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Processo nº 436/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
           
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Cível do Porto, em que é recorrente o 
 Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 28 de 
 Março de 2008.
 
 2. A. requereu junto da segurança social a concessão do benefício do apoio 
 judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e dos 
 demais encargos do processo e pagamento da remuneração do solicitador de 
 execução designado para intervir no âmbito de processo executivo a correr 
 termos. 
 A concessão do benefício foi deferida na modalidade de pagamento faseado da taxa 
 de justiça e demais encargos com o processo, pelo que o requerente impugnou 
 judicialmente esta decisão.
 
  
 
 3. Em 28 de Março de 2008, o tribunal recorrido decidiu:
 
  
 
 «a) Recusar a aplicação do anexo à Lei 34/2004 de 29/07 conjugado com os artigos 
 
 6° a 10º da Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela Portaria 288/2005 
 de 21/03, na parte em que determina que seja considerado para efeitos do cálculo 
 do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, o 
 rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem 
 permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente em função 
 dos seus rendimentos e encargos, por violação do direito ao acesso ao direito e 
 aos tribunais consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
 b) Julgar procedente o recurso interposto e consequentemente conceder-se ao 
 requerente A. o benefício do apoio judiciário na modalidade de total dispensa de 
 taxa de justiça e demais encargos com o processo».
 
  
 
 É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
 
  
 
 «Como fundamento deste recurso, alegou o requerente que face à sua situação 
 económica em concreto, a Segurança Social deveria ter recorrido ao dispositivo 
 legal previsto no n.° 2 do artigo 20°, afastando os critérios definidos no anexo 
 
 à Lei 34/04, por forma a ser-lhe concedido o benefício do apoio judiciário.--- 
 A faculdade a que alude o requerente está prevista para a Segurança Social em 
 sede de fase administrativa do procedimento em análise, momento em que então 
 prevê a Lei directamente a possibilidade de ser afastada a aplicação dos 
 critérios previstos no Anexo à Lei 34/04, para aferir da situação de 
 insuficiência económica do requerente em concreto, através do recurso a uma 
 Comissão para o efeito constituída expressamente.
 Tal possibilidade não está todavia prevista na Lei em sede de recurso, por via 
 judicial, sendo que então se deve apreciar a insuficiência económica alegada 
 pelo requerente, de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em Anexo 
 
 à Lei 34/04 (e Portaria 1085-A/04 de 31/08 que veio concretizar tais critérios, 
 alterada pela Portaria n.° 288/05 de 21/03), que o requerente através deste 
 recurso pretende sejam afastados.
 O recurso a estes critérios legais estabelecidos através de fórmulas 
 matemáticas, impossibilitam o tribunal de aferir em concreto da situação 
 económica do requerente do benefício do apoio judiciário.
 Nos termos do artigo 20° da CRP, “1- A todos é assegurado o acesso ao direito e 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, 
 não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”.---
 A garantia constitucionalmente consagrada de acesso ao direito a todas as 
 pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, 
 liberdades e garantias. Direito este a ser concretizado através das leis, 
 sobretudo processuais. Dependendo pois da estrutura processual global 
 concretamente instituída a efectividade de muitos direitos, liberdades e 
 garantias (cfr. Direito Constitucional, Prof. Gomes Canotilho, 4 ed. p. 772).
 Sendo o acesso aos tribunais o meio de defesa por excelência dos direitos 
 referidos no artigo 20° da Const., constituem os tribunais a instância última de 
 defesa da liberdade e dignidade dos cidadãos (cfr. Prof. José Vieira de Andrade, 
 in “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 3 ed., p. 
 
 368/369).
 O princípio do acesso ao direito pretende garantir assim não só o reconhecimento 
 da possibilidade da defesa sem lacunas como também o exercício efectivo deste 
 direito, que se pode traduzir por exemplo e no que ora interessa no direito a 
 litigar com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, 
 incluindo pagamento da remuneração do solicitador de execução nomeado.
 Sendo certo que todos os actos normativos devem estar em conformidade com a 
 Constituição (cfr. artigo 3° n.° 3 da CRP), temos como consequência que toda a 
 norma que viole os preceitos constitucionais é inconstitucional.
 Para efeitos de se controlar a não inconstitucionalidade de um acto normativo “é 
 a Constituição no seu todo – tanto, pois, no que toca às suas regras de 
 competência e de procedimento legislativo, como aos seus princípios materiais e 
 aos valores nestes incorporados – que é tomada como padrão do julgamento de 
 constitucionalidade” (cfr. Cardoso da Costa, “A Justiça Constitucional no quadro 
 das funções do Estado”, p. 51 citado por Fernando Amâncio Ferreira in “Manual 
 dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., p. 389).
 
 É de natureza material a inconstitucionalidade quando se infringem os princípios 
 materiais incorporados na Constituição (os vícios materiais são vícios das 
 disposições), orgânica quando se desrespeitam normas de competência nela 
 estabelecidas, e é formal quando se transgridem regras de forma ou de 
 procedimento por ela definidas (cfr. o mesmo autor, p. 390).---
 Tecidos estes considerandos, e tendo presente a garantia efectiva de acesso aos 
 tribunais a todos consagrada no artigo 20° da CRP, impõe-se analisar a não 
 inconstitucionalidade material do Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os artigos 
 
 6° a 10° da Portaria n.° 1085-N2004, alterada pela Portaria 288/2005 de 
 
 21/03.---
 Nos termos do artigo 1° da Lei 34/04 de 29/07/04, o sistema de acesso ao direito 
 e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou 
 impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de 
 meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. 
 Compreendendo o acesso ao direito a informação jurídica e a protecção jurídica, 
 revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário 
 
 (cfr. artigos 2° n.° 2 6° n.° 1 da cit. Lei).---
 Definindo quem tem direito à protecção judiciária, dispõe o artigo 7° n.° 1 da 
 mesma Lei que a esta têm direito (...) os cidadãos que demonstrem estar em 
 situação de insuficiência económica. Esclarecendo o artigo 8° que se encontra em 
 situação de insuficiência económica aquele que tendo em conta factores de 
 natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições 
 objectivas de suportar pontualmente os custos de um processo.
 Sendo a prova e a apreciação da insuficiência económica feitas de acordo com os 
 critérios estabelecidos em anexo à presente Lei (n.° 5 deste artigo 8° e n.° 1 
 do artigo 20°).---
 Neste anexo por sua vez é dito que a insuficiência económica é apreciada pelo 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar do 
 requerente, nos termos que aí são indicados no n.° 1. Definindo-se ainda, no n.° 
 
 3 do ponto 1 do Anexo que para efeitos desta lei se considera pertencerem ao 
 mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente 
 de protecção jurídica.
 Visando concretizar os critérios de prova e de apreciação da insuficiência 
 económica foi publicada a Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela 
 Portaria n.° 288/2005 de 21/03, onde e para além do mais foi concretizada a 
 fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção 
 jurídica a que se refere o critério de avaliação da insuficiência económica do 
 requerente previsto na Lei, nos termos dos artigos 6° a 10° desta Portaria.
 Por base tendo sempre o rendimento líquido completo do agregado familiar. 
 Resultando este da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (ou 
 seja o rendimento depois do imposto sobre o rendimento, das contribuições 
 obrigatórias dos empregados para os regimes da segurança social e das 
 contribuições dos empregadores para a segurança social) com o montante da renda 
 financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado 
 familiar.
 Da conjugação destes normativos resulta que a concessão da protecção jurídica 
 passou a depender do valor do rendimento relevante para esses efeitos, 
 determinado a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o 
 requerente desta protecção jurídica e independentemente de este auferir em 
 concreto um qualquer rendimento, ou ainda de em concreto ele ter de suprir 
 outras despesas que tal fórmula não prevê sejam consideradas. É o caso dos 
 autos, em que fruto da aplicação de tais fórmulas matemáticas, para além de uma 
 penhora sobre o seu vencimento, viu-se o requerente obrigado, juntamente com sua 
 esposa a pagar, pelo menos, em 2 processos o montante de 60 € em cada processo 
 
 (60 € para cada cônjuge) num total de 240 € mensais.
 Para além de que mesmo em relação às despesas que a fórmula prevê sejam 
 consideradas, como é o caso da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar, resulta esta dedução também da aplicação de um coeficiente determinado 
 em função de diversos escalões de rendimento, implicando na prática a não 
 consideração directa do valor em concreto que é despendido pelo agregado 
 familiar.
 Se levarmos em consideração o valor do rendimento mensal líquido deste agregado 
 
 – no montante de € 795,37 -, deduzido do valor pago mensalmente de renda de casa 
 
 – 284,00 € -, restam € 511,37, com os quais o requerente e sua esposa que 
 constitui o seu agregado familiar têm que fazer face às despesas básicas de 
 alimentação, saúde, água e luz, para além de vestuário.
 Note-se que desde 01/01/2007 o valor do salário mínimo nacional é de 403,00 
 
 €.---
 Temos assim de concluir que na prática, o modo de cálculo rígido imposto, sem 
 abrir a possibilidade de em concreto se aferir a situação económica do(s) 
 requerente(s), que bem pode(m) na prática não fruir de facto qualquer rendimento 
 do terceiro que integra a economia comum e que é o contribuinte do rendimento 
 para o agregado familiar, ou que na prática tem outros encargos obrigatórios, 
 não considerados na fórmula matemática de forma directa, que lhe não permitem 
 suportar as despesas com o processo judicial, manifestamente não garante o 
 acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios 
 económicos suficientes para suportar os encargos de uma demanda judicial, 
 violando-se, assim, o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao 
 direito a todas as pessoas para defesa da generalidade dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos (cfr. artigo 20° n.° 1 da C.R.P.). 
 De tudo o exposto decide-se não aplicar o anexo à Lei 34/2004 de 29/07 conjugado 
 com os artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085-A/2004 de 31/08, alterada pela 
 Portaria 288/2005 de 21/03, na parte em que determina que seja considerado para 
 efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio 
 judiciário, o rendimento do seu agregado familiar calculado nos termos aí 
 rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica 
 do requerente, por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais 
 consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa. 
 Considerando-se como factualidade assente, face à prova documental oferecida nos 
 autos que o requerente tem um agregado familiar composto por si e sua esposa; 
 que no vencimento do requerente é descontado o valor mensal de € 21,85 € a 
 título de desconto judicial pelo que este recebe mensalmente 397,57 € líquidos 
 
 (fls. 107); que sua esposa recebe de subsídio de desemprego o valor de 397,80 € 
 mensais (fls. 108); que o requerente e sua esposa pagam de renda de casa 
 mensalmente a quantia de € 284,00 (fls. 107), ficando com o restante para fazer 
 face às necessidades básicas do seu agregado familiar composto por duas pessoas, 
 sem esquecer que o requerente e sua esposa requereram o benefício do apoio 
 judiciário em outros processos, incluindo o ora em apreciação, em todos tendo 
 sido decidido face aos seus rendimentos estarem obrigados ao pagamento faseado 
 da taxa de justiça no valor de, pelo menos, e em conjunto, de € 240,00, mensais, 
 temos como certo que a decisão, no que agora nos diz respeito no âmbito deste 
 apenso proferida é violadora do acesso ao direito e aos tribunais por parte do 
 requerente, já que o mesmo se encontra na verdade em situação de efectiva 
 insuficiência económica, a justificar a concessão do benefício do apoio 
 judiciário na modalidade por si requerida.
 Assim sendo, deve concluir-se pela procedência da impugnação deduzida, 
 concedendo ao requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade 
 pretendida, ou seja na modalidade de total dispensa de taxa de justiça e demais 
 encargos com o processo. Já não do pagamento de remuneração do solicitador de 
 execução, por este não ter nos autos sido designado, (já que a execução de que 
 estes autos são apenso se encontra pendente desde Setembro de 2002).
 Finalmente, diga-se que a presente decisão seguiu de perto a orientação adoptada 
 na Douta Sentença proferida pela 3.ª Vara Cível, 2.ªSecção, desta Tribunal, 
 referida nos autos, confirmada por Douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 
 
 23 de Janeiro de 2008 – proc. N.° 1055/07, 2. Secção, Acórdão n.° 46/2008, 
 relatado pelo Exmo. Snr. Juiz Conselheiro Mário Torres».
 
  
 
 4. Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação da norma cuja 
 aplicação foi recusada. 
 Notificado para alegar, o Ministério Público concluiu o seguinte:
 
  
 
 «1º
 
 É inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado 
 no artigo 20°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, o regime 
 estabelecido pelas normas constantes do Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os 
 artigos 6° a 10° da Portaria n° 1085-A/04 (alterada pela Portaria n° 288/05), 
 interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado, para efeitos de 
 cálculo do rendimento relevante do requerente do beneficio de apoio judiciário, 
 o rendimento do seu agregado familiar, nos termos aí rigidamente impostos, sem 
 permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente, em função 
 das suas despesas concretas. 
 
 2º
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida».
 
  
 
 5. Notificado, o recorrido não contra-alegou.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, 
 alterada pela Portaria nº 288/2005, de 21 de Março, na parte em que determina 
 que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do 
 requerente do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado 
 familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da 
 real situação económica do requerente em função dos seus rendimentos e encargos, 
 por violação do direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no 
 artigo 20° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 Por força do disposto no nº 5 do artigo 8º e no nº 1 do artigo 20º da Lei nº 
 
 34/2004 (Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a 
 ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, 
 relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfonteiriços através do 
 estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito 
 desses litígios), a prova e a apreciação da insuficiência económica do 
 requerente de protecção jurídica deve ser feita de acordo com os critérios 
 estabelecidos e publicados em anexo àquela lei. 
 Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
 
  
 
 «I – Apreciação da insuficiência económica
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº 
 
 1 do artigo 16º da presente lei» (itálico aditado).
 
  
 Por seu turno, os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004 (na redacção dada 
 pela Portaria nº 288/2005) que procede à concretização dos critérios de prova e 
 de apreciação da insuficiência económica, têm o seguinte conteúdo:
 
  
 
 «SECÇÃO II
 Apreciação do requerimento
 Artigo 6.º
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC–A.
 
 2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 Artigo 7.º
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
 1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
 
 2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores 
 para a segurança social.
 
 3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no 
 artigo 10.º da presente portaria.
 Artigo 8.º
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
 2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 
 (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 
 
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
 3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) 
 resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos 
 diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
 Artigo 9.º
 Cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos
 de protecção jurídica
 
  
 O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado 
 nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III 
 desta portaria.
 
  
 Artigo 10.º
 Cálculo da renda financeira implícita
 
 1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 
 
 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor 
 dos activos patrimoniais do agregado familiar.
 
 2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao 
 valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o 
 requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou 
 no 2.º semestre do ano civil em curso.
 
 3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o 
 declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz 
 predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
 
 4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 
 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita 
 medida desse excesso.
 
 5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que 
 resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do 
 requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
 
 6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
 
  
 A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal 
 Cível do Porto, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, que dispõe o seguinte:
 
  
 
 “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada 
 por insuficiência de meios económicos” (itálico aditado).
 
  
 
 2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes 
 autos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 98/2004 (Diário da 
 República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte: 
 
  
 
 «O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, 
 seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos 
 nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo 
 
 20º nº 1, da Constituição.
 Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do 
 referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja 
 adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que 
 carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, 
 designadamente custas e honorários forenses». 
 
  
 O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do 
 instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que 
 integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que 
 carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e 
 honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à 
 dimensão “prestacional” da garantia fundamental do acesso ao direito e aos 
 tribunais, que se concretiza no “dever de o Estado assegurar meios (como o apoio 
 judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios 
 económicos” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91, Diário da República, 
 II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao 
 artigo 20º, ponto VI).
 
  
 
 3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o 
 Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei nº 41/87, 
 de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do 
 regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma 
 regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando-o a 
 partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de 
 protecção jurídica, esta última nas modalidades de consulta jurídica e de apoio 
 judiciário (artigos 1º, nºs 1 e 2, e 6º).
 Muito embora esta configuração se tenha mantido (cf. artigos 1º, nºs 1 e 2, e 6º 
 da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 2, e 6º da Lei nº 34/2004, 
 de 29 de Julho), foram introduzidas alterações significativas através da Lei nº 
 
 30-E/2000, que atribuiu aos serviços de segurança social, retirando tal 
 competência aos tribunais, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio 
 judiciário (artigo 21º), e da Lei nº 34/2004, que inovou em matéria de 
 determinação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica.
 Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em 
 conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não 
 tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo 
 
 (cf. artigo 8º, nº 1, da Lei nº 34/2004) passou a depender do valor do 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8º, nº 5, e 
 
 20º, nº 1, e ponto 1. do Anexo da Lei nº 34/2004), determinado a partir do 
 rendimento do agregado familiar e das fórmulas previstas nos artigos 6º a 10º da 
 Portaria nº 1085-A/2004.
 A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de 
 protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20º, nº 
 
 2, da Lei de 2004 e 2º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia no 
 direito anterior (cf. artigos 7º, nº 1, 20º, nºs 1 e 2, e 23º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 387-B/87, artigos 7º, nº 1, e 20º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30-E/2000 
 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares aprovado 
 pela Portaria nº 1223-A/2000, de 29 de Dezembro).
 
  
 
 4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, 
 determinado a partir do rendimento do requerente e das fórmulas previstas na 
 Portaria que fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência 
 económica para a concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em 
 apreço nos presentes autos na alínea c) do nº 1 do ponto I do Anexo à Lei 
 
 34/2004 – concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado 
 previsto na alínea d) do nº1 do artigo 16º desta Lei – o tribunal recorrido 
 desaplicou o Anexo à Lei nº 34/2004, conjugado com os artigos 6º a 10º da 
 Portaria nº 1085-A/2004, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 A aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante, de facto, o 
 acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado 
 este acesso por insuficiência de meios económicos. O rendimento relevante para 
 efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir de um modo de 
 cálculo rígido, que não permite aferir, em concreto, a situação económica real 
 do requerente, impedindo “que se considerem como despesas relevantes dispêndios 
 a que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua 
 capacidade económica” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 46/2008, disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt).
 Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal nº 126/2008, os “propósitos de tornar 
 a decisão de concessão de apoio judiciário objectiva e uniforme, além de terem 
 conduzido ao desprezo de despesas correspondentes à satisfação de necessidades 
 básicas de cariz não permanente (…) determinaram que o montante das despesas a 
 considerar seja um valor tabelado presumido, resultante da aplicação de um 
 coeficiente legalmente determinado ao valor do rendimento do agregado familiar 
 do requerente, não permitindo, assim, a ponderação de todas as despesas 
 efectivamente realizadas. Este critério de avaliação das situações de 
 insuficiência económica para efeito de concessão de apoio judiciário, pela sua 
 rigidez, permite que lhe possam escapar situações de efectiva incapacidade 
 económica para satisfazer os custos com uma acção judicial” (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Nos presentes autos, sucedeu, precisamente, que não pôde ser considerada como 
 despesa o valor descontado mensalmente no vencimento do requerente a título de 
 desconto judicial, bem como o valor mensal de taxa de justiça a pagar de forma 
 faseada, mercê daquele modo rígido de determinação do rendimento relevante para 
 efeitos de concessão de apoio judiciário. Sendo certo que tais encargos se 
 repercutem necessariamente na situação económica real do requerente, quando 
 confrontados com o rendimento do agregado familiar e com a dedução das despesas 
 legalmente elegíveis.
 E não se diga que a não inconstitucionalidade das normas em apreciação passaria 
 pelo nº 2 do artigo 20º da Lei nº 34/2004, onde se prevê um mecanismo 
 excepcional de apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do 
 requerente de protecção jurídica. A decisão recorrida interpretou esta 
 disposição de direito ordinário no sentido de tal mecanismo valer apenas para 
 fase administrativa do procedimento, não sendo extensível à fase jurisdicional. 
 Interpretação que não é sindicável por este Tribunal.
 Pelo que se expôs, é de concluir que as normas desaplicadas pela decisão 
 recorrida, extraídas do Anexo que integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com 
 aos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, não garantem o acesso ao 
 direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos 
 suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um 
 processo judicial (neste sentido, para além dos já mencionados, cf., ainda, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 125/2008, 127/2008 e 515/2008, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Julgar inconstitucionais as normas constantes do Anexo à Lei nº 34/2004, de 
 
 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 
 de Agosto, alterada pela Portaria nº 288/2005, de 21 de Março, interpretadas no 
 sentido de que determinam que seja considerado para efeitos do cálculo do 
 rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário o rendimento 
 do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em 
 concreto aferir da real situação económica do requerente em função dos seus 
 rendimentos e encargos; 
 b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida.
 Sem custas.
 Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão (vencido conforme declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencido, no essencial, por considerar que, no presente caso, ao contrário 
 do que sucedeu, nomeadamente, no Acórdão n.º 515/2008, que subscrevi, o Tribunal 
 proferiu um juízo de inconstitucionalidade que ultrapassou os limites de uma 
 fiscalização em concreto, sendo certo que, a meu ver, a Constituição não impõe 
 ao legislador que defira necessariamente ao juiz a definição discricionária dos 
 critérios que hão-de presidir à atribuição do apoio judiciário, nem impede que 
 esse mesmo legislador fixe, em termos gerais e abstractos, tais critérios. Ao 
 que acresce, ainda, o facto de o legislador não ter deixado de prever, no caso, 
 um mecanismo que permite a avaliação, em concreto, da situação de insuficiência 
 económica, impedindo, assim, que o acesso ao direito e aos tribunais seja 
 travado por razões de insuficiência económica.
 Gil Galvão