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Processo n.º 593/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I – Relatório
 
 1. Por Acórdão de 11 de Dezembro de 2007 foi decidido, nos autos em apreço, não 
 tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A. e Outros, 
 contra a B., S.A., pelo facto de, durante o processo, não ter ocorrido 
 suscitação de questão de constitucionalidade normativa em moldes processualmente 
 adequados, nos termos que se transcrevem:
 
 “2. Por despacho de fls. 866, o Conselheiro Relator determinou a notificação dos 
 Recorrentes para ‘considerando a eventualidade do Tribunal não tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por vir a considerar 
 que não foi suscitada, de modo processualmente adequado, a questão de 
 constitucionalidade como verdadeira ratio decidendi, antes havendo uma reacção à 
 forma como foi decidido o pleito (…)’, virem dizer o que se lhes oferecer.
 Por requerimento de fls. 868 e seguintes, vieram os Recorrentes invocar que 
 
 ‘enunciaram e definiram de forma adequada e suficiente a questão de 
 inconstitucionalidade, relativamente às normas do art. 25º/2 e 3 do Código das 
 Expropriações, aprovado pelo DL 168/99, de 18 de Setembro, bem como do art. 22º 
 do regulamento do PDM de Albufeira (…)’.
 Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da 
 Lei do Tribunal Constitucional, só pode ser objecto de conhecimento se a questão 
 de constitucionalidade normativa tiver sido adequadamente suscitada, pelos 
 Recorrentes, durante o processo, e se as normas a que tal questão se reporta 
 tiverem sido aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento (i.e., como sua 
 ratio decidendi).
 Resulta dos autos, cotejando a alegação de recurso apresentada no Tribunal da 
 Relação de Évora, junta a fls. 631 e seguintes, pelos Recorrentes, que a 
 asserção relativa à questão de constitucionalidade invocada foi levada às 
 conclusões 5.ª e 6.ª (fls. 699), em que se exarou, respectivamente:
 
 ‘5°. O terreno expropriado localiza-se em área de expansão urbana de Albufeira, 
 pelo que, também por este motivo, as suas potencialidades edificativas 
 
 ‘configuram-se bem definidas e próximas’ (v. Ac. Rel. Porto de 1991.01.31, 
 
 403/483; BMJ 403/483; Rel. Évora de 1990.10.18, CJ 1990/IV/292), não podendo 
 deixar de ser consideradas in casu (v. arts. 13.º e 62° da CRP e n°s. 11 e 12 
 dos FA).
 
 6°. A parcela expropriada não podia assim deixar de ser classificada como ‘solo 
 apto para a construção’, tanto mais que nela foram erigidos 5.000 m2 de 
 construção, tendo a douta sentença recorrida violado frontalmente o disposto nos 
 arts. 13° e 62° da CRP e nos arts. 23°, 25° e 26° do CE 99).’
 Verifica-se, assim, que os Recorrentes, durante o processo, não formularam 
 qualquer juízo de inconstitucionalidade normativa, isto é, não suscitaram a 
 inconstitucionalidade de qualquer preceito legal aplicado, antes, afrontando a 
 decisão recorrida, concluíram no sentido de que a mesma enfermava de 
 inconstitucionalidade.
 Ora, o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo dos artigos 280.º, 
 n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, tem por objecto normas jurídicas, seus segmentos ou dimensões 
 
 (normativas). Não versa, por conseguinte, sobre a pronúncia judicial recorrida. 
 Face à arquitectura que o sistema português de fiscalização da 
 constitucionalidade assume, o objecto do recurso de constitucionalidade apenas 
 poderá incidir sobre a apreciação, à luz das regras jurídico-constitucionais, de 
 um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido. Com efeito, o nosso 
 sistema de fiscalização de normas jurídicas não permite que se indague da 
 constitucionalidade da decisão judicial, como sucede noutros ordenamentos 
 estrangeiros, sendo apenas sindicáveis as normas (ou interpretações normativas) 
 que configurem a ratio decidendi do litígio.
 
 3. Assim, a questão de constitucionalidade normativa imputada aos artigos 25.º, 
 n.ºs 2 e 3 do Código das Expropriações em vigor (e, bem assim, ao artigo 22.º do 
 Regulamento do PDM de Albufeira) apenas vem suscitada no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional sendo, posteriormente, 
 desenvolvida nas respectivas alegações apresentadas pelos Recorrentes. No 
 entanto, o que se dispõe nestes articulados não pode relevar, de todo, para 
 efeitos de preenchimento dos pressupostos do recurso de constitucionalidade nos 
 termos que se vêm analisando, na medida em que tem lugar já não durante o 
 processo mas uma vez esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo. 
 Destarte, intervindo o Tribunal Constitucional, no âmbito da fiscalização 
 concreta, em sede de recurso, e não lhe cabendo a apreciação da conformidade 
 constitucional das decisões proferidas pelos outros tribunais, nada mais resta 
 senão concluir pela impossibilidade de conhecimento do recurso.”
 
