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Processo n.º 249/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
    Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
  
 
    1 – A., S.A., reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 4 do art.º 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 versão, do despacho do relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu 
 não admitir o recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional de 
 acórdão da mesma relação que, por seu lado, negara provimento ao recurso 
 jurisdicional interposto de sentença do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de 
 Lisboa que negou parcialmente provimento ao recurso de impugnação judicial de 
 coima aplicada à recorrente e outras arguidas por banda da Autoridade para a 
 Concorrência.
 
  
 
    2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante discorre do seguinte jeito:
 
  
 
 «1- Quanto à substância, a decisão de rejeição do recurso assenta na 
 consideração de a reclamante não ter suscitado, “nomeadamente nas páginas 4, 5, 
 
 9 e 10 da sua motivação, que expressamente indica, qualquer 
 inconstitucionalidade normativa (art. 70º, nº 1, alínea b), da LTC), apenas 
 tendo imputado esse vício à própria sentença (...).» (cf. douta decisão 
 reclamada a fls. 4147 dos autos). 
 
 2- Falece, porém, razão à decisão assim tomada. 
 
 3- Com efeito, embora, in casu, estejamos perante um recurso interposto ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70° da Lei 28/82, de 15/11 
 
 (LTC) – que determina que o interessado nessa forma de impugnação deva ter 
 suscitado, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade normativa, por 
 um lado, e que a norma tenha sido aplicada na decisão que se pretende combater 
 através do recurso para o Tribunal ad quem, por outro – não se esgota no domínio 
 literal desta base legal a possibilidade de interposição de recurso. 
 
 4- Efectivamente, tem sido entendimento do Tribunal ad quem de que se encontra 
 também preenchido tal requisito da invocação da inconstitucionalidade, nos casos 
 em que a situação de desconformidade com Constituição da República Portuguesa 
 
 (C.R.P.) é suscitada pelo recorrente em relação à forma de interpretação da 
 norma feita pelo Tribunal a quo, conforme jurisprudência defendida em vários 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional. 
 
 5- Ora, no caso em apreço, a reclamante suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade da interposição das normas dos artigos 374°, nº 2 e 375º, 
 nº 1 do C. P. Penal; 41°, nº 1 do D.L. nº 433/82 de 27/10 (versão actualizada) e 
 
 22° e 44° da Lei nº 18/2003, de 11/06, por desconformidade com a norma contida 
 no artigo 205°, n°1 da C.R.P. 
 
 6- Tal suscitação teve lugar nas páginas 4 e 5 da Motivação de Recurso 
 apresentada pelo reclamante no Tribunal recorrido. 
 
 7- E a interpretação do identificado complexo normativo adoptado pelo Tribunal a 
 quo foi considerada violadora da norma constitucional que se indicou por, no 
 mínimo, interpretar restritivamente aquele complexo normativo. 
 
 8- Daí resultando que a sentença não diga, como devia, em termos de se conhecer 
 qual foi o seu itinerário cognoscitivo e valorativo, se o sentido favorável, 
 referido no arte 22 da aludida Motivação, se repercutiu e em que medida, na 
 dosimetria da sanção aplicada in casu. 
 
 9- O que, repete-se, manifestamente conflitua com a norma do nº 1 do art. 205° 
 da C.R.P. 
 
 10- Na mesma sede de Motivação de Recurso, também se suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade da interpretação do artigo 43°, nº 1, alínea a) da Lei 
 
 18/2003, de 11/06, por violar o princípio Constitucional da igualdade, 
 consagrado normativamente no art. 13° da C.R.P. 
 
 11- Suscitação que tem lugar nas páginas 9 e 10 dessa Motivação. 
 
 12- Entende a reclamante que a interposição dada pelo Tribunal a quo à norma 
 daquele artigo 43°, nº 1, alínea a) da Lei 18/2003, de 11/06 é uma interposição 
 declarativa lata que, designadamente pelo alegado de 55. a 62. da Motivação 
 apresentada pela ora reclamante, viola, insiste-se, aquele princípio da 
 igualdade, constitucionalmente consagrado, e por mor disso trata de modo igual 
 aquilo que é desigual, com prejuízo claro para a reclamante. 
 
 13- Sendo certo que a interpretação inconstitucional, pelo Tribunal a quo, das 
 normas elencadas em 5. e 10. desta reclamação se verificou em concreto no 
 processo. 
 
 14- Em manifesta violação, respectivamente, da norma do nº 1 do art. 205° da 
 C.R.P. e do princípio constitucional plasmado no art. 13° da Lei Fundamental. 
 
 15- E que tais normas, alvo dessa interpretação inconstitucional, foram 
 aplicadas na decisão de que intenta recorrer. 
 
 16- Assim, por tudo o que se veio de expor e tendo em consideração a dimensão 
 normativa dos supra identificados preceitos, sublinha-se que não se pretende 
 imputar inconstitucionalidade à decisão do Tribunal a quo. 
 
 17- Mas sim à interpretação que essa decisão deu àqueles citados preceitos. 
 
  
 II
 
 18- A decisão de rejeição do recurso assenta, por outra banda, no facto de, 
 alegadamente, ter sido o respectivo requerimento de interposição de recurso 
 apresentado depois do termo do prazo para tanto estabelecido legalmente (art. 
 
 75°, n°1, da L.T.C). 
 
 19- Entende a reclamante que tal intempestividade não se verificou. 
 
 20- Efectivamente, a reclamante recebeu notificação, datada de 08/11/2007, do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, dando-lhe conhecimento do Acórdão contendo a 
 decisão de mérito da causa. 
 
 21- Em 23/11/2007, a co-arguida e recorrente “B., Lda requereu àquele Tribunal 
 da Relação que procedesse à rectificação de erros materiais contidos naquele 
 Acórdão, sendo disso o reclamante notificado pelo Tribunal da Relação em 
 
 26/11/2007. 
 
 22- Em 13/12/2007, a reclamante é notificada pelo mesmo Tribunal da Relação do 
 Acórdão por este proferido, no qual procede à correcção de lapsos e erros no 
 Acórdão de mérito da causa. 
 
 23- O Acórdão corrigido contivera erros e lapsos cuja eliminação não importou 
 modificação essencial (cf. art. 380°, nº 1, al. b) de C.P. Penal), e sem 
 relevância para caber no art. 410°, nº 2 do C. P. Penal. 
 
 24- Por via do requerimento de rectificação referido em 21. desta reclamação, o 
 prazo para recurso do começa a correr depois de notificada a decisão proferida 
 tal requerimento de rectificação (cf. anotação 2, alínea h) ao art. 380° e 
 anotação 2 ao art. 411°, ambos do C. P. Penal, PAULO PINTO ALBUQUERQUE in 
 
 “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da 
 Convenção dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, págs. 950, 1125 
 e 1126) 
 
 25- Sendo certo que esta última notificação, repete-se, foi feita à reclamante 
 pelo Tribunal da Relação em 13/12/ 2007. 
 
 26- O prazo para interpor recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias. 
 
 27- Houve uma interrupção do prazo, decorrente das férias judiciais, que começou 
 em 22/12/2007 e acabou em 03/01/2008. 
 
 28- A ora reclamante deu entrada, nos C., S.A., em 08/01/2008, do seu 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 29- Pelo exposto, consideradas que sejam as regras legais de contagem dos prazos 
 aplicáveis in casu (art. 103° nº 1 do C. P. Penal), só se pode constatar que a 
 reclamante apresentou tempestivamente o seu requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 30- É facto adquirido que no caso presente se verificou prévio esgotamento dos 
 meios ordinários de recurso quanto à decisão ora em crise e sub judice. 
 
  
 Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser 
 admitido o recurso.». 
 
    
 
    3 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 
  
 
 «Os recursos interpostos nestes autos para o Tribunal da Relação de Lisboa foram 
 apreciados pelo acórdão neles proferido no dia 7 de Novembro de 2007 (fls. 4065 
 a 4106). 
 Esse acórdão foi notificado aos recorrentes por via postal registada expedida no 
 dia seguinte (fls.4109 e 4110). 
 Essa notificação presume-se efectuada no dia 13 de Novembro (artigo 113°, nº 2, 
 do Código de Processo Penal). 
 Uma vez que não era admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (artigo 75°, nº 1, do RGIMOS), não foi tempestivamente interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional (artigo 75°, nº 1, da LTC) e não foi, no prazo de 10 
 dias (artigo 105°, nº 1, do Código de Processo Penal), exercido qualquer dos 
 direitos conferidos pelo artigo 380° do Código de Processo Penal ou arguida a 
 nulidade do acórdão (artigo 379° do mesmo diploma e artigo 668°, nº 3, do Código 
 de Processo Civil), é claramente intempestiva a arguição de nulidades feita 
 através do requerimento remetido a este tribunal pela “B.” no dia 10 de Janeiro 
 de 2008. 
 Tal como dissemos no acórdão proferido no dia 12 de Dezembro (fls. 4122 a 4128), 
 e pelos fundamentos dele constantes, não se pode entender que o requerimento 
 sobre o qual o mesmo versou consubstancie o exercício do direito de correcção da 
 sentença previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 380° do Código de Processo 
 Penal, não tendo, por isso, esse requerimento interrompido o prazo para a 
 prática dos mencionados actos processuais. 
 Assim sendo, o acórdão proferido no dia 7 de Novembro já transitou em julgado. 
 Não há, portanto, que apreciar o requerimento de fls. 4141 a 4144 apresentado 
 pela “B.”. 
 Notifique. 
 
  
 Fls. 4134: uma vez que, pelo que se referiu, o requerimento de interposição do 
 recurso foi apresentado depois do termo do prazo para tanto estabelecido 
 legalmente (art. 75°, nº 1, da LTC) e porque a sociedade “A.” não suscitou, 
 nomeadamente nas páginas 4, 5, 9 e 10 da sua motivação, que expressamente 
 indica, qualquer inconstitucionalidade normativa [art. 700, nº 1, alínea b), da 
 LTC], apenas tendo imputado esse vício à própria sentença, não admito o recurso 
 por ela interposto para o Tribunal Constitucional (art. 76° da LTC). 
 
    Notifique.».
 
  
 
    4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional pronunciou-se, no 
 seu parecer, pelo indeferimento da reclamação com base nos mesmos fundamentos em 
 que se abonou a decisão reclamada, dizendo:
 
  
 
 «A jurisprudência constitucional vem entendendo, de forma reiterada, que a 
 suscitação pela parte, perante o Tribunal “a quo”, de incidentes pós-decisórios 
 anómalos, não legalmente previstos, não “prorroga” o prazo de 10 dias para 
 interpor o recurso de fiscalização concreta da decisão originariamente 
 proferida: é, porém, duvidoso que se possa reconduzir a esta situação o caso em 
 que a parte vem requerer a rectificação de lapsos de escrita, constantes da 
 decisão reclamada – pretensão esta que, apesar da manifesta irrelevância de tais 
 lapsos materiais, acabou por ser deferida pela Relação.
 De qualquer modo, subsiste inteiramente o segundo fundamento apontado no 
 despacho reclamado para a rejeição do recurso: não ter obviamente suscitado a 
 sociedade recorrente, no âmbito das conclusões da motivação de recurso, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto 
 idóneo do recurso endereçado a este Tribunal Constitucional. Tal circunstância 
 determina naturalmente a manifesta improcedência da presente reclamação.».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
    5.1 – Como resulta do relatado, a decisão ora reclamada não admitiu o recurso 
 de constitucionalidade com base em dois fundamentos autónomos: por um lado, 
 porque o prazo da sua interposição se havia já esgotado e, por outro, porque a 
 reclamante não suscitara, no recurso interposto para a Relação, qualquer questão 
 de constitucionalidade normativa.
 
    A resposta ao problema da tempestividade do recurso de constitucionalidade 
 depende da posição que se tome quanto à questão de saber se deverá tomar-se como 
 incidente pós-decisório que seja enquadrável na alínea b) do n.º 1 do art.º 
 
 380.º do Código de Processo Penal o requerimento de rectificação do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, pretendido recorrer, de 7 de Novembro de 2007, 
 que foi apresentado não pela agora reclamante mas por uma co-arguida – a B., 
 L.da. 
 
    Na verdade, a entender-se que tal requerimento não consubstancia o direito 
 previsto em tal preceito, como ajuizou a decisão ora reclamada, e mesmo a 
 admitir-se que o exercício desse direito aproveite ao co-arguido que o não 
 apresentou, teria sempre de concluir-se pela sua extemporaneidade, por 
 ultrapassado o prazo de 10 dias estabelecido no art.º 75.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro (LTC) para a interposição do recurso de 
 constitucionalidade, mesmo descontadas as férias judiciais do Natal.
 
    Não se torna, todavia, necessário tomar posição nessa questão: é que a 
 reclamação sempre improcede com base no outro fundamento alternativo da decisão 
 reclamada.
 
  
 
    5.2 – Estabelecem os art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70º, n.º 1, 
 alínea b), da LTC que cabe recurso, para o Tribunal Constitucional, de decisões 
 dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo. 
 
    Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, constituem 
 pressupostos específicos do recurso interposto ao abrigo destes preceitos que a 
 norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão, ou o fundamento 
 normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a aplicação em concreto 
 da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada, em 
 tempo e por modo funcionalmente adequado, para que o tribunal recorrido pudesse 
 conhecer dela. 
 
    A exigência daquele requisito encontra a sua razão de ser na própria natureza 
 da função jurisdicional (aqui constitucional), dado que lhe cumpre apenas 
 conhecer e decidir de controvérsias concretas e não de situações apenas 
 académicas: se a norma cuja validade constitucional se questiona não serviu de 
 fundamento à decisão, nunca a pronúncia sobre a sua eventual 
 inconstitucionalidade poderia ter quaisquer reflexos jurídicos sobre a decisão, 
 permanecendo-lhe estranha. 
 
    Cabe, por outro lado, acentuar, que o objecto desse recurso constitucional só 
 pode ser constituído por normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi 
 da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, 
 publicado no DR II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, 
 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 6.ª edição, p. 924). 
 
    O recurso de constitucionalidade, tal como foi gizado pelo legislador 
 constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas - 
 tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e 
 princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como 
 suporte normativo da concreta decisão proferida. 
 
    Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos 
 na ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios 
 constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e 
 despachos), os actos administrativos e os actos políticos. 
 
    Deste modo, não pode, no recurso de constitucionalidade, sindicar-se a 
 correcção jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça, 
 directamente, das normas de direito infraconstitucional e das normas e 
 princípios constitucionais. 
 
    A violação directa das normas e princípios constitucionais pela decisão 
 judicial, atenta a circunstância de não vigorar, entre nós, o meio 
 constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos 
 recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.
 
    Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que ver com o sistema 
 de fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa Lei 
 Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso (cf. José Manuel M. 
 Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e 
 actualizada, 2007, pp. 31 e segs.). 
 
    Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido 
 suscitada durante o processo. 
 
    A suscitação, durante o processo, tem sido entendida, de forma reiterada pelo 
 Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em 
 que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu 
 poder jurisdicional (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no 
 Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 13 de Julho de 2000, Boletim do Ministério da Justiça – BMJ – 499º, 
 p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, 
 publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, 
 p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., p.559; n.º 155/00, 
 publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000). 
 
    Mas, por outro lado, o ónus de suscitação da constitucionalidade, durante o 
 processo, tem ainda uma outra vertente. 
 
    É que a questão de constitucionalidade da norma cuja apreciação se requer ao 
 Tribunal Constitucional por via do recurso tem de ser colocada ao tribunal 
 recorrido em termos de este saber que tem de apreciar e decidir essa concreta 
 questão de constitucionalidade, o que implica, que a questão seja colocada ao 
 tribunal recorrido, em termos perceptíveis (cfr., acórdão n.º 178/95, publicado 
 nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p. 1118). 
 
    A este respeito, escreveu-se no acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da 
 República II Série, de 10 de Janeiro de 1995) que «a exigência de um cabal 
 cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da 
 questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma 
 secundária”. 
 
    É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva 
 pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal 
 Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e 
 não a um primeiro julgamento de tal questão.». 
 
    Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao tribunal 
 recorrido, em termos de este saber que tem essa concreta questão de 
 constitucionalidade para resolver. Donde resulta que o questionante tenha de 
 colocar, em termos perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade 
 jurídica cuja validade constitucional controverte. 
 
  
 
    5.3 – Ora, examinando as alegações da reclamante para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, condensadas na respectiva síntese conclusiva, constata-se que esta 
 não questionou, sob o prisma de constitucionalidade, nenhuma norma que viesse a 
 constituir fundamento normativo do decidido.
 
    Na verdade, nessas conclusões, a recorrente concluiu do seguinte jeito:
 
  
 
  
 
 «I-               No seu recurso de impugnação judicial a recorrente alegou que 
 era uma empresa conceituada como reconhecido pela distinção que lhe fora 
 conferida pelo poder autárquico do território onde se encontra sedeada. 
 II-                A douta sentença não conheceu de tal realidade factual, nem a 
 valorou como circunstância a qualquer título relevante. 
 III-              E deveria tê-la conhecido e apreciado, pois que tem relevância 
 para a medida da sanção aplicada. 
 IV-               Assim, é nula, por esta vertente, a sentença sub judice 
 V-                                A sentença recorrida decidiu que não houve 
 violação, por parte das arguidas, do art. 81º do Tratado C.E., ao contrário do 
 que havia decidido a AdC e que tal deveria funcionar em “sentido favorável” a 
 elas. 
 VI-                             Mas a sentença não curou de dizer em como e em 
 que medida tal “sentido favorável” fundamentadamente presidiu à escolha e à 
 medida da sanção aplicada. 
 VII-                          Por isso, também por esta óptica, a douta sentença 
 padece do vício de nulidade e de inconstitucionalidade, por lhe falecer a 
 fundamentação devida. 
 VIII-                       Como esteio da sua alegação da figura do “estado de 
 necessidade” a recorrente indicou um conjunto de dados económicos numérica e 
 graficamente expressos, dados que nunca foram postos em causa nem pela AdC nem 
 pelo M.P. 
 IX-                             Tais dados, conjugados com as regras da 
 experiência comum consubstanciam argumentação capaz e cabal para sustentar a 
 posição defendida pela recorrente “estado de necessidade”. 
 X-                                Esses dados devem ainda ser somados com o que 
 provado se encontra nos pontos 63 e 81 da matéria de facto provada (pgs. 65 e 66 
 da sentença. 
 XI-                             Toda esta realidade, mesmo que se entenda que 
 aqui só tem aplicação o art. 35º, nº 2 do C. Penal, deveria ter determinado uma 
 atenuação especial da coima, o que o Tribunal não fez, tendo neste campo 
 decidido mal. 
 XII-                          A dita realidade (procura, impondo as suas 
 condições à oferta no negócio do sal) configura, na prática, uma situação de 
 
 “abuso de dependência económica”, também alegada pela recorrente no seu recurso 
 de impugnação judicial. 
 XIII-                       O “Acordo” em exame nestes autos surgiu e 
 desenvolveu-se num quadro económico do sector do sal em que as empresas 
 respectivas, entre as quais a recorrente, vinham acumulando resultados de 
 exercício negativos, em vista da actuação das chamadas “grandes superfícies” e 
 
 “centrais de compras” do comércio tradicional, as quais configuravam e 
 configuram uma situação de “abuso de dependência económica”. 
 XIV-                        Mesmo que tal situação, de per si, não justificasse 
 o acordo dos autos, por não estarem preenchidos os requisitos do art. 5º da L.C. 
 sempre deveria ser levado em linha de conta, considerando-se diminuta a culpa 
 das arguidas participantes no acordo, com o consequente impacto na respectiva 
 censurabilidade e na dosimetria sancionatória. 
 XV-                           E mal andou a Meritíssima Juíza a quo ao não ter 
 levado em linha de conta no sentido propugnado. 
 XVI-                        Foi exclusivamente quanto à mercadoria “sal” que foi 
 estabelecido o acordo dos autos, que terá motivado a contra ordenação em apreço.
 XVII-                     No que respeita ao ano de 2004 o volume de negócios da 
 recorrente respeitante ao sal, foi de € 5.436.188,74 correspondendo 10% deste 
 valor a € 543.618,87. 
 XVIII-                  O volume de negócios da recorrente, a considerar para 
 efeitos de medida da coima, deve reportar-se unicamente ao sal, pelo que deve o 
 art. 43°, nº 1 al. a) da L.C. ser interpretado restritivamente nesse sentido, 
 sob pena de a recorrente ficar prejudicada relativamente às suas co-arguidas, 
 pondo-se em crise o princípio constitucional da igualdade, pois que quanto a 
 elas não resultou provado que negociassem com outro produto para além do sal. 
 XIX-                        Deve ser assim, aplicada coima recorrente que não 
 exceda o montante de € 27.180,94, considerando o que se diz no artigo 71 das 
 alegações do recurso de impugnação judicial, o que tudo aqui se dá por 
 reproduzido, por economia processual. 
 XX-                           A sentença labora em erro ao calcular o benefício 
 económico obtido alegadamente pela recorrente com o acordo, fazendo-o 
 corresponder às compensações recebidas. 
 XXI-                        As empresas arguidas, mesmo quando recebiam as 
 penalizações/compensações ficavam prejudicadas, pois perdiam quotas de mercado e 
 os custos fixos da empresa, em função das quantidades vendidas, aumentavam. 
 XXII-                     Só com uma perícia aos elementos 
 económico-contabilisticos da recorrente e co-arguidas se poderia, efectivamente, 
 ter apurado com certeza e segurança e tal não foi feito. 
 XXIII-                  Não pode, assim, o benefício económico, entendido como 
 foi pelo Tribunal, funcionar como critério de determinação da medida da coima 
 contra a recorrente e co-arguidas, pois que tal violaria o princípio da 
 presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo, o que está 
 constitucionalmente consagrado. 
 XXIV-                  Não deve ser considerada circunstância agravante para a 
 recorrente o facto de ter iniciado o acordo, pois que não teve uma posição de 
 liderança no funcionamento do mesmo, como vem reconhecido na sentença e ipso 
 facto não poderá tal “Agravante” ser tida em conta na medida da coima. 
 XXV-                     Não se provou que durante o período de vigência do 
 acordo tivesse havido aumentos dos preços do sal; que tenha havido efeitos no 
 sector da extracção de sal limitando aí as aquisições; não se provou que as 
 arguidas fossem responsáveis por cerca de 75% a 90% das vendas de sal por grosso 
 em território nacional; nem se provou que o poder de negociação delas face aos 
 seus clientes passasse para as mesmas percentagens no mercado do sal. 
 XXVI-                  Continuou no dito período a haver concorrência e 
 importações de sal. 
 XXVII-               O mercado do sal continuou a funcionar e não foi 
 demonstrado que tenha sido afectado de forma sensível, o que afasta a prática da 
 infracção ao art. 4º, nº 1 da L.C.
 XXVIII-            Mesmo que assim não se entenda, o desvalor e danosidade da 
 conduta em apreço são diminutas e deveriam ter-se repercutido como tal na medida 
 da coima. 
 XXIX-                  A coima aplicada, de qualquer modo, é excessiva, sendo 
 exorbitante o valor da mesma, pelo que sempre deverá ser diminuída como atrás se 
 propugnou em conclusão. 
 XXX-                     O acordo – mesmo que entenda que violou o art. 4º, nº 1 
 da L.C. – teve carácter defensivo face à prática comercial das “Grandes 
 Superfícies/Grandes distribuidoras” e “Centrais de compras”, no campo da 
 procura, o que retira, ou diminui drasticamente, a censurabilidade à conduta da 
 recorrente. 
 XXXI-                  A decisão a quo violou o disposto nos art°s 374º, nº 2 e 
 
 375º, nº 1 e 379º do C. P. Penal; art°s 4º, nº 1, 43º, nº 1 e 44º da L.C.; art°s 
 
 18º, nº 1, 32º e 44º, nº 1 da R.G.C.O.; art°s 35, nº 2 e 71º e 72º do C. Penal e 
 art°s 13º, 32º, nºs 2 e 10 e 205º, nº 1 da C.R.P., 
 XXXII-               O art. 43º, nº 1 da L.C. devia ter sido interpretado 
 restritivamente in casu, quanto à recorrente, no sentido de que o “volume de 
 negócios” ali referido só se reportava ao “sal”.».
 
  
 
    Posteriormente, veio a recorrente dizer mais o seguinte:
 
  
 
 «A., SA., recorrente nestes autos, onde melhor identificada está, apercebendo-se 
 agora que, por lapso, não formulou expresse a conclusão que, aliás, já estava 
 implícita e era decorrência das demais conclusões, vem agora em aditamento 
 formulá-la expressamente como segue, devendo ser acobertada sob o número XXXIII: 
 
 
 
 “Devem ser decretadas as nulidades e a inconstitucionalidade apontadas à 
 sentença nas precedentes conclusões (IV e VII, notadamente); mesmo que não se 
 entenda que a decisão é nula e inconstitucional, deve, de qualquer modo ser a 
 mesma revogada e substituída por outra que reconheça que não houve infracção ao 
 art. 4º, nº 1 da LC ou, caso também assim não se entenda, deve a coima aplicada 
 ser considerada excessiva e baixada para € 27.180,94, o que tudo se requer com 
 as legais consequências”.».
 
  
 
    Nesta argumentação, a reclamante não questiona a constitucionalidade, por 
 violação de quaisquer normas ou princípios constitucionais, das normas jurídicas 
 que constituíram a ratio decidendi da decisão pretendida recorrer, mas antes 
 apoda a inconstitucionalidade ou a violação de princípios constitucionais à 
 própria decisão judicial em si mesma, maxime, ao seu momento subsuntivo perante 
 o sistema legal, como bem nota o despacho ora reclamado.
 
    Sendo assim, a reclamação não pode proceder.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
    6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa de 
 justiça em 20 UCs.
 Lisboa, 2 de Abril de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos