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Processo n.º 127/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal 
 de Braga, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos 
 art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença do mesmo Tribunal, de 11 de 
 Dezembro de 2006, que denegou a aplicação das normas contidas nos números 1 e 2 
 do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, “na parte em que as mesmas admitem a 
 responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas 
 fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação do 
 princípio de reserva de lei sobre a criação e determinação da incidência 
 tributária, ou seja, na medida em que determinam a incidência de todo e qualquer 
 imposto sobre as pessoas nelas referidas, sem que, para o efeito, o Governo 
 estivesse autorizado a legislar pela Assembleia da República”.
 
  
 
             2 – A decisão recorrida julgou procedente, com base em tal 
 fundamento, a oposição deduzida por A. contra a execução fiscal que fora 
 instaurada, originariamente, contra o B., para a cobrança de dívidas fiscais 
 provenientes de IRS e de IVA, relativas a diversos períodos, e que, 
 posteriormente, foi revertida contra o oponente, com base no facto de este 
 figurar no “Livro de Tomadas de Posse das Direcções” como Presidente da Comissão 
 Administrativa para a época 2002/2003.
 
  
 
             3 – Na parte relevante para o juízo de inconstitucionalidade, então 
 emitido, a sentença recorrida discorreu do seguinte jeito:
 
  
 
 «Alega o Oponente que o nº 2 artigo 39º do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, 
 
 é inconstitucional por ser uma verdadeira norma de incidência fiscal e não ter 
 sido aprovado por Lei da Assembleia da República, nos termos do artigo 103º, nº 
 
 3, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição, bem assim como por violação do 
 princípio da igualdade tributária, uma vez que estabelece um regime de 
 responsabilidade por dívidas de outrem diverso do regime geral, declaradamente 
 excepcional. 
 Para apreciação desta alegação em sede de constitucionalidade, em primeiro lugar 
 deve-se indagar se o regime da responsabilidade solidária se encontra ou não 
 incluída no elenco de matérias que sejam objecto de reserva de lei da Assembleia 
 da República. 
 Sobre as matérias tributárias existe reserva de lei, conforme é pacificamente 
 aceite, no que se reporta à criação de impostos, sua incidência, taxa, 
 benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, conforme dispõe o nº 2 do 
 artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 
 Embora já não tão pacificamente, mas aceite quase unanimemente, também se 
 consideram ao abrigo da reserva de lei a liquidação e a cobrança dos impostos 
 
 (regime previsto no nº 2 do citado preceito constitucional). 
 Desta forma, cumpre averiguar se, nalguns daqueles aspectos, não foi cumprido o 
 princípio de reserva de lei, segundo o qual apenas a Assembleia da República 
 pode legislar ou o Governo após autorização desta – vide alínea i) do nº 1 do 
 artigo 165º da Constituição. 
 
  
 No que respeita à incidência (segundo requisito previsto no nº 2 do artigo 103º 
 da CRP), tal aspecto deve ser analisado apenas no âmbito da questão aqui em 
 apreço, ou seja, sobre a possibilidade de o pagamento do imposto incidir sobre 
 alguém que não é o próprio contribuinte a quem o imposto foi liquidado (ou, se 
 se quiser, ao devedor originário), mas a terceiro na primitiva relação jurídico 
 tributária, que no caso serão os responsáveis solidários. 
 
  
 Antes de continuarmos cumpre referir que as normas de incidência determinam quem 
 são os sujeitos na relação jurídico fiscal, quer pelo lado activo, quer pelo 
 lado passivo. 
 
 «A incidência do imposto é subjectiva, pessoal, quando respeita aos sujeitos, e 
 objectiva, real, quando respeita à matéria colectável e às taxas.» (“Direito 
 Fiscal”, Soares Martinez, Almedina, 10ª edição, 2003, pág. 126). 
 No caso dos autos, o que nos interessa será a incidência do lado do sujeito 
 passivo. 
 Pois bem, tem sido entendimento unânime que o regime de responsabilidade (seja 
 ela solidária ou seja subsidiária), coloca o responsável no “lado” passivo da 
 obrigação do imposto. Veja-se a obra e autor acima citados (pág. 126), bem assim 
 como Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, Almedina, 2ª edição, 2003, páginas 136 
 e 137. 
 Desta forma, a responsabilidade solidária mais não é do que uma norma de 
 incidência tributária, segundo a qual o sujeito passivo fica “responsabilizado” 
 pelo pagamento do imposto que esteja em causa, ao nível subjectivo, pessoal e 
 patrimonial. 
 Devendo as normas de incidência declarar quem sejam os responsáveis (solidários 
 ou substitutos, conforme já se referiu), verifica-se que tal regime deve ser 
 estabelecido por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado ao 
 Governo por aquele primeiro órgão de soberania. 
 
 É assim que na Lei de autorização de aprovação, por parte do Governo, da Lei 
 Geral Tributária (que na realidade é um Decreto-Lei), se atribui expressamente 
 ao Executivo a competência para legislar em matéria de responsabilidade e 
 reversão. 
 Assim, a Lei nº 41/98, de 4 de Agosto, na alínea 15) do seu artigo 2º, autoriza 
 o Governo a legislar em matéria de responsabilidade tributária solidária e 
 subsidiária, definindo o âmbito e extensão dessa autorização. 
 
  
 Por sua vez, o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, refere no seu preâmbulo que: 
 
 «No uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do nº 4 do artigo 
 
 30º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime 
 jurídico estabelecido pela Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe 
 foi dada pela Lei nº 19/96, de 25 de Junho, (...), o Governo decreta o 
 seguinte:». 
 No que respeita às duas últimas citadas Leis, cumpre dizer que as mesmas 
 correspondem à Lei de Bases do Sistema Desportivo, a qual sobre o assunto em 
 apreço nada dispunha, pelo que não conferia ao Governo qualquer autorização 
 legislativa em matéria de responsabilidade tributária solidária. 
 No que concerne à Lei nº 53-C/96, de 27 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de 
 Estado para o ano de 1997), a mencionada alínea d) do nº 4 do artigo 30º 
 autorizava o Governo a legislar relativamente ao imposto sobre o rendimento de 
 pessoas colectivas (IRC), nos seguintes termos: «Harmonizar, em sede de IRC, os 
 regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos 
 da legislação aplicável».
 Ora bem, harmonizar o regime aplicável de IRC relativamente aos clubes e às 
 sociedades anónimas desportivas não é norma habilitante para que o Governo possa 
 determinar a incidência dos impostos sobre os responsáveis solidários pelo 
 pagamento de qualquer tributo. 
 Na realidade, aquela autorização legislativa de harmonização do IRC nunca foi 
 utilizada, sendo que apenas se vislumbra que a mesma possa querer dizer respeito 
 
 à alteração ou revogação da isenção de IRC conferida aos clubes pelo artigo 11º 
 do CIRC, ou pela eventual alteração ou revogação do beneficio fiscal que os 
 mesmos detenham em sede de IRC, por força do disposto no artigo 52º do Estatuto 
 dos Benefícios Fiscais (à data então artigo 48º). 
 Assim se compreendia a autorização legislativa de harmonização de IRC entre 
 clubes e sociedades anónimas desportivas, uma vez que ambos se encontravam (e 
 encontrarão) a disputar o mesmo “mercado” (campeonato), com regimes fiscais 
 diferentes, aparentemente disso beneficiando os clubes, mas já não as sociedades 
 anónimas desportivas. (Dizemos aparentemente, uma vez que o nº 3 do artigo 11º 
 do CIRC faz com que a isenção de IRC se tome mais gravosa para os clubes, uma 
 vez que, como sujeitos isentos, não podem deduzir custos obtidos no exercício da 
 sua actividade, mas podem ser tributados em IRC, quando exercem actividades 
 comerciais, tenham rendimentos provenientes de publicidade e outros). 
 Devendo ser as normas de incidência definidas por Lei da Assembleia da República 
 ou, mediante autorização desta, por Decreto-Lei emanado pelo Governo e, 
 verificando-se que nem uma nem outra coisa sucede, resulta para a norma em crise 
 uma inconstitucionalidade material. 
 Conforme refere o Professor Casalta Nabais (págs. 136 e 137 da citada obra), a 
 incidência encontra-se ao abrigo do princípio de reserva de lei formal e de 
 reserva de lei material (Veja-se, ainda, Soares Martinez, págs. 106 e 107 da 
 supra citada obra). 
 Sendo o regime de responsabilidade tributária uma forma de incidência pessoal ou 
 subjectiva que abrange os responsáveis solidários ou subsidiários e não contendo 
 o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, qualquer autorização legislativa para 
 criar novos tipos de incidência fiscal, verifica-se que o seu artigo 39º se 
 revela manifestamente inconstitucional, por violação do princípio de reserva de 
 lei estabelecido no nº 2 do artigo 103° e na alínea i) do nº 1 do artigo 165º, 
 ambos da Constituição da República Portuguesa. 
 Com a determinação da incidência sobre os dirigentes mencionados no artigo 39º 
 do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, em especial no seu nº 2, sem que tal 
 tivesse cumprido o princípio constitucional de reserva de lei, verifica-se as 
 pessoas designadas naquele preceito não podem ser responsabilizadas 
 
 (solidariamente, ou ainda que fosse subsidiariamente, com base naquela norma) 
 pelo pagamento de quaisquer impostos que o contribuinte originário tivesse 
 deixado de pagar. 
 
  
 Fazendo aqui um parêntesis, refira-se que para a situação do artigo 39º do 
 Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, vale o mesmo princípio no que respeita às 
 contribuições para a Segurança Social, na medida em que a estas lhes são 
 aplicáveis o regime da Constituição “fiscal” (veja-se Casalta Nabais, obra 
 citada, pág. 603 - muito embora não estejam aqui em causa essas contribuições). 
 
  
 Face ao exposto, declaram-se materialmente inconstitucionais os números 1 e 2 do 
 artigo 39º do Decreto-Lei 67/97, de 3 Abril, por violação do princípio de 
 reserva de lei, uma vez que determinam a incidência de todo e qualquer imposto 
 sobre as pessoas neles referidos, sem que para o efeito o Governo estivesse 
 autorizado a legislar pela Assembleia da República». 
 
  
 
  
 
             4 – Alegando sobre o objecto do recurso, o Procurador-Geral Adjunto, 
 no Tribunal Constitucional, concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 «1° 
 Insere-se no âmbito da reserva de lei fiscal, prevista no nº 2 do artigo 103° da 
 Constituição da República Portuguesa, a definição dos pressupostos da 
 responsabilidade solidária ou subsidiária dos membros de órgãos de uma pessoa 
 colectiva pelo pagamento dos débitos fiscais, originariamente a cargo desta, já 
 que tal matéria releva decisivamente, quer para a definição da incidência do 
 imposto em causa, quer para a delimitação das garantias dos cidadãos face à 
 Administração Fiscal. 
 
  
 
 2°
 A previsão de um inovatório e agravado regime de responsabilidade solidária dos 
 membros da direcção dos clubes desportivos pelos débitos a cargo de tais 
 entidades – inovatório relativamente ao que decorria do Código de Processo 
 Tributário, estão em vigor – constante da norma que integra o objecto do 
 presente recurso não encontra suporte bastante nos diplomas legais à sombra dos 
 quais foi editado o Decreto Lei nº 67/97, pelo que está afectado de 
 inconstitucionalidade orgânica. 
 
  
 
 3º
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida».
 
  
 
             5 – O recorrido não contra-alegou.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             6.1 – Os preceitos legais constitucionalmente impugnados, na 
 dimensão acima recortada pelo recorrente, constantes do Decreto-Lei n.º 67/97, 
 de 3 de Abril (DL n.º 67/97), dispõem assim:
 
  
 
 «Artigo 39.º
 Regime de responsabilidade
 
  
 
             1 – Para efeitos do presente diploma, são considerados responsáveis 
 pela gestão efectuada, relativamente às secções profissionais dos clubes 
 desportivos referidos no art.º 37.º, o presidente da direcção, o presidente do 
 conselho fiscal ou o fiscal único, o director responsável pela área financeira e 
 os directores encarregados da gestão daquelas secções profissionais.
 
             2 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, nos casos referidos 
 nos artigos 24.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção 
 dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e 27.º-B, também, do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do 
 Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho, os membros da direcção dos clubes 
 desportivos mencionados no número anterior são responsáveis, pessoal, ilimitada 
 e solidariamente, pelo pagamento ao credor tributário ou às instituições de 
 segurança social das quantias que, no respectivo período de gestão, deixaram de 
 entregar para pagamento de impostos ou da segurança social.
 
             3 - …».
 
             
 
             6.2 – As normas sub judicio inserem-se em diploma que “estabelece o 
 regime jurídico das sociedades desportivas, bem como o regime especial de 
 gestão, a que ficam sujeitos os clubes desportivos que não optarem pela 
 constituição destas sociedades” – art.º 1.º, n.º 1, do DL nº 67/97.
 
             Com a entrada em vigor de tal diploma, os clubes desportivos, desde 
 que participantes em competições de natureza profissional, passaram a ter que 
 optar, obrigatoriamente, por um de dois regimes de gestão nele previstos – o 
 regime de sociedades desportivas ou o regime especial de gestão nele previsto.
 
             As sociedades desportivas devem constituir-se sob a forma de 
 sociedades anónimas (art.º 2.º do DL n.º 67/97), devendo a respectiva firma e 
 denominação conter a indicação da respectiva modalidade de competições 
 desportivas de carácter profissional em que participa, concluindo pela 
 abreviatura “SAD” (art.º 6.º, n.º 1, do mesmo diploma), e regem-se pelas 
 disposições constantes do DL. nº 67/97 e, subsidiariamente, pelas normas que 
 regulam as sociedades anónimas.
 
             Em contraponto, os clubes desportivos participantes em competições 
 de natureza profissional que não optem por constituir sociedades desportivas 
 
 “devem estruturar-se por forma a que as suas secções profissionais sejam 
 autónomas em relação às restantes, nomeadamente organizando uma contabilidade 
 própria para cada uma dessas secções, com clara discriminação das receitas e 
 despesas imputáveis a cada uma (art.º 37.º)”, exigindo-se, ainda, que da 
 
 “constituição dos corpos gerentes dos [deste tipo de] clubes desportivos (…) 
 deverão constar os directores responsáveis pela gestão de cada uma das secções 
 profissionais desses clubes” (art.º 38.º).
 
             Além do regime de responsabilidade definido nos nºs 1 e 2 do art.º 
 
 39.º do mesmo diploma, já atrás transcritos, o mesmo artigo sujeitou, ainda (n.º 
 
 3), os membros da direcção das secções profissionais desses clubes desportivos 
 
 às exigências e proibições constantes dos art.ºs 396.º a 398.º e 519.º do Código 
 das Sociedades para os administradores das sociedades anónimas (prestação de 
 caução pelo exercício da administração, proibição de negócios com a sociedade e 
 de outras actividades na sociedade, ou em sociedades que com ela estejam em 
 relação de domínio ou de grupo, e de proibição do exercício de direitos 
 relativos à aquisição de participações sociais).
 
             Por último, o diploma obriga, também, a direcção desses clubes 
 desportivos a “apresentar à respectiva liga profissional de clubes uma garantia 
 bancária, seguro de caução ou outra garantia equivalente que cubra a respectiva 
 responsabilidade perante aqueles clubes, nos mesmos termos que os 
 administradores respondem perante as sociedades anónimas”, sendo que “o montante 
 da garantia é fixado pela liga profissional de clubes, não podendo ser inferior 
 a 10% do orçamento do departamento profissional do clube” (art.º 40.º), bem como 
 a sujeitar o balanço e demais contas a prévio parecer de um revisor oficial de 
 contas (art.º 41.º) e a cumprir determinadas regras no que concerne à elaboração 
 dos orçamentos (que têm de ser equilibrados) e à convocação das assembleias 
 gerais (art.ºs 42.º e 43.º).
 
             A participação dos clubes desportivos, em competições de natureza 
 profissional, foi, deste modo, perspectivada pelo legislador como um fenómeno 
 económico-jurídico equivalente à prossecução e realização da respectiva 
 modalidade desportiva em verdadeiro regime de empresa, em sentido objectivo. 
 
             A opção legislativa expressa claramente a ideia de que, em tal 
 situação, não deixa de estar-se perante o exercício, por banda do clube 
 desportivo, de uma actividade concretizada, essencialmente, pela prestação de 
 determinados serviços, imanente à prática de certa modalidade desportiva, feita 
 profissionalmente e através de uma organização económica estruturada para 
 possibilitar essa realização de utilidades, como é próprio da noção de empresa, 
 ou de “uma unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um 
 instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de 
 produção para a troca” (cf., entre outros, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 
 
 2.ª edição, pp. 253-254; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, As 
 empresas no Direito, 1996, p. 304., e Curso de Direito Comercial, vol. II, 2001, 
 pp. 22 e segs. e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I 
 volume, 2001, pp. 224 e segs.), sem, todavia, a fazer comungar da natureza de um 
 sujeito jurídico autónomo ou de uma pessoa jurídica diferente da do clube 
 desportivo.
 
             Usando a linguagem do art.º 2.º do Código dos Processos Especiais de 
 Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 
 
 23 de Abril, e do art.º 5.º do Código da Insolvência e da Recuperação de 
 Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, para definir o 
 conceito de empresa, embora apenas para efeitos desses códigos, a situação 
 ajusta-se a uma “organização dos factores de produção destinada ao exercício de 
 
 (…) [uma] actividade (…) de prestação de serviços” ou uma “organização de 
 capital e de trabalho destinada ao exercício de [uma] (…) actividade económica” 
 
 [sem embargo do primeiro código excluir as associações, em cujo tipo de pessoas 
 colectivas os clubes a quem essas “empresas” pertencem se incluem, da declaração 
 de falência, própria de sujeitos jurídicos singulares ou colectivos – art. 
 
 125.º, n.º 1, do CPEREF –, o que já não passa no segundo – art.º 2.º). 
 
             Ora, porque a “empresa”, representada pelo exercício de modo 
 profissional da modalidade desportiva, neste último caso, não abarca toda a 
 actividade que é prosseguida pelo sujeito jurídico que dela é titular (clube 
 desportivo), pois estão fora do seu âmbito as modalidades desportivas exercidas 
 a título não profissional, ao contrário do que se passa relativamente às 
 sociedades desportivas; porque as actividades em que aquela se concretiza 
 constituem expressão de outros diferentes e singulares interesses dos clubes 
 desportivos cuja definição é efectuada, por regra, por órgãos específicos da 
 mesma pessoa colectiva e, porque os respectivos actos de gestão são susceptíveis 
 de importar especiais efeitos jurídicos, mormente, ao nível do direito 
 comercial, laboral e tributário, sentiu o legislador a necessidade de instituir, 
 dentro de cada uma das modalidades desportivas exercidas em termos 
 profissionais, um centro “autónomo” de imputação das responsabilidades previstas 
 no diploma, advenientes de tais actos de gestão, bem como de contabilização das 
 receitas e despesas derivadas da respectiva actividade.
 
             O legislador como que fez equivaler a uma “empresa”, com um sentido 
 subjectivo restringido às obrigações de responsabilidade expressamente 
 contempladas no diploma, e com um sentido objectivo correspondente a cada uma 
 das diferentes modalidades desportivas, a participação dos cubes desportivos em 
 competições de natureza profissional, quando optem por não constituir sociedades 
 desportivas.
 
             É dentro desta teleologia que surge a norma constitucionalmente 
 impugnada. 
 
             Através dela, o legislador define, no caso de sujeição ao referido 
 regime especial, de não opção dos clubes desportivos, que participem em 
 competições de natureza profissional de constituição de sociedades desportivas, 
 o regime de responsabilidade tributária “pelo pagamento ao credor tributário ou 
 
 às instituições de segurança social das quantias que, no respectivo período de 
 gestão”, os titulares dos órgãos nele referidos, “deixaram de entregar para 
 pagamento de impostos ou da segurança social”.
 
             É claro que, constando já da lei, então em vigor, o regime da 
 responsabilidade tributária dos “administradores, gerentes e outras pessoas que 
 exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas de 
 responsabilidade limitada” (art.º 13.º do Código de Processo Tributário, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril), não se impunha ao 
 legislador do mesmo Decreto-Lei n.º 67/97 a tarefa de definir esse regime para o 
 caso de os clubes optarem pela constituição de sociedades desportivas: no 
 silêncio da lei, “às sociedades desportivas são aplicáveis, subsidiariamente, as 
 normas que regulam as sociedades anónimas”.
 
             
 
             6.3 – A responsabilidade pessoal e solidária dos administradores e 
 gerentes das sociedades de responsabilidade limitada foi prevista, pela primeira 
 vez, em Portugal, pela mão do artigo 1.º do Decreto n.º 17 730, de 7 de Dezembro 
 de 1929.
 
             Ela pretendeu assumir uma função inibidora dos comportamentos tidos 
 como correntes dos administradores de tais tipos de sociedades, cuja 
 responsabilidade pelas dívidas se cinge às forças do respectivo património 
 social, de preterirem o pagamento das dívidas de impostos em favor do pagamento 
 aos demais credores da sociedade, com uma relação mais pessoal e próxima dos 
 titulares desses órgãos sociais, como os trabalhadores e fornecedores de bens e 
 serviços, postergando o cumprimento das obrigações públicas, sendo que, então, 
 se vivia uma época de sufoco de equilíbrio orçamental e de défice das nossas 
 contas externas.
 
             O Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 45 005, de 27 de Abril de 1963, que veio substituir o Código das 
 Execuções Fiscais de 1913, manteve, no seu art.º 16.º, nos precisos termos antes 
 definidos, a responsabilidade tributária daqueles titulares de órgãos sociais, 
 prevendo, todavia, no seu art.º 146.º, que essa responsabilidade, apenas, 
 poderia ser efectivada a título subsidiário, ou seja, após a prévia excussão dos 
 bens da empresa ou sociedade, por eles administrada.
 
             Este regime foi, depois, estendido às contribuições para a segurança 
 social, primeiro através do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e, 
 posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio.
 
             Com o Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, equipararam-se os 
 créditos fiscais do Estado aos créditos dos demais credores sociais, no que 
 importa à responsabilidade dos administradores e gerentes de sociedades de 
 responsabilidade limitada pelo seu pagamento, tendo-se determinado, no seu 
 artigo único, que a mesma se regia pelo disposto no art.º 78.º do Código das 
 Sociedades Comerciais. No que diz respeito à responsabilidade pelas dívidas 
 fiscais, os gerentes e administradores passaram a responder, perante o Estado, 
 apenas quando o património social se tenha tornado insuficiente para a 
 satisfação desses créditos por virtude da inobservância culposa, por parte dos 
 mesmos, das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos 
 credores, cabendo ao credor Estado demonstrar a existência dessa culpa.
 
             Todavia, este figurino de responsabilidade pelo pagamento de dívidas 
 fiscais veio logo a ser abandonado pelo Código de Processo Tributário (CPT), 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, o qual, sobre a matéria, 
 passou a dispor no art.º 13.º, sob a epígrafe “Responsabilidade dos 
 administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade 
 limitada”, do seguinte jeito:
 
             
 
             “1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda 
 que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de 
 responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e 
 solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao 
 período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua 
 que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou 
 insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
 
             2. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros 
 dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas, nas sociedades em que 
 os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das 
 sociedades resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.”
 
  
 
             Era este o regime jurídico de responsabilidade tributária 
 subsidiária em relação ao devedor originário e solidário que vigorava à data da 
 publicação do Decreto-Lei n.º 67/97.
 
  
 
             6.4 – Do cotejo entre a norma impugnada e a constante deste art.º 
 
 13.º do CPT resulta que os regimes de responsabilidade das pessoas neles 
 referidas não se sobrepõem e que, nesta perspectiva, não pode deixar de 
 considerar-se inovatório o regime constante do DL. nº 67/97.
 
             É certo que à face deste diploma se torna possível sustentar uma 
 equiparação das secções de clubes participantes em competições de natureza 
 profissional com a figura jurídica das empresas. Todavia, não detendo elas 
 personalidade jurídica autónoma da dos clubes nem estando a sua responsabilidade 
 limitada às forças do seu património, nunca poderiam ou poderão ser tidas como 
 empresas de responsabilidade limitada. 
 
             Empresa de responsabilidade limitada, ao tempo da edição do 
 preceito, era apenas o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, 
 introduzido na ordem jurídica portuguesa, através do Decreto-Lei n.º 248/86, de 
 
 25 de Agosto, sendo certo que este não corresponde a qualquer personificação 
 jurídica da empresa individual através da atribuição de personalidade jurídica à 
 empresa, antes o configurou como “um mero património autónomo ou de afectação do 
 empresário em nome individual, mediante a segregação ou destacamento, no seio do 
 património geral deste, de um acervo de bens exclusivamente afecto à exploração 
 da actividade económica da sua empresa” (cf. José Engrácia Antunes, “O 
 estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte 
 anunciada”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, FDUP, ano 
 III, 2006, pp. 405-406). 
 Por outro lado, não podendo ver-se os clubes desportivos, na identidade total 
 das actividades prosseguidas, também como empresas, nem cabendo os mesmos, 
 seguramente, no conceito de sociedades de responsabilidade limitada, não 
 poderiam os titulares dos órgãos referidos no n.º 1 do art.º 39.º do DL nº 67/97 
 ser havidos como correspondendo a qualquer dos titulares dos órgãos referidos no 
 art. 13.º do CPT.
 
             Tem-se, deste modo, de concluir que o legislador do DL nº 67/97 não 
 repetiu o regime jurídico constante do art. 13.º do CPT.
 
             E, sendo assim, importa saber se a norma impugnada foi emitida por 
 
 órgão constitucionalmente competente ou autorizado para o efeito.
 
             A sentença recorrida deu uma resposta negativa a tal questão. 
 Entendeu ela, brevitatis causa, que a responsabilidade tributária, subsidiária 
 ou solidária, respeita a matéria de incidência pessoal ou subjectiva tributária, 
 que é abrangida pelas normas de incidência, e, como tal, está sujeita ao 
 princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal da Assembleia da 
 República ou de Decreto-Lei, emitido pelo Governo, a coberto de autorização 
 parlamentar, mas que nenhum dos preceitos invocados pela norma impugnada para 
 escudar a existência de autorização a prevê.
 
             O princípio da legalidade tributária tem sido densificado, por 
 diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional (cf., a título de exemplo, os 
 Acórdãos nºs 233/94, 220/97, 127/2004, 271/2005 e 252/2005, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).  
 
             Discorrendo sobre ele em termos que expressam o entendimento seguido 
 pelo Tribunal, e que, aqui, se renova, disse-se no Acórdão n.º 127/2004:
 
  
 
             “O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 
 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103º, n.º 2. 
 
             Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a 
 incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O 
 princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica 
 de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do 
 povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de 
 reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a 
 coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos 
 impostos, constante actualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, 
 consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos 
 modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e 
 subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. 
 
             É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da 
 nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, 
 da igualdade tributária e da capacidade contributiva. 
 
             Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a 
 função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a 
 obrigação tributária esteja reservada à lei. 
 
             Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção 
 material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal 
 dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos 
 impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que 
 são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei 
 Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos 
 contribuintes”.
 
  
 
             Sendo assim, coloca-se a questão de saber se a obrigação de 
 responsabilidade tributária solidária, tal qual se apresenta definida na norma 
 impugnada, integra o elemento essencial dos impostos da incidência ou o das 
 garantias dos contribuintes.
 
  
 
             6.5 – É muito controvertida, na doutrina, a natureza da obrigação de 
 responsabilidade tributária solidária ou subsidiária dos sujeitos em relação aos 
 quais se não verificam os factos tributários que constituem a causa jurígena da 
 obrigação de imposto, como são os sujeitos passivos originários da obrigação de 
 imposto, mas que ficam obrigados ao seu pagamento por virtude do preenchimento 
 de um pressuposto que os responsabiliza, precisamente, por esse pagamento.
 
             No dizer de Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de 
 Campos (Direito Tributário, 2.ª edição, p. 377), que se acompanha, “A 
 responsabilidade tributária deriva do preenchimento de um pressuposto de facto 
 de uma norma. É necessário, mais precisamente, que se preencha um pressuposto de 
 facto, em virtude do qual fica obrigado o sujeito passivo. E, além disso, é 
 necessário que se preencha o pressuposto de facto em virtude do qual fica 
 obrigado o responsável. Nesta medida pode dizer-se que o pressuposto de facto da 
 obrigação do responsável está dependente do preenchimento do pressuposto de 
 facto que origina a obrigação tributária. Ou seja: para que haja 
 responsabilidade, é necessário que se preencham dois pressupostos legais” ou, 
 dito de forma mais omnicompreensiva, dois diferentes quadros de pressupostos 
 legais, também, diferentes.
 
             No caso de responsabilidade subsidiária, o responsável subsidiário 
 apenas responde depois de excutido o património do devedor originário. 
 
             Tratando-se, porém, de responsabilidade originariamente solidária, o 
 responsável responde ao mesmo tempo que o credor em relação ao qual se verificam 
 os pressupostos materiais previstos na norma de tributação como fonte da 
 obrigação jurídica do imposto.
 
             A responsabilidade tributária pelas dívidas tributárias constituídas 
 em relação a outrem corresponde, de qualquer modo, a um instrumento jurídico de 
 garantia de cobrança dos créditos fiscais, de natureza pessoal. À sua 
 conformação é, totalmente, alheio o princípio constitucional da capacidade 
 contributiva que subjaz à eleição dos factos tributários materiais por banda do 
 legislador e à sua conexão com determinado sujeito (o sujeito passivo originário 
 da obrigação de imposto). A responsabilidade solidária ou subsidiária 
 tributárias assenta, essencialmente, na consideração de que o responsável 
 tributário é quem, à face do direito e das circunstâncias de facto, se encontra 
 na posição jurídico-factual de poder cumprir a obrigação de imposto pelo sujeito 
 passivo originário, por ser através dele que este “actua a sua própria 
 capacidade de exercício de direitos” (cf. Isabel Marques da Silva, “Noção e 
 fundamento genérico das situações de responsabilidade tributária”, Problemas 
 Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, p. 123) ou pode, 
 jurídico-factualmente, expressar e executar a sua vontade de cumprimento da 
 obrigação e de disposição dos necessários meios financeiros que o mesmo demanda.
 
             Nesta medida, enquanto garantia pelo pagamento de dívidas 
 tributárias de outrem, imposta pela lei, em favor do credor tributário, um tal 
 tipo de responsabilidade não pode deixar de ser tida como excepcional, 
 principalmente quando solidária. 
 
             É que assente, embora, sobre a circunstância da existência de 
 deveres de gestão e administração, por banda do responsável em relação ao 
 sujeito passivo originário, não deixa importar uma valoração sobre a correcção 
 do exercício de tais deveres que ocorre num quadro complexo de ponderação das 
 circunstâncias de mercado e outras em que se desenvolve a actividade do sujeito 
 passivo e da possibilidade de tomar as opções de política comercial tidas como 
 adequadas e de, assim, assumir um certo carácter sancionatório pelas posições 
 assumidas, importando, em alguma medida, uma limitação à autonomia jurídica (cf. 
 José A. Costa Alves, “A responsabilidade tributária dos corpos sociais e dos 
 Responsáveis Técnicos”, Revista da Faculdade de Direito do Porto, FDUP, III, 
 
 2006, p. 379).
 
             Por outro lado, não poderá esquecer-se que essa responsabilidade se 
 concretiza na disposição de património do responsável para pagamento de 
 obrigações de imposto de outrem que emergem de factos que se reflectem, 
 economicamente, não na esfera do responsável, mas na do devedor originário cuja 
 vontade expressa, afectando, em alguma medida, o direito à propriedade privada e 
 a liberdade de iniciativa económica e empresarial (cf. José Casalta Nabais, 
 Direito Fiscal, 2.ª edição, 2003, pp. 269-270).
 
             Para muitos autores, que olham o fenómeno do ponto de vista do 
 momento e das condições em que, relativamente ao responsável, está prevista a 
 exigência dos efeitos próprios que decorrem da obrigação de responsabilidade de 
 pagamento de tributos de outrem, está em causa uma fiança ex lege (cf., por 
 exemplo, Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª edição actualizada, 
 
 1972, pp. 299-301; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, pp. 387 e segs.; 
 Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3.ª edição, 1985, pp. 312 e 
 segs.; Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, op. cit., p. 
 
 391; Sofia Casimiro, A Responsabilidade dos Gerentes, Administradores e 
 Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedades Comerciais, 2000, p. 161).
 
             Outros autores qualificam essa responsabilidade com uma 
 responsabilidade civil delitual (cf. Ruy de Albuquerque e António Menezes 
 Cordeiro, “Da responsabilidade fiscal subsidiária: a imputação aos gestores dos 
 débitos das empresas à Previdência e o artigo 16.º do Código de Processo das 
 Contribuições e Impostos, CTF, 335/336, 1986, p. 174).
 
             Por seu lado, ainda, outros vêem essa responsabilidade, 
 essencialmente, como uma figura própria do direito tributário, mas em cuja 
 modelação não deixam de intervir requisitos que conformam a obrigação de 
 responsabilidade civil, na medida em que, também, ela apela aos pressupostos da 
 verificação de um comportamento ilícito, culposo e danoso (cf., entre outros, 
 Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, 7.ª edição, 1993, pp. 387 e segs.; Pitta 
 Cunha e Jorge Costa Santos, Responsabilidade Tributária dos Administradores ou 
 Gerentes, 1999, p. 28; Tânia Cunha, “A Culpa dos Gerentes, Administradores e 
 Directores na Responsabilidade por Dívidas de Impostos”, BFD, vol. LXXVIII, 
 Coimbra, 2001, pp. 810-812).
 
             A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 
 de Dezembro, considera o responsável tributário como um sujeito passivo da 
 relação tributária, do mesmo modo que o contribuinte directo e o substituto 
 tributário, enquanto “pessoa que, nos termos da lei, está vinculada ao 
 cumprimento da prestação tributária” (art.º 18.º).
 
             Como quer, porém, que se qualifique a obrigação de responsabilidade 
 tributária, subsidiária ou solidária, é inquestionável que o sujeito passivo 
 dessa obrigação de responsabilidade cumpre uma obrigação de pagamento de imposto 
 cujos pressupostos de facto da obrigação tributária ocorreram relativamente a 
 outro devedor, o devedor originário, desempenhando ele uma função de garante 
 legal desse pagamento.
 
             Conquanto sendo alheio à conexão especial com certa pessoa dos 
 factos materiais que concretizam a incidência objectiva do tributo, assumida 
 pela norma tributária como seu critério de incidência subjectiva, o responsável 
 tributário não deixa, por virtude da concretização de outros pressupostos 
 elegidos pela lei para o investir na titularidade passiva da obrigação de 
 responsabilidade, de ficar constituído na obrigação de pagamento de imposto 
 gerada, originariamente, em relação a outrem.
 
             Desde que, preenchidos estes outros pressupostos, o responsável 
 tributário cumpre a prestação tributária nos termos em que a mesma se constituiu 
 em relação ao devedor originário.
 
             Assim sendo, há-de entender-se que a definição destes outros 
 pressupostos legais, por virtude de cuja ocorrência o responsável fica, 
 igualmente, obrigado ao cumprimento da prestação tributária, tornando-o “sujeito 
 passivo da relação tributária”, integram, ainda, o conceito de incidência, 
 relevado pela nossa Lei Fundamental como elemento essencial dos impostos para 
 efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei 
 formal, na acepção já precisada.
 
             Mas, independentemente de um tal entendimento, poderá ainda ver-se o 
 estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ou 
 subsidiária pelas dívidas tributárias de outrem como implicando com as 
 
 “garantias dos contribuintes”, elevadas, igualmente, à categoria de elemento 
 essencial dos impostos pela norma constitucional e sujeitas ao mesmo princípio 
 da legalidade tributária. 
 
             Na verdade, a obrigação de responsabilidade tributária não deixa de 
 corresponder à imposição, sobre certo sujeito jurídico, de uma obrigação de 
 cumprimento de imposto a título solidário e subsidiário, afectando, pela via da 
 constituição de uma tal garantia patrimonial solidária ou subsidiária, o seu 
 património, em favor do credor tributário. 
 
              
 
             6.6 – O Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, em que se contém a 
 norma constitucionalmente impugnada, foi editado, segundo consta do mesmo, “no 
 uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do n.º 4 do art.º 30.º 
 da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico 
 estabelecido pela Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho”.
 
             Dispõe o n.º 2 do art. 165.º da Constituição que “as leis de 
 autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a 
 duração da autorização, a qual não pode ser prorrogada”. 
 
             A problemática dos condicionamentos constitucionalmente 
 estabelecidos para as leis de autorização legislativa tem sido abordada, pelo 
 Tribunal Constitucional, por diversas vezes, a propósito dos mais variados 
 diplomas emitidos no uso dela.
 
             Sobre tal matéria se debruçou profundamente, mesmo em termos de 
 direito comparado, o Acórdão n.º 358/92, publicado no Diário da República I 
 Série, de 26 de Janeiro de 1993. 
 
             Afirmou-se, então, aí: 
 
  
 
             «Quanto ao objecto da autorização, ele consiste na enunciação da 
 matéria sobre a qual a autorização vai incidir, enunciação essa que, sem 
 prejuízo das garantias de segurança do sistema jurídico, pode ser feita por 
 remissão e abranger inclusive mais do que um tema ou assunto. Como já se 
 escreveu, «a determinação do objecto definido pode ser feita de forma indirecta 
 ou até implícita, quer por referência a actos legislativos preexistentes (que a 
 delegação pretenda coordenar, refundir ou pôr em execução), quer por natural 
 decorrência dos princípios e critérios directivos aplicados a uma matéria 
 genericamente enunciada ou a matérias complexas (cf. António Vitorino, As 
 Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, ed. pol., Lisboa, 1985, p. 
 
 231).
 
             Por seu turno, a extensão da autorização especifica quais os 
 aspectos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as 
 alterações a introduzir por força do exercício dos poderes delegados.
 
             O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera 
 conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os 
 poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas matérias 
 que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não constitui, 
 contudo, exigência especificada de princípios e critérios orientadores [...], 
 mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve constituir 
 essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa tripla 
 vertente:
 
             Por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a expressão 
 pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na perspectiva 
 dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente 
 
 (é o sentido da óptica do delegante);
 
             Por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos 
 fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, 
 assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (e o sentido na óptica do 
 delegado); e
 
             Finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a conhecer 
 aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das transformações 
 que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da outorga da 
 autorização (é o sentido da óptica dos direitos dos particulares, numa zona 
 revestida de especiais cuidados no texto constitucional - as matérias que 
 incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da 
 República).
 
             Temos, deste modo, que na definição do sentido da autorização 
 legislativa, a Assembleia da República pode ir mais ou menos longe, vinculando o 
 legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor 
 pre-definição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser 
 enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais 
 ou menos completa – «já que resta sempre a possibilidade de apreciar 
 ulteriormente e corrigir, se necessário, a legislação governamental (art.º 169º 
 da CRP); e com isso fica também (sem que haja violação da Constituição) uma 
 margem maior ou menor para o Governo modelar, em definitivo, as soluções 
 normativas».
 
  
 
             Como é evidente, a resposta a dar à questão de saber se o legislador 
 delegado se acha constitucionalmente habilitado a legislar nos termos em que o 
 fez não dispensa a interpretação da lei de autorização.
 
             A alínea d) do n.º 4 do art. 30.º da referida Lei n.º 52-C/96 dispõe 
 que o Governo fica autorizado a “Harmonizar, em sede de IRC, os regimes 
 aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos da 
 legislação aplicável”.
 
             Ora, sabido que, na interpretação deste preceito, se tem de partir 
 do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos 
 adequados (cf. art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil), como é postulado pelo 
 princípio material do Estado de direito democrático, maxime, nas dimensões dos 
 seus subprincípios da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa fé, 
 não pode deixar de concluir-se, perante o respectivo discurso legislativo, que 
 dele não dimana qualquer autorização ao Governo no sentido de este poder 
 legislar, embora, por adaptação de institutos previstos na ordem jurídica para 
 outros sujeitos, sobre a obrigação de responsabilidade tributária pessoal, 
 ilimitada e solidária, dos referidos titulares dos órgãos dos clubes desportivos 
 que intervenham em competições profissionais e que não optem por constituir 
 sociedades desportivas.
 
             A matéria a que se reporta a autorização parlamentar concedida ao 
 Governo – “harmonização do IRC devido por clubes desportivos e sociedades 
 desportivas” – é, totalmente, estranha ao estabelecimento do referido regime de 
 responsabilidade tributária pessoal dos dirigentes dos clubes desportivos pelas 
 dívidas de impostos, incluindo derivadas de IRC, ou pelas contribuições para a 
 segurança social.
 
             Mas, como se referiu, o legislador do DL. nº 67/97 fundamenta ainda 
 a sua competência para legislar “no desenvolvimento do regime jurídico 
 estabelecido pela Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho”.
 
             Verifica-se, porém, que o único preceito desta Lei de Bases do 
 Desporto que dispõe sobre matéria susceptível de ter alguma conexão com a 
 matéria fiscal em causa é o n.º 4 do art. 20.º que assim reza (transcreve-se 
 todo o artigo, acentuando-se a itálico o n.º 4 para efeitos de melhor 
 compreensão):
 
  
 
 «Artigo 20.º
 Clubes desportivos
 
 1 - São clubes desportivos, para efeitos desta lei, as pessoas colectivas de 
 direito privado que tenham como escopo o fomento e a prática directa de 
 actividades desportivas. 
 
 2 - Os clubes desportivos que não participem em competições desportivas 
 profissionais constituir-se-ão, nos termos gerais de direito, sob forma 
 associativa e sem intuitos lucrativos. 
 
 3 - Por diploma legal adequado serão estabelecidos os termos em que os clubes 
 desportivos, ou as suas equipas profissionais, que participem em competições 
 desportivas de natureza profissional poderão adoptar a forma de sociedade 
 desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarão sujeitos se 
 não optarem por tal estatuto. 
 
 4 - O diploma referido no número anterior salvaguardará, entre outros 
 objectivos, a defesa dos direitos dos associados e dos credores de interesse 
 público e a protecção do património imobiliário, bem como o estabelecimento de 
 um regime fiscal adequado à especificidade destas sociedades. 
 
 5 - Mediante diploma legal adequado poderão ser isentos de IRC os lucros das 
 sociedades desportivas que sejam investidos em instalações ou em formação 
 desportiva no clube originário. 
 
 6 - Os clubes desportivos e sociedades desportivas que disputem competições 
 desportivas de carácter profissional terão obrigatoriamente de possuir 
 contabilidade organizada segundo as normas do Plano Oficial de Contabilidade, 
 com as adaptações constantes de regulamentação adequada».
 
  
 
             Poderia, desde logo, questionar-se se o n.º 4 do art. 20.º da Lei de 
 Bases do Desporto, na redacção dada pela referida Lei n.º 19/96, cumpre a função 
 de lei de autorização legislativa que resulta do corpo e do n.º 2 do art. 165.º 
 da Constituição (de concessão ao Governo de poderes para legislar em matéria de 
 reserva relativa da Assembleia da República) e, a entender-se como tal, se ela 
 não ofenderia o último preceito constitucional, por falta do estabelecimento da 
 duração da autorização legislativa.
 Não se afigura, porém, necessário resolver esse problema.
 Embora a “Assembleia da República [possa] ir mais ou menos longe, vinculando o 
 legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor 
 pre-definição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser 
 enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais 
 ou menos completa” as soluções normativas, há-de, todavia, convir-se ser 
 manifestamente excessivo inferir do referido preceito – no segmento em que prevê 
 que, “entre outros objectivos”, o legislador delegado deva salvaguardar a 
 
 “defesa dos direitos dos credores de interesse público” – o sentido de este 
 legislador ficar habilitado a estabelecer, de forma inovatória, um tal regime de 
 responsabilidade subsidiária pessoal, relativamente aos titulares dos referidos 
 
 órgãos sociais de clubes desportivos que participem em competições profissionais 
 quando optem por não constituir sociedades desportivas, e, mormente, de adoptar 
 um modelo de regime de incidência subjectiva específica fiscal diverso do 
 previsto no citado art.º 13.º do Código de Processo Tributário.
 
             De resto, cumpre notar que a permissão de “estabelecimento de um 
 regime fiscal adequado”, constante da parte final do preceito, cuja relevação 
 poderia de algum modo servir de elemento potenciador da admissibilidade de uma 
 autorização com o sentido de abranger também essa hipótese, se refere apenas às 
 sociedades desportivas e não também à outra forma de gestão a que os clubes 
 estão sujeitos quando optem por não constituir sociedades desportivas.
 
             Temos, pois, de concluir que a norma constitucionalmente impugnada 
 não encontra suporte bastante em precedente autorização legislativa e que versa 
 sobre matéria de incidência subjectiva específica fiscal, sofrendo, por isso, de 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 
             
 
             a) Julgar inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas 
 dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da 
 República Portuguesa, as normas constantes dos números 1 e 2 do art.º 39.º do 
 Decreto-Lei n.º 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade 
 pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor 
 tributário das pessoas aí mencionadas;
 
             b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pela decisão 
 recorrida e, consequentemente, negar provimento ao recurso.
 Lisboa, 16 de Maio de 2007
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Pereira
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos