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Processo n.º 741/01
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 7 de Fevereiro de 2000, A., melhor identificado nos autos, requereu 
 instauração de procedimento criminal contra B., melhor identificado nos autos, 
 pela prática dos crimes de difamação, publicidade e calúnia, previstos e punidos 
 na Lei de Imprensa e nos artigos 180º, 182º e 183º do Código Penal, requerendo a 
 sua constituição como assistente.
 Pronunciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa (em razão do seu estatuto de 
 magistrado judicial) pelos crimes de difamação e injúria (artigos 180º e 181º do 
 Código Penal), agravados nos termos do artigo 183º, n.º 2, do mesmo Código, veio 
 o arguido interpor recurso da dita decisão alegando que, ao indeferir-se todas 
 as diligências de prova testemunhal antes requeridas pelo arguido, se teria 
 verificado “um caso de verdadeira falta de instrução”, invocando a 
 inconstitucionalidade material do disposto nos artigos 310º, 119º, alínea d), 
 
 286º, n.º 1, 289º, n.º 1, e 291º, n.º 1 (2ª parte), do Código de Processo Penal, 
 quando interpretados no sentido de que a decisão de pronúncia e a de 
 indeferimento de diligências instrutórias são irrecorríveis, e do disposto no 
 artigo 307º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 320-C/2000, de 15 de Dezembro, por considerar que a remissão para as razões de 
 facto e de direito da acusação particular equivale a total ausência de 
 fundamentação.
 O recurso não foi admitido pela Ex.mª Desembargadora-relatora, por despacho de 6 
 de Março de 2001, mas, decidindo a reclamação que o arguido lhe dirigiu, o 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça mandou admiti-lo por despacho de 6 de 
 Abril de 2001.
 Tendo os autos subido ao Supremo Tribunal de Justiça, em resultado da decisão 
 proferida pelo seu Presidente, de novo se suscitou a questão da 
 inadmissibilidade do recurso, face ao disposto no artigo 405º, n.º 4, parte 
 final, do Código de Processo Penal. Por acórdão de 24 de Outubro de 2001, o 
 Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso do arguido “com base nas 
 disposições conjugadas dos art.ºs. 420º, n.º 1, e 414º, n.º 2, do C.P.P.”, e 
 condenou-o em custas.
 
 2.Veio então o arguido apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para ver apreciadas as 
 seguintes normas:
 
 “a) Art. 310º, n.º 1, do C.P.P., interpretado e aplicado no sentido da 
 irrecorribilidade da decisão instrutória, por violação dos preceitos e 
 princípios dos artigos 20º, n.º 1, 32º, n.º 1, e 268º, n.º 4, todos da C.R.P..
 b) Artigos 119º, al. a), 286º, n.º 1, e 291º, n.º 1 (2ª parte), todos do C.P.P., 
 interpretados e aplicados no sentido de possibilitarem que se considere existir 
 instrução e logo não se verifica a sua falta, quando todas as diligências 
 requeridas pela defesa são indeferidas, por violação dos preceitos e princípios 
 dos art.ºs. 20º, n.º 1, 32º, n.º 1, 268º, n.º 1, todos do C.P.P..
 c) A norma do art.º 307º, n.º 1, do C.P.P. (na redacção dada pela Lei 
 
 320-C/2000, de 15/12) interpretada e aplicada, em conjugação com os art.ºs 379º, 
 n.º 1, al. a), e n.º 2, e 374º, n.º 2, igualmente do C.P.P., no sentido de 
 permitir a completa ausência de fundamentação (pois se limita a uma mera adesão 
 
 à acusação, sem fazer qualquer juízo ou balanço crítico da própria instrução), 
 por violação dos preceitos e princípios dos art.ºs 32º, n.º 1, e 205º, n.º 1, da 
 C.R.P.).
 d) A norma  do n.º 4 do art.º 420º do C.P.P. quando interpretada e aplicada no 
 sentido de determinar que num dado recurso, cuja admissão – repete-se – fora 
 ordenada pelo Sr. Juiz-Presidente, o recorrente, num caso como o dos autos, 
 possa ser condenado sem qualquer espécie de fundamentação, em 5 Ucs de taxa de 
 justiça e mais 7 Ucs, nos termos do n.º 4 do já citado art.º 420º, num total de 
 
 12 Ucs (!?) por tal representar uma punição económica absolutamente 
 desproporcionada, com manifesta violação dos preceitos e princípios já citados 
 dos art.ºs 32º, n.º 1, e 205º, n.º 1, e também do princípio da razoabilidade e 
 da boa fé ínsitos na ideia de Estado de Direito, consagrados no art.º 2 da 
 C.R.P.”
 Admitido o recurso e determinada a produção de alegações, o arguido/recorrente 
 encerrou-as deste modo:
 
 “1ª A regra de irrecorribilidade das decisões judiciais tem, face ao art.º 399º 
 do C.P.P., natureza claramente excepcional, não sendo assim passível de 
 aplicação analógica.
 
 2ª Mas se o art.º 310º, n.º 1, do C.P.P. puder ser interpretado e aplicado no 
 sentido da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que, em sede de crime 
 particular, reproduz a acusação do M.º P.º, a qual por seu turno acompanha a 
 acusação do assistente, então padece de evidente inconstitucionalidade material 
 por violação dos art.ºs 20º, n.º 1, 32º, n.º 1, e 268º, n.º 4, todos da C.R.P..
 
 3ª Acresce que na presente questão o indeferimento de todas as diligências de 
 prova testemunhal requeridas pelo arguido criou uma situação de verdadeira falta 
 de instrução, que deveria ser geradora, nos termos do art.º 119º, al. c), do 
 C.P.P., de nulidade insanável.
 
 4ª Na interpretação e aplicação dadas pelo acórdão do S.T.J. – e que determinam 
 não existir aí qualquer nulidade – os art.ºs. 119º, al. d), 286º, n.º 1, 289º, 
 n.º 1, e 291º, n.º 1 (2ª parte), todos do C.P.P., estão feridos de 
 inconstitucionalidade material por violação dos art.ºs 20º, n.º 1, 32º, n.º 1, e 
 
 268º, n.º 1, todos da C.R.P..
 Ademais,
 
 5ª O despacho dito instrutório não contém, como devia, qualquer vislumbre de 
 fundamentação de facto ou de direito,
 
 6ª Sendo certo que o art.º 307º, n.º 1, do C.P.P. (na redacção dada pelo 
 Dec.-Lei 320-C/2000, de 15/12), interpretado e aplicado como foi no acórdão do 
 S.T.J., ou seja, no sentido de permitir a completa ausência de fundamentação e a 
 mera reprodução da própria acusação do M.º P.º, é materialmente inconstitucional 
 por violação dos art.ºs 32º, n.º 1, e 205º, n.º 1, da Lei Fundamental.
 
 7ª O papel do Juiz – designadamente do Juiz de Instrução – não pode ser reduzido 
 ao de quem, por despacho irrecorrível, pode indeferir todas as diligências de 
 prova em sede de instrução e, pior do que isso, ao de alguém que, em vez de 
 apreciar, julgar e decidir, se limita a transcrever a acusação do Mº Pº.
 
 8ª Interpretados e aplicados desta forma, como o foram no Acórdão recorrido, os 
 supra referenciados dispositivos legais conduzem não apenas à negação do 
 princípio da necessária fundamentação de todos os actos que afectem direitos e 
 interesses legítimos dos cidadãos, e muito em particular os actos judiciais, mas 
 também à negação do próprio poder jurisdicional e, sobretudo, a uma totalmente 
 inaceitável e injustificável compressão dos direitos dos cidadãos, em particular 
 dos direitos dos cidadãos arguidos, 
 
 9ª Consubstanciando assim uma grave e grosseira violação de todos os preceitos e 
 princípios constitucionais já citados (art.º 20º, n.º 1, art.º 32º, n.º 1, art.º 
 
 205º, n.º 1, e art.º 32º, n.º 1, todos da C.R.P.).”
 Nas suas contra-alegações, o Ministério Público notou que o arguido/recorrente 
 abandonara a questão de constitucionalidade suscitada a propósito da norma do 
 n.º 4 do artigo 420º do Código de Processo Penal e que “relativamente às duas 
 questões, atrás identificadas por referência às alíneas b) e c), falta 
 manifestamente um pressuposto do recurso: a efectiva aplicação  de tais normas 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça, como ‘ratio decidendi’ da solução jurídica 
 acolhida”, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma constante do 
 artigo 310º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no seguimento da jurisprudência 
 deste Tribunal (Acórdãos n.ºs 265/94, 610/96, 468/97, 45/98, 101/98, 156/98, 
 
 238/98, 266/98, 299/98, 300/98 e, muito em especial, 30/01, que se pronunciou 
 
 “precisamente sobre situação idêntica à dos autos, entendendo que não é 
 inconstitucional tal norma enquanto considera irrecorrível a decisão instrutória 
 que pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação particular, quando 
 o Ministério Público haja acompanhado tal acusação.”).
 Por sua vez, o assistente encerrou assim as suas alegações:
 
 «a) – Em 24 de Outubro de 2001, e na sequência de recurso interposto pelo 
 recorrente, relativo ao despacho que determinou a sua pronúncia, proferiu o 
 S.T.J., acórdão, entendendo que:
 
 – a decisão instrutória no caso vertente era irrecorrível;
 
 – como não sendo violador da nossa Lei Fundamental, o facto de o Juiz de 
 Instrução, ter recusado a inquirição de testemunhas arroladas pelo arguido; e
 
 – que não há falta de fundamentação na remissão feita na decisão instrutória 
 para os termos da acusação, já que tal é hoje permitido pelo n.º 1, parte final, 
 do art.°307° do C.P.P..
 b) – Não se conformando com o douto acórdão do S.T.J., interpôs o recorrente o 
 presente recurso;
 c) – Para tal, usou os seguintes fundamentos:
 
 – a regra da irrecorribilidade das decisões judiciais tem, face ao art.º 399° do 
 C.P.P., natureza claramente excepcional, não sendo assim passível de aplicação 
 analógica;
 
 – Mas se o art.º 310°, n.º 1, do C.P.P. puder ser interpretado e aplicado no 
 sentido da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que, em sede de crime 
 particular, reproduz a acusação do M.ºP.º, a qual por seu turno acompanha a 
 acusação do assistente, então padece de evidente inconstitucionalidade material 
 por violação dos art.°s 20°, n.º 1, 32° n.º 1 e 268°, n.º 4, todos da C.R.P.;
 
 – Na presente questão o indeferimento de todas as diligências de prova 
 testemunhal requeridas pelo arguido criou uma situação de verdadeira falta de 
 instrução, que deveria ser geradora, nos termos do art.º 119°, al. d), do 
 C.P.P., de nulidade insanável;
 
 – Na interpretação e aplicação dadas pelo acórdão do S.T.J. - e que determinam 
 não existir aí qualquer nulidade - os art.ºs 119°, al. d), 286°, n.º 1, 289°, 
 n.º 1, e 291º, n.º 1 (2ª parte), todos do C.P.P., estão feridos de 
 inconstitucionalidade material por violação dos art.ºs 20°, n.º 1, 32°, n.º 1, e 
 
 268°, n.º 1, todos da C.R.P.;
 
 – Que o despacho dito instrutório não contém, como devia, qualquer vislumbre de 
 fundamentação de facto ou de direito, sendo certo que o art.º 307º, n.º 1, do 
 C.P.P. (na redacção dada pelo Dec. Lei 320-C/2000, de 15/12), interpretado e 
 aplicado como foi no acórdão do S.T.J., ou seja, no sentido de permitir a 
 completa ausência de fundamentação e a mera reprodução da própria acusação do 
 M.ºP.º, é materialmente inconstitucional por violação dos art.ºs 32°, n.º 1 e 
 
 205°, n.º 1 da Lei Fundamental.
 d) – Entendimento esse o do recorrente, com o qual o recorrido, discorda por 
 completo.
 e) – Como bem entendem Leal Henriques e Simas Santos (Código de Processo Penal 
 Anotado, 2ª ed., 2° vol., pág. 225), “nos crimes particulares, acompanhando o 
 M.ºP.º a acusação do assistente, se poderá falar de 'factos constantes da 
 acusação do M.P.' (...), indo-se assim ao encontro da intenção legislativa de 
 aceleração processual, num caso onde é evidente uma maior força indiciária, dado 
 até o seu especial posicionamento na acção penal (interessado na prossecução e 
 na realização da justiça por parte do Estado ).”
 f) – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 30/2001, de 30 de Janeiro: “Como 
 sublinha o Ministério Público nas contra-alegações, está perfeitamente 
 sedimentado na jurisprudência do Tribunal Constitucional que a norma constante 
 do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não padece de 
 inconstitucionalidade, não ofendendo o artigo 32º, n.º 1, da Constituição.”
 g) – Para o efeito, cita o douto acórdão a título de exemplo:
 
 “(...) vejam-se os Acórdãos n.ºs 265/94, de 23 de Março (Diário da República, II 
 Série, n.º 165, de 19 de Julho de 1994, p. 7237 ss), 610/96, de 17 de Abril 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 155, de 6 de Julho de 1996, p. 9117 ss), 
 
 468/97, de 2 de Julho (inédito), 45/98, de 3 de Fevereiro (inédito), 101/98, de 
 
 4 de Fevereiro (inédito), 156/98, de 10 de Fevereiro (Diário da República, II 
 Série, n.º 105, de 7 de Maio de1998, p. 6178 ss), 238/98, de 5 de Março 
 
 (inédito), 266/98, de 5 de Abril (Diário da República, II Série, n.º 158, de 11 
 de Julho de 1998, p. 9618 ss), 299/98, de 28 de Abril (inédito), e 300/98 de 28 
 de Abril (inédito)”.
 h) – No Acórdão n.º 265/94, entende o Tribunal Constitucional, que:
 
 «A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a 
 garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos 
 das diferentes espécies. E certo que a Constituição garante a todos “o acesso ao 
 direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, 
 não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” (art.º 
 
 20°, n.º 1) e, em matéria penal, afirma que “o processo criminal assegurará 
 todas as garantias de defesa” (art.º 32º, n.º 1). Destas normas, porém, não 
 retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser 
 assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em 
 processo penal. (...) A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às 
 decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à 
 situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer 
 outros direitos fundamentais. Sendo embora a faculdade de recorrer em processo 
 penal uma tradução da expressão do direito de defesa, a verdade é que, como se 
 escreveu no Acórdão 31/87 do mesmo Tribunal, “se há-de admitir que essa 
 faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo 
 
 (...).”»
 i) – Igualmente no Acórdão n.º 610/96, expõe o Tribunal Constitucional, que:
 
 “Sendo certo que o n.º 1 do artigo 32º da Constituição impõe que se consagre o 
 direito de recorrer de decisões condenatórias e de actos judiciais que, durante 
 o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de 
 outros direitos fundamentais do arguido, é admissível que o legislador determine 
 a irrecorribilidade de outros actos judiciais desde que não atinja o conteúdo 
 essencial das garantias de defesa (cf. Acórdãos n.ºs 8/87, 31/87 e 177/88 ...) e 
 a limitação seja justificada por outros valores relevantes no processo penal.”
 j) – Semelhante entendimento, levou a que o Tribunal Constitucional, no seu 
 Acórdão n.º 30/01, entendesse que:
 
 «Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, hoje 
 consagrado de modo expresso no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, deve 
 continuar a entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas 
 garantias o exijam – o que, pelas razões apontadas nos anteriores acórdãos deste 
 Tribunal, não compreende necessariamente a impugnação do despacho de pronúncia. 
 
 (...) E a circunstância de, no presente recurso, estar em causa um crime 
 particular, tendo o Ministério Público acompanhado a acusação particular, não 
 torna naturalmente inaplicável aquela jurisprudência constante do Tribunal 
 Constitucional. Como bem refere o Ministério Público nas contra-alegações, “os 
 factos em que assentou a pronúncia não resultam de um puro juízo formulado pelo 
 ofendido/assistente, sendo identicamente objecto de uma apreciação ou valoração 
 pelo órgão a que está constitucionalmente cometido o exercício da acção penal.”»
 k) – Não poderá por isso proceder a arguição de inconstitucionalidade invocada, 
 pois, a irrecorribilidade do despacho de pronúncia, nos termos do art.º 310º, 
 n.º 1, do C.P.P., como é entendimento jurisprudencial, em nada viola a nossa Lei 
 Fundamental.
 l) – Quanto à questão da não inquirição de testemunhas, no âmbito da instrução, 
 entende também o requerido, que tal não é violador da Constituição da República.
 m) – Para a referida recusa, usou o Digníssimo Juiz de Instrução, da seguinte 
 argumentação:
 
 “No requerimento para abertura da instrução, o arguido, observando o disposto no 
 n.º 2 do artigo 287º do C.P.P., parte dos factos concretamente presentes na 
 acusação, e só deles, para situar a discussão ao nível dos efeitos 
 jurídico-penais desses factos. Evidenciando o requerimento para abertura da 
 instrução que a discordância do arguido relativamente à acusação incide sobre a 
 dimensão normativa dos factos constantes da acusação, ou seja, sobre o desvalor 
 jurídico-penal dessa factualidade concreta.”
 n) – Não se pode subsumir a não inquirição de testemunhas, ao estatuído no art.º 
 
 119º, al. d), do C.P.P.
 o) – Isso mesmo, concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 2 de 
 Fevereiro de 1994:
 
 “O artigo 119º, al. d), do C.P.P., ao considerar nulidade a falta de instrução, 
 quer referir-se aos casos em que, podendo haver instrução, ela foi requerida em 
 tempo, por quem tem legitimidade.”
 p) – Também a Jurisprudência do Tribunal Constitucional é nessa matéria muito 
 clara, curiosamente também quanto a uma questão suscitada nos termos do artigo 
 
 291º do C.P.P., que decidiu não inquirir as testemunhas arroladas no 
 requerimento de abertura de instrução.
 q) – Tome-se para o efeito, o Acórdão n.º 375/00 de 13 de Julho de 2000:
 
 «Não se nega que os actos de instrução, requeridos pelo arguido, constituam uma 
 garantia de defesa do mesmo, pois poderão condicionar a própria realização do 
 julgamento.
 Acusado o agente do crime, a instrução surge como meio colocado ao seu dispor 
 para infirmar a acusação que sobre ele impende, e assim, para, pelo menos em 
 alguma medida que lhe venha a ser favorável, contribuir de forma imediata para o 
 sentido do despacho de pronúncia ou, mais relevantemente para ele, de não 
 pronúncia, que a final haverá de ser proferido pelo juiz. Mas mesmo neste plano, 
 
 “a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem 
 submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido uma completa e 
 exaustiva verificação de existência das razões que indiciem a sua presumível 
 condenação. O que a Constituição determina no n.º 2 do artigo 32º é que todo o 
 arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de 
 condenação.” cfr. Acórdão n.º 474/94, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 28° vol., pág. 402, transcrevendo o acórdão n.º 31/87, publicado 
 nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9° vol.)»
 r) – Continua o referido acórdão, dizendo:
 
 «Tomando o exemplo do caso: o indeferimento da inquirição de testemunhas não 
 foi, como também não é no plano da lei adjectiva, óbice à determinação da 
 marcação de debate instrutório, que não se pode entender que se torna inútil 
 apenas por ter sido rejeitada a audição de testemunhas. Não sendo antecipação do 
 julgamento, será incongruente transpor para ele, na íntegra, o regime aplicável 
 
 à produção de prova na fase final. E não será legítimo desvalorizar o debate, 
 por definição de estrutura contraditória, como meio de defesa por si só, 
 realizado como é sob a direcção (artigo 301º do Código) e na presença do juiz, 
 com a presença e participação das partes, as quais, no seu decurso, poderão 
 inclusivamente requerer “a produção de provas indiciárias suplementares que se 
 proponham apresentar, durante o debate, sobre questões concretas controversas” 
 
 (n.º 2 do artigo 202º). Aí se dá tradução à exigência contida no n.º 5, do 
 artigo 32º da Constituição.»
 s) – Ter-se-á de concluir portanto, que a não inquirição de testemunhas não é 
 geradora de nulidade nos termos do artigo 119º, al. d), do C.P.P., sendo por 
 isso de manter a interpretação e aplicação dadas pelo S.T.J..
 t) – Por último, resta analisar a questão da não fundamentação do despacho de 
 pronúncia, sendo que também aqui não se está perante qualquer 
 inconstitucionalidade.
 u) – Diz-nos o artigo 307º, n.º 1, do C.P.P., que:
 
 «1- Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de 
 não pronúncia, que é logo ditado para acta, considerando-se notificado aos 
 presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito 
 enunciadas na acusação, ou no requerimento de abertura de instrução.»
 v) – O Juiz de Instrução, entendeu pronunciar o arguido, factual e legalmente, 
 de acordo com o constante na acusação, do assistente e do Ministério Público.
 
 w) – Nunca que pode ser invocada a violação das garantias de defesa do arguido, 
 quando este tem perfeito conhecimento de qual a acusação que impende contra si.
 x) – Teve-a aquando da acusação do assistente, teve-a quando o Ministério 
 Público também deduziu acusação nos termos efectuados pelo assistente.
 
 y) – Questão diferente seria, se o arguido fosse pronunciado por factos diversos 
 dos constantes da acusação, pois aí teria o Juiz de Instrução, de justificar o 
 porquê do seu entendimento diverso.
 z) – Não sendo o caso, sabe por isso o ora recorrente, qual a acusação que 
 impende contra si, não necessitando que o Juiz de Instrução reproduza novamente.
 aa) – Está por isso o arguido salvaguardado, pois sabe, qual o ónus que recai 
 sobre si, sabe os pressupostos que sustentam a acusação, tendo por isso ao seu 
 dispor todas as garantias de defesa.
 bb) – Também aqui, a inconstitucionalidade arguida terá que improceder, e 
 entender como correcta a interpretação e aplicação por parte do S.T.J., da norma 
 constante do art.º 307º, n.º 1, do C.P.P..
 cc) – Por todo o supra exposto, terá de ser negado provimento ao presente 
 recurso, subscrevendo por inteiro o acórdão recorrido, não se considerando 
 válidas, nenhuma das inconstitucionalidades arguidas.»
 Já no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho delimitando o objecto do 
 recurso à norma do artigo 310º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nos 
 seguintes termos:
 
 «1. B., melhor identificado nos autos, apresentou recurso de constitucionalidade 
 ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte quanto 
 
 às normas que pretendia ver apreciadas:
 
 “As normas cuja inconstitucionalidade, da forma como foram interpretadas e 
 aplicadas, se pretende seja declarada são as seguintes:
 a)                 Art. 310º, n.º 1 do C.P.C. [querendo por certo escrever-se 
 
 ‘Código de Processo Penal’], interpretado e aplicado no sentido da 
 irrecorribilidade da decisão instrutória, por violação dos preceitos e 
 princípios dos artigos 20º, n.º 1, 32º, n.º 1 e 268º, n.º 4, todos da C.R.P..
 b)                 Artigos 119º, al. a), 286º, n.º 1, e 291º, n.º 1, (2ª parte), 
 todos da C.R.P. [querendo por certo escrever-se ‘do Código de Processo Penal’], 
 interpretados e aplicados no sentido de possibilitarem que se considere existir 
 instrução e logo não se verifica a sua falta, quando todas as diligências 
 requeridas pela defesa são indeferidas, por violação dos preceitos e princípios 
 dos art.ºs 20º, n.º 1, 32º, n.º 1, 268º, n.º 1, todos da C.R.P..
 c)                 A norma do art.º 307º, n.º 1 do C.P.P. (na redacção dada pela 
 Lei 320-C/2000, de 15/12), interpretado e aplicado, em conjugação com os art.ºs 
 
 379º, n.º 1, al. a), e n.º 2 e 374º, n.º 2, igualmente do C.P.P., no sentido de 
 permitir a completa ausência de fundamentação (pois se limita a uma mera adesão 
 
 à acusação, sem fazer qualquer juízo ou balanço crítico da própria instrução), 
 por violação dos preceitos e princípios dos art.ºs 32º, n.º 1, e 205º, n.º 1, da 
 C.R.P..
 A inconstitucionalidade destas normas foi logo arguida na motivação do recurso 
 interposto da referida decisão instrutória, e reafirmada na reclamação dirigida 
 ao Sr. Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça (e aliás por este deferida) 
 contra o despacho que lhe não admitiu o dito recurso,
 d)                 A norma do n.º 4 do art.º 420º do C.P.P. quando interpretada 
 e aplicada no sentido de determinar que num dado recurso, cuja admissão – 
 repete-se – fora ordenada pelo Sr. Juiz Presidente, o recorrente, num caso como 
 o dos autos, possa ser condenado sem qualquer espécie de fundamentação, em 5 Ucs 
 de taxa de justiça e mais 7 Ucs, nos termos do n.º 4 do já citado art.º 420º, 
 num total de 12 Ucs (!?) por tal representar uma punição económica absolutamente 
 desproporcionada, com manifesta violação dos preceitos e princípios já citados 
 dos art.ºs 32º, n.º 1, e 205º, n.º 1, e também do princípio da razoabilidade e 
 da boa fé ínsitos na ideia do Estado de Direito, consagrados no art.º 2º da 
 C.R.P..
 Como esta norma do art.º 420º, n.º 4, do C.P.P. só agora foi aplicada e o 
 recorrente não podia razoavelmente esperar que o fosse desta forma em absoluto 
 inadequada, a respectiva inconstitucionalidade é arguida no primeiro momento 
 processualmente adequado, ou seja, o presente requerimento.”
 
 2. Ordenada a produção de alegações, o recorrente veio, porém, a abandonar 
 nestas a questão de constitucionalidade identificada em c), razão pela qual dela 
 se não pode conhecer – cfr., neste sentido, o artigo 684º, n.º 3, do Código de 
 Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, conjugado com o artigo 75º-A, n.º 1, desta Lei, e a 
 jurisprudência unânime deste Tribunal (v., por exemplo, o Acórdão n.º 20/97, 
 publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36, págs. 193-201).
 
 3.Por outro lado, afirma-se nas contra-alegações do Ministério Público, que, 
 
 “relativamente às duas questões, atrás identificadas por referência às alíneas 
 b) e c), falta manifestamente um pressuposto do recurso: a efectiva aplicação de 
 tais normas pelo Supremo Tribunal de Justiça, como ‘ratio decidendi’ da solução 
 jurídica acolhida: na verdade, o acórdão recorrido considerou prejudicado o 
 conhecimento de tais questões, ao considerar irrecorrível a decisão instrutória 
 proferida, devendo considerar-se a sucinta argumentação, expendida a fls. 
 
 247-248, como evidentemente ‘obiter dictum’, já que a irrecorribilidade da 
 decisão instrutória naturalmente dispensava o Supremo de entrar na apreciação 
 dos argumentos e razões invocadas pelo impugnante.” O mesmo entendimento parece, 
 aliás, professado pelo próprio recorrente, que começou as suas alegações de 
 recurso dando conta de que “por óbvia cautela de patrocínio”, se sentia obrigado 
 a atacar também essa outra parte do dito acórdão, apenas para evitar correr o 
 risco de “vir a ver invocada a pretensa falta de interesse nessa mesma 
 declaração de inconstitucionalidade (…) por alegadamente o mesmo não ter 
 qualquer efeito útil.”
 Suscita-se, pois, a dúvida sobre a possibilidade de se conhecer o recurso nessa 
 parte.
 As normas impugnadas pelo recorrente e identificadas na alínea b) do seu 
 requerimento de interposição do recurso como pertencendo à C.R.P. são, 
 obviamente, normas do Código de Processo Penal. Tratando-se de lapso evidente, 
 daí não resulta alteração do objecto do recurso entre o requerimento de 
 interposição e as alegações. O mesmo se diga da troca da alínea d) do artigo 
 
 119º desse Código pela sua alínea a), no dito requerimento de interposição de 
 recurso.
 Decisivamente, obsta ao conhecimento das questões de constitucionalidade 
 relativas a tais normas o facto de não se ter verificado impugnação atempada das 
 decisões nelas sustentadas com fundamento na sua nulidade, já que, nos termos do 
 acórdão de fixação de jurisprudência (“Assento”) n.º 6/2000 (publicado no Diário 
 da República, I Série, de 7 de Março de 2000), em relação a nulidades arguidas 
 no decurso do inquérito ou da instrução, e demais questões prévias ou 
 incidentais, pode haver recurso. Não tendo este sido interposto – e a decisão de 
 recusar a inquirição de testemunhas foi tomada em 23 de Janeiro de 2001, quando 
 o debate instrutório só teve lugar a 9 de Fevereiro de 2001, nada tendo o 
 arguido requerido nessa ocasião –, não pode agora reabrir-se tal questão. Aliás, 
 a própria fundamentação do acórdão recorrido – o relator suscitou questão que 
 obstava ao conhecimento do objecto do recurso, os autos foram a vistos com 
 projecto de acórdão e este foi tirado em conferência – impediria a decisão sobre 
 o mérito da causa: não obstante o “obiter dictum” sobre outras questões, a 
 decisão refere-se exclusivamente à possibilidade, ou não, de se recorrer do 
 despacho de pronúncia em situações em que o Ministério Público acompanha a 
 acusação do assistente em casos de crimes particulares. Ora, a única norma 
 determinante para a resolução dessa questão é a do n.º 1 do artigo 310º do 
 Código de Processo Penal.
 
 4.Quanto à invocada falta de fundamentação do despacho de pronúncia decorrente 
 da utilização da prerrogativa conferida pelo artigo 307º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de 
 Dezembro, dúvidas não restam de que a decisão seguiu esta norma. Não há, 
 portanto, défice de fundamentação em relação ao que essa norma da lei impõe. O 
 que há é uma fundamentação por remissão, consentida por uma norma legal, que o 
 recorrente considera desconforme com a obrigação constitucional de fundamentação 
 das decisões jurisdicionais.
 Tal configura, é certo, uma verdadeira questão de constitucionalidade, mas dela 
 não pode o Tribunal conhecer: o recorrente não pode suscitar a fiscalização 
 abstracta de normas e a fiscalização concreta impõe que as normas a apreciar 
 tenham sido aplicadas na decisão recorrida. Ora, na medida em que o acórdão 
 recorrido se não pronunciou sobre o fundo ou a forma da decisão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, mas apenas sobre a inadmissibilidade do recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, a consideração desta questão depende da decisão que 
 vier a ser proferida sobre a (in)constitucionalidade da norma que veda esse 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Se tal limitação for ilegítima, o 
 Supremo Tribunal de Justiça terá de se pronunciar sobre o fundo e a forma da 
 decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e, nesses termos, a questão da 
 constitucionalidade do n.º 1 do artigo 307º do Código de Processo Penal (na 
 redacção dada em 2000) poderá, eventualmente, vir a ser trazida a este Tribunal, 
 em futuros desenvolvimentos deste mesmo processo. Pelo contrário, se tal 
 limitação for constitucionalmente conforme, a decisão liminar de rejeição do 
 recurso consolidar-se-á, e, na medida em que nela se não aplicou a norma 
 impugnada, neste processo não se poderá mais apreciar a sua conformidade 
 constitucional.
 Certo é que, por agora, não poderá ser apreciada.
 
 5.Fica, portanto, delimitado o objecto do presente recurso à apreciação da 
 constitucionalidade da norma do artigo 310º, n.º 1, do Código de Processo Penal 
 interpretada no sentido de que é irrecorrível a decisão instrutória que 
 pronuncia o arguido por crimes particulares, conforme a acusação particular 
 secundada pelo Ministério Público.»
 Notificado para se pronunciar, o arguido/recorrente veio dizer:
 
 «1° Antes de mais, importa referir que só por algum lapso se poderia pretender 
 que o A. teria abandonado nas suas alegações de recurso a questão da 
 inconstitucionalidade identificada na al. c) do n° 1 do despacho de V.Ex.a,
 
 2° Isto já que tal questão da inconstitucionalidade do art.º 307°, n.° 1 do CPP, 
 na redacção dada pela Lei 320-C/2000, de 15/12, interpretada e aplicada, em 
 conjugação com o art.º 379°, n.° 1, al. a) e n.° 2 e art.º 374°, n.° 2, todos do 
 CPP, no sentido de permitir a completa ausência de fundamentação própria pois se 
 limita a uma mera adesão à acusação, sem fazer qualquer juízo ou balanço crítico 
 da própria instrução, por violação dos preceitos e princípios dos art.ºs 32°, 
 n.° 1 e 205°, n.° 1, constitui objecto expresso amplamente examinado e 
 argumentado nas suas já referenciadas alegações de recurso, constituindo toda a 
 primeira parte do Capítulo V daquelas, pp. 7, 8, 9 e 10,
 
 3° E estando vertida nas respectivas conclusões, muito em particular a 5ª e a 
 
 6ª.
 
 4° Não se alcança, pois, como se pode pretender que nas alegações de recurso 
 para este Tribunal Constitucional a mesma questão teria sido “abandonada”. Por 
 outro lado,
 
 5° O recorrente manifesta a sua discordância quanto à restante e pretendida 
 delimitação do objecto do recurso, tal como é propugnada.
 
 6° É que o dilema em que se pretende colocar o recorrente, já este o previra 
 exactamente no início das suas supracitadas alegações de recurso.
 
 7° É que a verdade é que se o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso 
 oportunamente interposto do despacho de pronúncia, com o fundamento da pretensa 
 irrecorribilidade do mesmo despacho de pronúncia no caso dos autos, não obstante 
 não deixou também de decidir as demais questões oportunamente suscitadas em sede 
 do mesmo recurso, sob o verdadeiro subterfúgio de dizer “de passagem, e ainda 
 que ex abundante, que se o recurso fosse de prosseguir, não lograria melhor 
 sorte” (sic).
 
 8° Tal circunstância obrigou o recorrente a, por óbvia cautela de patrocínio, 
 atacar também essa outra parte do dito Acórdão, ainda que ilegitimamente sujeito 
 a este dilema assim propositadamente criado: se acaso suscitasse, como nestas 
 condições não pôde deixar de fazer, a patente inconstitucionalidade das normas 
 aí (nessa outra parte da decisão) aplicadas, corria o risco de - tal como acaba 
 precisamente de suceder - vir a ser-lhe oposta a já conhecida tese do mero 
 
 “obiter dictum”; se, por outro lado, o não tivesse feito, tinha corrido o risco 
 de - isto, mesmo reconhecendo-se a inconstitucionalidade da(s) norma(s) 
 invocada(s) para fundamentar a pretensa irrecorribilidade do já citado despacho 
 de pronúncia! - vir a ver invocada a pretensa falta de interesse nessa mesma 
 declaração de inconstitucionalidade (à mesma com a consequente improcedência do 
 presente recurso) por alegadamente o mesmo não ter qualquer efeito útil, já que 
 mesmo se aquele fosse de prosseguir, sempre o S.T.J. já teria tomado a decisão - 
 e nessa hipótese não impugnada e, logo, transitada em julgado - da sua 
 improcedência. Ora, 
 
 9° Até porque isso significaria a inadmissível possibilitação do impedimento de 
 recurso para este Tribunal Constitucional, para tanto bastando que o Tribunal 
 recorrido, como última instância ordinária, julgasse improcedente ou mesmo 
 rejeitasse o recurso para ele interposto sob a invocação de uma qualquer 
 motivação por mais infundamentada que fosse (mas que não constituísse questão de 
 inconstitucionalidade) e “tamponar” a fiscalização de constitucionalidade das 
 normas verdadeiramente em causa na questão decidenda, reportando-se às mesmas 
 como o tão proclamado e invocado... “obiter dictum”.
 
 10° Que o MºPº se oponha com unhas e dentes à apreciação da questão de fundo de 
 constitucionalidade das mais gravosas normas do processo penal (em particular as 
 que se prendem com a posição que nele o mesmo MºPº ainda ocupa) já estamos 
 infelizmente habituados, e um dia se fará seguramente o exacto balanço das 
 posições que sucessivamente foram por ele assumidas a tal respeito!...
 
 11° Mas que por esta via do subterfúgio se pudesse vir a obstar ao conhecimento 
 do recurso (também) nesta parte, é que já seria de todo inadmissível. Por outro 
 lado,
 
 12° E já no tocante à questão de inconstitucionalidade dos art.ºs 119°, al. d), 
 
 286°, n.° 1 e 291°, n.° 1 (2ª parte), todos da CRP, a verdade é que a instrução 
 só está terminada com o proferimento da decisão instrutória (antes do 
 proferimento da qual o Mº Juiz a quo até podia ter ordenado oficiosamente 
 qualquer das diligências requeridas pela defesa) e só com tal decisão, e após a 
 mesma, se poderá ter por certo e definitivamente adquirido que, nestes autos, a 
 instrução foi uma total e completa “não-instrução”. Ou seja,
 
 13° A decisão que verdadeiramente corporizou e consagrou a vertente normativa 
 anticonstitucional foi assim a própria decisão instrutória, e esta foi mais do 
 que atempadamente impugnada.
 
 14° Aliás, o entendimento que se parece pretender propugnar tem como efeito 
 directo e imediato - em flagrante violação dos basilares princípios da economia 
 e simplicidade processuais - a multiplicação de recursos até à exaustão.
 
 15° Com efeito e para semelhante tese, em sede de instrução, perante uma decisão 
 do Juiz de instrução que indefere todas as diligências de prova requeridas pelo 
 arguido, e que depois pronuncia este por mera adesão à acusação do MºPº em 
 processo de crime particular, teria que:
 
 1° Interpor recurso da decisão de indeferimento (se considera que a norma da 
 irrecorribilidade é inconstitucional) e em caso de não admissão do mesmo, 
 reclamar para o Presidente do Tribunal Superior e da decisão deste interpor 
 então recurso para este Tribunal Constitucional;
 
 2° Arguir a nulidade decorrente daquele indeferimento, interpor recurso 
 ordinário da decisão que desatendesse tal nulidade e, face à improcedência do 
 mesmo recurso, interpor recurso para este Tribunal Constitucional;
 
 3° Esperar pela decisão instrutória e face ao não ordenar de qualquer 
 diligência, interpor então recurso daquela, perante a não admissão de tal 
 recurso reclamar para o Presidente do Tribunal Superior e, face ao eventual não 
 atendimento de tal reclamação, interpor recurso para este Tribunal 
 Constitucional dessa decisão (e com o fundamento de que a decisão instrutória se 
 tinha de ter por recorrível),
 
 16° Com tudo isto a representar muito provavelmente condenações em custas na 
 ordem das 12 ou 15 UC’s mais a necessidade do pagamento das taxas de Justiça 
 devidas pela interposição de cada recurso ou cada apresentação de reclamação, 
 forçoso é concluir que o que tal significaria era a perfeita impossibilitação 
 prática do direito de recurso e a prática irrecorribilidade de decisões que 
 consagram interpretações normativas totalmente desconformes com a letra e o 
 espírito da Lei Fundamental.
 
 17° Dito de outra forma: não é constitucionalmente admissível, no entender do 
 recorrente, o caucionamento de uma qualquer forma que consubstancie, afinal, a 
 denegação da submissão pelos cidadãos comuns a este Tribunal Constitucional da 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, como é o já apontado mecanismo de 
 se proceder na 1ª instância a uma interpretação e aplicação de uma dada norma em 
 sentido frontalmente violador da Lei Fundamental e, uma vez interposto o 
 competente recurso com fundamento precisamente na inconstitucionalidade, a 
 instância superior (de cuja decisão não cabe recurso ordinário) vir julgar 
 improcedente o mesmo recurso por decisão com outro fundamento qualquer, por mais 
 insubsistente que ele seja, mas em que se declara “de passagem, e ainda que ex 
 abundante, se o recurso fosse de prosseguir, não lograria melhor sorte”, 
 deixando o recorrente na insólita e ilegítima situação de não poder recorrer da 
 principal parte decisória (por se tratar de instância suprema) e também não 
 poder recorrer da questão da inconstitucionalidade, por esta ... alegadamente 
 não passar de um mero “obiter dictum”!!??
 
 18° E porque também se discorda do entendimento de que se haja suscitado a 
 fiscalização abstracta (?!) da norma do art.º 307°, n.° 1 do CPP, o recorrente 
 nenhum fundamento vê para a pretendida restrição do objecto do recurso.»
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3. Há que começar, naturalmente, pela delimitação do objecto do recurso 
 efectuada. Ora, como era visível pela leitura do despacho de delimitação do 
 objecto do recurso, a questão de inconstitucionalidade identificada na alínea c) 
 do n.º 1 do despacho era tratada no ponto 4 desse despacho, devendo entender-se 
 que a questão de constitucionalidade abandonada pelo arguido/recorrente, como se 
 referia no ponto 2 desse despacho, era, obviamente, a única constante do 
 requerimento de recurso não abordada nas suas alegações – nem na resposta ao 
 despacho de delimitação do objecto do recurso, de resto -, referente à 
 condenação pela rejeição do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 420º do 
 Código de Processo Penal. A apreciação da constitucionalidade desta norma, 
 porque o recorrente a abandonou, não lhe fazendo referência, nas alegações de 
 recurso, não pode, pois, integrar o objecto do presente recurso.
 A impossibilidade de apreciação das restantes normas identificadas no 
 requerimento de interposição do recurso deve-se, inteiramente, às razões 
 objectivas expostas no despacho, que não são postas em causa pela resposta do 
 arguido/recorrente. Com efeito, o suposto dilema adiantado pelo recorrente, em 
 que se julga sempre perdedor, não tem qualquer razão de ser: no quadro em que o 
 Supremo Tribunal de Justiça proferiu a decisão recorrida, as considerações que 
 teceu sobre outras normas impugnadas, que não a do n.º 1 do artigo 310.º do 
 Código de Processo Penal, constituíam meros obiter dicta, insusceptíveis, 
 portanto, de configurar motivação alternativa à que levou à rejeição do recurso, 
 e de lhes fazer perder utilidade. Para retomar as expressões do 
 arguido/recorrente, não há, portanto, qualquer “tamponamento” da fiscalização de 
 constitucionalidade. Antes o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento 
 do recurso por as restantes normas impugnadas não terem constituído ratio 
 decidendi para o tribunal recorrido.
 
 6.Circunscrito, assim, o objecto do recurso à norma do n.º 1 do artigo 310º do 
 Código de Processo Penal – “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos 
 factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a 
 remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento” –, cumpre 
 recordar que este Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a sua 
 conformidade constitucional de tal norma. Tal como referido no Acórdão n.º 30/01 
 
 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 49, pp. 171-179), que 
 decidiu um caso suscitado pela acusada de um crime particular, em que o 
 Ministério Público acompanhara a acusação da assistente, tal como nos presentes 
 autos:
 
 “A argumentação da recorrente, como se verá, nada inova e não justifica que seja 
 afastada, no presente processo, a decisão e respectiva fundamentação dos 
 acórdãos do Tribunal Constitucional que emitiram aquela pronúncia e aqui se dão 
 por reproduzidos: vejam-se os Acórdãos n.º s 265/94, de 23 de Março (Diário da 
 República, II Série, n.º 165, de 19 de Julho de 1994, p. 7237 ss), 610/96, de 17 
 de Abril (Diário da República, II Série, n.º 155, de 6 de Julho de 1996, p. 9117 
 ss), 468/97, de 2 de Julho (inédito), 45/98, de 3 de Fevereiro (inédito), 
 
 101/98, de 4 de Fevereiro (inédito), 156/98, de 10 de Fevereiro (Diário da 
 República, II Série, n.º 105, de 7 de Maio de 1998, p. 6178 ss), 238/98, de 5 de 
 Março (inédito), 266/98, de 5 de Abril (Diário da República, II Série, n.º 158, 
 de 11 de Julho de 1998, p. 9618 ss), 299/98, de 28 de Abril (inédito), e 300/98, 
 de 28 de Abril (inédito).”
 
 É verdade que invoca agora o recorrente que, não sendo o Ministério Público 
 titular da acção penal no que diz respeito aos crimes particulares, não pode 
 fazer-se relevar o “acompanhamento” da acusação do assistente. Tal implicaria 
 perder o critério da adesão ou não do Ministério Público à acusação particular, 
 para delimitar o âmbito do recurso dos despachos de pronúncia – que é, parece, a 
 tese do recorrente. Sem tal critério, porém, todos os despachos de pronúncia nos 
 crimes particulares seriam recorríveis, ao passo que nos crimes públicos e 
 semi-públicos só o seriam os que pronunciassem o arguido por factos diferentes 
 dos constantes da acusação do Ministério Público. E tal solução não pareceria 
 compaginável com os intuitos do legislador, nem com a gravidade dos ilícitos, na 
 medida em que nos crimes menos graves as possibilidades de recurso dos arguidos 
 seriam mais amplas do que nos crimes mais graves. Como se escreveu na decisão 
 recorrida, “[a]cusação do Mº Pº será, assim, toda e qualquer acusação que ele 
 venha a subscrever, quer só, quer acompanhando o assistente.”
 De qualquer modo, porém, tais considerações não inovam face à anterior 
 argumentação, porque se não situam no plano de aferição em que este Tribunal tem 
 necessariamente de sediar a sua questão de constitucionalidade que importa 
 apreciar – nas palavras do recorrente, que “se tal norma pudesse ser 
 interpretada e aplicada no sentido da decisão ora ‘sub judice’, ela 
 representaria uma compressão, para não dizer supressão, totalmente 
 desproporcionada e infundamentada, do direito de recurso (…) pela assim 
 injustificada redução das garantias de defesa do arguido e pela denegação, 
 igualmente injustificada, do princípio do duplo grau de jurisdição em matéria 
 penal, expressamente consagrado no art. 14º, n.º 5, do Pacto Internacional dos 
 Direitos Civis e Políticos e que resulta com clareza do citado artigo 32º, n.º 
 
 1, da C.R.P.”. A seu ver, “no caso de meros crimes particulares rigorosamente 
 nada justifica tal regime diferenciado, desviado e excepcional relativamente ao 
 princípio geral da recorribilidade de decisões.”
 A verdade, porém, é que o princípio geral da decisão de pronúncia é bem outro – 
 o da irrecorribilidade. Como se escreveu na decisão recorrida:
 
 «ela vai ao encontro da intenção legislativa no sentido de se evitar dilatação 
 processual quando já há uma confirmação judicial dos factos criminalmente 
 relevantes imputados ao arguido (uma espécie de “dupla conforme”), devendo 
 entender-se que quando se fala em acusação do Mº Pº tem-se em vista quer a sua 
 acusação isolada, quer aquela que se limita a acompanhar a acusação particular 
 do assistente.»
 No Acórdão n.º 610/96 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 
 
 33, pp. 841-848), deu-se conta da razão de ser dessa irrecorribilidade:
 
 «este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento na existência de 
 indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo: pelo 
 Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de instrução. E o 
 Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma magistratura 
 autónoma (artigo 221º, n.º 2, da Constituição), sendo concebido, no processo 
 penal, como um sujeito isento e objectivo, que pode, nomeadamente, determinar o 
 arquivamento do inquérito em caso de dispensa de pena, propugnar, findo o 
 julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão condenatória 
 em exclusivo benefício do arguido [artigos 280º, n.º 1, e 53º, n.º 2, alínea d), 
 do Código de Processo Penal; cf. Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais 
 no novo Código de Processo Penal”, O Novo Código de Processo Penal, ob. col., 
 
 1988, pp. 22 e ss. e 31].»
 Assim, o princípio constitucionalmente aceite é – como se repetiu, por exemplo, 
 no Acórdão n.º 265/94 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 
 
 27, pp. 751-762) –, o de que a garantia do duplo grau de jurisdição só existe 
 quanto às decisões penais condenatórias e quanto às decisões penais respeitantes 
 
 à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer 
 direitos fundamentais. Retomando o já citado acórdão n.º 30/01:
 
 «Sempre se entendeu, portanto, na jurisprudência do Tribunal Constitucional que 
 a faculdade de recorrer em processo penal constitui uma tradução da expressão do 
 direito de defesa, correspondendo mesmo a uma imposição constitucional a 
 consagração do recurso de sentenças condenatórias ou de actos judiciais que 
 durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou 
 de outros direitos fundamentais, mas sempre se recusou que a Constituição 
 impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos em processo penal.
 Não o impunha antes, nem o impõe depois da revisão de 1997, onde o segmento 
 aditado ao artigo 32º, n.º 1, apenas explicita o que a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional já entendia compreendido nas “garantias de defesa em 
 processo penal”. 
 Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, hoje consagrado 
 de modo expresso no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, deve continuar a 
 entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas garantias o 
 exijam – o que, pelas razões apontadas nos anteriores acórdãos deste Tribunal, 
 não compreende necessariamente a impugnação do despacho de pronúncia.»
 Como se vê, conclui-se, portanto, que a questão de constitucionalidade relevante 
 nestes autos se perfila de forma análoga à das citadas decisões precedentes do 
 Tribunal Constitucional, devendo merecer solução idêntica – a da não 
 inconstitucionalidade do artigo 310º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de ser irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar 
 o arguido pelos factos constantes da acusação particular, quando o Ministério 
 Público acompanhar essa acusação –, mediante remissão para a sua fundamentação.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 310º do 
 Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a 
 decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação 
 particular, quando o Ministério Público acompanhe tal acusação;
 b) Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida 
 no que se refere à questão de constitucionalidade.
 c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta.
 
  
 
  
 
                             Lisboa,  15  de  Fevereiro  de 2005
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos