 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 1144/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente, A., Lda. e como recorrido B.  (liquidatário judicial) a Relatora 
 proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A., Lda. e como recorrido 
 B. (liquidatário judicial), vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a primeira 
 veio interpor recurso de acórdão proferido por aquele tribunal em 11 de Setembro 
 de 2007, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, “com fundamento 
 na violação do artigo 20º (denegação de justiça, violação das partes em 
 transigirem) e do artigo 26º (violação e desrespeito da palavra, bom nome e 
 reputação dos outorgantes no processo de concordata), ambos da CRP” (fls. 848).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in 
 casu, o Supremo Tribunal de Justiça – o poder de apreciar a admissão de recurso, 
 essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do 
 mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão 
 preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos 
 artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
 
  
 
 3. A recorrente optou por fixar como objecto do seu recurso a própria decisão 
 proferida pelo tribunal “a quo”, não colocando em crise qualquer norma ou 
 interpretação normativa específica. Senão, veja-se:
 
  
 
 “4 – Pretendendo-se ver apreciada a constitucionalidade das decisões que não 
 respeitando a vontade das partes (…), colocou a vontade das partes em dúvida, 
 não dando qualquer oportunidade aos outorgantes de confirmar presencialmente 
 essa decisão perante o próprio tribunal (…)” (fls. 848, com sublinhado nosso).
 
  
 Sucede, porém, que o sistema português de fiscalização da constitucionalidade 
 apenas abrange a sindicância de “normas jurídicas” e não de “decisões 
 jurisdicionais”, conforme resulta do n.º 1 do artigo 277º da CRP, pelo que este 
 Tribunal não pode conhecer do objecto do pedido livremente formulado pela 
 recorrente. 
 
  
 
 4. É verdade que o n.º 6 do artigo 75º-A da LTC teria permitido, caso outros 
 vícios não ressaltassem do referido requerimento de interposição de recurso, um 
 convite à indicação da norma infra-constitucional aplicada pela decisão 
 recorrida em sentido desconforme à Constituição.
 
  
 Todavia, apesar de a recorrente afirmar o contrário no § 3. do requerimento de 
 interposição de recurso, aquela não suscitou de modo processualmente adequado, 
 perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, conforme lhe era imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC. Como tal, 
 um eventual convite ao aperfeiçoamento configuraria um acto processual inútil 
 que este Tribunal, por força do artigo 137º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º 
 da LTC, deve abster-se de praticar.
 Nem nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 720 
 a 737), nem nas suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (fls. 780 a 797), nem sequer no pedido de aclaração da decisão recorrida (fls. 
 
 830 a 842) se suscita qualquer questão relativa à inconstitucionalidade de 
 qualquer norma ou interpretação normativa aplicada. A mera referência constante 
 do § 64 do pedido de aclaração, segundo a qual “A justiça que constitui um 
 princípio básico da Constituição da República Portuguesa e do Estado de 
 Direito”, como sustento genérico de uma acusação de “denegação de justiça” – 
 segundo a recorrente, bem entendido – não configura suscitação de uma questão de 
 inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, para os efeitos do n.º 2 
 do artigo 72º da LTC.
 
  
 
  
 
             III. DECISÃO
 
  
 
             Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se não 
 conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
             Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro»
 
  
 
 2. Inconformada com esta decisão, vem a recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, com os fundamentos que de ora em diante se 
 sintetizam:
 
  
 
 «1.       A recorrente e ora reclamante ao longo de todo o processo veio 
 suscitando nas alegações de recurso, por via directa ou indirecta, o facto de 
 ser inconstitucional a recusa de admissão liminar da proposta de concordata, 
 conforme alegações e requerimentos de aclaração que se dão por integralmente 
 reproduzidos (alegações para o Tribunal da Relação, alegações para o Supremo 
 Tribunal de Justiça e alegações para o Tribunal Constitucional, e requerimentos 
 de aclaração doc. 1, 2, 3 4 e 5) 
 
  
 
 2.         A recusa de admissão da proposta de concordata numa fase liminar, sem 
 que houvesse qualquer hipótese da mesma ser discutida, e designadamente em 
 Assembleia de Credores, viola claramente o disposto nos artigos 20° e 26° da 
 Constituição da Republica Portuguesa, porquanto implica que as partes não têm 
 liberdade de celebrar transacções sobre direitos disponíveis em Tribunal e nem 
 de dispor livremente dos seus direitos de crédito. 
 
  
 
 3.         Tratando-se de direitos de crédito, estamos perante direitos 
 disponíveis, pelo que também o direito à propriedade e à livre disposição dos 
 bens, e designadamente dos credores, são violados pela decisão impugnada, que 
 por mais esta razão é inconstitucional. 
 
  
 
 4.         Por outro lado, a questão da prescrição dos impostos e contribuições 
 
 é levantada no próprio articulado da proposta de concordata, conforme artigos 
 
 48° e 97° (por remissão para a adesão ao Plano Mateus onde se juntam cópias das 
 certidões das decisões de prescrição e que se mostra junto ao processo) da 
 proposta e cujo teor a recorrente tem dado por reproduzido e aqui dá por 
 integralmente reproduzido (doc. 6) 
 
  
 
 5.         Esta inconstitucionalidade, entenda-se “violação das normas da 
 Constituição da Republica Portuguesa”, radicava no facto das declarações 
 subscritas pelos credores concordatários serem manifestações válidas de vontade, 
 por quem tem capacidade para as efectuar e, bem assim, no facto de caso a 
 proposta de concordata não fosse aceite, estar a impor ao falido o pagamento de 
 impostos e contribuições para a Segurança Social já declarados prescritos, por 
 decisões das Secretarias de Execução fiscal de Lisboa.
 
  
 
 (…)
 
  
 
 11.       É certo que a decisão recorrida viola os mais basilares princípios 
 constitucionais.
 
  
 
 12.       Porém, não se trata verdadeiramente da aplicação de normas 
 inconstitucionais e nem de recusa de aplicação de normas com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade. Pelo que, 
 
  
 
 13.       Verdadeiramente o que se trata é que as normas processuais aplicadas - 
 os artigos 1153, 1266, 1267 e 1268° do Código de Processo Civil enunciados na 
 decisão recorrida são constitucionais - quando levadas ao extremo no sentido de 
 impossibilitar a admissão liminar da proposta de concordata e a sua discussão em 
 Assembleia de Credores, tornam-se inconstitucionais.
 
  
 
 14.       Ou seja, o que é inconstitucional é a forma como o Mmo Juiz aplica 
 essas normas ao caso concreto. 
 
  
 
 15.       É esta aplicação que se traduz na violação de direitos constitucionais 
 das partes enquanto pessoas com capacidade civil e enquanto cidadãos. 
 
  
 
 16.       O recurso é assim interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70° da Lei 28/82, mas não porque a norma — os artigos 1153°, 1266, 
 
 1267 e 1268 - em si sejam inconstitucionais, mas porque a aplicação que o 
 Tribunal recorrido faz dessas normas ao caso concreto é que é inconstitucional. 
 
  
 
 17.       Como assim, a forma de interposição de recurso pode não ser a 
 formalmente mais correcta, porquanto a definição da situação à luz das alíneas 
 do n.º 1 do artigo 70° não é fácil de fazer, ainda para mais tendo por base a 
 situação que se acaba de expor. Porém, 
 
  
 
 18.       O recorrente com o presente recurso pretende ver apreciada a 
 inconstitucionalidade (ou a constitucionalidade) da decisão recorrida e dos 
 artigos 1153°, 1266°, 1267° e 1268 do Código de Processo Civil com a 
 interpretação — talvez um pouco extremista ou formalmente inflexível — que lhe 
 foi dada e com a qual foi aplicada ao caso concreto e que teve como consequência 
 a de a proposta de concordata não ser admitida em virtude de não constar de 
 documento elaborado por notário mas apenas de documento confirmado perante o 
 notário através do reconhecimento de assinaturas pelo mesmo, sendo as 
 assinaturas (de credores e falida) reconhecidas de acordo com as leis notariais 
 vigentes no momento em que foram praticadas. 
 
  
 
 19.       É, assim, de Justiça que a situação em concreto seja apreciada por 
 esse Colendo Tribunal, permitindo que os artigos 1266°, 1267°, 1268° e 1153° do 
 Código de Processo Civil vigente no momento da declaração de falência possam ser 
 interpretados por forma a que, uma vez que as leis notariais se flexibilizaram, 
 não exigindo documentos elaborados por notário para tipos de actos similares aos 
 que estão em causa nos autos e uma vez que as declarações dos credores contêm 
 assinaturas reconhecidas de acordo com as leis notariais vigentes no momentos em 
 que foram subscritas, também a proposta de concordata possa ser liminarmente 
 admitida e discutida em Assembleia de Credores convocada para o efeito.» (fls. 
 
 920 a 924, com realce e sublinhado nossos)
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, o recorrido deixou expirar o prazo para resposta 
 sem que viesse aos autos pronunciar-se.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. O teor da reclamação ora apresentada apenas contribui para reforçar a 
 constatação de que a recorrente apenas pretendeu colocar em causa uma pretensa 
 inconstitucionalidade da decisão jurisdicional recorrida, enquanto tal, e não 
 qualquer norma ou interpretação normativa constante da referida decisão. Aliás, 
 a recorrente persiste em afirmar que “o que é inconstitucional é a forma como o 
 Mmo Juiz aplica essas normas ao caso concreto” (cfr. fls. 922, § 14). Dito de 
 outro modo, a recorrente não pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de 
 determinadas normas, tal como interpretadas pela decisão recorrida, mas antes 
 pretende que seja sindicado o próprio acto jurisdicional que as aplicou, o que 
 extravasa dos poderes de cognição deste Tribunal.
 
  
 
 5. Por último, a recorrente insiste em juntar aos autos cópias das peças 
 processuais que já deles constam, mas não logra demonstrar que tenha suscitado 
 de modo processualmente adequado qualquer questão de inconstitucionalidade. 
 Conforme já notado pela decisão ora reclamada, “Nem nas suas alegações de 
 recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 720 a 737), nem nas suas 
 alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 780 a 797), nem 
 sequer no pedido de aclaração da decisão recorrida (fls. 830 a 842) se suscita 
 qualquer questão relativa à inconstitucionalidade de qualquer norma ou 
 interpretação normativa aplicada”. As referências genéricas a princípios 
 acolhidos na Lei Fundamental não podem ser consideradas como suscitação 
 processualmente adequada de questões de constitucionalidade, correspondendo 
 antes a meros excursos argumentativos que não visam colocar em crise a 
 conformidade de normas concretas com as normas e princípios constitucionais.
 
  
 Afirmar que “(…) a Lei processual vigente visa prosseguir uma justiça material 
 em detrimento de uma justiça meramente formal” – como a recorrente fez através 
 da alínea q) das alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 
 
 736) – não corresponde a invocar de modo processualmente adequado a 
 inconstitucionalidade de uma norma determinada.
 
  
 Afirmar que “A recorrente ao ver ser postergada a importância da apreciação dos 
 apensos da concordata, e bem assim, a análise em concreto de cada um dos 
 documentos – os originais – vê assim ser-lhe negada justiça” ou “A justiça que 
 constitui um princípio básico da Constituição da República Portuguesa e do 
 Estado de Direito”– como a recorrente fez através dos §§ 63 e 64 do requerimento 
 de aclaração, a fls. 736 – não corresponde a invocar de modo processualmente 
 adequado a inconstitucionalidade de uma norma determinada.
 
  
 Deste modo, não subsiste qualquer fundamento para alteração da decisão 
 reclamada.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 9 de Abril de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão