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Processo n.º 805/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 
           Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 I - Relatório   
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o 
 Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do 
 objecto do recurso com fundamento no seguinte:
 
 «[…] 3. Constituem pressupostos específicos de admissibilidade do recurso de 
 constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC, a suscitação, durante o processo, de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa; a aplicação dessa norma, com o sentido 
 alegadamente inconstitucional, como critério de decisão do caso; e o esgotamento 
 prévio dos recursos ordinários à disposição do recorrente.
 No caso presente não estão reunidas as condições necessárias ao conhecimento do 
 objecto do recurso, quanto a ambas as questões colocadas, o que justifica a 
 prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da 
 LTC.
 Constata-se que os recorrentes não suscitaram qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, referente aos artigos 21.º e 24.º, alínea c), 
 ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
 De facto, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 os recorrentes limitam-se a concluir que ao «procederem à subsunção dos factos 
 provados aos artigos 21.º e 24.º, alínea c), ambos do DL 15/95, as instâncias 
 recorridas violaram o princípio da tipicidade consagrado nos arts. 1.º, n.º 1, 
 do Código Penal e 29.º, n.º 1, da CRP» e que «a matéria de facto constante dos 
 pontos 27, 28, 30 e 31 é manifestamente insuficiente para que tais ilícitos se 
 mostrem verificados, não contendo uma descrição suficiente dos factos que 
 consubstancie a prática do crime de tráfico agravado por que os recorrentes 
 foram condenados» (conclusões n.ºs 21 e 22 do referido recurso).
 Ou seja, em momento algum apontaram um critério normativo aplicado na decisão 
 recorrida, antes imputaram a inconstitucionalidade ao juízo subsuntivo realizado 
 pelas instâncias recorridas, alegando que os factos dados como provados eram 
 insuficientes para preencher o tipo legal de crime. Ora, como é sabido, o 
 recurso de constitucionalidade apenas pode ter por objecto normas jurídicas e 
 não o acto aplicativo do direito consubstanciado na decisão recorrida.
 A essa mesma conclusão chegou o tribunal a quo, quando refere, no acórdão de 
 
 10.09.2008, proferido na sequência do pedido de aclaração, que «a invocada 
 
 [pelos recorrentes] violação do princípio da tipicidade é feita em função da 
 matéria de facto provada o que implica que a denominada violação da tipicidade 
 mais não é do que a consideração da qualificação jurídica dos factos 
 considerados provados e que mereceu a adequada resposta na decisão recorrida.»
 Tanto basta para que o recurso não possa ser admitido nesta parte, nos termos do 
 disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
 Também no que respeita à segunda questão colocada, ressalta dos autos que os 
 recorrentes não suscitaram, no decurso do processo, uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa idónea a constituir objecto do recurso de 
 constitucionalidade. 
 Apenas se limitaram a imputar o juízo de inconstitucionalidade à decisão 
 recorrida, em si mesma, invocando que a mesma era nula por não ter feito 
 aplicação, ao caso, do disposto no artigo 40.º, alínea d), do CPP, violando o 
 disposto nos artigos 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição − cfr. 
 conclusões n.ºs 1 a 5 da motivação do recurso apresentado no Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 Ainda que assim não fosse, de qualquer forma sempre se verificaria que a 
 interpretação daquele preceito legal que os recorrentes enunciam − pela primeira 
 vez − no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, 
 não foi rigorosamente aquela que foi adoptada na decisão recorrida, como resulta 
 claro da leitura da parte final do ponto I. do acórdão de 04.06.2008. [….]»
 
  
 
 2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
 
 «[…] 1. Na decisão sumária sob reclamação, foi decidido, ao abrigo do disposto 
 no art.° 78.°-A n,° 1 da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso 
 apresentado pelos recorrentes. 
 
 2. A sustentar tal decisão, refere-se, em síntese, na aludida decisão, que os 
 recorrentes não suscitaram questões de inconstitucionalidade normativa, nem a 
 interpretação seguida pelo tribunal recorrido foi, quanto à segunda das questões 
 de inconstitucionalidade suscitadas, aquela contra a qual os recorrentes se 
 insurgem 
 
 3. Ora, salvo o devido respeito, discorda o recorrente de tal entendimento, 
 pelas razões que a seguir se aduzem. 
 
 4. Quanto á primeira das referidas questões - interpretação dos art.s 21.° e 
 
 24.° al. c) do DL 15/93 de 22 de Janeiro - o que os recorrentes vêm alegando, 
 desde que foi proferida a 1.ª decisão condenatória, é que as instâncias 
 recorridas fizeram uma interpretação das referidas normas, segundo a qual, para 
 que o tipo legal do crime ai previsto se mostre preenchido não é necessário 
 imputar aos respectivos agentes, directamente, diversos factos 
 naturalisticamente considerados. 
 
 5. Sendo que, em seu entender, tal interpretação é violadora do princípio da 
 tipicidade, consagrado nos art.°s 1.º n.° 1 do Cód. Penal e 29.° n.° 1 da CRP. 
 
 6. Ora, tal questão não é, apenas, uma questão de subsunção dos factos ao 
 direito, mas sim, também, uma questão de inconstitucionalidade normativa. 
 
 7. Com efeito, não está, apenas, em causa saber se os factos considerados 
 provados nos pontos 27, 28, 30 e 31 do acórdão condenatório são subsumíveis às 
 mencionadas normas, mas, também, saber a interpretação feita dessas mesmas 
 normas extravasa ou não os princípios constitucionais da tipicidade e da 
 legalidade. 
 
 8. É certo que as instâncias recorridas nunca admitem que fizeram uma 
 interpretação demasiado lata do tipo legal em questão (porque isso seria admitir 
 um erro) e, por isso, sempre se poderia dizer que a interpretação posta em causa 
 pelos recorrentes não foi a aplicada pelo tribunal recorrido. 
 
 9. Contudo, tal interpretação demasiado ampla do tipo legal de crime consagrado 
 nos citados art.° 21.° e 24.° al. c) do DL 15/93, de 22 de Janeiro, emerge 
 claramente do contexto da decisão condenatória. 
 
 10. Negá-la será, por isso, o mesmo que “tapar o sol com a peneira”. 
 
 11. O mesmo se diga relativamente à segunda questão de inconstitucionalidade 
 suscitada pelos recorrentes - artigo 40.° al. d) do CPP. 
 
 12. Nesse tocante, basta ler a motivação do recurso apresentado pelos 
 recorrentes para se concluir que os mesmos colocaram, manifestamente e sem 
 margem para qualquer laivo de dúvida, uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa. 
 
 13. Veja-se o seguinte trecho de tal motivação:
 
 “Contudo, entendem os recorrentes que o novo regime legal, neste aspecto, veio 
 apenas dar consagração àquilo que, há muito, era imposto pela nossa lei 
 constitucional. 
 Com efeito, pelas razões já atrás expostas, entende-se que é incompatível com o 
 direito ao recurso, consagrado no art.º 32.º n.º1 da CRP, que os mesmos juízes 
 possam apreciar e decidir questões que foram objecto de reparo por parte dos 
 tribunais hierarquicamente superiores. 
 Pois que sobre aqueles juízes, desde logo, recairá, naturalmente, a suspeição de 
 que tenderão a contornar as questões colocadas pelo tribunal superior para 
 decidir, no essencial, da mesma forma. 
 E se dúvidas houvessem de que seja assim, como já se disse, este e muitos outros 
 processos são bem o exemplo disso. Diremos mesmo que cabe, também aqui, invocar 
 as benditas regras da experiência comum, que, inequivocamente apontam nesse 
 sentido. 
 O que significa, na prática, que entregar a resolução de um caso mal resolvido a 
 quem o resolveu mal, necessariamente, inquina o sentido de um verdadeiro direito 
 ao recurso, consagrado constitucionalmente. 
 Considera-se, pois, inconstitucional qualquer interpretação do artigo 40.° al. 
 d) do CPP, na sua redacção actual, bem como na sua versão revogada, segundo a 
 qual a reparação de vício apontado por instâncias superiores a urna sentença 
 judicial possa ser decidida pelos mesmos juízos que nele incorreram”. 
 
 14. E, relativamente a tal questão, o tribunal recorrido veio fazer uma 
 interpretação restritiva do citado art.° 40.° al. d) do CPP, segundo a qual a 
 reparação de vício apontado por instâncias superiores a uma decisão judicial 
 pode, em certos casos, ser decidida pelos mesmos juízes nele incorreram. 
 
 15. Se tal questão não é, flagrantemente, uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, não se vislumbra, então, que outras questões possam assim ser 
 qualificadas. 
 
 16. Refere-se, ainda, na decisão reclamada que a interpretação do citado 
 preceito legal que os ora reclamantes enunciam não teria sido, rigorosamente, 
 aquela que foi adoptada no acórdão recorrido. 
 
 17. Contudo, emerge, também de forma clara e cristalina, do requerimento de 
 interposição de recurso para o TC que os recorrentes não se limitaram a pôr em 
 causa a interpretação feita pela instância recorrida do preceito legal em causa, 
 mas, também, a interpretação que já vinha sendo feita pela 1.ª instância e pelo 
 TRL, antes da alteração legislativa operada pela Lei n.° 48/2007, de 29-08. 
 
 18.       Donde decorre que os ora reclamantes se insurgem, inequivocamente, 
 contra a interpretação vertida no acórdão do STJ de 04-06-2008, muito embora 
 façam alusão, também, a outras decisões anteriores.
 
 19. Entende-se, por isso, que o recurso interposto pelos recorrentes obedece aos 
 requisitos previstos no art.° 72.° n.° 2 da LTC, pelo que devia tal recurso ser 
 admitido. […]»
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, considerando 
 ser evidente a inverificação dos pressupostos do recurso.
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. Quanto à primeira questão − inconstitucionalidade dos artigos 21.º e 24.º, 
 alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, “na interpretação 
 feita pelas instâncias recorridas” − a decisão reclamada pronunciou-se no 
 sentido do não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento no facto de os 
 recorrentes não terem suscitado, perante o tribunal recorrido, qualquer questão 
 de inconstitucionalidade normativa.
 Os reclamantes contrapõem que não está em causa, apenas, saber se os factos 
 considerados provados, no acórdão condenatório, são subsumíveis às mencionadas 
 normas, mas, também, saber se a interpretação “demasiado amplo do tipo legal de 
 crime”, feita pelo tribunal recorrido, “extravaza ou não os princípios 
 constitucionais da tipicidade e da legalidade” (pontos 7 e ss. da reclamação).
 Sem qualquer razão.
 Pois os reclamantes não contradizem a conclusão de que incumpriram o ónus de 
 suscitação da questão de constitucionalidade, perante o tribunal recorrido, nem 
 são capazes de enunciar (como não foram no momento oportuno, perante o tribunal 
 recorrido) qual a alegada interpretação normativa a que se referem.
 No que concerne à segunda questão − inconstitucionalidade do artigo 40.º, alínea 
 d), do Código de Processo Penal (na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto), na interpretação segundo a qual a reparação de vício apontado por 
 instâncias superiores a uma decisão judicial pode ser decidida pelos mesmos 
 juízes que incorreram na prática de tal vício − a decisão reclamada considerou 
 que não tinha sido suscitada uma questão normativa durante o processo, uma vez 
 que o vício de inconstitucionalidade foi imputado à decisão; e, além disso, que 
 a interpretação questionada não correspondia à efectivamente adoptada na decisão 
 recorrida.
 Ambos os fundamentos são de manter. Quanto ao primeiro, é indiscutível que nas 
 conclusões da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (que 
 delimitam o objecto desse mesmo recurso), o recorrente limitou-se a sustentar a 
 nulidade da decisão, nomeadamente por violar preceitos constitucionais.
 
 É igualmente certo que o tribunal recorrido não subscreveu a interpretação que 
 vem questionada.
 Contrariamente ao que se sustenta na reclamação, a única interpretação que 
 importa aqui ter em conta é aquela que foi adoptada em última instância (e que 
 decidiu em definitivo a questão), ou seja, o acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 04.06.2008, aqui recorrido. 
 Nesta decisão, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que «não só o objecto do 
 recurso decidido na decisão recorrida é substancialmente diferente daquele que 
 constituía o objecto de recurso sobre o qual recaiu decisão anterior do Tribunal 
 da Relação de Lisboa, como também é exacto que incide sobre matéria em relação à 
 qual não existia pronúncia prévia.» E conclui que «o funcionamento da tutela da 
 imparcialidade, ínsito na reformulação operada no artigo 40 do Código de 
 Processo Penal, exige que a decisão de recurso proferida previamente pelo juiz 
 impedido tenha subjacente uma coincidência, ainda que parcial, das mesmas 
 decisões. No caso vertente a situação é distinta uma vez que a patologia 
 existente é exactamente o facto de o tribunal não ter decidido, ou seja, não ter 
 apreciado a questão sobre a qual é agora chamado a pronunciar-se.» (fls. 4949 e 
 
 4950).
 Ou seja, o tribunal recorrido entendeu, interpretando o artigo 40.º do CPP, que 
 não existia impedimento relevante por não haver coincidência, ainda que parcial 
 das decisões (juízo aplicativo que escapa ao controlo do Tribunal 
 Constitucional); enquanto que a interpretação questionada, pelos reclamantes, 
 parte do pressuposto de que existia uma coincidência entre essas decisões.
 
 É, por isso, de manter na íntegra a decisão reclamada.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos