e a da eficácia das normas das convenções 
 colectivas de trabalho, atribuindo à lei a definição dos termos em que, nesses 
 aspectos, o direito de contratação colectiva pode ser concretizado.
 
  
 No entanto, o n.º 5 do artigo 68º delimita, em certos termos, o objecto possível 
 da negociação colectiva, sem pôr em causa qualquer daquelas particularidades do 
 regime constitucional, pelo que não se vê de que modo possa ter sido ofendido o 
 princípio constitucional ou a reserva da lei que ele garante.
 
  
 Poderia entender-se que o artigo 68º, n.º 5, no mencionado segmento, afecta o 
 direito de contratação colectiva na sua dimensão normativa de direito à 
 autonomia contratual colectiva, que decorre, não já do n.º 4, mas do nº 3 do 
 artigo 56º da Constituição. Este direito analisa-se na necessidade de deixar à 
 disciplina contratual colectiva um espaço abrangente de regulação das relações 
 de trabalho, que não pode ser aniquilado por via normativo-estadual (assim, 
 Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 vol. I, 4ª edição revista, citada, pág. 745).
 
  
 Isso apenas significa que o direito à contratação colectiva como direito com a 
 natureza de direito, liberdade ou garantia, compreende um núcleo essencial, em 
 termos de se dever reservar para a negociação um conjunto relevante de matérias, 
 que ficam assim excluídas de uma exclusiva definição por via da lei (idem, pág. 
 
 749).
 
  
 Todavia, não parece que a restrição feita no artigo 68º, n.º 5, ponha em causa 
 esse critério. 
 
  
 
  
 
  
 III - Decisão
 
  
 
  
 Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 
  
 a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 2º, n.º 3, do 
 Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, na parte em que se refere aos 
 juízes dos tribunais judiciais (e, consequencialmente, das normas dos artigos 
 
 10º, n.º 2, e 68º, n.º 2), por violação do artigo 215º, n.º 1, da Constituição 
 da República, e considerar prejudicada a apreciação das normas constantes dos 
 artigos 80.º, n.º 1, alíneas a) e c), 101.º, nºs 1 e 2, e 112.º, n.º 1;
 
  
 b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 36º, n.º 3, 
 interpretada conjugadamente como os subsequentes n.ºs 4 e 5 (e, a título 
 consequente, da norma do artigo 94º, n.º 2), por violação do artigo 59º, n.º 1, 
 alínea a), conjugado com o artigo 18º, n.º 2, da Constituição, e, na parte em 
 que essa norma permite a adopção de uma medida cautelar administrativa no 
 momento da instauração de um processo jurisdicional de responsabilidade 
 financeira, também por violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 202º 
 da Constituição;
 
  
 c) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas 
 consideradas. 
 Lisboa, 20 de Dezembro de 2007
 Carlos Fernandes Cadilha
 José Borges Soeiro
 Carlos Pamplona de Oliveira
 João Cura Mariano (com declaração de voto que junto)
 Maria Lúcia Amaral (com remissão para a declaração de voto do Conselheiro João 
 Cura Mariano)
 Benjamim Rodrigues (com declaração de voto relativo às pronúncias constantes das 
 alíneas a) e b) da decisão; com declaração de vencido relativamente às normas 
 constantes do n.º 2 do artigo 54.º e do n.º 1 do art.º 55.º e, finalmente, com 
 declaração de voto relativamente à não pronúncia de inconstitucionalidade 
 relativa às normas do art.º 68.º n.º 3)
 Gil Galvão (vencido quanto à pronúncia de inconstitucionalidade efectuada na 
 alínea a) da decisão e com declaração de voto quanto à alínea b) da mesma 
 decisão).
 Maria João Antunes (vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade 
 constante da alínea a) da Decisão e com declaração quanto à alínea b) da 
 Decisão, nos termos da declaração de voto junta)
 Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade 
 constante da alínea a) da Decisão; com declaração de voto quanto à alínea b) da 
 Decisão).
 Joaquim Sousa Ribeiro (Vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade 
 constante da alínea a) da decisão, com declaração quanto à alínea b) da decisão, 
 nos termos da declaração de voto que junto).
 Mário José de Araújo Torres (vencido quanto à decisão de não pronúncia de 
 inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 35.º, n.ºs 2, alínea b), e 4, 
 do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, pelas razões constantes da 
 declaração de voto junta)
 Vítor Gomes (Vencido quanto à decisão de pronúncia de não inconstitucionalidade 
 das normas constantes do n.º 1 do artigo 55.º do decreto e com declaração de 
 voto quanto à fundamentação constante do ponto n.º 6 do acórdão, conforme 
 declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Entendo que a inconstitucionalidade dos artigo 2.º, n.º 3, 10.º, n.º 2, e 68.º, 
 n.º 2, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, não resulta apenas da 
 violação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da C.R.P., mas também da ofensa ao 
 disposto nos artigos 2.º, 203.º e 216.º, n.º 1 e 2, da C.R.P..
 Conforme se refere na fundamentação deste acórdão, radicando a razão de ser do 
 artigo 215.º, n.º 1, da C.R.P., “na necessidade de dar cobertura à garantia de 
 independência dos juízes, em função da sua qualidade de titular de órgão de 
 soberania encarregado de exercer a função jurisdicional, o estatuto subjectivo 
 dos magistrados está, pois, indissociavelmente ligado à reserva de jurisdição e 
 constitui um princípio constitucional material concretizador do Estado de 
 direito, na medida em que se destina a garantir a independência e imparcialidade 
 dos juízes no exercício da função jurisdicional”.
 Assim, ofendendo a remissão de regime contida no artigo 2.º, n.º 3, do Decreto 
 da Assembleia da República n.º 173/X, a exigência de um estatuto específico que 
 determine e conforme o regime jurídico-funcional dos juízes dos Tribunais 
 Judiciais, necessariamente são também ofendidos os princípios que esta exigência 
 visa garantir, ou seja o da separação de poderes, como elemento do regime 
 político do Estado de Direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), e o da 
 independência dos tribunais (artigo 213.º, da C.R.P.).
 Além disso, o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 
 
 173/X, ao efectuar uma remissão genérica para o regime geral da função pública, 
 constante desse diploma, permite que as bases gerais aí enunciadas, assim como 
 muitas das regras que o integram, que não contrariem o disposto nos Estatutos 
 dos juízes, se tornem aplicáveis a estes, como lei geral.
 Ora, destinando-se esse regime a regular uma relação de trabalho subordinado, 
 tais bases gerais e muitas dessas regras, pela sua natureza diversa, 
 necessariamente ofendem não só os princípios da inamovibilidade (artigo 216.º, 
 nº 1, da C.R.P.) e irresponsabilidade (artigo 217.º, nº 2, da C.R.P.) dos 
 juízes, os quais visam garantir a sua independência, como também directamente 
 põem em causa este princípio e, consequentemente, os parâmetros constitucionais 
 da independência dos tribunais (artigo 213.º, da C.R.P.) e da separação de 
 poderes, como elemento do Estado de Direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.).
 E o “voto pio” contido no referido artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia 
 da República n.º 173/X, de que tal remissão é feita “sem prejuízo do disposto na 
 
  Constituição da República Portuguesa”, não constitui um salvo-conduto que 
 permita a esta norma transpor o crivo constitucional, sem qualquer controle, 
 devendo tal referência ser encarada apenas como uma enunciação, tão 
 desnecessária, quanto preocupada, da prevalência das normas constitucionais 
 sobre o direito ordinário.
 Apesar de não ter sido suscitada a questão da inconstitucionalidade dos 
 segmentos da norma em causa, na parte em que a mesma visa os juízes das outras 
 jurisdições e os Magistrados do Ministério Público, revela-se útil referir que 
 as razões materiais que valeram para os juízes dos tribunais judiciais também 
 valem para os juízes de outros tribunais, assim como a remissão genérica para o 
 regime da função pública, constante da referida norma, igualmente afronta a 
 exigência constitucional de um Estatuto próprio que conforme o regime 
 jurídico-funcional dos Magistrados do Ministério Público e o princípio da 
 autonomia que preside a esta magistratura (artigo 219.º, n.º 2, da C.R.P.), o 
 qual é inconciliável com a aplicação global do regime previsto para os 
 funcionários públicos.
 
                                                           
 João Cura Mariano
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
             1 – Embora votando a declaração de inconstitucionalidade constante 
 da alínea a) da decisão, considero, ainda, no que importa à sua fundamentação, 
 que a inadmissibilidade constitucional de o legislador poder assumir, a titulo 
 de direito subsidiário genérico e globalmente aplicável, uma lei geral sobre os 
 regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações relativa aos trabalhadores 
 que exercem funções públicas decorre, também, do facto de a Constituição 
 conceber o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, neles incluídos os 
 Tribunais de quaisquer jurisdições (art. 110.º, n.º 1) como uma matéria própria 
 da configuração político-constitucional desses órgãos de soberania, e nessa 
 medida, quando reportada à globalidade do seu regime jurídico, insusceptível de 
 ser regulada, embora a título subsidiário, por normas vocacionadas 
 especificamente para regerem as relações dos trabalhadores da função pública que 
 prestam trabalho dentro de uma relação dependente e hierarquicamente 
 subordinada. 
 
 É tal concepção que ilumina, aliás, a reserva absoluta contemplada na alínea m) 
 do art. 164.º. 
 Por seu lado, dado estes preceitos não distinguirem os Tribunais em função da 
 diferente parcela de jurisdição que exercem e o facto de todos eles cumprirem a 
 mesma função constitucional, assinalada no art. 202.º, e de estarem os 
 respectivos titulares enformados das mesmas garantias e incompatibilidades 
 constitucionais (artºs 216.º, 217.º e 218.º) e de estas constituírem específicos 
 instrumentos constitucionais vocacionados para salvaguardar o efectivo 
 cumprimento da respectiva função constitucional (artºs 202.º, 209.º a 214.º), 
 entendo que a solução proclamada decorre não só do art. 215.º, n.º 1, como 
 também dos artºs 110.º, n.º 1, 164.º, alínea m), 202.º, 216.º e 217.º, todos os 
 preceitos referidos da Constituição, e abarca todos os tribunais das diferentes 
 jurisdições.
 A circunstância de os titulares do órgão soberania “tribunais” exercerem essas 
 funções “a título profissional” não autoriza constitucionalmente que as normas 
 regentes do regime de trabalho subordinado público tenham aptidão genérica para 
 funcionarem como normação subsidiária, pois é totalmente estranha ao estatuto do 
 titular de órgão de soberania qualquer relação de dependência e de subordinação 
 hierárquica. A aplicação subsidiária de normas regentes de certas matérias aos 
 magistrados judiciais terá, assim, de corresponder a opções localizadas 
 tematicamente que deixem salvaguardada a sua posição estatutária de titular de 
 
 órgão de soberania ou representem ainda um modo de potenciar o cumprimento da 
 respectiva função constitucional.
 
  
 
 2 – Não acompanhamos igualmente a fundamentação relativa à violação da reserva 
 de jurisdição – art. 202.º da Constituição –, na qual se abona, também, a 
 declaração de inconstitucionalidade constante da alínea b) da decisão. 
 Na verdade, a administração, ao proceder à cativação ope legis de parte do 
 vencimento do trabalhador da função pública, não age na composição de qualquer 
 conflito, definindo definitivamente, na Ordem Jurídica, a situação jurídica 
 pacificante de qualquer litígio entre o Estado-empregador e o trabalhador, antes 
 se limita a praticar um acto administrativo estritamente vinculado, quer quanto 
 aos seus pressupostos de facto, quer quanto aos seus pressupostos de direito, 
 cujos efeitos estão completamente definidos na lei, sendo que esse acto é 
 directamente impugnável para os tribunais administrativos, passando a valer como 
 decisão definitiva apenas a pronúncia que sobre essa questão estes órgãos 
 fizerem.
 
 É também nosso entendimento que quem deve comunicar a instauração do processo, 
 no caso deste ser jurisdicional, é o próprio tribunal. Tal facto, traduzindo-se 
 no cumprimento de um mero dever de informação, em nada contende com a reserva de 
 jurisdição.
 
 É claro que a reserva de jurisdição vale também em relação ao legislador 
 ordinário.
 
  Mas não foi essa a perspectiva que o acórdão encarou. 
 Se assim fosse, ele teria também de concluir pela violação da reserva de 
 jurisdição naquelas situações em que a cativação do vencimento ocorresse por 
 virtude da instauração de um simples procedimento administrativo, de processo de 
 inquérito, disciplinar ou de auditoria.
 Mas, mesmo nesse domínio, não vemos que esteja vedada ao legislador a atribuição 
 de efeitos jurídicos predeterminados a situações de nulidade de actos 
 administrativos como os actos desta natureza, praticados no desempenho de uma 
 relação laboral, cuja prestação decorre dentro de uma estrita sujeição ao 
 princípio da legalidade administrativa, procedendo ele directamente à definição 
 dos efeitos jurídicos decorrentes da verificação de certa situação de facto.
 
  
 
  3 – Votei vencido quanto à questão de constitucionalidade reportada à norma 
 constante do n.º 2 do art.º 54.º do Decreto.
 
             Entendo, na verdade, que a tramitação do procedimento concursal não 
 pode, no que vai além das regras afirmadas nos artºs 50.º a 54.º do Decreto, ser 
 regulamentado totalmente apenas por portaria.
 
             E não pode, porque o regulamento a publicar não pode conter normas 
 que apenas visem 'assegurar a fidelidade ou, digamos, a conformidade à vontade 
 do legislador [em tais preceitos], na medida em que esta seja relativamente 
 obscura ou lacunosa” (Afonso Rodrigues Queiró, “Teoria dos regulamentos”, in 
 Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, p. 9), ou a estabelecer os 
 
 “pormenores de execução” ou “minúcias” do procedimento concursal, detendo-se 
 pela aptidão normativa de um mero regulamento de execução, mas, antes, terá de 
 
 “integrar a regulamentação, por si estabelecida no essencial, de acordo com o 
 fim, o sentido e o sistema perfilhado, editando, dentro destes limites, normas 
 novas, consagradoras de novos direitos e novas obrigações, não previstas na lei 
 
 (Afonso Rodrigues Queiró, Lições de direito administrativo, vol. I, 
 copiografada, Coimbra, 1976, pp. 427-428), assumindo então a natureza de 
 regulamentos complementares que desenvolvem os princípios gerais afirmados no 
 Decreto. 
 
             E diz-se isto porque a portaria, para além de ter de criar os actos 
 de tramitação que constituirão e externarão o corpo do procedimento concursal, 
 terá de estabelecer a regulação primária de várias matérias que hoje constam, 
 aliás, de diplomas legislativos – Decretos-Leis nºs 498/98, de 30 de Dezembro, 
 
 215/95, de 22 de Agosto, e 204/98, de 11 de Julho –, como sejam, por exemplo, a 
 definição dos valores de ponderação correspondentes aos diferentes métodos de 
 recrutamento estabelecidos, o sistema de classificação, os critérios de 
 desempate de candidatos, a obrigatoriedade de apresentação dos documentos 
 concursais pertinentes, os prazos para a prática dos actos pelos concorrentes e 
 os efeitos da preclusão dos prazos, etc. – matérias estas que não estão 
 contempladas nas disposições que o acórdão toma como definindo toda a regulação 
 primária, constante dos artºs 50.º a 54.º do Decreto.
 
             Ora, estas matérias correspondem indiscutivelmente a uma regulação 
 primária, constituindo ainda uma densificação de princípios gerais relativos ao 
 direito fundamental de acesso à função pública: basta notar que o acesso 
 efectivo à função pública fica inexoravelmente condicionado pela ponderação ou 
 escala valorativa que o regulamento estabelecer para a prova de conhecimentos e 
 para a entrevista. 
 
             Se admitimos seguramente que o fenómeno da “deslegalização” pode 
 abranger domínios que antes eram regidos por diploma legislativo, por 
 considerarmos ser lícito ao legislador “delegar” para regulamento, fora do 
 
 âmbito da reserva de lei formal, a regulação “primária” de certas matérias, já 
 não vemos que seja constitucionalmente tolerável permitir-se que essa regulação 
 
 “primária” possa ser feita através de regulamentos integrativos que, apesar de 
 apelidados de “complementares”, sejam, em substância, meros regulamentos 
 independentes (cf. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos 
 Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, p. 90).
 
             É que onde não se limitem a “repetir” os preceitos ou regras de 
 fundo que o legislador edita, enunciando os pormenores e minúcias do regime, 
 funcionais para a sua aplicação, mas antes desenvolvam os princípios gerais 
 enunciados, através da criação ou integração de normas novas cujo sentido não 
 possa ser distraído da “norma habilitante”, os regulamentos passam a conter 
 normação primária, que apenas é passível de ser efectuada através de actos 
 legislativos ou de regulamentos independentes.
 
             Digamos que, nesses domínios, a “lei habilitante” se fica pela 
 definição da competência objectiva e subjectiva. 
 Como conceito de enunciação de competência objectiva não pode entender-se apenas 
 uma indicação temática da matéria sobre a qual o regulamento venha a dispor. 
 Desde que a matéria a regulamentar seja indicada através, apenas, de conceitos 
 gerais, extremamente vagos ou imprecisos ou da enunciação de meros princípios 
 gerais, ou seja, em termos tais que muitas e diversas possam ser as soluções 
 normativas “primárias” que o regulamento fica habilitado a criar, estamos 
 perante regulamentos independentes, sendo indiferente que sejam designados de 
 regulamentos “complementares”: regulamentos apelidados de “complementares” 
 haverá que visam estabelecer apenas os pormenores de execução ou tornar possível 
 a execução da lei, sendo por natureza regulamentos de execução, e outros 
 designados pelo mesmo nomen que vêm, ao fim e ao cabo, integrar o regime 
 jurídico mediante a criação de normas novas que correspondem a critérios de 
 decisão que jamais se poderão ver-se nas normas regulamentadas, constituindo 
 verdadeiros regulamentos independentes.
 
             E é o que se passa no caso em apreço, onde os preceitos dos artºs 
 
 50.º a 54.º (este mais impressivamente no que tange à definição do regime de 
 tramitação do concurso de recrutamento) do Decreto se atém à prescrição de meros 
 
 “princípios”, como expressamente se afirma no último artigo.
 
             A circunstância de a matéria em causa ter natureza administrativa é 
 totalmente irrelevante para o caso, salvo se ela se limitar às relações internas 
 ou esgote o seu âmbito de vinculatividade no seio da organização administrativa: 
 desde que corresponda a uma opção primária de regime jurídico e valha para 
 terceiros, a sua regulação apenas pode ser efectuada por acto legislativo ou 
 decreto-regulamentar.
 
             Desta sorte, o preceito em causa é inconstitucional por violação do 
 princípio constitucional da tipicidade dos actos normativos, constante dos nºs 6 
 e 7 do art. 112.º da Constituição.
 
             E este vício não é de somenos importância – pese o facto de o 
 Governo (mas já não o ministro) poder regular a matéria por decreto regulamentar 
 
 – pois este, ao contrário do que sucede com a portaria, está sujeito a 
 promulgação presidencial e a possibilidade de veto (cf. art.º 136.º, n.º 4, da 
 CRP), consentindo um controlo democrático de grau mais elevado.
 
             
 
             4 – Votámos ainda vencido quanto à norma constante do art. 55.º, n.º 
 
 1, do Decreto.
 
             Dados os termos em que se encontra estruturado o sistema 
 remuneratório para os trabalhadores que estão já no activo da administração e os 
 termos em que o preceito autoriza a determinação do posicionamento remuneratório 
 para os trabalhadores que ingressem na administração pública através de 
 contrato, é inevitável, do ponto de vista do funcionamento estrutural do próprio 
 sistema, a criação de situações objectivas de desigualdade, violando-se, assim, 
 o princípio da igualdade, na sua vertente de “trabalho igual salário igual”, 
 consagrado no art.º 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
 
             Concorda-se com o acórdão quando este sustenta não ocorrer essa 
 violação entre os concorrentes do mesmo procedimento concursal. Os mecanismos 
 instituídos garantem que a remuneração “oferecida” a candidato menos graduado 
 não seja superior à “oferecida” a candidato mais graduado. Por outro lado, 
 também não se rejeita – antes se louva – a possibilidade de adequar a 
 remuneração de quem acede ao emprego público através de contrato ao mérito 
 revelado no concurso, através da possibilidade de posicionar o candidato em 
 escalões superiores dentre aqueles que estão previstos para a categoria para a 
 qual se realizou o concurso e se é contratado.
 
             A questão coloca-se na relação de comparação entre o trabalhador que 
 vê determinada a sua remuneração com base neste preceito do art.º 55.º, n.º 1, 
 do Decreto, e aqueles trabalhadores que já estão no activo e que desempenhem 
 exactamente o mesmo tipo de trabalho, na mesma categoria profissional, com a 
 mesma quantidade e a mesma qualidade ou até superiores e com habilitações iguais 
 ou até superiores.
 
             Não se desconhece – e, repete-se, até se apoia – que o novo sistema 
 retributivo seja construído estruturalmente com base na consideração de 
 categorias profissionais e do mérito do trabalhador da função pública. Trata-se 
 de um novo paradigma axiológico que acaba – e bem – com o “igualitarismo” 
 profissional, potenciando a produtividade e a qualidade da prestação laboral. 
 
             Segundo decorre do disposto nos artºs 45.º e 69.º do Decreto, as 
 remunerações correspondem aos valores das posições remuneratórias. Por seu lado, 
 estas posições remuneratórias são uma resultante dos factores “categoria” e 
 
 “níveis identificados” para essas categorias, sendo que o número destes e o 
 montante pecuniário que lhes corresponde é fixado por portaria conjunta do 
 Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças.
 
             Pois bem: o trabalhador que está no activo apenas tem o direito a 
 ver (obrigatoriamente) alterada a sua posição remuneratória – e mesmo assim, 
 segundo o princípio geral assumido, para a posição remuneratória imediatamente 
 seguinte àquela em que se encontre -, independentemente das opções gestionárias 
 do dirigente máximo do órgão ou serviço, nos casos do n.º 6 do art.º 47.º do 
 Decreto, ou seja, quando “tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do seu 
 desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório 
 em que se encontra, contados nos seguintes termos: a) Três pontos por cada 
 menção máxima; b) Dois pontos por cada menção imediatamente inferior à máxima; 
 c) Um ponto por cada menção imediatamente inferior à referida na alínea 
 anterior, desde que consubstancie desempenho positivo; d) Um ponto negativo por 
 cada menção imediatamente inferior ao mais baixo nível de avaliação”.
 
             Se se tiver, por outro lado, em conta que as menções máximas estão 
 legalmente contingentadas, não podendo o número de trabalhadores que delas 
 beneficiem ser superior, em cada ano, a 25% do respectivo serviço, logo se verá 
 quão difícil, e até desproporcionado, é satisfazer uma pontuação de mérito que 
 obrigue à alteração da posição remuneratória, sendo que, no mínimo, essa 
 obtenção exigirá a permanência de quatro anos na mesma posição remuneratória 
 
 (10=3+3+3+1)!
 
             Fora de tais situações, a alteração do posicionamento remuneratório 
 para os trabalhadores do activo – e apenas possível, por regra, para a posição 
 remuneratória seguinte (art.º 47.º, n.º 3) – constitui um resultado cuja 
 ocorrência só pode verificar-se através da concorrência efectiva de dois 
 factores totalmente independentes entre si: de um lado, as avaliações de 
 desempenho referidas às funções exercidas durante o posicionamento em que os 
 trabalhadores se encontram (art.º 47.º, n.º 1), que traduzem, ao fim e ao cabo, 
 o mérito do trabalhador; do outro lado, a existência de uma opção gestionária 
 discricionária nesse sentido por parte do dirigente máximo do órgão ou serviço 
 que tenha adequada expressão orçamental (cf. artºs 4.º, n.º 1, 7.º, 46.º, 47.º, 
 nºs 1 a 5, e 48.º, do Decreto).
 
             Ora, esta opção gestionária pode passar não só por afectar as verbas 
 orçamentais apenas ao recrutamento de novos trabalhadores necessários à ocupação 
 de postos de trabalho, como a alterações de posicionamento remuneratório, como a 
 ambos os objectivos, como, ainda, a alterações de posicionamento remuneratório 
 apenas em certos universos de carreiras, categorias, titulares de certas 
 categorias ou até de certa área de formação académica ou profissional (art.º 
 
 47.º, nºs 1 a 5), seja por escolhas iniciais seja por procedimentos subsequentes 
 de desagregação de verbas, podendo não terem lugar em todas as carreiras, 
 categorias da mesma carreira, todos os trabalhadores integrados em determinada 
 carreira ou titulares de determinada categoria, sendo que esgotado que esteja 
 esgotado o montante máximo dos encargos fixados para o universo deixa de haver 
 lugar à alteração de posicionamento remuneratório (art.º 47.º, n.º 4). 
 
             No limite, até uma errada ou má gestão dos dinheiros públicos 
 destinados às despesas com o pessoal poderá ser, tendo em conta o sistema 
 instituído, causa próxima de não alteração de posicionamento remuneratório e de 
 violação do princípio da igualdade!
 
             Deve anotar-se, ainda, que a alteração do posicionamento 
 remuneratório fora do cumprimento dos requisitos-regra só pode acontecer a 
 título de opção gestionária excepcional, nos termos do art.º 48.º do Decreto, 
 caso em que ela poderá verificar-se para “qualquer outra posição remuneratória 
 seguinte àquela em que [o trabalhador] se encontre”. 
 
             Mas, para além de excepcional, essa opção está dependente, apenas, 
 ainda, da discricionariedade de avaliação e ponderação da administração (do 
 dirigente máximo do órgão ou serviço, ouvido o Conselho Coordenador da Avaliação 
 ou órgão com competência equiparada), não se vendo como possa o erro dessa 
 ponderação ser sindicado contenciosamente, em concreto, fora dos casos-limite de 
 erro grosseiro, o mesmo se dizendo do erro relativo às outras opções atrás 
 referidas.
 
             Do exposto resulta que, independentemente da forte possibilidade de 
 ocorrência factual de situações de desigualdade entre os próprios trabalhadores 
 que estão integrados no mesmo órgão ou serviço, decorrentes da opção gestionária 
 de se poder restringir o âmbito da alteração de posicionamento remuneratório 
 apenas a certos universos de carreiras, categorias e titulares de categorias e 
 de certas qualificações e habilitações profissionais que o legislador faculta 
 com a conformação do sistema (questão esta que não vem posta), o posicionamento 
 remuneratório a que alude o art.º 55.º, n.º 1, pode acontecer, por força do 
 sistema legal, para posições remuneratórias bem superiores às dos trabalhadores 
 que, estando no activo, desempenham funções da mesma natureza e no mesmo ou até 
 superiores graus de qualidade e de quantidade.
 
             A possibilidade de verificação de um tal resultado é patente e mais 
 impressiva, pelo menos, nas situações em que, por exemplo, de um lado, estejam 
 trabalhadores cujas remunerações sejam fixadas nos termos da norma questionada 
 constitucionalmente (caso em que podem situar-se em escalões superiores da 
 categoria) e, do outro lado trabalhadores que tenham frequentado o Curso de 
 Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP) que exerçam as mesmas funções e na 
 mesma categoria, pois que quanto a estes o posicionamento é feito, nos termos do 
 n.º 6 do art.º 56.º, obrigatoriamente para a primeira posição remuneratória ou 
 para a imediatamente superior à detida.
 
             Tratando-se de situações cuja verificação decorre directamente do 
 funcionamento do próprio sistema legal opcionário instituído, não podem elas ser 
 havidas como correspondendo a simples aplicações erradas da lei por parte dos 
 agentes administrativos, para daí concluir que podem obter remédio no 
 contencioso administrativo de impugnação. 
 
             E não podem, porque elas se baseiam precisamente na relevância 
 decisiva das opções de mérito de gestão criadas pelo legislador e na quase 
 impossibilidade legal de sindicar contenciosamente a sua bondade por parte dos 
 trabalhadores atingidos.
 
             Só cláusulas de salvaguarda que conectivamente conciliassem as duas 
 vias de determinação das posições remuneratórias referentes aos trabalhadores 
 que estão no activo e àqueles que são contratados permitiriam obviar à criação 
 de situações de desigualdade.
 
             Ora, o diploma em análise não as prevê e não as prevendo, o Decreto 
 arrisca-se, também, a ser uma fonte de frequente litigiosidade jurídica.
 
  
 
             5 – Votámos, igualmente, a decisão na parte relativa à questão de 
 constitucionalidade conhecida no ponto 11 do acórdão, por interpretarmos – o que 
 não vemos que conste claramente do discurso verbal do acórdão – os artºs 68.º e 
 
 69.º do Decreto no sentido de que apenas o Decreto Regulamentar é que pode 
 identificar ou definir quais são as categorias e quais são os níveis 
 remuneratórios de que cada uma é passível e que a portaria do Primeiro-Ministro 
 e do membro do Governo responsável pela área das finanças se queda por fixar 
 quais os níveis dentro de cada categoria, dentro dos previstos, é que são tidos 
 em conta para o efeito da remuneração dos trabalhadores e qual o montante 
 pecuniário que corresponde a cada um.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
 1. Votei vencido quanto à pronúncia de inconstitucionalidade efectuada na alínea 
 a) da decisão, no essencial pelas razões que, sumariamente, passo a expor:
 
  
 
 1. 1. Antes, porém, de explicitar os pontos de divergência, diga-se desde já, 
 que, não obstante ter votado vencido, estou de acordo com a solução decorrente 
 do acórdão de que não são directamente postas em causa, por nenhuma das normas 
 agora tidas por inconstitucionais, as garantias constitucionais previstas nos 
 artigos 203º e 216º, n.ºs 1 e 2. Isto é, de que não são infringidas as regras 
 constitucionais que prescrevem a independência, a inamovibilidade e a 
 irresponsabilidade dos juízes. Nem, de modo algum, os princípios do estado de 
 direito democrático e da separação de poderes.
 
  
 
 1. 2. Onde, porém, a divergência se afirma é na solução que a posição que fez 
 maioria faz decorrer do disposto no n.º 1 do artigo 215º da Constituição. Com 
 efeito, o acórdão, pressupondo que o diploma “ao estender o âmbito subjectivo da 
 sua aplicação, ainda que com a já apontada ressalva do estabelecido na 
 Constituição e em leis especiais, aos juízes de qualquer jurisdição, [] parece 
 pretender erigir-se em direito subsidiário relativamente ao Estatuto dos 
 Magistrados Judiciais”, encontra aí uma violação da norma constitucional que 
 exige unicidade de estatuto, entendida, por um lado, como necessidade de 
 estatuto unificado e, por outro, como necessidade de estatuto específico, 
 decorrentes, em última instância, da reserva de jurisdição. E fá-lo, aliás, de 
 algum modo desconsiderando a aludida ressalva, contida em preceitos agora 
 considerados inconstitucionais, sendo certo que se poderia desde logo 
 questionar, a bondade de uma solução que considera violadora da Constituição uma 
 norma que, no seu próprio texto, contém a salvaguarda o disposto nessa mesma 
 Constituição. Mas vejamos melhor.
 
  
 
 1.2.1. O n.º 1 do artigo 215º da Constituição estatui, na verdade, que “os 
 juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só 
 estatuto”. A interpretação do que constitui esta exigência constitucional é 
 pertinente. Do meu ponto de vista, funcionando os tribunais judiciais como 
 tribunais comuns em matéria cível e criminal e existindo uma pluralidade de 
 tribunais judiciais em termos hierárquicos, a exigência de um só estatuto 
 significa que não é admissível que os juízes dos diferentes tribunais judiciais 
 venham a ter estatutos diferentes – tenham uma disciplina jurídica materialmente 
 diversa - consoante, por exemplo, estejam colocados na primeira instância, nos 
 tribunais da relação ou no Supremo Tribunal de Justiça. Mas isto não impede que, 
 sendo o estatuto único para todos os juízes dos tribunais judiciais, esse mesmo 
 estatuto – materialmente respeitador de todas as garantias constitucionais - 
 possa constar de mais do que um diploma legislativo; ou seja, estatuto único não 
 significa Código ou diploma único.
 
  
 
 1.2.2. Por outro lado, a Constituição não prevê nem procedimento específico nem 
 forma especial para o referido estatuto único,. De facto, quer se entenda que, 
 no estatuto único, se trata de matéria respeitante ao “estatuto dos titulares 
 dos órgãos de soberania”, quer se considere que se trata de matéria relativa à 
 
 “organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e ao estatuto 
 dos respectivos magistrados”, como tem acontecido quando se legisla sobre o 
 estatuto dos magistrados judiciais, sempre será suficiente uma lei da Assembleia 
 da República para regular tal matéria.
 
  
 
 1.2.3. Importa ainda considerar, uma vez que o acórdão a invoca para, de algum 
 modo, fundar a decisão, a reserva de jurisdição. De acordo com o disposto no n.º 
 
 1 do artigo 202º da Constituição, “os tribunais são órgãos de soberania com 
 competência para administrar a justiça em nome do povo”. Ora, que a função 
 jurisdicional – isto é, a administração da justiça, assegurando a defesa dos 
 direitos e interesses legitimamente protegidos, reprimindo a violação da 
 legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e 
 privados - está reservada aos órgãos de soberania tribunais é algo de óbvio. Mas 
 o facto de a função jurisdicional estar reservada aos tribunais significa que 
 não é constitucionalmente aceitável a invasão ou usurpação dessa função por 
 outros órgãos de soberania. Não significa, de modo algum, que o legislador 
 democraticamente legitimado esteja inibido de regular, legislando com 
 salvaguarda das normas e princípios constitucionais, o estatuto daqueles que 
 exercem a função jurisdicional.
 
  
 
 1.2.4. Finalmente, se bem que se não conteste a especificidade do exercício da 
 função jurisdicional, importa ter presente o que tal significa. Ora, tal 
 especificidade resulta, de um lado, do facto de, em relação, por exemplo, a 
 outros órgãos de soberania, o estatuto dos juízes ser diferente, já que estes 
 são os únicos titulares desses órgãos que exercem as suas funções a título 
 profissional, tendo uma inclusivamente uma carreira profissional definida. E, 
 por outro lado, nos termos do artigo 215º da Constituição, significa a 
 especificidade dos juízes dos tribunais judiciais em relação a juízes de outros 
 tribunais. Mas o facto de existir uma tal especificidade não impede que já hoje 
 o estatuto dos juízes seja regulado, em diversas matérias, pelo regime geral da 
 função pública. Assim acontece, por exemplo, em tudo o que não esteja 
 expressamente previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, pelo menos quanto 
 ao regime do bolseiro, à matéria de deveres, incompatibilidades e direitos – 
 incluindo os relativos, por exemplo, ao número de dias de férias -, à 
 aposentação e à matéria disciplinar. Além de que, como é conhecido, existe uma 
 associação sindical dos juízes portugueses.
 
  
 
 1.3. Ora, o que a posição que fez vencimento, em rigor, vem sustentar, fazendo 
 uma distinção, a meu ver não constitucionalmente fundada, entre legislador do 
 regime geral da função pública e legislador do estatuto dos juízes dos tribunais 
 judiciais, é que o legislador democraticamente legitimado não pode, usando a 
 forma constitucionalmente exigida, introduzir, na legislação da função pública, 
 uma norma (fazer uma ingerência) que considere supletivamente aplicável, no que 
 não estiver já regulado pela Constituição e pelas leis especiais e com 
 salvaguarda do disposto nessa mesma Constituição e no Estatuto dos Magistrados 
 Judiciais – incluindo as remissões nele já contidas para o regime geral da 
 função pública -, este regime geral da função pública, com as necessárias 
 adaptações para salvaguardar a especificidade desse estatuto dos juízes.
 
  
 Mas, sendo assim, como inegavelmente me parece que é, pelo que atrás foi aduzido 
 nos pontos 1.2. a 1.2.4., não se me afigura possível considerar violadora de 
 qualquer norma ou princípio constitucional o disposto nos artigos agora em 
 causa.
 
  
 
 1.4. Aliás, se acaso a Constituição impedisse a aplicação das questionadas 
 normas aos juízes dos tribunais judiciais, então a solução poderia ser 
 encontrada na própria salvaguarda nestas contida e algo desconsiderada na 
 posição que fez vencimento. Na verdade, se assim fosse, os preceitos seriam, 
 porventura, como este Tribunal já decidiu noutros contextos, inúteis (quanto aos 
 juízes dos tribunais judiciais), mas nem por isso inconstitucionais.
 
  
 
 2. Nestas circunstâncias, pronunciei-me pela não declaração de 
 inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 2º do Decreto n.º 173/X da Assembleia 
 da República, bem como, consequentemente, pela não declaração de 
 inconstitucionalidade das normas do n.º 2 do artigo 10º e do n.º 2 do artigo 68º 
 do mesmo diploma.
 
  
 
 3. Por outro lado, votei a alínea b) da decisão única e exclusivamente por 
 considerar violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 59º, conjugada com o n.º 2 do 
 artigo 18º, ambos da Constituição, não acompanhando a fundamentação constante do 
 ponto 6. do acórdão.
 
      
 Gil Galvão
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Votei vencida, quanto à pronúncia de inconstitucionalidade constante da 
 alínea a) da Decisão, por entender que o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 173/X, na parte em que se refere aos juízes dos 
 tribunais judiciais, não viola o n.º 1 do artigo 215.º da Constituição da 
 República Portuguesa, quando dispõe que os juízes dos tribunais judiciais se 
 regem por um só estatuto.
 Diferentemente do entendimento que fez vencimento, considero que a unicidade de 
 estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, não pressupõe um 
 estatuto específico, “no sentido de que são as suas disposições, ainda que de 
 natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime 
 jurídico-funcional”.
 
 À luz do que dispõe o artigo 215.º, n.º 1, da Constituição, estatuto específico 
 significa apenas “especificidade estatutária face aos juízes dos restantes 
 tribunais” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 217.º, ponto III.).
 Do n.º 1 do artigo 215.º, na parte em que dispõe que os juízes dos tribunais 
 judiciais se regem por um só estatuto, decorre que, apesar da existência de 
 
 “três categorias de juízes, de acordo com o nível dos respectivos tribunais na 
 estrutura dos tribunais judiciais” (artigos 209.º, n.º 1, alínea a) e 210.º da 
 Constituição), “não podem existir distinções de estatuto para cada uma das 
 categorias” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 217.º, 
 ponto III.). A unidade estatutária dos juízes dos tribunais judiciais significa 
 que “apesar de legal e constitucionalmente (cfr. artigo 210.º da CRP) existir 
 uma hierarquia de tribunais judiciais e diferentes categorias de juízes, todos 
 eles estão sujeitos ao mesmo estatuto” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, anotação ao artigo 215.º, ponto 
 IV).
 O que se dispõe hoje no n.º 1 do artigo 215.º constava já do artigo 220.º 
 
 (Unidade da magistratura) da versão primitiva da Constituição. Com este preceito 
 dava-se expressão ao princípio da unidade da magistratura judicial, num texto 
 constitucional que previa como uma categoria de tribunais os tribunais judiciais 
 de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça, que 
 poderiam funcionar segundo uma regra de especialização (artigos 212.º, n.º 1, 
 
 213.º e 214.º). Para além de outras categorias – os tribunais militares e o 
 Tribunal de Contas (artigos 212.º, n.º 2, 218.º e 219.º) e os tribunais 
 administrativos e fiscais, cuja existência era configurada como uma mera 
 possibilidade (artigo 212.º, n.º 3) –, relativamente às quais não havia aquelas 
 explicitações.
 Do enquadramento jurídico-constitucional da função jurisdicional – artigos 
 
 110.º, 111.º, 202.º e 203.º – resulta que os juízes se devem reger por um 
 estatuto próprio, separado, do dos titulares de outros órgãos de soberania, do 
 dos magistrados do Ministério Público e do dos trabalhadores que exercem funções 
 públicas. Estatuto conformado pelos princípios da inamovibilidade, da 
 irresponsabilidade e do autogoverno e pelo estabelecimento de incompatibilidades 
 de cargo (artigos 216.º, 217.º e 218.º da Constituição), previstos no Capítulo 
 III (Estatuto dos juízes), do Título V (Tribunais), da Parte III (Organização do 
 poder político) da Constituição. Estatuto que, em relação aos juízes dos 
 tribunais judiciais, é específico face aos juízes dos restantes tribunais 
 
 (artigo 215.º da Constituição).
 O artigo 2.º, n.º 3, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais 
 judiciais, não viola aquelas disposições conformadoras, mantendo a separação, 
 constitucionalmente imposta, entre o estatuto dos juízes e o estatuto dos 
 trabalhadores que exercem funções públicas. Por um lado, o n.º 3 do artigo 2.º 
 limita-se a estender a aplicação do regime de vinculação, de carreiras e de 
 remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas aos juízes dos 
 tribunais judiciais (cf. o n.º 1 do artigo 2.º com o n.º 3 do mesmo artigo); por 
 outro, tratar-se-á sempre de uma aplicação subsidiária – uma aplicação sem 
 prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais e com as necessárias 
 adaptações.
 Consequentemente, entendo também que as normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, 
 n.º 2, não são inconstitucionais.
 
  
 
 2. Votei a alínea b) da Decisão, sem prejuízo de ulterior ponderação quanto à 
 violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 202.º da Constituição. 
 Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 A)    Quanto à alínea a) da Decisão 
 
  
 Votei vencida a alínea a) da Decisão na parte respeitante à pronúncia de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 2º, nº 3, do Decreto da Assembleia da 
 República nº 173/X, por entender que o estatuto material dos juízes que resulta 
 da Constituição não se opõe à inclusão de uma norma com esse teor num diploma 
 que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos 
 trabalhadores que exercem funções públicas. 
 
  
 A nossa Lei Fundamental considera os tribunais como órgãos de soberania (artigos 
 
 110º e 202º, nº 1, CRP) e consagra expressamente o princípio da independência 
 dos tribunais e da sua sujeição apenas à lei (artigo 203º da CRP). Como diz 
 Gomes Canotilho, «os tribunais são órgãos constitucionais aos quais é 
 especialmente confiada a função jurisdicional exercida por juízes» (JOSÉ JOAQUIM 
 GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 
 Almedina, 2003, p. 657). 
 
  
 Tendo em conta que uma das funções do Estado é exercida por juízes, é natural 
 que a Constituição lhes atribua um conjunto de direitos, garantias e 
 poderes-deveres, com o objectivo de assegurar a compatibilidade do seu estatuto 
 com a sua função de titulares de órgãos de soberania (artigos 215º e seguintes 
 da CRP). Nos termos da Constituição, o estatuto dos juízes inclui a 
 independência, a inamovibilidade e a irresponsabilidade (artigo 216º, nºs 1 e 2, 
 CRP), bem como as incompatibilidades (artigo 216º, nºs 3, 4, e 5). 
 
  
 Relativamente aos juízes dos tribunais judiciais – que, segundo a Constituição 
 são os tribunais comuns em matéria cível e criminal (artigo 211º CRP) – e, 
 sublinhe-se, somente em relação a estes, a Constituição acrescenta ainda que 
 formam um corpo único e que se regem por um estatuto único (artigo 215º, nº 1, 
 CRP), o que significa que existe uma unidade orgânica dos juízes dos tribunais 
 judiciais, (repita-se: só destes) e que, do ponto de vista material, existe uma 
 unidade de estatuto, ou seja, estes juízes dispõem dos mesmos direitos, 
 garantias e poderes-deveres entre si. 
 
  
 Porém, ao contrário da tese vencedora no Acórdão, considero que esta unidade 
 material de estatuto não implica, de modo algum, a unidade formal do mesmo, isto 
 
 é, não se afigura como exigência constitucional que, do ponto de vista formal, 
 todos os direitos, garantias e poderes-deveres destes juízes se encontrem 
 consignados num único diploma, como acontece actualmente em Portugal com o 
 Estatuto dos Magistrados Judiciais. 
 
  
 Na minha opinião, uma norma com a redacção do artigo 2º, nº 3, do Decreto da 
 Assembleia da República nº 173/X, que aplica a lei que estabelece os regimes de 
 vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções 
 públicas aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério 
 Público, mas com ressalva expressa do disposto na Constituição, em leis 
 especiais e exigindo ainda que essa eventual aplicação se faça com as 
 necessárias adaptações, não viola, à partida, qualquer direito ou garantia dos 
 juízes constitucionalmente consagrados e, muito menos, põe em causa a reserva de 
 jurisdição, que inclui a reserva de juiz, ou os princípios da interdependência e 
 da separação de poderes e do Estado de Direito. Aliás, o próprio Acórdão acaba 
 por admitir que não se pode afirmar uma afronta directa às garantias 
 constitucionais dos artigos 203º e 216º, nºs 1 e 2, CRP.   
 
  
 Como afirma GOMES CANOTILHO, a independência dos tribunais como dimensão do 
 Estado de Direito significa que se reserva aos juízes e aos tribunais a função 
 de julgar e implica «necessariamente a separação da função de julgar (função 
 jurisdicional) num sentido positivo e num sentido negativo. Num sentido positivo 
 a função jurisdicional é atribuída exclusivamente a juízes; em sentido negativo 
 proíbe-se o exercício da função jurisdicional por outros órgãos ou poderes que 
 não sejam jurisdicionais» (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional 
 e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 660).
 
  
 Ora, nada na norma sub judice é susceptível de pôr em causa a exclusividade da 
 função de julgar dos juízes nem se verifica qualquer intrusão de outro poder do 
 Estado no poder jurisdicional. Em suma, considero que o poder jurisdicional e a 
 correspondente função de julgar, tal como resultam da Constituição, não seriam 
 minimamente beliscados pela norma do artigo 2º, nº 3, do Decreto da Assembleia 
 da República nº 173/X sub judice.
 
  
 Sublinhe-se ainda que, em alguns Estados-Membros da União Europeia, onde ninguém 
 duvida que os princípios, acima mencionados, da separação de poderes e do Estado 
 de Direito são respeitados, como é o caso da Áustria, da Finlândia, da Suécia e 
 da França, aos juízes é atribuído o estatuto de funcionários públicos, e nem por 
 isso deixam de lhes ser asseguradas todas as garantias inerentes ao poder 
 jurisdicional e à função de julgar, como sejam a independência, a 
 irresponsabilidade e a inamovibilidade. Quer dizer, no Direito Comparado 
 encontramos até casos extremos em que o estatuto de juiz coexiste pacificamente 
 com o estatuto de funcionário público, sem que isso ponha em causa a função 
 jurisdicional nem o poder jurisdicional como poder do Estado separado dos outros 
 poderes (informação disponível no sítio 
 http://ec.europa.eu/civiljustice/legal_prof).    
 
  
 Não seria esse, porém, nunca o efeito que produziria a norma em análise. Ao 
 contrário do que se afirma no Acórdão, não haveria qualquer tendencial 
 equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração Pública nem 
 qualquer assimilação do estatuto de juiz ao estatuto do funcionário público. Por 
 força desta norma a eventual aplicação do diploma aos juízes de qualquer 
 jurisdição e aos magistrados do Ministério Público restringir-se-ia a casos 
 lacunares muito pontuais, periféricos e até marginais.    
 
  
 Em conclusão, considero que a norma do artigo 2º, nº 3, do Decreto da Assembleia 
 da República nº 173/X não contraria qualquer preceito constitucional. Em 
 consequência, também me afasto da Decisão de pronúncia de inconstitucionalidade 
 dos artigos 10º, nº 2, e 68º, nº 2 do mesmo diploma.
 
  
 B)    Quanto à alínea b) da Decisão
 
  
 Quanto à alínea b) da Decisão de pronúncia pela inconstitucionalidade da norma 
 do artigo 36º, nº 3, conjugada com os nºs 4 e 5 e, consequentemente, da norma do 
 artigo 94º, nº 2, não acompanho a parte da Decisão relativa à violação da 
 reserva de jurisdição nem a fundamentação constante do ponto 6 que a suporta, 
 porque considero que a cativação das remunerações opera ope legis, pelo que, em 
 meu entender, estes preceitos são inconstitucionais apenas por violação do 
 artigo 59º, nº 1, alínea a), conjugado com o artigo 18º, nº 2, da Constituição.
 
     Ana Maria Guerra Martins
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Votei vencido, na parte referente à declaração de inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto n.º 73/X, pelas razões que passo a 
 enunciar sucintamente.
 
  A especificidade de estatuto dos juízes dos tribunais judiciais decorre da 
 natureza da função jurisdicional, substancialmente definida na própria 
 Constituição. Enquanto titulares dos órgãos de soberania – os tribunais − a quem 
 cabe o exercício dessa função, esses magistrados devem estar sujeitos a um 
 estatuto conformador da sua posição em termos claramente diferenciados, quer do 
 estatuto dos funcionários públicos, quer do estatuto dos titulares dos restantes 
 
 órgãos de soberania. A esse estatuto cabe concretizar e promover as garantias 
 que assegurem a plena autonomia do exercício da jurisdição, em obediência aos 
 imperativos constitucionais.  
 
 É também indiscutível que a plena autonomia no acto de julgar reclama uma 
 absoluta independência operacional, o que, por sua vez, apela a um conjunto de 
 apropriadas condições organizativas e funcionais de enquadramento. A 
 especificidade do estatuto deverá, pois, estender-se a aspectos externos à 
 actividade jurisdicional, em si mesma, mas que nela, de forma directa ou 
 indirecta, acabam por se repercutir. 
 Mas a razão de ser da especificidade de estatuto é também o seu limite. Na 
 verdade, importa reconhecer que o estatuto profissional dos magistrados é 
 susceptível de abranger, em zonas periféricas, matérias que não contendem com o 
 exercício da jurisdição, por não estarem com ele de qualquer forma conexionadas. 
 No que respeita a essas matérias, os magistrados estão numa situação que não 
 apresenta, do ponto de vista material-valorativo, qualquer especificidade em 
 relação aos profissionais de um emprego público, pelo que não é de rejeitar, à 
 partida, um tratamento não diferenciado desses aspectos.
 Esse tratamento não diferenciado pode resultar da aplicação supletiva, a essas 
 matérias, da lei estatutária dos funcionários públicos. O ponto está em saber − 
 e é essa a questão de constitucionalidade que aqui basicamente se suscitou − se 
 essa aplicação tem que se fundar numa remissão determinada pela lei reguladora 
 do estatuto privativo dos magistrados judiciais, a eles exclusivamente 
 aplicável, ou se pode decorrer de outro diploma, designadamente do que tem por 
 objecto o regime de vínculos, carreiras e remunerações dos funcionários 
 públicos.
 Contrariamente à posição que fez vencimento, entendo que o princípio da 
 unicidade de estatuto dos magistrados dos tribunais judiciais, consagrado no 
 artigo 215.º, n.º 1, da CRP não impõe a primeira solução. Esse princípio não tem 
 o alcance que se lhe pretende atribuir, não podendo, designadamente, o conceito 
 de “estatuto específico” ser interpretado “no sentido de que são as suas 
 disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o 
 respectivo regime jurídico-funcional”. Se assim fosse, ficaria, aliás, por 
 explicar o âmbito restrito da sua aplicação aos juízes dos tribunais judiciais, 
 pois não se vê que os magistrados de outras jurisdições não merecessem idêntico 
 tratamento…
 A exigência da unidade de estatuto contenta-se com a aplicação de um único 
 regime a todos os juízes dos tribunais judiciais. Não há qualquer fundamento 
 para interpretar a disposição – no que seria um alcance puramente formalista − 
 no sentido de que todo o regime estatutário deve ser recondutível a um único 
 diploma, que o tenha exclusivamente por objecto. Estatuto único não é o mesmo do 
 que fonte normativa única.
 Não podendo fundar-se numa violação do artigo 215.º, mesmo quando lido em 
 articulação com as garantias da função jurisdicional, uma razão substantiva para 
 a inconstitucionalidade material do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto n.º 173/X só 
 podia sustentar-se na demonstração de que essas garantias resultam directamente 
 afectadas pelo simples facto de a determinação da lei supletiva aplicável não 
 constar da lei que especialmente regula o estatuto privativo dos magistrados 
 judiciais. Esta é, aliás, uma questão de constitucionalidade constante do pedido 
 
 (alínea b) do art. 10.º) e a que o acórdão expressamente responde pela negativa, 
 no que o acompanho.
 Mas, sendo assim, nada autoriza a que simultaneamente se conclua por uma 
 
 “equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração, por efeito de 
 assimilação do seu estatuto pelo regime geral da função pública (…)”. Garantida 
 a prevalência aplicativa do regime específico dos magistrados – no que o 
 enunciado normativo do artigo 2.º, n.º 3, é particularmente cuidadoso −, este 
 permanece intocado, sem qualquer imposição de conformação às normas atinentes 
 aos funcionários públicos. 
 Nada muda, substancialmente, no processo de determinação do direito aplicável: 
 primeiro recorremos à Constituição, depois à lei que especificamente regula os 
 direitos e deveres dos magistrados e, por último, “com as necessárias 
 adaptações”, ao regime da função pública. 
 
 É certo que a aplicação supletiva deste regime passa a ter carácter genérico, 
 não ficando circunscrito aos pontos para que a Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, 
 pontualmente remete. 
 Não custa admitir que essa não é a solução mais adequada, quer porque, no plano 
 simbólico (de relevo nada despiciendo, nesta matéria), pode gerar uma “imagem” 
 desfocada dos magistrados e da sua função, mas também porque abre campo para 
 incertezas e dúvidas aplicativas inconvenientes, de todos os pontos de vista.
 Mas essa não é, consabidamente, uma razão bastante para fundamentar um juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
 2.                              Votei a decisão de inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 36.º, n.º 3. Mas não acompanho inteiramente o fundamento 
 invocado na 2.ª parte da alínea b) da decisão, respeitante à violação da reserva 
 de jurisdição.
 Na verdade, não faço uma leitura do disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 36.º 
 correspondente à do acórdão. Instaurado um processo de responsabilidade 
 financeira no Tribunal de Contas, o juiz tem que informar a unidade orgânica 
 competente para o processamento e pagamento das remunerações desse facto e esta, 
 uma vez recebida essa informação, tem que cativar automaticamente, a partir do 
 mês seguinte, àquele em que tenha sido instaurado o procedimento jurisdicional. 
 Nem o juiz, nem a entidade administrativa, têm qualquer poder decisório nesta 
 matéria. O que significa que não é a intermediação de uma actuação 
 administrativa que afecta a reserva de jurisdição, pois o órgão judicial já vira 
 a sua competência de apreciação e decisão, no que respeita à medida cautelar de 
 cativação de metade da retribuição, antecipadamente subtraída pelo automatismo 
 da conformação legal. É este o vício que verdadeiramente funda a 
 inconstitucionalidade da solução constante do Decreto.
 Lisboa, 20 de Dezembro de 2007
 
    Joaquim Sousa Ribeiro
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         Votei a totalidade das pronúncias emitidas no precedente 
 acórdão (e a integralidade das respectivas fundamentações), com excepção da não 
 pronúncia de inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 35.º, n.ºs 2, 
 alínea b), e 4, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, a qual, como 
 bem se salienta no acórdão, confere uma prevalência às pessoas colectivas, em 
 detrimento das pessoas singulares, na celebração de contratos de prestação de 
 serviços, nas modalidades de contratos de tarefa e de avença.
 
                         Considero que não se justifica, no controlo 
 jurisdicional da violação do princípio da igualdade, enquanto proibição de 
 arbítrio, qualquer auto‑restrição do poder do Tribunal (que se confinaria ao 
 controlo das evidências), mas antes uma autocontenção, respeitadora da liberdade 
 de conformação do legislador.
 
                         Neste entendimento, é suficiente para a emissão de um 
 juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade a 
 constatação de que o tratamento legal diferenciado não assenta em fundamento 
 racional bastante, de acordo com os valores constitucionalmente relevantes na 
 situação.
 
                         Ora, visando os contratos em causa a realização de 
 trabalho não subordinado, prestado naturalmente por pessoas singulares, embora 
 com autonomia, sem sujeição à disciplina e à direcção do órgão ou serviço 
 contratante nem ao cumprimento de horário de trabalho, entendo que nenhuma 
 razão constitucionalmente relevante justifica o tratamento privilegiado 
 concedido às pessoas colectivas.
 
                         O acórdão avança uma justificação – evitar o risco de, 
 pelo expediente da celebração de “falsos” contratos de tarefa e de avença com 
 pessoas singulares, se virem a gerar novas situações de disfuncionalidade que, 
 no passado, têm propiciado a conversão desses contratos em vinculações 
 definitivas à Administração, com o consequente sobredimensionamento dos seus 
 quadros de pessoal – que, salvo o devido respeito, surge como insuficiente para 
 justificar o tratamento discriminatório constatado.
 
                         Entendo não ser admissível invocar a pretérita 
 incapacidade de autocontrolo e de conformação à lei por parte da Administração 
 para justificar tratamentos discriminatórios, quando é certo que o próprio 
 diploma ora em apreço já insere disposições que surgem como suficientes para 
 esconjurar o risco que pretensamente se quis evitar. Na verdade, a peremptória 
 proibição, constante do n.º 5 deste artigo 35.º, de qualquer contrato de tarefa 
 exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido, e o regime a que 
 o subsequente n.º 6 sujeita o contrato de avença (que tem por objecto prestações 
 sucessivas no exercício de profissão liberal, podendo ser feito cessar a todo 
 o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de 
 prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar), 
 são, à partida, estatuições adequadas e suficientes para acautelar eficazmente o 
 fim, constitucionalmente atendível, da boa gestão dos recursos públicos. Não se 
 vislumbra, com efeito, qualquer razão materialmente fundada para, por exemplo, 
 pretendendo a Administração celebrar um contrato de avença para prestação de 
 serviços forenses, tenha forçosamente de contratar com um sociedade de 
 advogados, em detrimento da contratação de um advogado individual.
 Mário José de Araújo Torres
 
                                                                        
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 
             Não acompanho o acórdão nos pontos e pelas razões que sumariamente 
 passo a enunciar:
 
             A) Votei vencido quanto à decisão de pronúncia pela não 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 55.º do Decreto em apreciação.
 
             Mesmo abstraindo de comparações transversais, esta norma comporta a 
 possibilidade real de gerar situações em que, no mesmo órgão ou serviço, 
 trabalhadores recém-ingressados em dada categoria da mesma carreira passem a 
 ocupar uma posição na respectiva tabela remuneratória superior ao de 
 trabalhadores no activo dessa categoria, portanto nela mais antigos, com 
 idênticas ou superiores qualificações habilitacionais ou profissionais, o que, 
 de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal, é susceptível de violar 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, enquanto corolário do princípio 
 constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13.º. Admito, aqui com o 
 acórdão, que o princípio “para trabalho igual, salário igual” não proíbe que o 
 trabalhador que esteja provido há menos tempo numa dada categoria aufira uma 
 remuneração superior àquela que é percebida por quem dispõe de maior 
 antiguidade, desde que essa diferenciação esteja fundamentada num motivo 
 objectivo, racionalmente comprovável como revelador de efectiva ou potencial 
 disponibilização ao empregador público de superior qualidade ou quantidade do 
 trabalho prestado (para efeito da trilogia constitucional da justa retribuição 
 do trabalho, a identidade de natureza é, num sistema estruturado como o dos 
 
 'trabalhadores que exercem funções públicas', dada pela similitude do conteúdo 
 funcional inerente à categoria, que é o elemento central do primeiro termo 
 daquele binómio). O que não me parece possível é considerar a 'fundada 
 expectativa quanto ao nível qualitativo da prestação laboral', resultante das 
 provas do concurso, um critério objectivo para a diferenciação. Pelo menos, não 
 
 é um critério susceptível de justificar a solução normativa sem uma cláusula de 
 salvaguarda que impeça a 'ultrapassagem' de trabalhadores no activo, menos 
 antigos na categoria, com avaliação de desempenho de nível correspondente. 
 Enquanto o posicionamento do recém-recrutado poderá, na latitude da norma em 
 apreço, ocorrer em qualquer das posições remuneratórias da categoria, os 
 trabalhadores no activo tem o seu nível remuneratório condicionado pelas regras 
 de alteração do posicionamento remuneratório previstas nos artigos 47.º e 48.º 
 do Decreto. Recorrendo – em método que o Tribunal tem considerado adequado ao 
 sistema de fiscalização abstracta em casos do género (cfr. acórdão n.º 323/2005, 
 publicado no Diário da República, I Série-A, de 14 de Outubro de 2005) – ao mais 
 despojado dos exemplos: um técnico superior integrado na primeira posição 
 remuneratória (por hipótese oriundo do CEAGP, obrigatoriamente integrado na 
 primeira posição remuneratória, por força do n.º 6 do artigo 56.º do Decreto, 
 apesar de o curso e o seu sistema de avaliação ser bem mais revelador das 
 potencialidades dos candidatos do que a frágil prognose quanto a desempenhos 
 futuros com base nos elementos do processo concursal), com uma menção máxima em 
 avaliação do desempenho (artigo 47.º, n.º 1, alínea a) do Decreto), auferirá 
 inelutavelmente remuneração inferior a um novo trabalhador relativamente ao qual 
 o posicionamento negociado ao abrigo da norma em causa produza o mínimo dos 
 efeitos, ou seja, em que este trabalhador obtenha a segunda posição da estrutura 
 remuneratória da carreira. 
 
             Na falta de uma cláusula de salvaguarda (que, aliás, o legislador 
 adoptou em casos paralelos, por exemplo, no n.º 3 do artigo 48.º do Decreto), 
 não vejo como as cautelas gestionárias que o acórdão invoca e os princípios 
 gerais da actividade administrativa possam evitar a inversão das posições 
 remuneratórias, que não são consequência do mau uso do mecanismo legal, mas uma 
 consequência inevitável do seu funcionamento e que não é temerário prever que 
 serão frequentes num empregador com a dimensão e a complexidade organizativa da 
 Administração Pública.
 
              B) Não acompanho a fundamentação do acórdão na parte em que, 
 relativamente à norma do n.º 3 do artigo 36.º e, a título consequente, do n.º 2 
 do artigo 94.º do Decreto, considera violada reserva de jurisdição prevista no 
 artigo 202.º da Constituição (n.º 6 do acórdão) e o consequente reflexo na 
 alínea b) da decisão. 
 
             Desde logo, estou em divergência com a interpretação das disposições 
 conjugadas dos n.ºs 3 e 5 do artigo 36.º do Decreto que conduziram a maioria a 
 ver na cativação das remunerações, quando conexa com a instauração de um 
 processo para efectivação da responsabilidade financeira perante o Tribunal de 
 Contas, um acto de definição inovatória da situação do funcionário da autoria da 
 entidade processadora do vencimento. A referência do n.º 5 do artigo 36.º à 
 
 “entidade competente pela instrução do procedimento” tem de ser entendida em 
 conformidade com a natureza administrativa ou jurisdicional do procedimento cuja 
 instauração motiva a cativação de metade da remuneração do “indiciado 
 responsável” contra o qual o procedimento se dirige. Neste caso, será o Tribunal 
 de Contas, quando e se o processo de efectivação de responsabilidade financeira 
 for requerido pelo Ministério Público, e não a entidade que lhe endereça o 
 relatório da auditoria ou inspecção, que perde sobre ele o controlo. Estamos, 
 portanto, perante um efeito ope legis da instauração de um determinado 
 procedimento jurisdicional, à semelhança de vários outros que o sistema jurídico 
 conhece, nuns casos de sentido favorável, noutros desfavorável ao administrado 
 
 (cfr. por exemplo n.º 2 do artigo 69.º do Regime Jurídico da Urbanização e da 
 Edificação). Nestas circunstâncias, a entidade processadora dos vencimentos não 
 define inovatoriamente a situação do particular; executa a comunicação do 
 tribunal garantindo o efeito que automaticamente decorre da lei, pelo que não 
 pode a medida ser concebida, neste caso diversamente do que sucede quando o 
 procedimento para efectivação da responsabilidade tem natureza administrativa, 
 como uma medida cautelar resultante de acto administrativo. 
 
             Acresce que, mesmo que assim não fosse, me sobram dúvidas – que a 
 discordância com o ponto de partida do acórdão me dispensa de resolver – quanto 
 a, de um modo geral, configurar a previsão legislativa que, em abstracto, 
 conceda à Administração a possibilidade de tomar determinada medida que 
 normalmente caberia no âmbito dos seus poderes através de um procedimento 
 administrativo (em que, portanto, não haja reserva de primeira palavra), como 
 invadindo ou permitindo invadir a reserva de juiz (é nesta acepção que a censura 
 
 à norma por violar a reserva de jurisdição é tomada no acórdão), só porque o 
 mesmo efeito era alcançável mediante um procedimento jurisdicional instrumental 
 de um processo pendente no tribunal. Esta circunstância da pendência de um 
 processo jurisdicional para a resolução final do conflito não confere à medida 
 administrativa um conteúdo materialmente jurisdicional que, na sua essência, não 
 teria necessariamente.
 
             Acompanho, todavia, os demais fundamentos pelos quais o acórdão 
 decide pela pronúncia de inconstitucionalidade quanto a esta norma, que valem 
 indiferentemente para os termos em que a cativação do vencimento é estabelecida, 
 seja administrativo ou jurisdicional o processo de cuja resolução final é 
 instrumento. 
 Vítor Gomes