 2. Deduziram então os Recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, do 
 Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pedido de reforma do mencionado Acórdão, alegando, 
 esquematicamente, que:
 
 – houve violação do princípio do contraditório e do direito ao recurso pelo 
 facto de o despacho-convite não ter feito referência à não suscitação da questão 
 de constitucionalidade normativa durante o processo;
 
 – resultam preenchidos todos os pressupostos objectivos de conhecimento do 
 recurso, designadamente a suscitação da inconstitucionalidade durante o processo 
 e em moldes adequados, constituindo as normas impugnadas a ratio decidendi da 
 decisão recorrida;
 
 – caso não se considere ter existido arguição da questão de 
 inconstitucionalidade durante o processo então a decisão a quo deve ser encarada 
 como “decisão-surpresa” para efeitos de dispensa desse ónus processual.
 Não houve resposta da Recorrida.
 Cumpre decidir, com dispensa dos vistos legais.
 II – Fundamentação
 
 3. Nos termos do artigo 669.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, existe lugar 
 
 à reforma da sentença quando “tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na 
 determinação da norma aplicável ou na qualificação dos factos”, ou quando 
 
 “constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem 
 necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, 
 não haja tomado em consideração.”
 Adiante-se já que não se verifica qualquer um destes cenários, não colhendo as 
 hipóteses aventadas pelos Recorrentes.
 Desde logo não se verificou qualquer violação do princípio do contraditório. O 
 despacho-convite debruçou-se sobre a eventualidade de não conhecimento do 
 recurso interposto pelo facto de não ter sido “suscitada, de modo 
 processualmente adequado, a questão de constitucionalidade, como verdadeira 
 
 ‘ratio decidendi’, antes havendo uma reacção à forma como foi decidido o pleito 
 
 (…)”.
 Ora, como decorre da Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional (cfr., 
 respectivamente, artigos 280.º, n.º 1, alínea b), e 70.º, n.º 1, alínea b), e 
 
 72.º, n.º 2), o momento a que se reporta a aferição do preenchimento dos 
 pressupostos específicos dos recursos em análise há-de ocorrer durante o 
 processo. O Tribunal Constitucional tem entendido, assim, que, uma vez que o 
 poder jurisdicional do juiz se extingue com a prolação da sentença, de acordo 
 com o disposto no artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a arguição 
 do concreto problema de constitucionalidade deve verificar-se em momento 
 anterior, por forma a permitir a efectiva pronúncia do juiz a quo sobre essa 
 matéria.
 Nos autos em apreço, as normas cuja constitucionalidade os Recorrentes pretendem 
 ver apreciar surgem autonomizadas e especificadas apenas no requerimento de 
 interposição de recurso e, ainda assim, sem que tenha sido lograda a 
 concretização do juízo normativo decisório que lhes subjaz e com o qual 
 discordam (sendo certo que, conforme resulta do que é dito no parágrafo 
 anterior, o que vem exposto em tal requerimento não basta para efeitos de 
 verificação de pressupostos cujo preenchimento é exigível em momento anterior). 
 Tendo o recurso sido objecto de decisão de não conhecimento por não ter ocorrido 
 
 (obviamente durante o processo dado ser este o critério estabelecido na 
 Constituição e na Lei para o cumprimento dos diversos ónus processuais que 
 impendem sobre o recorrente constitucional) suscitação de questão de 
 constitucionalidade normativa em moldes processualmente adequados – mormente 
 mediante a individualização de um critério normativo aplicável a uma pluralidade 
 de situações – em nada foi afrontado o princípio do contraditório, não se 
 verificando qualquer “surpresa” neste resultado face ao teor do 
 despacho-convite.
 
 4. Repete-se: durante o processo a inconstitucionalidade foi imputada 
 directamente à decisão recorrida. 
 E, ainda assim, a suposta vertente normativa identificada no requerimento de 
 interposição do recurso para este Tribunal Constitucional – que se resumiu, 
 aliás, à indicação das normas que os Recorrentes pretendiam ver apreciadas – 
 carece da respectiva concretização no que respeita ao conteúdo do juízo 
 normativo impugnado, no sentido de regra jurídica dotada de generalidade e 
 abstracção (a qual há-de ter sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão 
 recorrida). 
 De igual modo, não colhe o argumento alternativo invocado pelos Recorrentes no 
 sentido de se ter a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora como 
 inesperada para efeitos de dispensa de suscitação atempada da questão de 
 constitucionalidade pois que a mesma não procedeu a qualquer interpretação 
 insólita do bloco normativo aplicável face à decisão proferida em primeira 
 instância e à abundante jurisprudência (nomeadamente constitucional) para que 
 remete.
 Improcede, assim, o pedido de reforma do Acórdão constante de fls. 883 a 886.
 III – Decisão
 
 5. Face ao exposto decide-se, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, 
 desatender o pedido de reforma do Acórdão n.º 611/2007.
 Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (Quinze) UCs.
 Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos