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Processo nº 829/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1. A. vem, a fls. 1309 e segs., reclamar para a conferência da decisão sumária 
 de fls. 1296 e segs., que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por si interposto após ter sido notificada do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 1263 e segs. Pode ler-se na 
 fundamentação da decisão ora reclamada:
 
  
 
 2.  Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que 
 admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, entende-se que é caso de proferir decisão sumária, nos termos do 
 artigo 78.º-A, n.º 1, da referida Lei, por se não poder tomar conhecimento do 
 objecto do recurso.
 Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por este mesmo 
 Tribunal – através de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional [previsto, antes do mais, pela 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal 
 Constitucional conhecer de questões relativas à (in)constitucionalidade de 
 normas. As decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não são em direito 
 português, objecto de controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal 
 Constitucional, surja naturalmente como um dado a norma de direito 
 infra-constitucional que é questionada no recurso. Como se disse no Acórdão n.º 
 
 44/85, “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem 
 aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal 
 Constitucional.” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).
 A exigência de prévia suscitação da questão de (in)constitucionalidade (prévia 
 em relação à prolação da decisão recorrida) faz assim todo o sentido no quadro 
 dos pressupostos do recurso de constitucionalidade. Tratando-se este de um 
 recurso que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se 
 pressuponha que o tribunal a quo, de cuja decisão se recorre, tenha nessa mesma 
 decisão aplicado a norma cuja (in)constitucionalidade se questiona, pelo que tal 
 questionamento terá que ter sido feito pelo próprio recorrente durante o 
 processo, isto é, antes da prolação da decisão recorrida.
 Os pedidos de aclaração e reforma de uma decisão, ou a arguição da sua nulidade, 
 enquanto incidentes pós-decisórios, não são já momentos adequados para, 
 atempadamente, suscitar uma questão de (in)constitucionalidade normativa, em 
 termos de ela poder vir a ser decidida pelo tribunal a quo, e de provocar a 
 intervenção do Tribunal Constitucional para reapreciação, em recurso de 
 constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional. Como se salientou no citado Acórdão n.º 352/94, 
 
 “porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da 
 sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não 
 constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna 
 esta obscura e ambígua, há‑de entender-se que o pedido de aclaração de uma 
 decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios 
 idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade” [v. também 
 já, por exemplo, o Acórdão n.º 62/85, Diário da República (doravante DR), 
 II série, de 31 de Maio de 1985]. 
 Esta orientação quanto ao ónus de suscitação da questão de 
 
 (in)constitucionalidade (como também se salientou no referido Acórdão n.º 
 
 352/94) sofre restrições apenas em situações excepcionais, anómalas, nas quais 
 não se pode exigir ao interessado que suscitasse a questão de 
 
 (in)constitucionalidade antes de proferida a decisão final, designadamente, por 
 o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo em todo insólita e 
 imprevisível da norma impugnada. Este Tribunal tem, porém, repetidamente 
 afirmado, como se disse no Acórdão n.º 479/89 (DR, II Série, de 24 de Abril de 
 
 1992) que:
 
  
 
 (...) não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem 
 as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem 
 socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais 
 
 (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual 
 adequada). E isso também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a 
 interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, 
 certamente, em princípio) a configurar uma dessas “situações excepcionais” em 
 que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação da 
 inconstitucionalidade antes de se esgotar o poder jurisdicional do tribunal a 
 quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma impugnada.
 
 (...) Mas, se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa 
 hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que 
 seria de todo desrazoável dever a parte contar (também) com ela.
 
  
 
 3.  No requerimento de recurso indicam-se duas normas, que a recorrente pretende 
 ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, correspondentes a interpretações 
 normativas dos seguintes preceitos:
 
 –   artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal;
 
 –   artigos 2.º e 3.º, n.º 1 do Regulamento da Comissão Instaladora da 
 Associação dos Técnicos Oficiais de Contas.
 
  
 No que concerne à norma do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, 
 
 “quando interpretado no sentido de não ser necessária a verificação do seu 
 requisito subjectivo” – conforme se concretiza nas alegações antecipadamente 
 apresentadas neste Tribunal Constitucional, mas que se aproveitam para efeitos 
 de delimitação do objecto do recurso, por a recorrente não ter indicado no 
 requerimento de recurso qual a interpretação que teria sido dada, e aplicada, 
 pelo tribunal recorrido ao preceito do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do 
 Código Penal –, a interpretação normativa assim identificada pela recorrente não 
 constituiu ratio decidendi para o tribunal recorrido. 
 Com efeito, é pressuposto específico do recurso de constitucionalidade 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da 
 inconstitucionalidade da norma durante o processo (e do esgotamento dos recursos 
 ordinários que no caso cabiam), que a norma (ou dimensão normativa) em causa 
 tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, 
 como verdadeira ratio decidendi.
 
 É que, se o sentido impugnado não corresponder ao sentido com que a norma 
 questionada foi aplicada na decisão recorrida, não existe interesse processual 
 que justifique o conhecimento da questão pelo Tribunal Constitucional. 
 Neste caso, seja qual for o sentido da decisão que recaia sobre a questão de 
 
 (in)constitucionalidade, manter-se-á inalterado o decidido pelo tribunal 
 recorrido (cfr. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 
 
 1015/96, 196/97 e 508/98, publicados os três primeiros no DR, II série, 
 respectivamente de 24 de Abril de 1992, 4 de Novembro de 1994, e 19 de Março de 
 
 1996).
 No caso presente é isto mesmo que se verifica, não se tendo o tribunal a quo 
 baseado, como ratio decidendi, na interpretação do artigo 256.º, n.º 1, alíneas 
 a) e b) do Código Penal que a recorrente reputa inconstitucional. É o que 
 decorre do que se pode ler a fls. 1264 e 1265 dos autos, no aresto sob recurso:
 
  
 
 (…)
 Ora, conforme se colhe do próprio requerimento, a arguida/recorrente percebeu 
 claramente o sentido do excerto em causa, designadamente quando escreve: «O que 
 resulta do Acórdão que se pretende aclarado é que a norma excepcional que prevê 
 as exigências e requisitos para acesso à profissão de técnico oficial de contas, 
 sendo declarada inconstitucional, continua a verificar-se o crime de 
 falsificação de documento p.p pelos arts 255°, al. a) e 256°, n°1, als a) e b) 
 do C. Penal.» E, de facto, é este o único sentido que a decisão comporta. 
 Como se vê, não ocorre nenhuma ambiguidade. O que acontece é que a recorrente 
 discorda do entendimento perfilhado por este tribunal, designadamente quanto à 
 afirmação da existência in casu do elemento constitutivo do crime em causa, vale 
 dizer, que o agente actue com «intenção ... de obter para si ou para outra 
 pessoa benefício ilegítimo». Na verdade, partindo do aludido excerto, a 
 recorrente faz uma efabulação, pretendendo que nele está implícito que, para 
 este tribunal, «o benefício ilegítimo não é elemento necessário para a 
 constituição do crime de falsificação de documento p. p. pelos arts 255°, al. a) 
 e 256°, n° 1, als a) e b) do C. Penal». Porém, este entendimento não está 
 acolhido no acórdão, quer de forma expressa, quer implicitamente. Pelo 
 contrário, conforme decorre do referido excerto, perfilha‑se, necessariamente, o 
 entendimento contrário, quando nele se escreveu «que a – verificação do crime de 
 falsificação de documento p. p. pelos artigos 255°, al. a) e 256°, n° 1, als a) 
 e b) do CP ... não está dependente de nenhum outro requisito que não seja o do 
 apuramento dos factos narrados em tal peça processual.», pois que, nesta peça 
 processual, tal elemento constitutivo estava alegado. É que a arguida não pode 
 escamotear este dado: aceitando, então, as condições do referido regulamento, e 
 dele se prevalecendo, a arguida, de forma voluntária e livre, falsificou e 
 enviou os documentos exigidos, com intenção de obter a sua inscrição na, então, 
 Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, bem sabendo que tal conduta era 
 proibida.
 
  
 Conclui-se, pois, que a norma em questão, na dimensão tentada impugnar pela 
 recorrente, não foi aplicada pelo tribunal a quo, o qual considerou antes que 
 nada nos autos permitiria concluir no sentido de não ser necessária a 
 verificação do benefício ilegítimo por parte do agente.
 Por outro lado, a suscitação da questão de (in)constitucionalidade normativa 
 referida ao preceito do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal 
 ocorreu, ao contrário do que declara a recorrente no requerimento de recurso, 
 somente no incidente pós-decisório de fls. 1239 e segs. dos autos, altura em que 
 já não é possível ao tribunal que decide apreciar questões novas. 
 Assim, não se encontram, nesta parte do objecto de recurso, preenchidos os 
 pressupostos necessários à interposição do recurso de constitucionalidade que é 
 previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
 4. Quanto à questão de (in)constitucionalidade referida aos artigos 2.º e 3.º, 
 n.º 1 do Regulamento da Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais 
 de Contas, a decisão recorrida remete para a posição tomada a fl. 5 da 
 fundamentação do seu anterior acórdão, onde se conclui que, “para a verificação 
 do crime em apreço nos autos, é perfeitamente irrelevante saber se o dito 
 Regulamento é ou não ilegal, ou se está, ou não, conforme os preceitos 
 constitucionais.”
 Donde, ainda que este Tribunal pronunciasse juízo diverso do da(s) instância(s) 
 sobre a questão de (in)constitucionalidade e determinasse a reformulação da 
 decisão recorrida em conformidade com um juízo de inconstitucionalidade, esta 
 decisão não teria qualquer efeito útil no processo, pois sempre se manteria a 
 decisão recorrida com fundamento em que, remetendo (directa ou indirectamente) 
 para o que decidira o Juiz na Primeira Instância, “(...) isso não poderia 
 justificar de qualquer forma a prática dos actos descritos na acusação”.
 E, conforme o Tribunal Constitucional vem salientando, o julgamento da questão 
 de (in)constitucionalidade desempenha “uma função instrumental”, só se 
 justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão de 
 fundo, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica 
 
 [cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 216/91 (publicado no DR, II Série, 
 de 14 de Setembro de 1991) e 11/2001, este disponível no sítio da Internet 
 
 www.tribunalconstitucional.pt].
 Assim, porque a questão da (in)constitucionalidade não pode influir no mérito da 
 decisão, apenas resta concluir, também nesta parte, pelo não conhecimento do 
 recurso.
 
  
 
  
 
 2.  Conclui-se na reclamação apresentada: 
 
  
 
 1º A recorrente arguiu a inconstitucionalidade do Regulamento da ATOC durante o 
 processo; 
 
 2º A decisão do Tribunal “a quo” ao considerar que, mesmo sendo inconstitucional 
 o Regulamento da ATOC, está verificado o crime de falsificação de documento p. e 
 p. pelo art. 256°, n°1, als. a) e b), do CP, por isso, a recorrente pediu a 
 aclaração do Acórdão, para que se esclarecesse, no caso dos autos, donde resulta 
 o benefício ilegítimo do agente. Sendo certo que, o benefício ilegítimo resulta 
 do referido Regulamento, ora, declarando-se este inconstitucional, não poderá 
 verificar-se o crime de falsificação de documento, por falta do elemento 
 subjectivo que é o benefício ilegítimo; 
 
 3º Esta questão de inconstitucionalidade, não podia a recorrente suscita-la 
 previamente, pelo que a sua colocação em incidente pós-decisório revela-se 
 atempada, não tendo influência no seu conhecimento pelo Tribunal Constitucional 
 a recusa do Tribunal recorrido em apreciá-la; 
 
 4º Até porque, o que se pretende ver apreciado, não é o sentido genérico e 
 objectivo, plasmado no preceito, mas como foi aplicada a norma à dirimição do 
 caso dos autos pelo tribunal recorrido — Lopes do Rego, ob. cit., Acórdãos n°s 
 
 37/97, 680/96, 663/96, 18/96, este publicado no Diário da República, 
 II Série, de 15.05.1996; 
 
 5º A decisão reclamada violou os arts. 221°, 223°, n°1, 277°, n°1, 280°, n°1, 
 al. b), e 281°, n°1, al. a), todos da CRP; e 70°, n°1, als. a) e g), e 72°, n° 
 
 2, da LTC; 
 
 6º O Regulamento de execução da Lei 27/98, de 3 de Junho está ferido de profunda 
 inconstitucionalidade; 
 
 7º Não possuía a ATOC habilitação legal para elaborar o referido Regulamento, 
 pelo menos, nos termos em que efectivamente o fez; 
 
 8º Na medida em que regular matérias sobre Direitos, Liberdades e Garantias é de 
 competência relativa da Assembleia da Republica, nos termos do artigo 165°, n.° 
 
 1 alínea b) da C.R.P.; 
 
 9º Apesar de o legislador, na Lei 27/98, de 3 de Junho, pretender garantir o 
 acesso à profissão de Técnico Oficial de Contas a quem satisfizesse os 
 requisitos do artigo 1º da referida Lei, o certo é que o regulamento faz 
 depender o acesso à dita profissão da necessidade de uma prova restrita e 
 ostensivamente ilegal contida no artigo 1° alínea d) e no artigo 3° do referido 
 Regulamento; 
 
 10º Extravasando o âmbito da Lei 24/98, de 3 de Junho, que não exigia qualquer 
 responsabilidade fiscal, adulterando e ultrapassando assim o espírito, o âmbito 
 e a letra da referida Lei a que o Regulamento da ATOC de veria servir apenas de 
 execução; 
 
 11º As restrições de prova a um único meio probatório, impostas pelo artigo 3°, 
 n.° 1, alínea d), além de violar o princípio da verdade material, padecem de 
 inconstitucionalidade por impedirem directamente a liberdade de escolha da 
 profissão (art. 47° da C.R.P.) o direito ao trabalho (art. 58° da C.R.P.) e a 
 segurança no emprego (art. 53° da C.R.P.); 
 
 12º A exigência de apresentar o Modelo 22, assinado pelo responsável da 
 contabilidade, espelha a intenção da ATOC de impedir a inscrição de 
 profissionais da contabilidade que a isso tinham direito; 
 
 13º Na medida em que desde a entrada em vigor do Dec-Lei n.° 265/95, de 17 de 
 Outubro que deixou de ser obrigatória a assinatura nas declarações fiscais do 
 profissional da contabilidade que a tivesse elaborado; 
 
 14º Com esta exigência probatória a ATOC barrou de modo ilegal e 
 inconstitucional o acesso merecido da recorrente a inscrição na referida 
 Associação; 
 
 15º O crime de falsificação de documentos apenas se concretiza caso esteja 
 preenchido o seu elemento subjectivo, onde terá que verificar-se além da 
 intenção do agente na prática daquele ilícito criminal, a existência de um 
 beneficio ilegítimo; 
 l6º Esse beneficio será no caso “sub judice” a inscrição na ATOC; 
 
 17º Não existindo, ou, sendo declaradas inconstitucionais as exigências ou 
 condições de que se faz depender o acesso à referida inscrição, é obvio que se 
 perderia não só a intenção do agente como também o eventual beneficio que ele 
 pudesse retirar daquele acto, inexistindo, consequentemente, o dito crime de 
 Falsificação de Documento; 
 
 18º Num crime em que o bem jurídico protegido é a segurança do tráfico jurídico 
 e a sua correspondente credibilidade, entendemos não constituir crime de 
 falsificação nos termos do artigo 256° do C. Penal, o acto de alguém assinar, em 
 momento posterior à sua elaboração, um documento que essa mesma pessoa efectuou; 
 e 
 
 19º Tribunal recorrido violou os arts. 18°, 26°, 29°, 32°, 35°, 47°, 165°, n.° 
 
 1, als. b) e c), e 268° da CRP, os princípios da legalidade, princípio da 
 igualdade, princípio da confidencialidade e da verdade material e o art. 256° do 
 C. Penal.
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional 
 respondeu à reclamação nos termos seguintes:
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°
 Na verdade, a longa argumentação deduzida pela reclamante mostra-se inteiramente 
 desfocada dos reais fundamentos que ditaram o não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto. 
 
 3º
 Devendo, pois, ser inteiramente confirmada a decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade de tal recurso.
 
  
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Os fundamentos da presente reclamação, não obstante a sua extensão, são 
 claramente improcedentes. 
 Na verdade, independentemente da análise do problema de saber se o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Guimarães, de 26 de Fevereiro de 2007, se integra, como 
 invoca a reclamante, naquele grupo de situações anómalas que justificam a 
 dispensa de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, não se verifica 
 o pressuposto, indispensável para se poder tomar conhecimento do recurso, 
 consistente na aplicação como ratio decidendi, pela decisão de que se pretende 
 recorrer, da norma do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, na 
 interpretação impugnada.
 Como se salientou na decisão reclamada e resulta da leitura dos autos, o 
 tribunal recorrido fundamentou-se, para julgar improcedente o recurso interposto 
 da sentença recorrida, entre o mais, na afirmação da existência do elemento 
 subjectivo do crime em apreço nos autos. Pode, com efeito, ler-se mesmo no 
 acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Fevereiro de 2007 (fl. 
 
 1232):
 
  
 No caso sub judice tendo em conta a factualidade objectiva dada como provada na 
 sentença recorrida nos pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6) e 7) e, bem assim, os 
 juízos de normalidade e as regras da experiência de vida, a afirmação da 
 existência do elemento subjectivo, consubstanciado nos impugnados pontos 8) e 9) 
 da sentença recorrida, surge naturalmente…
 
  
 E isto, mesmo independentemente do esclarecimento que depois veio a ser 
 desenvolvido no acórdão de 12 de Junho de 2007, em cujo “perfil substancial” a 
 reclamante assenta o seu discurso argumentativo.
 Assim, a decisão que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a norma 
 impugnada – uma certa dimensão normativa do 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) do 
 Código Penal –, ainda que fosse no sentido da inconstitucionalidade, não teria a 
 virtualidade de alterar a decisão recorrida. Pelo que o Tribunal Constitucional 
 não pode tomar conhecimento do recurso e a decisão reclamada merece ser 
 confirmada.
 
  
 
  
 
 4.  A reclamante insurge-se contra a decisão reclamada afirmando que (fl. 1315) 
 
 “o benefício ilegítimo – elemento subjectivo do crime de falsificação de 
 documento – resulta do Regulamento da ATOC. E caso este Regulamento fosse 
 declarado inconstitucional não existiria qualquer benefício ilegítimo por parte 
 da recorrente.” Diz, mesmo, que “(O)o que se pretende colocar à apreciação do 
 Tribunal a quo e deste Tribunal é saber se, sendo declarado inconstitucional o 
 Regulamento da ATOC, a recorrente seria condenada pelo crime de falsificação de 
 documento p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a) e b), do CP.” “É, pois 
 necessário”, defende, “saber donde resulta o benefício ilegítimo, elemento do 
 crime de falsificação de documento, retirado pela recorrente caso o Regulamento 
 da ATOC seja declarado inconstitucional. “No fim”, termina, “o que está em causa 
 
 é apreciar se a recorrente cometeu um crime de falsificação, por pretender obter 
 um benefício ilegítimo, fundado num regulamento que é inconstitucional.”
 Admite-se que a reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no acórdão 
 recorrido, à irrelevância para a verificação do crime em apreço nos autos da 
 questão da (i)legalidade ou da (in)constitucionalidade do referido Regulamento. 
 Mas tal discordância, ou censura em relação à correcção na aplicação do Direito 
 pelo tribunal recorrido, já não é algo que compita ao Tribunal Constitucional 
 apreciar. Como se tem salientado em abundante jurisprudência, ao Tribunal 
 Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal recorrido 
 como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e interpretação, 
 independentemente de questões de constitucionalidade normativa, não compete a 
 este Tribunal controlar. Ora, como se disse na decisão reclamada, já no acórdão 
 do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Fevereiro de 2007 se remeteu para o que 
 sublinhara o Juiz na Primeira Instância e se reitera (fl. 1212):
 
  
 
 «De qualquer forma ainda que outra fosse a conclusão sobre a legalidade e a 
 constitucionalidade do diploma em causa, isso não poderia justificar de qualquer 
 forma a prática dos factos descritos na acusação».
 
  
 Independentemente da correcção da decisão recorrida nesta parte – que, 
 repete-se, não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar –, como também já 
 ficou dito na decisão reclamada, nenhuma repercussão teria o julgamento da 
 questão de constitucionalidade da norma definida pela recorrente, ainda que o 
 Tribunal viesse a concluir no sentido da inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
 5.  Claramente, o que se pretendeu trazer à apreciação deste Tribunal não foi a 
 conformidade constitucional de uma norma, ou de um conjunto de normas ou 
 dimensões normativas, mas antes uma alegada violação da Constituição por uma 
 actuação judicial concreta.
 Na verdade, a reclamante reporta-se num ponto autónomo da presente reclamação à 
 sua “pretensão” e, mais à frente, sublinha:
 
  
 
 (…) Importa aqui referir que sendo o Regulamento de ATOC considerado 
 inconstitucional é óbvio que deixaria de existir benefício na justa medida em 
 que é nesse regulamento que se prevêem as condições de acesso à profissão de 
 Técnico Oficial de Contas. Ora, se essas condições não existissem ou fossem 
 diferentes não teria, o agente do crime de falsificação, qualquer necessidade 
 
 (leia-se benefício) de modificar aquele documento. Perder‑se‑ia, no caso exposto 
 a intenção do agente e consequentemente deixariam de estar preenchidos os 
 requisitos do crime de falsificação. 
 
  
 
  
 O recurso não foi, pois, admitido por não se verificar um seu pressuposto 
 indispensável: a aplicação, pela decisão recorrida, da norma com o sentido 
 impugnado pela recorrente, sendo certo que o recurso de constitucionalidade tem 
 natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que é condição de 
 conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento 
 que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida.
 A reclamante, em rigor, mais do que um sentido normativo, acaba por impugnar a 
 decisão judicial recorrida em si mesma considerada. 
 A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida, confirmando-se a decisão 
 sumária reclamada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar a 
 reclamante em custas, com  20  (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 12 de Março de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão